PREVENÇÃO PRIMÁRIA. ESTREPTOCÓCICAS O TRATAMENTO DAS FARINGOAMIGDALlTES Pierangela Franci da Costa Rio de Janeiro RESUMO A dor de garganta, sintoma comum nas crianças, tem como principal etiologia vírus e bactérias. Constitui-se na maior importância o diagnóstico correto do agente etiológico, pois a faringoamigdalite causada pelo estreptococo beta hemolítico do Grupo A é responsável pelo desencadeamento posterior de febre reumática. Os sintomas da amigdalite estreptocócica podem ser característicos ou apresentar variações de acordo com a faixa etária. Para diagnóstico diferencial utiliza-se os testes rápidos, a cultura de orofaringe e a dosagem de anticorpos específicos tais como a antiestreptolisina O. Em suma, o tratamento visa a erradicação do estreptococo beta hemolítico do Grupo A, sendo a droga de escolha a penicilina benzatina ou a eritromicina nos casos comprovados de alergia a penicilina. Palavras-chaves: faringites, amigdalites, estreptococos SUMMARY: PRIMARY PREVENTION. STREPTOCOCCAL THE TREATMENT OF TONSILLO PHARYNGITIS Sore throat, which is a common symptom in children, has as its principal etiology virus and bacteria. The correct etiology diagnosis is of the utmost importance since pharyngotonsillitis due to Group A beta hemolitic streptococci is responsible for the later development of rheumatic fever. The symptoms of streptococcal tonsillitis may be characteristic or present variations due to the age of the patient. For laboratorial diagnosis, rapid antigen detection methods are used as well as swab culture and the levels titers of specific antibodies, such as antistreptolysin O. To sum up, the goal of the treatment is the eradication of Group A beta hemolitic streptococci, the best choice being benzathine penicillin. In the case of proven evidence of penicillin allergy, the use of erythromycin is recommended. Key-words: pharyngitis, tonsillitis, streptococci. Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro - Superintendência Coletiva - Programa de Prevenção e Controle da Febre Reumática de Saúde Endereço para correspondência: Pierangela Franci da Costa Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro Superintendência de Saúde Coletiva Programa de Prevenção e Controle da Febre Reumática Rua México n9128, 49 andar, sala 420 CEP20041-142 - Rio de Janeiro - RJ Recebido: Aceito: Rev SOCERJ Vol IX NQ2 Abr/Mai/Jun/1996 74 A dor de garganta é um dos sintomas mais comuns adenite cervical anterior dolorosa à palpação e, entre as crianças atendidas ambulatorialmente, sendo também, ou até mesmo exantema escarlatiniforme. os processos infecciosos [agudos na maioria dos casos Estudos epidemiológicos sugerem que somente 30 a os responsáveis por esse sintoma, tendo como 50% dos pacientes apresentam esse quadro clínico tido como clássico" principal etiologia vírus ~ bactérias. " Dentre os vírus mais freqüentes encontram-se o de No restante dos pacientes temos uma atipicidade de Epstein-Baar, Herpes simples, Adenovírus, Coxsackie, sintomas, pois apresentam quadro subclínico ou um lntluenza, Parainfluenza e Enterovírus e, dentre as quadro gripal frustro. Nesses casos, com variações bactérias, o estreptococo beta hemolítico do Grupo A ~_.deacordo com a idade do paciente, podemos encontrar é o que adquire maior importância, além dos seguintes: febre baixa, gânglios cervicais anteriores discretamente aumentados e dolorosos, anorexia, irritaCorynebacterium diphtariae, Neisseria gonorreae, bilidade, coriza mucopurulenta e escoriação ao redor Haemophilus influenza e o Mycoplasma pneumoniae. das narinas. Este sinal é de relevância diagnóstica O estreptococo beta hemolítlco do Grupo A apresenta mais de oitenta tipos diferentes que podem ocasionar nas crianças menores">. Devemos também fazer um diagnóstico clínico farinqo-arniqdalite s, sendo alguma cepas ditas diferencial com os quadros viróticos que excluem o reumatogênicas, isto é, responsáveis pelo desenuso de antibioticõterapia. Sintomas como coriza serosa cadeamento posterior do quadro de febre reumática. ou mucosa clara, espirros, tosse, rouquidão, congestão A amigdalite causada por este estreptococo é' uma de conjuntivas, lacrimejamento, lesões vesículodoença universal , com maior incidência em países ulcerosas em rnucosa oral e diarréia são sugestivos temperados, principalmente nos meses frios, sem de infecção viral de orofaringe com curso autolimitado predomínio de sexo ou raça'. em torno de quatro a dez dias. A transmissão é feita por contato direto com o doente ou portador são do estreptococo, portanto, as más condições sócio-econômicas levando a típicas situações de agrupamento favorecem essa transmissão". DIAGNÓSTICO LABORATORIAL Abrange principalmente a faixa etária dos três aos quinze anos com clímax em torno dos nove anos, A cultura de orofaringe permanece sendo o critério sendo rara abaixo dos três anos. diagnóstico de escolha para caracterização de uma No Brasil presume-se que a população desta faixa estreptococia de vias aéreas superiores aguda (Padrão etária tenha uma infecção orofaríngea por ano e que Ouro). A colheita deve ser feita através de esfregaço, 20% são de origem estreptocócica, onde teríamos com um swab a nível de pilar anterior da amígdala, aproximadamente seis milhões de anginas em um prazo maior que doze horas e menor que quatro estreptocócicas por ano, o que em condições não dias de evolução do quadro clínico. epidêmicas provocaria o fato de 0,3% dessas anginas É imperioso para o sucesso diagnóstico o transporte levarem a episódios de febre reumática açuda" rápido para o laboratório". O material é semeado em uma placa de agar-sangue com disco de bacitracina, podendo ser avaliada MANIFESTAÇÕES CLíNICAS adequadamente de dezoito a quarenta e oito horas após a semeadura. Entretanto não se preconiza a colheita em uso de antibioticoterapia ou com suspenO quadro clínico clássico da faringo amigdalite são recente da mesma. estreptocócica tem um período de incubação que pode A interpretação do resultado da cultura de orofaringe variar de doze horas a cinco dias. O início é súbito, baseada no número de colônias de estreptococos não apresentando febre alta em torno de 39º a 40º C de o diferencia tanto na infecção, quanto em seu portador temperatura axilar, com calafrios, dor de garganta assintomático. intensa, cefaléia e mal-estar geral. O estado de portador são reflete em geral infecção Algumas crianças, principalmente na faixa escolar, prévia e pode persistir por meses após a infecção associam a este quadro, náuseas, vômitos e dor aguda. São encontrados numa faixa de 5 a 15% em abdominal devido a adenite mesentérica, podendo ambientes fechados onde há concentração de pessimular um quadro de abdômen inflamatório. soas". No exame físico geralmente visualizamos uma orofaOs contatos familiares sintomáticos de portadores de ringe hiperemiada, com o aumento do volume infecção estreptocócica ou de febre reumática devem amigdaliario, edema de úvula e de pilares amigdalianos fazer 'cultura de orofaringe. Na rotina, a cultura após anteriores e palato mole. Além disto poderá ocorrer a antibioticoterapia específica está indicada somente um exsudato puntiforme branco-acinzentado em nos pacientes que permanecem sintomáticos ou em amígdalas, petéquias em palato mole, hálito fétido, Rev SOCERJ VollX NQ 2 Abr/Mai/Jun/1996 75 '.-~ pacientes ou familiares com alto risco para febre reumática, devendo ser realizada após quatorze dias do término do uso do antibiótico. Um outro método utilizado são os chamados testes rápidos, que por serem de fácil realização no ambulatório", são úteis para corroborar o diagnóstico clínico e assim permitir iniciar mais precocemente a antibioticoterapia específica. Os testes rápidos têm uma sensibilidade baixa em torno de 60 a 80% e uma especificidade alta de 90 a 95% para o estreptococo beta hemolítico do Grupo A. Há mais de vinte tipos diferentes destes testes que são baseados em dois métodos: a aglutinação em látex e o ensaio irnunoenzirnático", através da retirada direta do antígeno carbohidrato do estreptococo, realizada por swab nas amígdalas e faringe posterior. Se houver positividade do teste, pode-se excluir a cultura de orofaringe, mas se o teste for negativo recomenda-se a realização da mesma": Outra forma de pesquisa ambulatorial é a dosagem de anticorpos específicos contra antígenos de membrana do estreptococo que são: a antiestreptolisina O (ASO), a antihialuronidase, a antiestreptoquinase, a anti-DNase e a anti-DPNase. O mais utilizado é a antiestreptolisina O que varia com a idade, situação geográfica e a intensidade de exposição à infecção estreptocócica". A Associação Americana de Cardiologia recomenda que títulos acima de 333 U. TODD. em crianças e 250 U.TODD. em adultos sejam considerados positivos. A repetição da dosagem deve ser feita em 2 a 4 semanas. O hemograma nem sempre é característico com leucocitose e predomínio de polimorfonucleares, tendo, portanto, pouco valor diagnóstico. Em serviços onde não há disponibilidade de recursos laboratoriais, o diagnóstico de uma amigdalite bacteriana pode ser feito com grandes possibilidades de sucesso em bases clínicas, com médico experiente9. A Organização Mundial de Saúde considera que um clínico experiente, uma cultura de orofaringe adequada em associação aos testes rápidos permitem o diagnóstico de uma faringoamigdalite bacteriana aguda em 95 % dos casos. TRATAMENTO A importância do tratamento consiste principalmente na erradicação do estreptococo beta hemolítico do Grupo A. Uma amigdalite bacteriana evolui clinicamente em 3 a 7 dias mesmo sem tratamento, mas o agente causal continua a ser eliminado para o meio ambiente, por Rev SOCERJ Vai IX NQ2 um período de 10 a 21 dias, principalmente por via nasal ou pela orofaringe. ([) tratamento é feito com antibioticoterapia específica que se utilizada precocemente reduz a duração dos sintomas, minimiiando a contagiosidade, pois após ?4 horas de uso do antibiótico específico cessa o contáqio, abortando surtos epidêmicos em populações fechadas, além de prevenir o aparecimento do quadro de febre reumática . .0 antibiótico de escolha continua sendo a penicilina benzatina 10,11 intramuscular em dose única, 600.000U.1. até 25 Kg de peso e 1200000U.1. acima de 25 Kg de peso. Além de ter grande eficácia, assegurando níveis sangüíneos adequados por 10 a 15 dias, é de baixo custo. Segundo a literatura, a suscetibilidade do estreptococo do grupo A à penicilina continua sendo adequada mesmo após 40 anos de uso e sua resistência não está bem documentada A antibioticoterapia oral clássica tem a desvantagem de ser mais dispendiosa e necessitar um tratamento contínuo e prolongado por um período mínimo de 10 dias levando muitas vezes a um tratamento falho devido à omissão de doses, erro no cálculo da dosagem ou no intervalo de administração e na interrupção prematura da medicação". A fenoximetilpenicilina é o antibiótico oral de escolha (penicilina V)10sendo administrada na dose de 25.000 a 50.000 U/kg/dia nas crianças com menos de 25 kg . Nas maiores de 12 anos utiliza-se 200.000 U a 500.000 U a cada 6 ou 8 horas por um período mínimo de 10 dias. É importante frisar que a solução oral da penicilina V após reconstituição contém em cada 5 ml, 4.000.000 U e a apresentação em comprimidos, 500.000 U. Nos casos comprovados de hipersensibilidade à penicilina, usamos o estolato de eritromicina na dose de 30 a 40 mg/kg/dia de 6 em 6 horas por um período mínimo de 10 dias. Vários estudos demonstram que as cefalosporinas orais são clínica e bacteriologicamente efetivas no tratamento da faringite estreptocócica'"", dentre as quais: cefalexina, cefadroxil, cefaclor, cefixima e cefetamet pivoxil'", Contudo deve-se salientar que o alto custo é fator inibidor de seu uso na rotina ambulatoria!. Novos antibióticos como a azitromicina, clindamicina e a amoxacilina-clavulato parecem ser eficazes para o tratamento das faringites estreptocócicas, mas não devem ser utilizados de rotina, somente nos casos de faringite crõnica=". A tetraciclina bem como a sulfametoxazol-trimetropim não devem ser utilizadas, pois tem alta resistência ao estreptococo beta hemolítico. Abr/Mai/Jun/1996 76 CONCLUSÃO As condições de agrupamento, principalmente devido a baixa situação sócio-econômica, a existência e qualidade dos serviços médicos que possam propiciar um adequado diagnóstico e tratamento da faringoamig- dalite estreptocócica são fatores de maior relevância no tocante à saúde pública objetivando a diminuição da incidência de febre reumática. Treatment of acute streptococca/ pharyngitis and prevention of rheumatic fever: ia statement for health professionals. Committee qn Rheumatic fever, endocarditis, and Kawasaki diseese of the council on cardiovascular disease in ttie: young, the American Heart Association. Pediatrics. !1995. Oct; 96 (4 Pt 1): 758-764. '11. Markovitz M, Gerber MA, Kap/an EL. Treatement of .streptococceí pherynqotonsittltis: reports of penicillin 's demise are premature. J. Pedietr. 1993; 123: 679-685. REFERÊNCIAS BIBLlOGt;lÁFICAS 1. Peter G. The child with group a streptococcal pharyngitis. In: Aranoff SC, Hugnes WT, Kohls, Speck WT, Wald Er, eds. Advances in Pediatrics Infections Diseese. Chicago: Year Book Medical, 1986; 1:1-13. 2. Markovitz M, Taranta A A Febre Reumática 2ª eti.: 11-18, 1989, 34-39, 46-49. 3. Torres RPA, Febre Reumática. Epidemiologia e Prevenção. Arq. Bras. CardioI. 1994. 63 (n!! 5); 439440. 4. Santos BA, Giugliani ERJ. Dor de Garganta. In: Duncan B, Schimidt MI, Giugliani ERJ et aI, Medicina Ambulatorial: condutas clínicas em atenção primária. 2 ed. Porto Alegre. 1996, 346-348. Dippel DW, Touw Otten F, Habbema JD. Management of children with acute pharyngitis: a decision analysis (see comments). J Fam Pract 1992 Feb, 34 (2): 149-159. 5. 6. Schlager TA, Rayden Ge, Woods WA, Dudley SM, Hendley JO. Optical imunoassay for rapid detection of group A beta-hemo/ytic streptococci. Shou/d cu/ture be replace?Arch Pedriat Adolesc Med 1996 Mar; 150 (3): 245-248. 7. Savoia O, Francesetti C Millesimo M, Dotti G, Gatti G, Rurali C. Evaluation of the diagnostic accuracy of a kit for the rapid detection of group A streptococci. Microbios 1994; 77 (313): 253-259. 8. Dei Mar C. Managing sore throat: a literature review. I Making the dignosis. Med J Aust. 1992 Apr 20; 156(8): 572-575. 9. Reyes H, Guiscafre H, Peres Cuevas R, Munoz O, Giono S, Flores A, Aziz I, Gutierrez G. Diagnosis of streptococcal pharyngo-tonsillitis: clinical criteria or coagglutínation? 10. oajani A, Taubert k, Ferrieri P, Peter G, Shulman S. Rev SOCERJ VollX N22 12. oajani, AS. Adherence to physicians'instructions as a factor in Managing streptococcal pharyngitis. Pediatrics. 1996; 97: 976-980. 13. Shulman ST. Evaluation of penicillins, cephalosporins, and macrolides for therapy of streptococcal pharyngitis. Pediatrics. 1996; 97: 955959. 14. Gerber MA, Spadaccini LJ, Wright LL, et ai. Twicedaily penicillin in the treatment of streptococcal pharyngitis. Am J Dis Child. 1985; 139: 1145-1148. 15. Schwartz RH, Wientzen RL Jt., Pedreira F, et ai. Penic/lin V for group A streptococcal pharyngitis: a randomized tria/ of seven vs. ten days' therapy. JAMA 1981; 246: 1790-1795. 16. Gerber MA, Rando/ph MF, Chanatry J, et a/o Five vs. ten days of penici/lin V therapy for streptococca/ pharyngitis. AM J ois Child. 1987; 141; 224-227. 17. Shulman ST, Gerber MA, Tanz AR, Markovitz M. Streptococcal pharyngitis; the case for penicillin therapy Pediatr. Infect Dis J. 1994; 13: 1-7. 18. Gervaix-A, Brighi L, Ha/perin OS, Suter S. Cefetamet pivoxil in the treatment of pharyngotonsillitis due to group Abeta-hemolytic streptococci: preliminary reporto Switzer/and. J. Chemother. 1995 may; 7 supp 1: 21-24. 19. Gehanno P, Chichie D. Tonsillopharyngitis: evaluation of short-term treatment with cefuroxime axetil vs, Standard ten days penicíllin V therapy. France. Br. J. Clin. Pratic 1995. Jan-Feb; 49 (1): 28-32. 20. Pichichero ME. Group A streptococcal tonsillopharyngitis: cost-effective diagnosis treatment. An Emerg. Med. 1995; Mar.; 25 (3): 390-403. 21. Gerber MA Antibiotic Resístance: reJationship to persistence of streptococci in the upper respiratory tract. Pediatrics. 1996; 971-974. Abr/Mai/Jun/1996 77