Investigação, 14(1):26-29, 2015 E CIRURGIA RELATO DE CASO | CLÍNICA DE GRANDES ANIMAIS INTOXICAÇÃO POR CLOSANTEL EM OVINOS NO MUNICÍPIO DE GARÇA, SÃO PAULO Revista INVESTIGAÇÃO medicina veterinária Closantel Intoxication in Sheep In Garça City, São Paulo Denis Vinícius Bonato1, Renata Sitta Gomes Mariano2, Luisa Pucci Bueno Borges1, Izabela Puerchi Ribeiro1, Otávio Luiz Fidelis Junior2, Lucas de Freitas Pereira1, Victor José Correia Santos2, Wilter Ricardo Russiano Vicente2, Daniel Soares Tozzetti3, Pedro Paulo Maia Teixeira1. 1. Pós-graduação em Ciência Animal pela Universidade de Franca - UNIFRAN, Franca, São Paulo, Brasil. Av. Dr Armando Sales Oliveira, 201, CEP: 14.404-600, Pq. Universitário, Franca – SP. E-mail: p_paulomt yahoo.com.br 2. UNESP-Univ Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, Jaboticabal, São Paulo, Brasil. RESUMO 3. Médico Veterinário Autônomo, Garça – SP, Brasil. Os ovinos estão sujeitos a endoparasitoses gastrintestinais, sendo o closantel uma substância eficaz no combate a estas enfermidades. Diante disso, o objetivo deste relato é descrever um caso de intoxicação por closantel em um rebanho de ovinos criados em uma propriedade próximo à cidade de Garça, São Paulo, Brasil. Os animais foram atendidos 48h após serem vermifugados com closantel 7,5%, na dose de 10 mg/Kg. Foram acometidos 35 de um total de 37 ovinos vermifugados. Os primeiros sinais clínicos manifestaram-se em 48 h após a administração do fármaco, com pico de óbitos ocorrendo entre 72 e 96 h. Os sintomas manifestados foram apatia, perda do apetite, midríase, cegueira, incoordenação motora, evoluindo para decúbito esternal, posterior decúbito lateral, hipomotilidade ruminal, timpanismo, culminando com o óbito. Foram observados, no SNC, edema mielínico (status spongiosis) e no nervo óptico foi observada degeneração e depleção da camada fotorreceptora e/ou camadas nucleares da retina, além de degeneração gordurosa hepática e em alguns casos congestão pulmonar. Os animais que não vieram a óbito apresentaram sequelas, manifestaram sintomas neurológicos mais brandos, com discreta ataxia, todavia, todos com midríase e cegueira bilateral irreversível. Mesmo apresentando boa eficiência no controle de endoparasitas, o closantel pode causar grave intoxicação e não há tratamento eficaz até o momento, sendo assim, recomenda-se extremo cuidado ao se instituir tratamentos com esta base. ABSTRACT Sheep are subject to gastrointestinal parasites and closantel is an effective substance in combating these diseases. The aim of this report was to describe a case of closantel poisoning in a flock of sheep raised in Garça, São Paulo, Brazil. The animals were assisted by our team after being dewormed with closantel 7.5% on a dosage of 10 mg / kg. 35 sheep were affected from a total of 37 dewormed. First signs were seen in 48 hours, with the peak of deaths occurring between 72 and 96 h. Symptoms were apathy, loss of appetite, mydriasis, blindness, incoordination, progressing to sternal recumbency, posteriorly lateral recumbency, ruminal hypomotility, bloat, culminating in death. CNS signs were observed like myelin edema (status spongiosus) and the optic nerve showed degeneration and depletion of photoreceptor layer and/or nuclear layer of the retina, besides fatty degeneration of liver and in some cases pulmonary congestion. Animals that did not die presented sequelae, manifesting milder neurological symptoms, with mild ataxia, but all of them showed mydriasis and irreversible bilateral blindness. Although it has a good efficiency in controlling GI parasites, closantel can cause severe poisoning and so far there is no effective treatment, so we recommend extreme caution when using this substance. Palavras-chave: intoxicação, ovelha, óbito, salicilanilida, vermífugo. Keywords: poisoning, ewe, death, salicilanilid, vermifuge. ISSN 21774780 26 Investigação, 14(1):26-29, 2015 INTRODUÇÃO O estado sanitário, associado ao uso inadequado ou ausência do uso de tecnologias, constitui importante causa de baixa produção e rentabilidade de rebanhos ovinos. As doenças prejudicam a produção, sejam devido a perdas ocasionadas por distúrbios nas condições fisiológicas dos animais, ocasionando altas taxas de morbidade, ou devido a mortalidade e abortos. Assim, as parasitoses ocupam papel importante diante de elevadas perdas econômicas, decorrentes de altos níveis de mortalidade e baixo desempenho dos rebanhos (RADOSTITS et al., 2002, CHAGAS et al., 2005) este princípio em pequenos ruminantes, sendo citada quando o produto é utilizado em sobredosagens e em casos que a dose foi estabelecida para os animais de maior porte do rebanho (BARBOSA et al., 2005; ECCO, 2006; SCOTT, 2007; FURLAN et al., 2009). Os ovinos estão sujeitos a endoparasitoses gastrintestinais, sendo este um dos principais fatores limitantes para a sua produção em todo o mundo, especialmente em regiões tropicais. O closantel é um anti-helmíntico derivado da salicilanilida, que atua desacoplando a fosforilação oxidativa do parasita, sendo eficaz contra os principais endoparasitos gastrointestinais de ruminantes (BARBOSA et al., 2005; COSTA et al., 2011). RELATO DE CASO O closantel destaca-se pela eficácia contra vários tipos de ecto e endoparasitas em ovinos e caprinos (BUTLER, 1986; DASH, 1986; UPPAL et al., 1993), apresentando atividade em pequenos ruminantes principalmente contra Haemonchus contortus (BAGER et al., 1991). O fármaco é ativo tanto pela via oral como intramuscular, sendo caracterizado por um composto que possui uma molécula de elevado peso molecular ligada a um ácido fraco e com propriedades extremamente lipofílicas. A droga se liga fortemente as proteínas plasmáticas atingindo o parasito através do sangue quando ele se alimenta, servindo também para prolongar os níveis da droga e evitar re-infecções (MICHIELS et al., 1987). Nesse contexto, o objetivo deste relato foi descrever um caso de intoxicação por closantel em um rebanho de ovinos criados em uma propriedade próxima ao município de Garça, na região centro-oeste do estado de São Paulo, Brasil. Ovinos oriundos de propriedade no município de Garça, São Paulo foram submetidos a tratamento anti-helmíntico com closantel 7,5%, administrado por via oral com pistola dosadora previamente aferida. Após a pesagem individual dos animais em balança digital, receberam o medicamento na dose de 10 mg/kg, como descrito pelo proprietário durante anamnese. Os animais eram mantidos em piquetes com Cynodon sp. em sua maioria, apresentando bebedouros de fácil acesso, e a alimentação era a base de suplementação com silagem, ração comercial e sal mineral para ovinos. Nenhuma anormalidade foi observada na alimentação dos animais. Fez-se a inspeção do piquete onde os animais se encontravam, com a finalidade de identificar a existência de alguma planta tóxica no qual os animais poderiam ter acesso ou possível ingestão, e nada foi encontrado. Os animais foram levados ao centro de manejo no momento da administração do endoparasitário em questão. Os animais apresentavam-se saudáveis e com bom escore de condição corporal, de 2,5 a 3,5 na escala de Jefferies (1961). Existem relatos de intoxicação experimental e acidental por ISSN 21774780 27 Ao exame clínico, inicialmente foram constatadas alterações de origem nervosa como ataxia, midríase e incoordenação. Anterior à elucidação do diagnóstico, preconizou-se tratamento sintomático a base de fluidoterapia com solução NaCl 0,9% (50 mL/kg), dexametasona (0,1 mg/kg - Azium®, ScheringPlough, Brasil) protetor hepático (30 mL/kg/dia - Mercepton®, Brasvet, Brasil), por suspeitar-se de alguma intoxicação, mas ainda sem se estabelecer um diagnóstico, tendo a finalidade de obter alguma melhora dos pacientes inicialmente mais graves, porém não houve sucesso terapêutico. Tomou-se a medida de separar todos os cordeiros lactentes de suas mães, logo após os primeiros óbitos. O diagnóstico foi estabelecido por meio da avaliação clínica e exame histopatológico, sendo que os primeiros sinais manifestaram-se 48h após o tratamento antiparasitário. O pico de óbitos ocorreu entre 72 e 96h, sendo os últimos óbitos após 136h da administração do closantel. Os sintomas observados foram apatia, anorexia, midríase, cegueira, incoordenação motora (Figura 1), evoluindo para decúbito external seguido por decúbito lateral, hipomotilidade ruminal, timpanismo e dispneia, resultando em óbito. Tanto a pistola quanto a balança utilizada no manejo foram aferidas, sem nenhuma alteração de calibragem. Investigação, 14(1):26-29, 2015 DISCUSSÃO Os casos de intoxicação acidental nos ovinos pelo anti-helmíntico closantel foi diagnosticado pela associação entre investigação epidemiológica, sinais clínicos, lesões macroscópicas e exame histopatológico. O uso de anti-helmínticos em ovinos é estudado até os dias atuais, pelo grande prejuízo econômico resultante das helmintoses na produção de pequenos ruminantes. Produtos comerciais a base de closantel apresentam ótima eficiência no controle de endoparasitos nestas espécies, principalmente relacionado ao Haemonchus contortus (COSTA et al., 2011). Figura 1: Ovelha, pré-púbere intoxicada por closantel (A) manifestando incoordenação motora, apatia, (B) e midríase. RESULTADOS De 37 animais que foram examinados, 27 vieram a óbito, sendo 18 fêmeas adultas, oito fêmeas púberes e um macho adulto, e oito fêmeas adultas apresentaram sequelas, perfazendo um total de 35 ovinos atingidos pelo fármaco. Os animais que vieram a óbito foram necropsiados e amostras para avaliação histopatológica foram coletadas, pelas quais foi possível observar edema mielínico (status spongiosus) no SNC e nervo óptico, degeneração e depleção da camada fotorreceptora e/ou camadas nucleares da retina, além de degeneração gordurosa hepática e em alguns casos congestão pulmonar. Os animais que não vieram a óbito apresentaram sequelas, com sinais neurológicos mais brandos de discreta ataxia. Todavia, todos exibiram midríase e cegueira bilateral irreversível. Em função da salicilanilida apresentar estreita margem de segurança, ela pode causar intoxicações, havendo inclusive relatos de casos em crianças e cordeiros pela ingestão de leite de animais submetidos ao tratamento prévio com este princípio (CADIOLI et al., 2009). Foi constatado que a administração oral seguiu a dosagem indicada pelo fabricante de 7,5 a 15 mg/Kg, sendo citada em outros estudos a possibilidade de administração parenteral na dose de 5 à 10 mg/Kg. Mesmo sendo utilizada a dose de 10 mg/Kg constatou-se intoxicação clínica em praticamente todos os animais vermifugados. Apesar da baixa margem terapêutica, há poucos relatos de intoxicação pelo fármaco, sendo descritos casos pontuais no Rio Grande do Sul (ECCO et al., 2006), Araçatuba – SP (CADIOLI et al., 2009) e Santa Catarina (FURLAN et al., 2009). Alguns sinais clínicos apresentaram-se, de forma geral, semelhantes aos manifestados em intoxicações causadas por outros tóxicos que afetam o sistema nervoso (ILHA et al., 2001; STIGGER et al., 2001; RIET-CORREA e MEDEIROS, 2001), no entanto, a manifestação clínica, principalmente após o tratamento, junto com os sinais de midríase ISSN 21774780 28 e cegueira bilateral, além dos achados macro e microscópicos post-mortem, colaboraram para chegar ao diagnóstico. Estes achados foram semelhantes aos encontrados em intoxicações experimentais e outras acidentais já descritas que cursaram com retinopatia acompanhada de neuropatia óptica e status spongiosus no SNC, ocasionando cegueira bilateral e podendo levar à morte (ECCO et al., 2006; FURLAN et al., 2009). Ecco (2006) cita um estudo feito por Van Cautern et al. (1985) sobre os efeitos tóxicos do closantel em ovinos, relatando cegueira ou diminuição transitória da visão em alguns animais, nistagmo ocasional, indicando que os olhos deveriam ser os órgãos alvos da intoxicação. No entanto, nenhuma avaliação oftálmica foi descrita sobre estes órgãos. Em relação ao diagnóstico diferencial da intoxicação por closantel em ovinos, é de suma importância que seja realizado um estudo epidemiológico para investigar se houve vermifugação com anti-helmínticos da família salicilanilidas, ou para possível ingestão de plantas tóxicas com alterações semelhantes. Reconhece-se a boa efetividade do closantel no controle de endoparasitas, porém devido a sua baixa margem terapêutica, existe o risco de intoxicação, com impossibilidade no tratamento efetivo, principalmente por não haver nenhuma droga antagonista aos seus efeitos adversos. Assim, recomenda-se cautela no uso desta substância. Investigação, 14(1):26-29, 2015 REFERÊNCIAS BARBOSA, J.D.; OLIVEIRA, C.M.C.; DUARTE, M.D.; ALBERNAZ, T.T. Intoxicações com Manifestações Neurológicas em Ruminantes. In: II Simpósio Mineiro de Buiatria. 2005. Anais... Belo Horizonte, Associação de Buiatria de Minas Gerais (ABMG), 1:1-10, 2005. CADIOLI, F.; BOVINO, F.; ROZZA, D.B.; MENDES, L.C.N.; ARAÚJO, M.A.; FEITOSA, F.L.F.; TEODORO, P.H.M.; PEIRÓ, J.R. Intoxicação aguda por closantel em cordeiros – relato de caso. Jornal Veterinary Medicine Animal Sciencie. (supl.1):23-25, 2009. CHAGAS, A. C. S. Prática de controle das verminoses em ovinos e caprinos. Sobral: Embrapa caprinos. Comunicado técnico on-line. 2005. COSTA, K.M.F.M.; SILVIA, M.M.A.; VIEIRA, L.S. 3, VALE, A.M.; SOTO-BLANCO, B. Efeitos do tratamento com closantel e ivermectina na carga parasitária, no perfil hematológico e bioquímico sérico e no grau Famacha de ovinos infectados com nematódeos. Pesquisa Veterinária. Brasileira. 31(12):1075-1082, 2011. DASH, K. M. 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