OS MÉTODOS DEDUTIVO E EMPÍRICO DE PENSAMENTO

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OS MÉTODOS DEDUTIVO E EMPÍRICO DE PENSAMENTO: INFLUÊNCIAS NO
SISTEMA JURÍDICO DO CIVIL LAW E COMMON LAW
Luciano Lima Figueiredo*
A fragmentação pós-moderna não é disciplinar e sim temática. Os temas são
galerias por onde os conhecimentos progridem ao encontro um dos outros. Ao
contrário do que sucede com o paradigma actual, o conhecimento avança à medida
que o seu objeto se amplia, ampliação que, como da árvore, procede pela
diferenciação e pelo alastramento das raízes em busca de novas e mais variadas
interfaces.
Boaventura de Sousa Santos (2006, p. 76).
SUMÁRIO: 1 Breve Intróito. 2 Os Sistemas Jurídicos. O Recorte do
Tema. 2.1 As Famílias do Direito. 2.1.1 O Civil Law. 2.1.2 O
Common Law. 2.1.3 Família Socialista. 3 O Direito Ocidental: O
Common Law e o Civil Law versus Os Métodos Dedutivo e Empírico
de Pensamento. 3.1 O Método Dedutivo e o Sistema do Civil Law.
Uma Análise Sob o Prisma do Racionalismo Francês. 3.1.1 A
Trajetória. 3.1.2 O Método Racional. 3.1.3 O Racionalismo, o Civil
Law e o Método Dedutivo. Atualidade e Influências no Sistema de
Ensino. 3.2 O Método Empírico e o Common Law: Uma Análise Sob
o Viés da Experimentação de Francis Bacon. 3.2.1 A Trajetória. 3.2.2
O Método Experimental. 3.2.3 O Common Law e a Experimentação
de Francis Bacon. Influências Atuais e Sistema de Ensino. 4 Civil Law
e Common Law: Compartimentos Estanques? Pretensa Unificação. 5
À Guisa de uma Conclusão. Referências
RESUMO: O presente artigo tem como escopo verificar a influência ideológica de uma
comunidade na técnica (sistemática) jurídica. Em razão da necessidade de recorte
metodológico, optou-se por realizar paralelo entre o direito comum (common law) e o escrito
(civil law), verificando-se quais os métodos de pensamento geradores de tais técnicas. Inferiuse possibilidade de ligação entre o civil law e o método dedutivo, em especial com o
racionalismo francês de René Descartes. Em relação ao direito comum, verificou-se união
com o método empírico, em particular o experimentalismo de Francis Bacon. Realizadas tais
conexões, perquiriu-se derredor da influência desses métodos de pensamento humano no
*
Advogado Militante em Salvador-Bahia. Graduado em Direito na Universidade Salvador – UNIFACS.
Especialista (Pós-Graduado) em Direito do Estado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestrando em
Direito Privado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professor Convidado do Centro de Pós-Graduação
e Especialização da Faculdade Visconde de Cairu – CEPEV. Professor Convidado da Pós-Graduação em Direito
Civil da UNIFACS. Professor Convidado de Cursos de Extensão da UNIFACS. Professor de Direito Civil, nas
cadeiras de Direitos das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, na UNIME. Professor de Direito Civil, nas
cadeiras Contratos, Família e Sucessões, na UNIFACS.
ensino e produção jurídica, tanto do civil law - com as aulas conferências - como do common
law, com o estudo de caso (case study). Observou-se na análise não mais ser possível uma
divisão estanque entre o direito escrito e o comum, sendo crescentes as simbioses. Defendeuse a existência, em verdade, de uma Família do Direito Ocidental, unindo as concepções do
direito comum e escrito, em busca de maximização e concretização da ciência jurídica.
Palavras-chave: civil law; common law; método dedutivo; método empírico; René Descartes;
Francis Bacon; Direito Ocidental.
ABSTRACT: The main purpose of the present paper is to verify the ideological influence of
a technical juridical community. Due to the methodological restriction of the theme, it was
made an option to achieve a parallel between the common and civil law, checking which
thinking methods generated these techniques. It was infered the possibility of a parallel
between civil law and deductive methods, specially regarded to René Descartes French
rationalism. In relation to common law, it was brought it up a parallel with the empirical
method, particularly the Francis Bacon experimentalism. According to those connections, it
was seek the influence of those thinking methods on the juridical teaching and production,
such as for the civil – with conference classes - and for the common law, with case studies. It
was observed on the analyses that it is not possible anymore to make a tight division between
common and civil law, since there is an up growing symbiosis. In fact, it defended the
existence, of a family from Occidental Law, bringing together the conceptions of common
and civil law, towards to the maximization and concretization of juridical law.
Keywords: civil law; deductive method; empirical method; René Descartes; Francis Bacon;
Occidental Law.
1. BREVE INTRÓITO
O estudo da metodologia da pesquisa, com especial atenção à filosofia e construção dos
pensadores, materializa no operador do direito a noção segundo a qual a ciência jurídica sofre
grande influência da produção do pensamento humano.
Os diversos pensadores, cada um a sua maneira, foram responsáveis por grata contribuição ao
direito.
Assim verifica-se, por exemplo, a importância para a ciência jurídica da Hermenêutica
filosófica de Hans-Georg Gadamer, em Verdade e Método – Traços para uma Hermenêutica
Filosófica (2005); do discurso pós-moderno de Boaventura Sousa Santos, em seu Discurso
Sobre as Ciências (2006); da Teoria da Argumentação de Chain Perelman, em seu Tratado da
Argumentação (Nova Retórica) (2002), dentre outros.
Cediço, portanto, que a relação entre a ciência jurídica e o pensamento humano é intrínseca,
sendo perceptível as importantes simbioses entre tais campos do saber.
Mas será esta influência do pensamento humano na ciência jurídica capaz de moldar sua
estruturação em uma dada sociedade?
Será possível estabelecer conexão entre os sistemas jurídicos existentes e os métodos de
pensamento humano?
Tais verificações serão objetivo primaz deste paper.
Ocorre que a missão de enfrentar a análise das mais diversas estruturas do pensar, em face dos
mais variados sistemas jurídicos, é demasiadamente extensa, sobretudo quando a proposta
acadêmica consiste na confecção de um artigo científico.
Dessa forma, merece o tema-problema recorte epistemológico mais restrito, apto a possibilitar
a verticalização da pesquisa.
Sendo esta produção acadêmica brasileira, situada sob a égide do civil law (direito escrito),
não poderia ser abandonada a análise deste sistema.
Outrossim, como contraponto, não resta melhor opção que não seja estabelecer paralelo com o
common law (direito comum), de grande influência no mundo ocidental.
Destarte, tais técnicas operacionais do direito remontam dois grandes métodos do pensamento
humano, respectivamente o dedutivo e o empírico.
Nessa linha, a análise do civil law será feita em contraponto com a do common law,
perquirindo-se se os métodos dedutivo e empírico de pensamento refletem as bases de tais
técnicas, em busca de um diálogo entre os métodos de pensamento humano e a ciência
jurídica.
Por opção, o método dedutivo será estudado à luz do racionalismo de René Descartes;
enquanto o empírico na perspectiva de Francis Bacon.
Como necessidade de fundamentação teórica, perpassará o trabalho pela abordagem das
famílias do direito, aprofundando-se, em atenção ao recorte metodológico, no estudo das
famílias do direito ocidental.
Ao final será verificada a (in)existência de uma pretensa unificação da família ocidental do
direito, verificando o quanto do civil law há no common law¸ em vice-versa.
Justifica-se pesquisa dessa envergadura pela carência de produção acadêmica nacional acerca
do assunto. No mais das vezes, peca o operador do direito nacional por excessiva preocupação
com dogmatismos, olvidando-se da necessidade da estrutura do pensamento e verificação das
bases dos sistemas jurídicos para sua máxima utilidade.
O tema, malgrado referir-se a institutos que não sejam neófitos, é atual, ao propor construção
não corriqueira.
Na confecção do trabalho foram buscadas fontes nacionais e internacionais, abordando os
tópicos de desenvolvimento sempre com o escopo de conferir resposta à questão central, seu
deslinde e elucidação.
2. OS SISTEMAS JURÍDICOS. O RECORTE DO TEMA1
O direito não consiste em um mero conjunto de regras escritas ou costumeiras, traduzindo um
espelho da ideologia, cultura e hábitos de uma dada microracionalidade2.
As regras de uma comunidade mudam, por reformas ou mutações3; mas o modo de pensar e
ser visto o direito persiste, continuando o mesmo sistema jurídico.
O que sustenta a técnica jurídica (sistema) de uma dada comunidade, a diferenciando das
demais, é justamente a ideologia, sua cultura.
Ao fazer estudo sobre o tema, René David (2002, p 20) consigna que os sistemas de direito
são diferenciados sob dois aspectos principais: o ideológico e o técnico.
A seara ideológica envolve as diversas concepções de justiça das diferentes sociedades,
influenciadas pelas crenças políticas e filosóficas de um momento, espaço, cultura e contexto.
1
Em virtude do recorte metodológico conferido ao trabalho, será dada grande ênfase à análise do common law
(direito comum) e família civil-romana (civil law – direito escrito), assuntos centrais do artigo.
2
A expressão microracionalidade é utilizada neste trabalho para designar a ideologia, cultura, forma de
relacionar-se com os fatos naturais e sociais de uma dada comunidade situada em um espaço temporal e
geográfico próprios. Grafa-se, portanto, microracionalidade com a mesma carga semântica que lhe é conferida
por Boaventura Sousa Santos (2003).
3
Diga-se que a mudança de uma norma não necessariamente demanda um processo de alteração formal,
legislativo. O fenômeno da mutação constitucional, por exemplo, autoriza a modificação da inteligência da
norma sem sua alteração formal. De fato, entende-se a norma como substrato lingüístico adaptável (que se
subsume) a uma realidade mundana. O direito é uma ciência porosa que se adapta aos novos tempos sem
necessitar, para todo fato social incipiente, de uma nova normatização.
O que é justo ou injusto em uma microracionalidade perpassa por aquilo que ela entende
como certo filosoficamente. O certo filosófico, quando acatado pela política (espelho dos
valores), torna-se uma norma.
Adequando-se a esta questão ideológica primaz, o jurista desenvolve o arcabouço necessário
para sua concretização, materializando os instrumentos capazes de triunfar as concepções
culturais.
A construção do sistema jurídico parte da ideologia para a técnica, ajustando-se esta àquela,
sendo o direito a técnica construída para concretizar a ética social. Percebe-se, então, que a
partir das principais variações de ideologias no globo terrestre, é possível classificar
diversamente os sistemas jurídicos4 (DAVID, 2002).
O moralismo Cristão, a democracia liberal, e a estrutura econômica baseada no capital,
fundam o sistema do Direito Ocidental.
A incessante busca pela socialização da propriedade abaliza o sistema do Direito Soviético.
A base teológica, e o estreito laço do direito com a religião, é o viés do sistema Islâmico.
O sistema Hindu é fundado na tradição, assentando-se em uma base filosófica de mundo
própria.
Por fim, o sistema do Extremo Oriente, África Negra e Madagáscar, revela o direito como um
valor através do qual são buscadas a paz e a harmonia. Para tanto, são desnecessárias as regras
e os tribunais, os quais existem pró-forma e para atender os bárbaros: incapazes de buscar sua
harmonia.
Em um estudo visando uma categorização mais aberta dos sistemas jurídicos
supramencionados (DAVID, 2002), é possível reduzir tais sistemas em três grandes famílias
do direito.
Seriam tais famílias a Romano-Germânica, também chamada de Civil-Romana; a do Common
Law; e a Família dos Direitos Socialistas5.
4
Mencionou-se neste trabalho os Sistemas noticiados por René David (2002). Não se buscou exaurir o tema,
citando-se todos os Sistemas existentes. Logo, a enumeração é exemplificativa. Com efeito, assim como as
culturas são múltiplas e impassíveis de serem relacionadas em um trabalho científico, também o são as técnicas
(o direito) que traduzem essas culturas (ideologias).
5
Assim como o comentário feito na nota de rodapé anterior, o objetivo aqui não é exaurir a enumeração das
famílias existentes no direito, por ser, até mesmo, materialmente impossível. Trata-se, mais uma vez, de
enumeração exemplificativa cujo objetivo é tratar das espécimes majoritariamente presentes no cenário mundial.
2.1. AS FAMÍLIAS DO DIREITO
2.1.1. O Civil Law
A primeira família (Civil-Romana) está presente naqueles países que se ergueram sobre a
tradição do Direito Romano, cujo perfil é atrelado à justiça e a moral, sendo reservada grande
importância à segurança jurídica.
Nascida na Europa e países latinos nos idos do Século XII, com base nos estudos das
compilações do Imperador Romano Justiniano, os ideais pregados pela família RomanoGermânica espalharam-se pelo mundo, graças às colonizações promovidas pelos países
europeus.
Igualmente há notícias da recepção voluntária do civil law por outras comunidades.
O ordenamento nacional enquadra-se no legado do direito escrito, juntamente com a França e
outros países, a exemplo de Porto Rico, província de Quebec, no Canadá, etc...
Os séculos XII e XIII assistiram à evolução dessa escola européia do direito, de patente
influência romana, saindo do irracional para o racional (GILISSEN, 2001, p.205). A partir do
Século XIX, os ordenamentos jurídicos filiados a esta família passaram a conferir especial
importância à Lei (era da codificação), edificando o postulado a Primazia da Lei.
O parlamento, que tinha adquirido definitivamente seu papel de legislador no século XVII,
passa a traduzir nos séculos XIX e XX a vontade dos seus nacionais (GILISSEN, 2001,
p.206).
O direito escrito é exaltado, em busca da supramencionada segurança jurídica. Cresce os
direitos materiais, sendo grande a sua contribuição.
Como bem pontua Alf Ross (2003, p. 105), a legislação é o centro, entendida esta em sentido
amplo como “[...] não apenas a Constituição (se escrita) e as leis do Parlamento, mas também
todo tipo de normas sancionadas, subordinadas e autônomas, não importa com que nome se as
designe: ordens do Conselho, regras e ordens estatutárias, regulamentos, [...], etc...”.
Ilustrando este fato, infere-se atualmente no ordenamento nacional o postulado de Primazia da
Lei como fonte principal do Direito, sendo que os métodos de integração (analogia, costumes
e princípios gerias de direito) apenas são utilizados na hipótese de omissão legislativa.
Tal assertiva é facilmente comprovada a partir da leitura da Lei de Introdução ao Código Civil
(LICC), norma de superdireito6 que regula a aplicação das demais normas (de todos os ramos
do direito).
Consigna a LICC, no seu artigo 3º, que a ninguém é dado a escusa de cumprir a lei, alegando
que não a conhece; e em seu artigo 4º que o juiz decidirá com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito se a lei for omissa7.
Na sua gênese, o civil law rechaça, por completo, prolação de decisões segundo precedentes, a
exemplo do que fez Justiniano (non exemplis, sed legibus judicandum est), o Código
Prussiano de 1794 (Algemeines Landrecht), e o Código Dinamarquês de 1683 (ROSS, 2003,
p. 112).
Tal vedação apenas foi afastada em 1771, quando a Europa continental passou a aceitar o uso
de precedentes, mas sem a força obrigatória (ROSS, 2003, p. 112).
2.1.2. O Common Law
Ocorre, antes de tudo, na Inglaterra e País de Gales, unindo-se a estes outros países de fala
inglesa, a exemplo de Irlanda do Norte, Eire, Austrália, Nova Zelândia, Canadá (salvo a
província e Quebec), a maioria das Antilhas, e Estados Unidos da América.
A sua disseminação pelo globo foi decorrência das colonizações promovidas pelos países
europeus filiados a esta família, bem como recepção voluntária de outras comunidades.
Nasceu na história inglesa, situando o seu aparecimento no pós-conquista da normandia
(1066), com o surgimento do feudalismo inglês e a partir das decisões das jurisdições reais.
Tem como antecedente histórico o common ley (lei comum), o qual consistia na expressão
lingüística dominante à época.
Objetiva unificar um direito, reconhecido como comum, com base nos costumes locais
aplicados pelos respectivos Tribunais. O Inglês encara a Lei como norma de exceção,
6
Utilizou o neologismo superdireito em vista da natureza e objetivo da LICC. A LICC é uma norma que visa
disciplinar as próprias normas, ao revés de relações sociais, determinando vigência, eficácia temporal e espacial,
bem como a forma de dirimir os conflitos entre os ordenamentos estrangeiros e o nacional.
É o Decreto Lei 4657/42 e possui 19 artigos.
É uma Lei de Introdução às normas, e não somente ao Código Civil, sendo um verdadeiro manual de aplicação
das leis.
7
“Art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.”
“Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes, e os princípios
gerais de direito.”
desconfiando da mesma em razão da fase déspota enfrentada por seu povo, e conferindo
primaz importância aos costumes.
Enquanto a família Germânica pauta-se em uma construção de Leis (Processo Legislativo),
como normas abstratas para solução dos diversos litígios; o common law visa solução de um
processo, de uma lide concreta, de um caso específico (Jurisprudência).
Por conta disto, hodiernamente ainda carrega esta característica, fator distintivo da família
Romano-Germânica. Justamente por essa característica é nomeado o direito comum de judgemade-law.
É um direito prático, criado pelos common-lawyers, os quais, antes de juízes e advogados,
eram práticos que, por vezes, não contavam sequer com formação acadêmica. Nesse contexto
se destacavam os integrantes dos Tribunais Reais de Westminster (GILISSEN, 2001, p.211).
Tendo em vista a já mencionada exacerbada preocupação com a resolução de casos concretos,
o direito comum preocupou-se particularmente com as questões processuais, como o nomeado
e difundido devido processo legal (due processe of law).
Defende concepção consoante a qual os remédios precedem os direitos (Remedies precede
rigths).
Funda-se na tipicidade jurisdicional do case law, segundo a regra do precedente (rule of
precedent), sendo sua fonte principal a jurisprudência. Baseia sua lógica jurídica em regras ou
princípios exarados de tribunais, construídos através de consultas aos julgados.
Os Estados Unidos promoveram algumas adaptações/mudanças ao sistema oriundo da
Inglaterra, a exemplo do Estado Federal. Em sua feição anglo-saxônica ganharam grande
relevância o stare decisis (manter como decidido), o precedent ou good cause (precedente ou
causa justa), e o motivo relevante (BOAVENTURA, 2004, p. 125-126).
Stare decisis é expressão de origem latina a qual consiste em permanecer como já foi
decidido. Segundo esta idéia, as cortes no direito comum demoram a alterar o posicionamento
desenvolvido em outros casos análogos e anteriores.
O stare decisis não é inviolável. Sua modificação exige uma justa causa, um precedente ou
motivo relevante (precedent e good cause).
Precedente consiste em decisão anterior que serve de modelo para decidir questões futuras.
Pode envolver uma questão nova, ou versar sobre a interpretação de uma norma, sendo que o
caso futuro sempre se apóia ou diverge do precedente.
Motivo relevante é a razão material ou legal suficiente para que se faça alguma coisa, a
exemplo da declaração de nulidade de um júri.
Para ter-se uma noção da importância do precedente e atividade judiciária, narra Alf Ross
(2003, p. 112) que no século XIII Bracton chegou a possuir, com fins de utilização prática,
dois mil casos noticiados no seu famoso note book.
Os Law-Reports possuíam (e ainda possuem) demasiada importância.
A força obrigatória do precedente, porém, apenas passou a ganhar forma nos idos dos séculos
XVII e XVIII.
Ressalta-se, porém, que apesar do stare decisis, a vinculação do órgão julgador a decisões
anteriores não é absoluta. Cabe ao aplicador do direito sempre verificar se o precedente
aplica-se às circunstancias modernas; se as razões da decisão do precedente e do caso
concreto são análogas (ratio decidendi) (ROSS, 2003, p.113-115).
Outrossim, como bem pontua Ronald Dworkin (2003, p. 30-32), a força hierárquica da
vinculação depende da estrutura do respectivo Estado que adota o direito comum, sendo o
tema altamente controvertido.
Como exemplo, noticia Dworkin que recentemente a Câmara dos Lordes declarou
entendimento que não há vinculação a decisões anteriores prolatada por ela (DWORKIN,
2003, p. 32).
2.1.3. Família Socialista
Por fim, a família dos Direitos Socialistas.
Encontra-se presente nos países que possuem a tradição romano-germânica, consistindo em
uma alteração ideológica daquela família.
O traço semelhante é que ambas consideram a regra de direito como norma geral, abstrata de
conduta, impessoal.
O fato divergente se traduz no fato dos socialistas visarem fundar um novo tipo de sociedade
(Comunista), desprovida de Estado e Direito, pautada no solidarismo social advindo do final
das disparidades e derrocada do modo de produção capitalista.
O pano de fundo (ideológico) desta família são os estudos de Marx e Lênin, com a
coletivização de todos os bens de produção, perdendo o Direito Privado grande espaço em
face do Público.
O plano ideológico, na prática, não conseguiu ir além do Estado Socialista, com a
coletivização dos bens de produção. Hodiernamente, assim como o socialismo, vem perdendo
força, ficando esta família do direito (técnica) estagnada com a sua ideologia.
Feito este panorama geral das diversas técnicas (famílias) do direito, que açambarcam as
diferentes concepções ideológicas, com especial atenção ao civil law e common law por conta
do recorte metodológico conferido ao trabalho, passam a ser cotejadas tais famílias, em
paralelo aos métodos indutivo e empírico de pensamento.
3. O DIREITO OCIDENTAL: O COMMON LAW E O CIVIL LAW VERSUS OS
MÉTODOS DEDUTIVO E EMPÍRICO DE PENSAMENTO
As duas formas principais de enxergar o direito no mundo ocidental, o civil law e o common
law, são decorrência de clara influencia de dois métodos de pensamento: o dedutivo e o
empírico.
Com base em tais métodos que se desenvolvem as principais linhas jurídicas de pensamentos
ocidentais.
Partindo de raciocínio dedutivo, teórico e racional, ínsito ao sistema continental de direito
escrito, nasceu a tradição romano-germanística do civil law¸ também denominado de code
law, com grande força no Processo Legislativo (legislação) e Primazia da Lei.
Tal assertiva é facilmente comprovada ao verificar-se que há no civil law traço marcante do
método dedutivo: construção de proposições genéricas, abstratas, que visem resolução de
diversos casos concretos mediante subsunção.
Em contraponto, decorrente de um raciocínio indutivo, empírico, experimental e prático,
próprio do sistema anglo-americano, nasceu o common law; isto é: case law, direito comum,
casuísmo jurídico, com grande força na atividade jurisdicional (jurisprudência), e nos
Costumes (direito consuetudinário).
Infere-se, pois, que o contraste entre os sistemas não vem apenas da ordem jurídica. Vai além,
traduzindo linhas de pensamento e remontando os fundamentos teóricos do racionalismo
Francês (as quatro regras de René Descartes), e do empirismo (experimentalismo e método)
britânico (Francis Bacon).
O estudo do direito ocidental, pois, se molda a partir destas duas concepções de pensamento.
Até mesmo a forma de ensino da ciência jurídica no contexto ocidental, varia segundo essas
concepções. Os diferentes métodos de pensamento ocasionam diversas maneiras de enxergar
a ciência jurídica, e consequentemente, apreende-la.
3.1. O MÉTODO DEDUTIVO E O SISTEMA DO CIVIL LAW. UMA ANÁLISE SOB O
PRISMA DO RACIONALISMO FRANCÊS
O método dedutivo é aquele atrelado ao sistema do direito escrito, de tradição romana,
presente em diversas regiões do globo, a exemplo da Europa continental. Sua grande
preocupação é o ideal de segurança jurídica, pelo que visa positivação, normas escritas, e
aprofundamento dos direitos materiais.
O método de ensino pertinente a esta linha de pensamento é traduzido, geralmente, em aulasconferências, sendo a técnica expositiva a mais empregada.
Porquanto essa influência do método dedutivo, o code law sofre grande legado do
racionalismo francês, cujo maior expoente é René Descartes.
Passa-se à análise desse baluarte como instrumento para traçar o paralelo entre direito escrito
e método dedutivo.
3.1.1. A Trajetória
Descartes foi um gênio com influência marcante na filosofia, matemática, física e outras
ciências naturais, sendo o pai do racionalismo francês.
Nascido no ano de 1596, em La Haye, povoado de Touraine, França, estudou no colégio
Jesuíta de La Fleche, entre 1604 e 1614, adquirindo lá o hábito do despertar livre, em
conseqüência da meditação no próprio leito.
Apesar de sua formação Jesuíta, declara-se frustrado com o ensino que lhe foi ministrado, o
qual possuía como base condução a uma verdade única, embasada na filosofia escolástica.
Integra-se ao exército Holandês do príncipe Maurice de Nassau. Neste período, aprofunda
seus estudos nas ciências matemáticas, através do convívio com Isaac Beeckman.
O gosto pelas exatas o fez, ao lado de Fermat, o inventor da geométrica analítica.
Sua física também constitui importante contribuição científica, sendo a fisiologia um capítulo
daquela.
Em 1619 fica isolado na Baviera, por força do inverno, meditando. Daí advém as primeiras
idéias da sua nova ciência, ainda em fase de gestação.
Apenas em 1628 sai o seu pequeno livro: Regras para a Direção do Espírito (Regulae ad
directionem ingenii), defendendo consistir o ser humano na chave capaz de gerar um método
universal.
Renuncia a publicação de sua obra: O Tratado do Mundo, ao tomar conhecimento da
condenação de Galileu Galilei.
Apesar de católico, vive na Holanda protestante, entre 1629 e 1649.
Em 1637 publica três pequenos resumos de sua obra científica: a Dióptrica, os Meteoros e a
Geometria, cujo prefácio trata-se da sua obra mais famosa: o Discurso sobre o Método.
Com método inspirado nas matemáticas, prova a existência de Deus com o primado da alma
sobre o corpo, preparando o espírito para que um dia aceite todas as conseqüências do
método.
Em 1641 veicula As Meditações da Metafísica; e em 1644 Os Princípios da Filosofia, em
homenagem à rainha Elizabeth.
Após, são divulgadas cinco meditações de suma importância para a compreensão de suas
idéias; quais sejam: A Dúvida, Exercício Espiritual; Eu Sou uma Coisa que Pensa; O Pedaço
de Cera; A Liberdade; O Argumento Ontológico.
Publica ainda o Tratado das Paixões.
Vai para Estocolmo em 1649, quando acometido por Pneumonia e rejeitando as medicações,
vem a morrer em 9 de fevereiro de 1650.
3.1.2. O Método Racional8
8
Não se olvida a existência de críticas ao racionalismo de Descartes. Ocorre que, por conta do recorte
metodológico escolhido, e objetivo de construção do paralelo entre o Civil Law e o método dedutivo pelo viés do
racionalismo, não serão tratadas aqui tais combates às idéias do filósofo Francês.
Descarte propôs método para a prática da ciência e do pensamento em geral, intitulado de
racionalismo.
Consiste o racionalismo de Descartes na crença que a verdade está enraizada no bom uso da
razão.
Crítico da concepção de Isaac Newton (“ação à distância”), aduz Descartes que o universo é
um grande relógio, integrando-se as partes por contato. O mundo físico não possui mistérios,
sendo que as coisas se determinam reciprocamente, por contato direto e em um espaço que o
vazio inexiste: lei do choque e idéia de mundo-máquina.
Demonstra alta confiança no poder da mente individual em edificar o conhecimento autêntico.
Visa construção de uma nova moral, carregada de um ideal mecanicista e racional. Admite a
existência de uma moral provisória. Enxerga a moral como o último grau de sabedoria.
Rejeita a idéia de conhecimento decorrente dos costumes, sendo que o verdadeiro
conhecimento tem como objeto de estudo o livro do mundo, e não inúmeras bibliotecas.
Traça a suas regras: método apto a levar ao conhecimento universal. Enuncia seus quatro
postulados fundamentais (apud BOAVENTURA, 2004, p. 118-119):
E como a multiplicidade das leis proporciona frequentemente escusas aos vícios, de
sorte que um Estado é muito melhor administrado quando, tendo embora muito
poucas, são elas estritamente observadas; assim em lugar desse grande número de
preceitos que se compõe a lógica, julguei que me bastariam os quatro seguintes,
contanto que tomasse uma firma e constante resolução de nem uma só vez deixar de
os observar.
O primeiro era não receber jamais como verdadeiro qualquer coisa, sem antes a
conhecer evidentemente como tal; isto é, evitar cuidadosamente a precipitação e a
prevenção, e não incluir nos meus julgamentos nada que senão apresentasse tão clara
e distintamente ao meu espírito que não tivesse nenhuma ocasião de o pôr em
dúvida.
O segundo, dividi cada uma das dificuldades que tivesse que examinar no maior
número possível de parcelas que se tornassem necessárias para melhor as resolver.
O terceiro, concatenar em boa ordem os meus pensamentos, começando pelos
objetivos mais simples e mais fácies de conhecer, para substituir pouco a pouco,
como por degraus, até ao conhecimento dos mais complexos, e admitindo mesmo
certa ordem entre aqueles que não precedem naturalmente uns aos outros.
E o último, fazer a propósito de tudo recenseamentos tão completos e revisões tão
gerais que me sentisse certificado de nada omitir.
A primeira regra é batizada de evidência, só tendo por verdadeiro o claro e o distinto,
despindo-se de preconceitos e dúvidas. Evidência é o que salta aos olhos, sem dúvidas. Como
bem pontua Boaventura de Sousa Santos (2006, p. 24):
[...] Ao contrário da ciência aristotélica, a ciência moderna desconfia
sistematicamente das evidências da nossa experiência imediata. Tais evidências, que
estão na base do conhecimento vulgar, são ilusórias.
O segundo postulado é o da análise: divisão para compreensão. A influência que exercem as
ciências matemáticas sobre o racionalismo leva à necessidade de conhecer e quantificar, bem
como reduzir as complexidades (SOUSA SANTOS, 2006, p. 27-28).
A terceira regra é a da síntese, visando compreensão.
A última regra é a revisão, com o escopo de não deixar nada para trás.
O método é racionalista, não partindo de evidencias empíricas e sensíveis. Os sentidos nos
enganam, são confusos e obscuros, sendo as idéias da razão claras.
Cultiva a dúvida como meio de busca do conhecimento: dúvida metódica. Porém, aduz não
poder duvidar ao menos de um único fato: o pensamento humano.
Defende a transcendência divina, tendo como conseqüências fundamentais o livre-arbítrio e a
independência das ciências.
3.1.3. O Racionalismo, o Civil Law e o Método Dedutivo. Atualidade e Influências no
Sistema de Ensino
O racionalismo de Descartes é de grande influência no mundo moderno.
O positivismo contemporâneo, o movimento iluminista, o ideal consistente em a Lei libertar
(primazia), e o civil law, são idéias com forte influência do pensamento cartesiano.
Descartes defende a razão como método que leve à verdade, traçando normas gerais e seguras
aplicáveis a todos, indistintamente.
Justamente esses são os pilares da família Civil-Romana. Tanto é assim que diuturnamente é
aplicado o racionalismo francês na metodologia do ensino jurídico em países de tradição
romana, como o Brasil e a França.
Em países guiados pelo civil law as aulas são pautadas em conferências, exposições com
ênfase em trabalhos racionais científicos; ou seja: na doutrina.
Diminuta é a utilização do estudo de casos, apesar de crescente a adoção da análise de
julgados durantes as aulas dos mais diversos cursos jurídicos9.
9
Com efeito, raras as instituições na quais há uma cadeira específica destinada ao estudo das decisões
pretorianas. Quando existe tal cadeira, na maioria das vezes, trata-se de matéria opcional.
A própria produção científica em tais países, através da metodologia da pesquisa, pauta-se nas
regras de Descartes.
De início, foca-se a pesquisa em um tema-problema fundamental, que não deve ser aceito de
uma maneira falsa e necessita de problematização (primeira regra).
Este tema-problema deve ser fracionado em dificuldades menores, denominadas de questões
orientadoras da pesquisa (segunda regra).
Após tal fracionamento, os pensamentos hão de ser concatenados, buscando-se atingir
objetivos menores (específicos), e depois maiores (geral) (terceira regra).
Por fim, há de existir uma síntese e cuidadosa revisão, tentando-se propor solução, ou
chegando à conclusão diversa e sem brechas. É a retomada para concluir (terceira e quarta
regra).
Nessa senda, o aparato ideológico (método dedutivo e racionalismo), influencia a construção
da técnica (direito escrito) e a forma de ensiná-la e produzi-la. Percebendo esta influencia,
menciona-se Alf Ross (2003, p. 116):
[...]. Na tradição da Europa continental o direito é, em ampla medida, produto
acadêmico, ostentando por isso num grau correspondente, o timbre do pensamento
acadêmico e sua tendência à análise sistemática e à racionalidade. Com firme
fundamento na tradição do direito e por meio do pensamento racional, busca-se
chegar a princípios gerais que sirvam de diretrizes e sistematizar as normas jurídicas
em conformidade com esses princípios.[...]
3.2. O MÉTODO EMPÍRICO E O COMMON LAW: UMA ANÁLISE SOB O VIÉS DA
EXPERIMENTAÇÃO DE FRANCIS BACON
O método empírico de pensamento conduz ao sistema jurídico do common law, o qual tem
como metodologia predominante de ensino o estudo de caso (case law).
Em razão da sua ligação com o empirismo, o estudo do common law reflete o pensamento de
Francis Bancon, experimentalista inglês.
3.2.1. A Trajetória
Nascido na propriedade inglesa York House, em janeiro de 1561, Francis Bacon é filho de um
culto lord inglês e uma intelectual puritana.
Freqüentou o Trinity College em Cambridge, nos idos de 1572.
Em 1576, por influencia de seu irmão mais velho, passa a freqüentar a Gray’s Inn., com o fito
de apreender jurisprudência. Formado em direito, integra os quadros da empresa como
advogado assistente, em 1582.
Teve notável carreira junto à Monarquia inglesa, integrando o parlamento aos 23 anos.
Torna-se conselheiro da Rainha em 1591.
Durante o período de labor junto à rainha Elizabeth, teve como passagem interessante o
próximo relacionamento com o Conde Robert Essex.
Por um golpe do destino, seu amigo Essex vem a cometer ato de traição contra a Rainha,
sendo Bacon seu acusador. A pena decretada a Essex é a capital.
A situação em comento gerou publicação por Bacon de A Declaration of the Practices &
Treasons Attempted and Committed by Robert, Late Earle of Essex (1601), e Sir Francis
Bacon His Apologie, in Certaine Imputations Concerning the Late Earle of Essex (1604);
ambos após a sua obra pioneira: Ensaios (1597).
Tendo Jaime I assumido o trono em 1603, experimentou Bacon importante crescimento em
sua carreira.
A partir de então teve vasta produção de livros, como Apologie e Certain Considerations
Touching the Better Pacification, and Edification of the Church of England, em 1604; Of the
Proficience and Advancement of Learning Divine and Humane, em 1606; e De Sapientia
Veterum Liber, em 1609.
Sua mais festejada obra, conhecida como Novum Organum, apenas restou publicada em 1620,
após 12 anos de rascunhos. Nela consta o método empirista de conhecimento.
Com tamanha projeção, acabou por ganhar inúmeros inimigos.
Acusado de corrupção em 1621, acabou condenado, nunca mais ocupando cargos públicos.
Afastado das suas atividades com o Reino, entregou-se ao trabalho intelectual, produzindo
The Historie of the Raigne of King Henry the Seventh, em 1622; Historia Naturalis et
Experimentalis ad Condendam Philosophiam: Sive Phaenomena Universi, também conhecido
por Historia Ventorum, ainda em 1622; e o Historia Vitae et Mortis, publicado no ano
seguinte.
Veio a óbito em 1626, no momento em que abandonou sua carruagem, próximo a um distrito
londrino, para realizar experimento empírico acerca dos efeitos do frio sobre a deterioração da
carne.
No experimento, realizado com uma galinha, contaminou-se com um resfriado, o qual evoluiu
para pneumonia e conseqüente falecimento em 9 de abril.
3.2.2. O Método Experimental
Bacon tece críticas aos pensadores de sua época por não cuidarem de uma detalhada
observação dos fenômenos da natureza, pregando um retorno dessa apreensão cuidadosa em
sua obra Novum Organon 10.
Revela a revalorização do conhecimento que toma por base o intercâmbio com a natureza,
pregando a interpretação da natureza apta a possibilitar o seu pleno domínio. Há uma
submissão aos fatos naturais com o fito de decifrá-los (FEIJÓ, p. 19, 2003).
Objetiva neutralizar os subjetivismos do investigador e as conclusões precipitadas, não
partindo de hipóteses não empíricas. Nomeia tais elementos subjetivos de fantasmas ou
ídolos¸ defendendo a sua repressão.
O método perpassa por uma coleta de dados, os quais são aglutinados em uma tábua (tábua de
descobertas), objetivando colocar à prova a tese defendida.
Bacon distingue três espécies de tábuas: a de presença, de ausência, e de grau.
Conforme bem pontua Ricardo Feijó (2003, p. 20), os ídolos (subjetivismos) a serem
afastados são numerados em quatro tipos principais.
O primeiro é o ídolo da tribo, que consiste no excesso de confiança.
O segundo é o ídolo da caverna, no qual as sensações subjetivas afetam intelecto.
Há o ídolo do fórum, que são os hábitos semânticos arraigados que distorcem a interpretação.
Por fim, menciona o ídolo do teatro, sendo o peso da autoridade dominante apta a influenciar
o pensamento.
10
Como bem coloca Ricardo Feijó (2003, p. 19), é uma visita ao método aristotélico com maior ênfase na
experimentação cuidadosa e o afastamento da idéia de que a descoberta da verdade ocorre por revelação.
3.2.3. O Common Law e a Experimentação de Francis Bacon. Influências Atuais e Sistema de
Ensino
É clarividente o traço de união entre o empirismo, traduzido neste paper na experimentação
de Bacon, e o common law.
Com efeito, ambos voltam-se à análise de casos concretos, em detrimento de questões gerais.
O importante, tanto no método de pensamento empírico como no case law, é a especificidade
da investigação apta a conferir resultado a um caso em especial.
Tal cultura, ideologia, acaba por ser refletida no método de estruturar o direito e ensiná-lo.
Dessa forma, ao revés de aulas conferências, a metodologia de ensino presente no direito
comum é a do estudo de casos; casos concretos que são fonte para resolução de outros
análogos.
Curiosamente, malgrado o common law ser criação inglesa; o método de ensino e pesquisa do
estudo de caso é invenção norte-americana (BOAVENTURA, 2004, p.119-120).
O case study adveio como instrumento de adequação do ensino jurídico ao espírito empírico
do common law, devendo-se a Christopher Collumbus Langdell, diretor da Faculdade de
Direito de Harvard no século XIX, a paternidade da criação.
O nascimento deste método pedagógico teve grande impacto no meio universitário e
profissional pós-guerra civil.
Iniciou-se o case law no curso de direito, sendo feita uma seleção sobre casos relativos às leis
dos contratos.
A posteriori, o método foi se espalhando nas outras cadeiras do ensino
jurídico. Hodiernamente o estudo de caso é um método de pesquisa e instrumento bastante
utilizado nos diversos cursos, como administração, Ciências da Saúde, etc...
O case study possibilita ao estudante ganho de maior bagagem teórica, sendo conferida
experiência prática dentro do próprio curso. Ademais, aproxima a ciência jurídica daquelas
chamadas experimentais, ao passo que o estudo diz respeito a um caso concreto, da vida, à
investigação de um acontecimento histórico, e não regras abstratas.
Nessa senda, verifica-se que o método de pensamento experimental, empírico, gera a adoção
do common law, cujo ensino e produção são edificados sobre o estudo de caso. Percebendo
este fenômeno, cita-se Alf Ross (2003, p. 116):
[...]. Na Inglaterra, por outro lado, foi o jurista prático – o juiz – quem exerceu
influência preponderante no desenvolvimento do direito, o qual, assim, evoluiu nas
linhas de um método experimental.[...]
4. CIVIL LAW E COMMON LAW: COMPARTIMENTOS ESTANQUES? PRETENSA
UNIFICAÇÃO
Em face dessas duas formas de pensar, situa-se o referencial comparativo entre a tradição
romântica e a inglesa, majoritárias na concepção ocidental do direito.
Acontece que hodiernamente direito escrito e direito comum não são enxergados como
sistemas apartados. Idem no que tange à possibilidade de conjugação do método dedutivo e
empírico de pensamento.
De fato, até mesmo as raízes dessas famílias demonstram que nunca foi assim.
Já existiu o direito escrito baseado no direito comum, advindo dos estudos das Universidades
Européias com o escopo de fornecer aos juristas modelos, vocabulário e métodos universais.
Consistia, à época, em um verdadeiro direito natural para a procura de soluções jurídicas.
Nessa esteira, diferencia René David (2002, p. 45-46) o jus commune do common law,
enfatizando ser aquele os estudos das Universidades Européias, não-positivados, objetivando
fornecer aos juristas modelos, vocabulário e métodos universais para busca de soluções
jurídicas, consistindo em um verdadeiro direito natural antecessor do civil law.
Afirma-se ter vivenciado a família germânica do direito período no qual inexistia a Primazia
da Lei, sobrepondo-se o direito comum.
O declínio do direito comum apenas aconteceu com o movimento de codificação e
necessidade de um corpo de normas a reger os fatos da vida. Tal declive demonstra que o
direito natural, e as arcaicas e desorganizadas compilações de Justiniano, não mais atendiam
as necessidades sociais.
A tradição românica cresceu ainda mais de importância com o advento do direito canônico, a
uniformização das práticas comerciais da Idade Média, e o ideal codificatório: Iluminismo e
Revolução Francesa.
A atual primazia da Lei decorre do racionalismo (Descartes), elevando-se a Lei à expressão
maior e mais autêntica da vontade da nação, liberdade e combate ao absolutismo.
É o Estado de Direito, no qual até mesmo o Estado há de obedecer às próprias leis.
O common law, ao seu turno, consiste na tradição que revela o direito muito mais pela
jurisprudência e costumes, fundando-se no case law. A lei-caso encaixa-se casuisticamente ao
precedente, possibilitando ao juiz aplicar o precedente como norma.
Ocorre que o próprio common law não restou isento à normatização escrita, sendo que há
muito existem normas escritas na Inglaterra e Estados Unidos.
Logo, muito há de common law no civil law, em vice-versa.
Esta ligação, em um mundo pós-moderno com constantes trocas de informações, tende a
crescer, aumentando as simbioses.
Assim, percebe-se uma crescente construção de normas escritas no direito comum; e uma
progressiva importância conferida à atividade judiciária no direito escrito. Mais uma vez, Alf
Ross (2003, p. 112; p. 117) claramente percebe este fenômeno tanto no direito escrito, como
no comum:
[...]. Essas proibições drásticas se provaram ineficazes, tornando preponderante na
Europa continental o ponto de vista de que no interesse da certeza das decisões
prévias dos tribunais superiores, em partículas as da Corte Suprema, deviam ser
respeitadas, embora não dispusessem de força obrigatória formal como acontecia
com o direito legislado.
[...]
[..] Sob a pressão do número esmagador de precedentes que ameaçam detonar as
bibliotecas, os norte-americanos têm produzido uma série de restatements, ou seja,
codificações no padrão europeu, porém desprovidas de autoridade oficial. [...]. Na
Inglaterra, igualmente, os trabalhos doutrinários de sistematização desempenham um
papel crescente. A próxima etapa no desenvolvimento será, talvez, uma codificação
detentora de autoridade, via legislação. Então desaparecerá a diferença entre o
direito da Europa continental e o anglo-americano, embora a doutrina do stare
decisis permaneça inalterada.
O Brasil não passa ao largo desse fenômeno. A interpenetração entre o direito comum e o
escrito é perceptível no cenário nacional, o qual, filiando-se à tradição Civil-Romana, vem
conferindo progressiva importância às decisões judiciais.
Desde 200411 há possibilidade do Supremo Tribunal Federal (STF) proferir julgados com
eficácia vinculativa, seja em controle concentrado de constitucionalidade, seja pela edição de
súmula vinculante.
Nessa ordem de idéias, há crescente tentação em não mais falar em duas famílias: o common
law e a Germânica; mas sim na família de Direito Ocidental, que reuniria as duas influências
11
A Emenda Constitucional nº 45/04 inseriu a possibilidade de súmulas vinculantes a serem editadas pelo
Supremo Tribunal Federal (STF). Demais disto, a mesma EC consolidou tendência infraconstitucional (Art. 28
da Lei 9869/99), conferindo força vinculando ao Judiciário e Administração Pública, no que tange aos julgados
proferidos em sede de Ações Diretas de Constitucionalidade.
em simbiose constantes, a exemplo do que acontece em Quebec, Israel, e na União SulAfricana.
O caminho é a criação de uma família do Direito Ocidental, apta a reunir direito comum e
escrito, comungando os métodos dedutivo e empírico em busca de concretização da ideologia
da respectiva microracinoalidade.
5. À GUISA DE UMA CONCLUSÃO
A ideologia é o motor gerador da técnica jurídica de uma comunidade, do seu sistema. Desse
fato, percebe-se uma intrínseca relação entre direito e pensamento humano.
O sistema possui maiores ares de perenidade em relação às normas, as quais são mundanas. O
sistema (técnica) funda-se na ideologia.
Na cultura ocidental é possível ser feito um paralelo entre o civil law e o método dedutivo de
pensamento, sendo a estruturação do direito, sua forma de produção e ensino, pautadas nessa
linha de pensamento humano.
Importante no cenário do direito escrito, por conseguinte, a influência de Descartes, com o seu
racionalismo.
Busca-se no direito escrito a normatização geral, impessoal, abstrata, objetivando-se futura
subsunção. Ressalta-se a função legislativa, e maior desenvolvimento do direito material.
O método de ensino preponderante são aulas conferências. A doutrina, como estudo científico
da lei, ganha relevo.
D’outra quadra, o common law possui marcante presença do método empírico. Volta-se à
resolução de lides concretas, sendo demasiadamente importante a função judiciária, com a
regra do precedente (rule of precedent) e manutenção do decidido (stare decisis).
Objetiva-se construção voltada aos casos concretos, sendo a produção e estudo pautados no
estudo de caso (case study). Há maior desenvolvimento das regras do processo, do jurista
prático.
Tais concepções do direito, porém, há muito enxergadas como estanques, não mais subsistem
como compartimentos isolados no mundo pós-moderno.
A tendência é de união, maximização do direito, aproveitamento de instrumentos e métodos
aptos a realçar a concretização da ciência jurídica.
O civil law, com demasiada preocupação legislativa, doutrinária, e normatização material,
deve ser somado ou common law, com hipertrofia do judiciário e atenção aos instrumentos
processuais e casos concretos.
Esse caminho confere à sociedade maior leque de instrumentos.
Tal tendência, como se observa com a adoção da súmula vinculante em países de direito
escrito, e do restatemets em países de direito comum, já é uma realidade.
Não se concebe mais um operador do direito arraigado em valores anacrônicos, buscando
distinções incapazes de gerar eficácia à sua ciência.
Afinal, com bem pontua Pietro Perlingieri (2002, p.2) a função do jurista é complexa “e a sua
atividade valorativa envolve um conjunto de aspectos que vão do ideológico e político ao
social, ético e religioso”.
6. REFERÊNCIAS
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Disponível em www.juspodium.com.br. Acesso em: 22.dez.2003.
BOAVENTURA, Edvaldo M. Metodologia da Pesquisa: Monografia, Dissertação, Teses.
São Paulo: Atlas, 2004.
COBRA, Rubem Queiroz. Vida, Época, Filosofia e Obras de Francis Bacon. Disponível em:
www.cobra.pages.nom.br. Acesso em: 27/07/2007.
DAVID, René. Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo São Paulo: Martins Fontes,
2002.
DESCARTES, René. A Filosofia de Descartes. Disponível em: www.mundodos
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DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. CAMARGO, Jefferson Luiz (Trad). São Paulo:
Martins Fontes, 2003.
FEIJÓ, Ricardo. Metodologia e Filosofia da Ciência: Aplicação na Teoria Social e Estudo de
Caso. São Paulo: Atlas, 2003.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método – Traços Fundamentais de uma Hermenêutica
Filosófica. Rio de Janeiro: Vozes, 2005.
GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. 3 ed. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2001.
LUBISCO, Nídia Maria Lienert; VIEIRA, Sônia Chagas. Manual de Estilo Acadêmico. 2 ed.
Salvador: Editora EDUFBA, Ano 2004.
PERLINGINERE, Pietro. Perfis do Direito Civil Constitucional. Introdução ao Direito Civil
Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Renovar, 2002.
PERELMAN, Chain. Tratado da Argumentação. A Nova Retórica. São Paulo: MartinsFontes, 2002.
ROSS, Alf. Direito e Justiça. BINI, Edson (Trad). São Paulo: Edipro, 2003.
SOUSA SANTOS, Boaventura. Um Discurso sobre as Ciências. 4 ed. São Paulo: Cortez,
2006.
SOUSA SANTOS, Boaventura. Pela Mão de Alice. 9 ed. São Paulo: Cortez, 2003.
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