DESENVOLVIMENTO HUMANO: O TRABALHO EDUCATIVO NO

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DESENVOLVIMENTO HUMANO: O TRABALHO EDUCATIVO NO
ENFRENTAMENTO DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGENS
ESCOLARES
Karina Cordeiro de Brito1 - FCT/UNESP
Rosiane de Fatima Ponce2 - FCT/UNESP
Irineu A. Tuim Viotto Filho 3 - FCT/UNESP
Giuglianna Apparecida Souza de Oliveira4 - FCT/UNESP
Evelyn de Paula Souza 5 - FCT/UNESP
Grupo de Trabalho – Didática: Teorias, Metodologias e Práticas
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
Este trabalho parte de nossa inquietação frente ao crescente número de crianças
diagnosticadas com transtornos e déficits de atenção. Precisamos compreender os múltiplos
fatores que levam as crianças, principalmente, a não efetuarem suas atividades escolares, com
isso, culpabilizar o professor ou o próprio estudante e sua família por seu insucesso na escola.
Esses diagnósticos de transtornos e déficits de atenção, muitas vezes servem para justificar as
dificuldades das crianças em aprender os conteúdos escolares, sem levar em conta todas as
implicações que ocorrem em sua realidade objetiva. Buscamos refletir sobre o ensino escolar,
o desenvolvimento do psiquismo humano a partir da Psicologia histórico-cultural para
entender o desenvolvimento das funções psíquicas superiores e sua influência no
comportamento das crianças com dificuldades escolares. Muitos diagnósticos biologizantes
estão sendo apresentados aos profissionais da educação sobre o aprendizado das crianças,
entretanto, as atividades de leitura, escrita e cálculo dependem do desenvolvimento de
funções aprendidas e desenvolvidas socialmente. O artigo contará com reflexões da educação
enquanto principal fonte dos conhecimentos sistematizados e fundamentais ao processo do
desenvolvimento psíquico, evidenciando o papel da escola numa sociedade capitalista, além
de discutir a necessidade de uma teoria crítica de educação. Desta maneira defende-se que a
1
Mestranda em Educação: FCT/UNESP- Universidade Estadual Júlio Mesquita Filho – Presidente Prudente. Licenciada em
Educação Física pela Unesp de Presidente Prudente. E-mail: [email protected].
2
Doutora em Educação: Psicologia da Educação pela PUC-SP. Professora Doutora do Departamento de Educação e do
Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) da Faculdade de Ciências e Tecnologia - FCT/ UNESP, Campus de
Presidente Prudente. E-mail: [email protected].
3
Pos-doutor em Psicologia da Educação e Desenvolvimento Humano pela University of Bath. Coordenador do Programa de
Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia - FCT/ UNESP, Campus de Pres. Prudente. E-mail:
[email protected]
4
Mestranda em Educação: FCT/UNESP- Universidade Estadual Júlio Mesquita Filho - Presidente Prudente. Graduada em
Geografia pela Unesp – Presidente Prudente. E-mail: [email protected]
5
Mestranda em Educação: FCT/UNESP- Universidade Estadual Júlio Mesquita Filho - Presidente Prudente. Graduada em
Educação Física pela Unesp – Presidente Prudente. E-mail: [email protected].
ISSN 2176-1396
38205
escola deve trabalhar para além das aparências fenomenológicas da educação, que
patologizam as crianças e que pouco favorece a constituição das funções psíquicas superiores,
desenvolvendo a linguagem, o pensamento, a memória, a atenção, o raciocínio lógico para
que os sujeitos possam transformar a si mesmos e transformar mais criticamente as situações
problemáticas da sociedade contemporânea.
Palavras-chave: Desenvolvimento Humano. Dificuldades de Aprendizagem. Escola.
Consciência humana.
Introdução
Este artigo partiu da inquietação de membros participantes do grupo GEIPEE (Grupo
de Estudos, Intervenções e Pesquisas em Educação Escolar) ao perceberem um aumento
significativo do número de crianças que estão sendo medicalizadas em função de dificuldades
escolares. Percebemos esse fenômeno com as crianças que são encaminhadas ao LAR
(Laboratório de Atividades Ludo-Recreativas) que é o laboratório onde desenvolvemos
projetos de extensão universitária e realizamos pesquisas (mestrado e doutorado). E em
escolas onde atuamos com projetos de intervenção também temos presenciado situações em
salas de aulas de crianças medicalizadas. Das crianças que são encaminhadas ao LAR, em sua
maioria, apresentam diversos tipos de diagnósticos, o TDAH (Transtorno de Déficit de
Atenção e Hiperatividade) é o mais incidente. Entendemos que os diagnósticos de transtornos
e dificuldades escolares têm aumentado principalmente na escola, e que precisamos ampliar
os estudos acerca desses fenômenos para compreendermos de fato os diversos fatores que
levam esses sujeitos a “falharem” nas tarefas escolares.
Esses diagnósticos muitas vezes servem para justificar as dificuldades das crianças em
aprender os conteúdos escolares, sem levar em conta todas as implicações que ocorrem em
sua realidade objetiva. Observando dessa forma, a criança, a escola ou o professor são
responsabilizados pelo fenômeno crescente das dificuldades escolares contemporâneas,
dificultando ainda mais os processos de ensino e aprendizagem.
Buscando compreender e questionar os discursos sobre dificuldades e transtornos, e
para uma análise além da maturação biológica e naturalizante do desenvolvimento dos
sujeitos, o presente artigo procura fazer um levantamento teórico para refletirmos sobre o
ensino escolar e o desenvolvimento do psiquismo humano a partir da Psicologia históricocultural articulada com a pedagogia histórico-crítica.
Diante desses fenômenos educacionais que a sociedade vem enfrentando, a Psicologia
histórico-cultural com base no materialismo histórico dialético nos fornece aporte teórico e
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possibilita compreender a constituição histórica e cultural dos sujeitos e a influencia desses
fatores no desenvolvimento psicológico humano. Além disso, evidenciamos que essa lógica
dialética possibilita uma concepção de homem diferente daquelas que por muito tempo vem
permeando as escolas.
Martins (2013) aponta que apesar da psicologia histórico-cultural apresentar
pressupostos importantes para a educação, “sua transposição imediata para a prática
pedagógica pode resultar em mais um tipo de psicologismo de nefastas consequências”. Nesse
sentido, chama-se a atenção para a articulação de uma teoria pedagogia histórico-crítica, que
relaciona o desenvolvimento do psiquismo em suas relações com o ensino sistematizado
escolar.
Os seres humanos se desenvolvem à medida que se apropriam dos conhecimentos
produzidos ao longo dos tempos, e cabe a escola oferecer condições para que as crianças
aprendam o que a sociedade produziu de mais significativo na ciência, que é o saber
sistematizado da geografia, da matemática, da língua portuguesa, da história, entre outras.
Diante das contribuições teóricas apresentadas, procuraremos levantar implicações
contemporâneas que influenciam no desenvolvimento do psiquismo das crianças nas escolas,
enquanto sujeitos sínteses de suas múltiplas relações sociais, assim, Saviani (2004) nos fala
que o que a criança aprende na escola [ou deveria aprender] possibilita contribuições
qualitativas para a formação e desenvolvimento psicológico. Contudo, questionamos
concepções e discursos que enxergam a criança apenas pelo o que é aparente e imediato, visto
que as pessoas são muito mais do que o aparente, pois os indivíduos carregam uma história
que compõem seu desenvolvimento e seu comportamento.
Nesta direção, procuramos propor uma análise diferenciada dos transtornos e das
dificuldades de aprendizagens escolares, não apenas apresentando a realidade, mas também
abordando reflexões que procuram de fato a transformação da sociedade levando-se em
consideração os desafios enfrentados principalmente pelas escolas publicas.
Saviani (2012a) nos mostra os problemas enfrentados na educação da sociedade do
capital, além de discutir a necessidade de uma teoria crítica da educação que possibilite
refletir condições de mudanças na situação muitas vezes caótica que os profissionais do
ensino enfrentam constantemente:
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Do ponto de vista prático, trata-se de retomar vigorosamente a luta contra a
seletividade, a discriminação e o rebaixamento do ensino das camadas populares.
Lutar contra a marginalidade através da escola significa engajar-se no esforço para
garantir aos trabalhadores um ensino da melhor qualidade possível nas condições
históricas atuais. O papel de uma teoria crítica da educação é dar substância concreta
a essa bandeira de luta de modo a evitar que ela seja apropriada e articulada com os
interesses dominantes (SAVIANI, 2012a, p.31).
Este trabalho pretende defender a escola enquanto local de sistematização e
transmissão de conhecimentos científicos fundamentais ao desenvolvimento qualitativo do
psíquismo e das funções psíquicas superiores que influenciam na formação da personalidade
humana, principalmente de crianças que enfrentam dificuldades de aprendizagens na escola,
sem deixar de evidenciar os problemas que o modelo educação da sociedade capitalista
provoca na formação dos indivíduos.
O desenvolvimento do psiquismo
Para rompermos com o discurso que pouco contribui para o aprendizado das crianças,
precisamos primeiramente compreender o desenvolvimento psíquico dos seres humanos. Para
tanto, nosso referencial teórico estará apoiado nos principais representantes da Psicologia
histórico-cultural: Vygotsk, Luria e Leontiev.
Em seu livro “O desenvolvimento do psiquismo”, Leontiev (2004) colabora para
desmistificar algumas concepções naturalizante do desenvolvimento cognitivo do homem.
Entende-se que a consciência do homem se transforma conforme as condições concretas que
ele encontra durante sua vida, Leontiev (2004, p. 94) revela que ela não é uma coisa imutável
ou que já nascemos com certos conhecimentos, pelo contrário, somos sínteses das condições
de desenvolvimento que nos foram oferecidos em sociedade: “[...] a consciência do homem é
a forma histórica concreta do seu psiquismo [...]”, as características de uma pessoa nunca
serão idênticas a de outra, uma vez que cada um teve condições de apropriação diferentes com
realidades diferentes, logo sua história de vida será da mesma forma.
As relações sociais dos sujeitos determinaram aspectos pessoais de sua personalidade,
desta forma, o desenvolvimento psíquico pressupõe atividades coletivas, relações com outras
pessoas, comunicação e trabalho (transformação da natureza). O homem se diferencia dos
outros seres vivos qualitativamente, apesar de ter uma origem animal e constituírem também
dependentes das suas condições biológicas, as objetivações que alcança socialmente é o que
realmente determina seu desenvolvimento. Não descartamos de maneira alguma a importância
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dos fatores biológicos na vida do homem, mas se sua vida fosse regida apenas por estes
aparatos, não estaríamos realizando atividades como a escrita e a leitura de um artigo.
O desenvolvimento humano foi possível em função da constante transformação da
natureza pelo homem e de suas apropriações de objetos desenvolvidos a partir destas
transformações, que foram fenômenos gerados por conta das necessidades de satisfações de
determinadas necessidades. Este processo de transformação baseia-se na atividade humana
denominada: trabalho. O trabalho, uma categoria fundamental da teoria Marxiana, se
configura como atividade vital de desenvolvimento do homem primitivo, transformando-se
durante um longo processo de aquisições psíquicas no homem contemporâneo. Para Leontiev
(2004 p. 80), o trabalho se caracteriza por dois elementos: o primeiro os instrumentos; e o
segundo a sociedade.
A utilização e a fabricação de instrumentos modificaram os órgãos dos sentidos que se
adaptaram para as necessidades de produção do homem. A criação de instrumentos para
satisfazer as necessidades do homem possibilitou a produção dos objetos que estão em
contínuo processo de desenvolvimento. Martins (2013, p.39) explica que “[...] as formas de
existência social instituída pelo trabalho engendram novas propriedades no homem, posto que
não transforma apenas o seu ambiente real de vida, mas, sobretudo, a sua forma de viver”.
O trabalho se realiza também dependente das “[...] condições da atividade comum
coletiva, de modo que o homem, no seio deste processo, não entra apenas numa relação
determinada com a natureza, mas com outros homens, membros de uma dada sociedade”
(LEONTIEV, 2004, p. 80). O homem compreendeu a necessidade e as vantagens de realizar
atividades com outros sujeitos, ele entendeu que dividindo tarefas e realizando ações
conjuntas conseguiria avançar nas suas atividades, alcançar os resultados esperados com mais
facilidade e em menor tempo.
Para que uma atividade coletiva funcionasse a contendo, compreende-se que foi
necessária a comunicação entre os indivíduos e aí reside a importância do desenvolvimento da
linguagem no desenvolvimento humano: “[...] o nascimento da linguagem só pode ser
compreendido em relação com a necessidade, nascida do trabalho, que os homens sentem de
dizer alguma coisa” (LEONTIEV, 2004, p. 92). A linguagem possibilitou a generalização da
realidade, é um meio de comunicação entre os seres humanos que contribui de forma
significativa para o desenvolvimento da consciência e do pensamento do homem.
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Do exposto até aqui, vale destacar a importância do desenvolvimento da linguagem na
construção de funções psicológicas superiores, o que provocou mudanças essenciais no
processo psíquico, segundo Rego (2007, p.53) podemos citar três mudanças fundamentais:
1) A primeira é que a linguagem permite lidar com os objetos do mundo exterior
mesmo quando eles não estão presentes; 2) A segunda faz referência ao processo de
abstração e generalização da realidade que a linguagem possibilita; 3) A terceira está
associada à função de comunicação entre os homens que garante a transmissão e
assimilação de conhecimentos históricos e sociais.
Essas mudanças proporcionadas pela linguagem não são iguais nos animais, pois
neles o desenvolvimento não ocorreu de tal maneira para distinguir ações, abstrair, relembrar
fatos, assimilar e designar coisas. Essas condições de desenvolvimento só o homem alcançou,
graças ao sistema de signos criados e a relação social dos indivíduos. O signo opera, então,
como um estímulo sobre as funções psíquicas, transforma suas expressões espontâneas em
expressões volitivas. Martins (2013, p. 45) explica que “[...] os signos são meios auxiliares
para a solução de tarefas psicológicas e, analogamente, às ferramentas ou instrumentos
técnicos de trabalho”.
O psiquismo humano se desenvolve, então, pela mediação dos signos e da
internalização das experiências humanas produzidas histórica e socialmente. De acordo com
Rego (2007), os indivíduos reconstroem as atividades externas permitindo a organização das
mesmas. Esse processo ajuda a planejar uma ação futura e realizar operações mais complexas,
ou seja, o psiquismo dos indivíduos vai se complexificando devida às condições de
apropriação histórico-cultural.
A complexificação dos processos mentais foi denominada pelos autores da Psicologia
Histórico-cultural com funções psíquicas superiores, que se forma através da linguagem e da
capacidade de pensamento resultante das relações sociais humanas. Tuleski (2013, p.289)
afirma que a “[...] história das funções psicológicas superiores é definida como a história da
transformação de meios de comportamento social em meios de organização psicológica
individual”.
Os indivíduos precisam se apropriar das mais elevadas formas de conhecimentos
através das relações sociais, da mediação dos instrumentos e dos signos para que ocorra o
desenvolvimento de suas funções psíquicas superiores, contribuindo para todo o processo de
aprendizado que terá durante a vida.
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A importância do ensino no desenvolvimento das crianças
A escola é um ambiente de ensino conquistado historicamente pelo conjunto dos
homens. Assim, a escola surge da necessidade dos homens de ensinar o conhecimento
sistematizado que precisa ser aprendido pelas gerações futuras. Saviani (2011) afirma que a
educação é um fenômeno próprio dos seres humanos e ao mesmo tempo é uma exigência do
trabalho, da atividade vital humana. Nesse sentido, o trabalho educativo pode ser
compreendido como trabalho não material, que, para o autor, diz respeito as ideias, aos
conceitos, símbolos e habilidades que são desenvolvidos no ambiente escolar. A escola além
de ser o local de transmissão desses conteúdos, ela é o lugar próprio para o desenvolvimento
das funções psíquicas superiores que são propriamente humanas. Segundo Tuleski (2013):
A escola é fundamental para o desenvolvimento humano porque, da mesma forma
que a ação produtiva do homem altera sua constituição biológica pela criação e uso
de ferramentas, a apropriação de conhecimentos gera processos de raciocínio
completamente novos, bem como novas necessidades de conhecer e raciocinar
(TULESKI, 2013, p. 289).
Os conhecimentos ensinados e as atividades pedagógicas na escola devem favorecer e
dirigir o desenvolvimento psíquico das crianças, transformar a consciência mais elementar de
modo que complexifique e ocorra níveis mais elevados dessa consciência. O professor deve
estar atento ao desenvolvimento da criança e dirigir os conhecimentos científicos a ser
transmitido e promover o máximo das capacidades do aluno.
Quando a criança começa a aprender um novo conteúdo na escola, ela precisa apoiarse naquele conhecimento que ela já possui e que é mais espontâneo para fazer aproximações e
generalizações acerca dos conhecimentos que serão ensinados. Ou seja, a criança “[...] vai se
apropriando dos conteúdos sistematizados, esses conhecimentos influenciarão diretamente os
conhecimentos que já estão internalizados” (TULESKI, 2013, p. 292). A relação de
internalização de novos conhecimentos constitue o processo educativo e constituição da
humanização.
Saviani (2012b) enfatiza que o processo educativo seria muito difícil se fossem
considerados apenas o homem em seu aspecto empírico, e defende a importância da
apropriação dos conhecimentos para que o homem (estudante) se tornar livre. O homem livre,
nessa concepção, é aquele que consegue tomar decisões, transformar e intervir nas situações
de sua vida e na sociedade. O autor ainda argumenta que o individuo mais desenvolvido pode
possuir a capacidade de ensinar o outro:
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A análise do aspecto intelectual, isto é, da consciência, revela que o homem não se
mantém preso às suas condições situacionais e pessoais. Ele é capaz de transcender a
situação, assim como as opções e pontos de vistas pessoais, para se colocar na
perspectiva universal, entrando em comunicação com os outros e reconhecendo suas
condições situacionais, assim como suas opções e seus próprios pontos de vista.
Funda-se, ai, a legitimidade da educação, que emerge, então como uma
comunicação entre pessoas livres em graus diferentes de maturação humana. Nessa
formulação o valor da educação se expressa como promoção do homem (SAVIANI,
2012b, p.14).
A educação tem o papel de promover a formação humana, abordando conteúdos
adequados para os diferentes tipos de maturação dos seus estudantes. Os conhecimentos
científicos, como a matemática, geografia, física, língua portuguesa, filosofia, história, artes,
etc., que são ensinados na escola, devem desenvolver a capacidade psíquica dos estudantes.
Os estudantes quando adentram os espaços escolares carregam consigo múltiplas
determinações que os caracterizam e os diferenciam conforme suas apropriações, além disso,
esses sujeitos devem enfrentar os dilemas e as mazelas de uma sociedade dividida em classes
sociais, que impedem que todos tenham as mesmas condições de aprendizado. Seria ideal se
todos tivessem as mesmas condições de acesso e permanência à educação de qualidade, de
apropriação dos conhecimentos sistematizados e das obras artísticas produzidas pela
humanidade, mas, infelizmente, apenas uma pequena parcela da sociedade consegue ter
acesso a esses conhecimentos mais elaborados, ficando a mercê das informações cotidianas e
que pouco contribuem para seu desenvolvimento psíquico.
A Psicologia histórico-cultural e a Pedagogia histórico-crítica entendem que os
ensinos dos conteúdos sistematizados devem ser priorizados na educação, pois quando a
sociedade fica somente no conhecimento cotidiano, não consegue romper com as ideologias
que a classe dominante estabelece. Sabemos que a escola está passando por grandes
dificuldades no ensino das crianças, pois não estão conseguindo conciliar o conhecimento
cotidiano das crianças e transformá-los em conhecimentos sistematizados. Os professores
cada vez mais têm sido desvalorizados e há falta de estrutura material e humana para o
trabalho dos profissionais da educação e para os estudantes. Sobre esses fenômenos
educacionais que dificultam o aprendizado na escola:
Na sociedade atual temos assistido a um empobrecimento dessa capacidade de
humanização, pois mesmo a instituição social que tem a função de transmitir
conhecimentos – a escola - tem se deteriorado na sua tarefa, tem ficando à mercê de
teorias que desvalorizam o trabalho do professor. (TULESKI, 2013, p. 297).
A teoria proposta pela escola de Vigotski, e seus seguidores, referenciada por autores
contemporâneos permitem-lhes fazer críticas ao capitalismo e suas implicações negativas na
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educação escolar e, principalmente, na formação humana. Nesse sentido, defendem que é
necessária uma práxis educativa transformadora e a partir da transformação das relações
presentes de produção e exploração das classes sociais.
Saviani (2011) alertar que o trabalho educativo está em compreender que:
O objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos
culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana
para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à
descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo (SAVIANI,
2011, p. 13).
O ensino deve organizar os meios através de formas adequadas de desenvolvimento do
trabalho pedagógico para que todos os sujeitos se humanizem a partir da apropriação dos bens
materiais e culturais.
Infelizmente, um sistema capitalista faz a divisão das pessoas em classes sociais e as
diferencia no acesso aos conhecimentos gerando impossibilidade de desenvolvimento livre e
pleno. A divisão de bens materiais e culturais faz parte desse cenário contemporâneo e
corrobora para a transformação dos conhecimentos em mercadorias. Nem todas as pessoas
têm acesso aos bens culturais como, por exemplo, frequentar aulas de língua estrangeira,
visitar um parque ecológico, um museu, um concerto de opera, assistir uma peça de teatro, um
filme no cinema, essas possibilidades de desenvolvimento estão à disposição de poucos.
Saviani (2011, p.16) levanta o problema do currículo na escola contemporânea,
criticando as atividades extracurriculares, pois: “[...] se tudo o que acontece na escola é
currículo, se apaga a diferença entre curricular e extracurricular, então, tudo acaba adquirindo
o mesmo peso”; o que colabora para inversões e confusões acerca do que deve ser ensinado,
descaracterizando ainda mais a escola. Outra questão importante apontada por Saviani (2011)
sobre os problemas escolares é a presença de diversos profissionais dentro da escola, como
dentistas, psicólogos, assistentes sociais, entre outros. E a escola fica responsável em atender
os interesses da população e interesses de outras corporações, deixando a tarefa de ensinar
esvaziada de sentido.
O aumento do número de crianças com transtornos e dificuldades de aprendizagens
escolares chamam a nossa atenção para as condições de ensino em sala de aula. Seria muito
fácil culpar o professor, o aluno ou a família pelos problemas da educação, mas estaríamos
reproduzindo concepções biologizantes e patologizantes que analisam apenas o que é aparente
e imediato para justificar os problemas de aprendizagem.
Como vimos anteriormente, o desenvolvimento das funções psíquicas superiores são
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as responsáveis pela aprendizagem dos conhecimentos mais complexos, quando a criança está
em suas relações sociais mediadas pelos instrumentos culturais e pela linguagem, as quais
transformam seu psiquismo. Desta forma, se um grande número de crianças está apresentando
dificuldades em aprender conteúdos escolares (como ler, escrever, calcular) a relação dela
com os objetos culturais historicamente produzidos em algum momento ficou prejudicado,
seja por alguma dificuldade elementar básica (desenvolvimento da linguagem após a idade da
maioria das crianças) ou nas suas relações sociais, na falta de acesso aos conhecimentos
científicos e as artes, que são situações e atividades históricas e culturais.
Muitos diagnósticos estão sendo apresentados aos profissionais da educação, como:
Dislexias, Discalculias, TDAH e Dificuldades de Aprendizagem, entre outros. Questionamos
alguns diagnósticos biologizantes sobre o aprendizado das crianças já que as atividades de
leitura, escrita e cálculo dependem do desenvolvimento de funções aprendidas e
desenvolvidas socialmente. Podemos citar, como exemplo, a atividade de leitura, pois, para
desenvolvê-la, o sujeito precisa aprender a linguagem humana, desenvolver o raciocínio
lógico e o pensamento. Essas capacidades não acontecem simplesmente de uma hora para a
outra, é resultado de um longo processo de apropriações e de internalizações que demandam
uma gama de atividades do aluno, do professor, dos pais e das relações que fazem parte do
cotidiano desse sujeito.
Uma das situações que é ainda mais preocupante é que esses diagnósticos estão
acontecendo cada vez mais cedo na vida das crianças, já no primeiro ano do ensino
fundamental e na educação infantil estão sendo medicalizadas por conta de suas dificuldades
de aprendizagem, de aprender o alfabeto, as primeiras letrinhas do alfabeto. Contudo, neste
momento e idade da criança, conforme a Psicologia histórico-cultural, ela está vivenciando o
brincar com os objetos, está na manipulando esses objetos e não está em condições no nível
do abstrato, do simbólico que é a relação entre o desenho da letra no quadro (lousa) e o
registro dessa imagem em seu caderno.
Considerações Finais
A organização da sociedade atual foi criada e determinada em circunstancias sóciohistóricas, é possível que os homens, conhecendo sua realidade, possam intervir e transformála. Esta transformação precisa ser assumida enquanto atividade da escola durante o
desenvolvimento dos conteúdos científicos, a partir do trabalho educativo e organizado de
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modo que os estudantes compreendam a estrutura da sociedade e a complexidade de seu
contexto social.
Asbahr (2011, p.64) afirma que “[...] os limites da educação burguesa, dentre outros,
referem-se à ênfase na memorização de conteúdos e ao desenvolvimento do pensamento
empírico”. Ou seja, esse tipo de ensino escolar, proposto pela sociedade de classes, não
contribui para a formação das funções psíquicas mais elevadas de nossos estudantes.
Um ensino que trabalhe para o desenvolvimento da atividade consciente humana
transforma os processos psíquicos dos alunos, como atenção voluntária, memória voluntária
entre outras, possibilitando que as crianças tenham novas formas de conduta mais racionais,
que permitam dirigir arbitrariamente seu processo atencional, como também o de memória, ao
tornar-se consciente e planejada (TULESKI, 2007, p.234). Esse desenvolvimento permite
mudar os comportamentos “hiperativos” ou as dificuldades das crianças na escola e
contribuem significativamente para o ensino-aprendizagem.
Consideramos necessário enfatizar a realização do trabalho educativo, dos
conhecimentos mais sistematizados e da práxis pedagógica para combater o processo de
naturalização das atividades humanas, dadas na sociedade:
Vê-se, assim, que para existir a escola não basta a existência do saber sistematizado.
É necessário viabilizar as condições de sua transmissão e assimilação. Isso implica
dosá-lo e sequenciá-lo de modo que a criança passe gradativamente do seu não
domínio ao seu domínio. Ora, o saber dosado e sequenciado para efeitos de sua
transmissão-assimilação no espaço escolar, ao longo de um tempo determinado, é o
que nós convencionamos chamar de “saber escolar” (SAVIANI, 2011, p. 17).
A escola deve trabalhar para além das aparências fenomenológicas da educação, que
patologizam as crianças e que não contribuem significativamente para o desenvolvimento
psíquico destas. Precisamos trabalhar para a constituição das funções psíquicas superiores,
desenvolvendo a linguagem, o pensamento, a memória, a atenção, o raciocínio lógico para
que os sujeitos possam transformar a si mesmos e transformar mais criticamente as situações
problemáticas da sociedade contemporânea. É sabido que a sociedade do capital quando deixa
de ensinar os indivíduos, conseqüentemente, desumaniza e destrói as possibilidades de
desenvolvimento pleno para o avanço da humanidade. Ou seja, é necessária e eminente a
transformação desta realidade.
38215
REFERÊNCIAS
ASBAHR, Flávia da Silva Ferreira. “Por que aprender isso, professora?” Sentido e
atividade de estudo na Psicologia Histórico-Cultural/ Flávia da Silva Ferreira Asbahr. 220
f. Tese (Doutorado) Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011.
Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/108985322/Tese-doutorado-Flavia-Asbahr#scribd>
LEONTIEV, Alexis, 1904-1979. O desenvolvimento do psiquismo/ Alexis Leontiev ;
[tradutor Rubens Eduardo Frias]. – 2. Ed. -- São Paulo: Centauro, 2004.
MARTINS, Lígia Márcia. O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar:
contribuições à luz da psicologia histórico-cultural. Campinas: Autores Associados, 2013.
REGO, Tereza Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 18.
Ed. Petrópolis: Vozes, 2007.
SAVIANI, Dermeval. Perspectiva marxiana do problema subjetividade de intersubjetividade.
In: Duarte, Newton (Org.). Crítica ao fetichismo da individualidade. Campinas: Autores
Associados. pp. 21-52, 2004.
SAVIANI, Dermeval. Pedagogia Histórico-crítica: primeiras aproximações. 11 ed.
Campinas: Autores Associados, 2011.
SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. 42. ed. Campina: Autores Associados, 2012a.
SAVIANI, Dermeval; NEWTON, Duarte (Orgs.). Pedagogia histórico-crítica e luta de
classes na educação escolar. Campinas: Autores Associados, 2012b.
TULESKI, Silvana Calvo. A unidade dialética entre corpo e mente na obra de A. R.
Luria: implicações para a educação escolar e para a compreensão dos problemas de
escolarização. 2007. 354 f. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de
Ciências e Letras de Araraquara, 2007. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/102330>.
TULESKI, Silvana Calvo; FACCI, Marilda Gonçalves Dias e BARROCO, Sônia Mari
Shima. Psicologia Histórico-Cultural, marxismo e educação. Teoría y crítica de la
psicologia, n.3, 281-301 (2013). Disponível em: http://www.teocripsi.com. Acesso em: 31
agost. 2015.
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