XI Congresso Brasileiro de Sociologia 1 a 5 de setembro de 2003-07-22 Unicamp, Campinas, São Paulo GT- Pensamento Social no Brasil Titulo do Trabalho - A Teoria da Dependência Revisitada – Intelectuais e Compromisso Político Kátia Aparecida Baptista Na década de sessenta houve uma grande efervescência intelectual em torno da questão da Dependência. Economistas e Cientistas Sociais debruçaram-se sobre a realidade dos países periféricos da América Latina sob diferentes abordagens teóricometodológicas. O que se verifica nesse período, particularmente no Brasil, é a inviabilidade do projeto desenvolvimentista formulado pela CEPAL, desencadeando críticas e rupturas radicais que levarão à construção de variadas matizes ideológicas e ao revisionismo das teses cepalinas do desenvolvimento. A partir deste momento os estudos sobre Dependência voltam-se para a formulação de teses que privilegiam uma perspectiva marxista de análise, defendendo a via da revolução Socialista como resposta à estagnação social gerada pelo capitalismo dependente em nações periféricas. Ruy Mauro Marini e Theotônio dos Santos são autores representativos dessa vertente. Não obstante, a novidade das análises sobre Dependência surge na segunda metade da década de sessenta com Fernando Henrique Cardoso, que terá papel fundamental neste debate ao propor uma nova análise metodológica sobre o assunto, escrevendo juntamente com Enzo Faletto: Dependência e Desenvolvimento na América Latina, no qual lançam as bases para um estudo sobre situações concretas de dependência. Em contrapartida a Marini e Santos, Cardoso considerará as possibilidades de desenvolvimento sob um capitalismo não só dependente, mas também associado. O debate entre uma intelectualidade pautada por ideais revolucionários, numa perspectiva de superação do modo de produção capitalista – através da construção de uma teoria marxista da dependência – e uma intelectualidade que se abre a uma discussão de reconhecimento da diversidade de interesses dentro do processo político – através de análises concretas de situações de dependência, apontando para a democratização do sistema – constitui parte de um processo complexo que no seu decorrer fora distinguindo o plano ideal do plano real; essa separação é acentuada com a transição democrática do regime autoritário em fins da década de setenta revelando o suposto intelectual em relação à prática política. A investigação que propomos restringe-se à análise da Teoria da Dependência pesquisando como os autores supracitados interpretam o Brasil nos anos 60 e, além disso, verificando como a elaboração teórica desdobrara-se em práticas políticas. Será com os intelectuais “revolucionaristas” do pré-64 que o termo dependência ganhará seu status científico no Brasil. Theotônio dos Santos e Ruy Mauro Marini – ligados à esquerda revolucionária – serão identificados como os primeiros intelectuais a sistematizarem uma Teoria da Dependência. O contexto de gestação de estudos sobre a Dependência, que antecede o golpe de 1964, figura um conturbado cenário de conflitos insuflado, dentre outras coisas, pelo debate intelectual que trazia à tona a preocupação com o desenvolvimento capitalista na periferia. Uma vez constatada que as políticas propostas pela Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) – que se pautava pelo nacional-desenvolvimentismo – mostraram-se ineficientes para solucionar o subdesenvolvimento dos países periféricos emerge, então, em contraposição ao pensamento cepalino na época, o que se convencionou denominar de “Teoria da Dependência”. Constata-se que nesse momento há no debate intelectual a discussão de alternativas ao desenvolvimento capitalista na periferia tendo a Revolução como o tema que percorreria a teoria e a prática desses debates, inclusive devido ao impacto da Revolução Cubana sobre a esquerda latinoamericana. A esquerda, desse modo, posicionaria-se contra o imperialismo, a miséria e o latifúndio, em prol da emancipação política e econômica dos setores subdesenvolvidos. As tensões advindas das divergências existentes em relação às opções políticas de desenvolvimento ressonariam muitas vezes nos temas a serem discutidos pelos intelectuais nos anos 60, dentre eles a questão da Dependência. Nas palavras de Dênis de Moraes: O clima de engajamento e de radicalização na sociedade brasileira tinha sido impulsionado pelas contradições do próprio processo de industrialização, com conflitos entre as demandas de duas forças sociais fundamentais... os interesses sócio-econômicos multinacionais associados e as classes trabalhadoras, lideradas, a partir da posse de João Goulart na presidência da República, por um executivo nacionalreformista (MORAES, 1989, p. 54). Assim, o debate intelectual nesse período será também permeado por perspectivas que procuram reorientar a relação entre as decisões políticas e a esfera econômica e equacionar, de certo modo, os dilemas criados pelo progresso da industrialização acelerada incentivada durante o governo de Juscelino Kubitschek através de uma política econômica sistematizada no Programa de Metas. Além disso, desde 1956, quando ocorrera o XX Congresso do PCU e com ele denúncias sobre a política de Stalin – que nos anos sessenta se revelará como o fim da hegemonia stalinista sobre a esquerda mundial – o PCB inicia um processo de reavaliação sobre o caminho que propusera para o socialismo no Brasil, isto é, a luta armada, começando por redefinir seus objetivos estratégicos e táticos, o que acaba por modificar sua plataforma política. A avaliação feita sobre o PCB, a partir de então, por intelectuais que passaram a integrar grupos revolucionários que surgem nos anos 60, justamente em oposição à nova postura do “Partidão” – Liga Camponesa1, Organização Revolucionária Marxista-Política Operária (ORM-POLOP), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Operário Comunista (POC) – era de que o PCB se tornara inoperante ao desistir do ideal revolucionário não criando as condições subjetivas necessárias ao processo da Revolução. Todas estas organizações pregavam vias insurrecionais, de guerrilha, luta armada e, por conseguinte, opunham rigidamente reforma à revolução. Acreditando estar no caminho certo, o PCB coloca-se numa posição moderada incentivando um caminho pacífico para a Revolução, falando até mesmo em aliança com a burguesia nacional almejando uma Revolução Democrático-Burguesa por vias reformistas. Em contrapartida, vários jovens, intelectuais, parte do proletariado estavam sendo influenciados pelo embalo revolucionário de Cuba, vitoriosa em 1959. O fato de Cuba ter se tornado declaradamente socialista em 1961 desencadeará nessa juventude a perspectiva de que a Revolução deixara de ser mito, transformando-se em possibilidade. Parte da intelectualidade brasileira aderia a esse processo tendo o marxismo como a mola propulsora que conduziria a um pensamento crítico permeado pelo anticapitalismo e em direção ao socialismo, pretendendo resgatar as propostas originais 1 De acordo com Ruy Mauro Marini a migração rural representou cada vez mais um agravamento dos problemas sociais urbanos. Estes problemas se uniram aos que surgiram no campo, onde lavrava a luta pela posse da terra, gerando movimentos como as Ligas Camponesas (Marini, p.98:1964). de Marx. Assim, a luta armada seria a alternativa para a superação da crise desencadeada pelo capitalismo e pelas ditaduras que se espalhavam por toda a América Latina. Nesse sentido, Cuba representava, como diria Lukács – segundo Lênin – a “atualidade da revolução”. Isto nos leva a notar que a implantação de um ideal revolucionário na América Latina teria sido propiciada a partir de Cuba. E é, justamente, esta propensão que levaria Theotônio dos Santos e Ruy Mauro Marini a constatarem as condições internas desse processo revolucionário na sociedade brasileira, uma vez que as contradições sociais atingindo o seu ápice representariam a metamorfose necessária para que a teoria se transformasse em prática, aludindo, então, à práxis social de Karl Marx. Por um lado, o fato é que encontraremos nesse período uma sociedade que se politiza cada vez mais, estimulada pela possibilidade de uma transformação concreta da realidade e impulsionada por uma grande explosão teórica e intelectual. Nesse contexto, assistimos, como vimos, a emergência de certos círculos de esquerda que abordavam os problemas do desenvolvimento econômico capitalista na América Latina. Dentre eles encontraremos a POLOP, tendo Ruy Mauro Marini e Theotônio dos Santos como dois dos principais fundadores dessa organização. Seria na POLOP que estes intelectuais, ainda antes de 1964 lançariam o embrião para o que viria constituir uma teoria da dependência. Adiantando, de modo suscinto, os esforços de Marini e Santos se voltaram para a análise do caráter da burguesia nacional, do desenvolvimento nacional e da estagnação social, defendendo a idéia de que a Revolução Socialista seria o caminho fundamental para se superar a situação de dependência. Por outro lado, o que poderemos constatar na sociedade brasileira até 1964 será o aprofundamento de uma crise estrutural, englobando: política, economia, administração, ideologia... Essa crise seria, talvez, a expressão de uma relação causal significativa tanto do ponto de vista externo, no que tange aos seus condicionantes exógenos (como a Revolução Cubana), quanto do ponto de vista interno, que se refere à dinâmica empreendida pelos atores sociais, numa luta política contra o capitalismo. Todo esse processo incidirá diretamente sobre a governabilidade do país com ameaças constantes de instauração de um Regime Autoritário. O que preocupava os intelectuais neste contexto era o que qualificavam como um desconhecimento teórico do socialismo por parte da classe operária. Desse modo, Santos e Marini voltavam-se principalmente para a análise da teoria marxista sobre o socialismo com o objetivo de traduzí-la à prática para as massas proletárias que já mobilizavam-se em prol de melhorias sociais, todavia, com certa defasagem teórica sobre os propósitos socialistas, pelos quais – pelo menos em tese – lutavam. Nesse ínterim, dirá José Nilo Tavares2: No caso brasileiro, em perspectiva histórica, percebia-se com certa clareza o divórcio existente entre o caminhar do movimento dos trabalhadores e o pensar dos teóricos socialistas, quando não a inexistência de uma teoria sobre o socialismo que deveríamos ou desejaríamos construir. Será, justamente, nessa atmosfera de mobilização social e efervescência intelectual que Marini e Santos iniciam suas trajetórias como teóricos da Dependência, incorporando à reflexão teórica sobre o desenvolvimento capitalista na periferia a economia política marxista e trarão à tona a noção de exploração como chave mestra do funcionamento do capitalismo contemporâneo. Com isso, foram influenciados por Marx, Lênin e, no limite, por Trotsky, que os conduziram a certos estudos inovadores, como fora o da Teoria da Dependência nos anos sessenta. Com o golpe, Marini e Santos são afastados sumariamente das atividades intelectuais que exerciam na UnB3, entretanto passam a ser perseguidos pela militância política na Organização Revolucionária Marxista - Política Operária, mais conhecida como POLOP, da qual foram também fundadores ao lado de Eric Sachs, Emir Sader, Eder Sader, Vânia Bambirra, Michel Lowy, Simon Shwartzman, Moniz Bandeira e outros. A POLOP surge no início do ano de 1961 como uma organização de onde se originariam todas as tendências da chamada nova esquerda. Ela congregava jovens intelectuais e estudantes que, sob o impacto da revolução Cubana, questionavam a linha kruchevista de luta legal e aliança com a burguesia nacional adotada pelo PCB. Esses jovens advinham de diversas militâncias: luxemburguistas, trabalhistas, alguns trotskistas, setores da Juventude Socialista, dissidentes do PCB, membros da Liga Socialista e do PSB. Ao surgir com uma dura crítica ao partido comunista e ao stalinismo, essa organização terá como um de seus intuitos ser uma alternativa de 2 José Nilo Tavares participara de uma homenagem feita a Theotônio dos Santos pela UNESCO – como colaborador constante desta entidade – escrevendo um ligeiro ensaio intitulado: Theotônio dos Santos: Os anos de formação. 3 Theotônio dos Santos após ter sido demitido da UnB, também fora condenado à prisão pelo Tribunal Militar de Belo Horizonte como „mentor intelectual de penetração subversiva no campo”. esquerda ao PCB4, por não acreditar que um capitalismo nacional e democrático, como propunha naquele momento o PC e o ISEB, fosse suficiente e eficaz para a luta contra o latifúndio e o imperialismo. Nas palavras de Ruy Mauro Marini: Em janeiro desse ano [1961], constituiu-se a Organização revolucionária Marxista, mais conhecida por POLOP, em virtude de seu órgão de divulgação, “Política Operária”, que propôs restabelecer o caráter revolucionário do marxismo-leninismo, que o PC traía (MARINI, p.69: s/d). Os estudos realizados pela POLOP estiveram presentes nos primórdios do debate sobre o papel da burguesia colocando o socialismo como questão fundamental para o país, construindo inclusive um Programa Socialista para o Brasil, que fora considerado o documento programático de maior consistência para a esquerda. Além disso, defendiam a formação de uma ampla frente revolucionária constituída por trabalhadores do campo e da cidade como única fórmula democrática para uma transformação revolucionária, a fim de emancipar a classe operária e eliminar a dominação burguesa e latifundiária do país, permitindo a instauração do regime socialista. Após o golpe de 64, e mesmo anteriormente, Marini e Santos influenciarão teoricamente os grupos armados no Brasil com a formulação da Teoria da Dependência. Como nos explicita Marcelo Ridenti: ... [estes] grupos armados não beberam da fonte original, mas dos teóricos da dependência, como Ruy Mauro Marini, Theotônio dos Santos e Gunder Frank, que, embora não se considerassem trotskistas, e muitas vezes nem citassem Trotsky, foram influenciados [também] pelo revolucionário russo (Ridenti, Ecos de Trotsky na Esquerda Armada Brasileira, 1964-1974, In Estudos de Soc. nº2). Entretanto, a tomada do poder pelos militares no ano de 1964 e a conseqüente 4 Moniz Bandeira, então dirigente da POLOP, dirá em um depoimento que se encontra no livro de Denis de Moraes (1989): A idéia da POLOP não era substituir o PC, mas formar uma organização com uma política revolucionária alternativa, que não estivesse comprometida com o sectarismo e o dogmatismo do PC. (...) Nós queríamos... mudar a linha do PC, que não correspondia à realidade de um país em desenvolvimento... onde a burguesia, do ponto de vista estratégico, já não tinha um papel progressista a desempenhar (Moraes, p.69: 1989). instauração do Regime Autoritário conduzirá a uma certa desilusão da intelectualidade brasileira que, contrária à Ditadura, ao Imperialismo e ao Capitalismo, começará a dedicar-se, de fato ou retoricamente, à Revolução. Com isso, a repressão, a censura e o policialismo entram em cena a fim de podar tais ideais revolucionários, bem como evitar a expansão destes por toda sociedade. Além disso, como podemos observar nas palavras de Milton Lahuerta (1999, p. 79): Com a intervenção militar de 1964, a institucionalização das Ciências Sociais conheceu a sua segunda experiência sob uma ditadura. De saída, o novo regime além de restringir as liberdades em geral e atingir a ordem constitucional, vai demitir seus professores, enfraquecer seus departamentos no sistema universitário e identificar as Ciências Sociais com o comunismo e a subversão. Além disso, por sua opção de “fuga para frente”, ou seja, por seu caráter autoritário mas modernizador, o regime que vai se constituíndo após a intervenção militar revelou, para quem ainda tivesse dúvidas, a debilidade das referências sobre as quais se sustentava a Sociologia centrada na oposição atraso X moderno. Nesse momento, Marini e Santos estarão desenvolvendo suas atividades intelectuais dentro de uma ativa militância política na POLOP, que se estende no pós-64 clandestinamente até 1966, quando se vêem obrigados a exilarem-se no Chile. Vinculam-se ao Centro de Estudos Sócio-Econômicos da Universidade do Chile (CESO) e inauguram uma nova etapa de estudos com a temática da Teoria da Dependência. Em 1973, com a contra-revolução no Chile, terão grande parte de seus trabalhos destruídos pela repressão e perseguidos seguirão para o México. Todavia, será entre os anos de 1966-1973 que Marini e Santos sistematizarão suas idéias sobre a Teoria da Dependência, que surgirá como resultado da crise do modelo de substituição de importações. Mais precisamente, podemos considerar a construção da Teoria da Dependência, com suas variadas versões, como uma tentativa para preencher o vazio teórico deixado pelo pensamento cepalino, uma vez que este não conseguira implantar na prática o que visualizara no plano teórico e, muito menos, conseguira responder o estado de coisas que se desencadeou na realidade dos anos sessenta, ou seja, um Estado repressivo e concentrador e o imperialismo5. Todavia, não podemos identificar a teoria 5 A primeira versão alternativa à teoria cepalina veio das teses de André Gunder Frank sobre o “desenvolvimento do subdesenvolvimento”. No Brasil o autor se insere nesta discussão teórica com o artigo: A Agricultura Brasileira: Capitalismo e o Mito do Feudalismo. Revista Brasiliense, jan/fev, 1964, onde procura combater as análises do PCB, que versavam sobre a existência de resquícios feudais no da dependência como mera crítica ao projeto desenvolvimentista cepalino, uma vez que as primeiras elaborações em torno do conceito de dependência originam-se como crítica teórica e metodológica às estratégias e táticas adotadas pela chamada “Esquerda Ortodoxa”, que defendia a revolução democrático-burguesa como via ao Socialismo. Contudo, é evidente que o debate se ampliaria. Rui Mauro Marini e Theotônio dos Santos fundamentavam suas formulações em Marx e Lênin, sobretudo na Teoria do Imperialismo e do desenvolvimento desigual e combinado de Lênin. A influência destes autores levou Marini e Dos Santos, bem como Frank à construção de análises inovadoras, como a Teoria da Dependência. Neste contexto, Rui Mauro Marini e Theotônio dos Santos se inserem com o propósito de tecerem uma nova interpretação sobre o futuro do capitalismo na periferia partindo de sua inserção no sistema capitalista internacional. Assim, veremos o conceito de dependência surgindo como resultado de uma discussão sobre o tema do desenvolvimento e do subdesenvolvimento na América Latina. Ao refletirem sobre a realidade da inserção do capitalismo na periferia, Marini e Santos estão simultaneamente traçando críticas sobre as teorias do desenvolvimento cepalinas – que vêm à tona nos anos otimistas da década de cinqüenta – bem como às limitações metodológicas e seus efeitos sobre as práticas políticas dos anos sessenta, marcado pelo Golpe de Estado em 1964 e por crises institucionais, sociais e ideológicas. Tudo isso com o propósito de compreender as dificuldades do modelo de desenvolvimento que se produziu para a América Latina e que predominara nas ciências sociais durante os anos cinqüenta. Como contraponto desse embate teremos a questão da soberania nacional e o socialismo almejados por Santos e Marini em suas análises sobre a crise brasileira neste período. Uma outra preocupação destes estudos, talvez devido à influência recebida de Guerreiro Ramos na formação intelectual desses autores, seria as conseqüências que esta investigação traria para o plano teórico das Ciências Sociais, uma vez que a intelectualidade dos anos cinqüenta estará marcada por um grande otimismo que, na visão de Marini e Santos, se desconstrói nos anos sessenta. Assistiremos, assim, a emergência de uma intelligentsia caracterizada por uma atitude crítica e, no limite, pessimista frente a produção científica pautada, até então, pela escola de pensamento cepalino. Um pessimismo que surge da estagnação econômica e do fracasso das campo brasileiro. políticas de desenvolvimento. O que temos que ter claro neste momento é que esta postura crítica, com Santos e Marini, surge fundamentalmente das reflexões sobre o desenvolvimento interno do capitalismo e suas contradições e que a crítica sobre as formulações cepalinas surge de um problema metodológico que repercute sobre a teoria, de onde se extrai o ponto de partida deste embate intelectual que não pode ser visto como uma mera disputa ideológica. Nesse sentido, Marini e Santos observarão que o fomento em torno da industrialização6 como solução para se atingir o desenvolvimento na América Latina não eliminara os obstáculos reais de sua concretização, mas criara novos problemas e tensões sociais e, ainda, colocara em crise a própria noção de desenvolvimento e de subdesenvolvimento e o modo de como conceituá-los. Será desta crise do modelo de desenvolvimento que surgirá o conceito de dependência como “possível fator explicativo desta situação paradoxal” (DOS SANTOS, 1971, p.173), que caracteriza um tipo específico de desenvolvimento dependente, através do qual procura-se superar os equívocos teórico-metodológicos advindos do modelo desenvolvimentista. Esta constatação atrela-se à proliferação de regimes autoritários que selam, como nos esclarecem Santos e Marini: a inviabilidade do modelo desenvolvimentista independente e nacionalista, da CEPAL e a impossibilidade de realização de uma revolução democrático-burguesa, como pretendia a esquerda. Com isso, o debate intelectual, paulatinamente, transitará da discussão sobre o modelo desenvolvimentista para a Dependência, uma vez observadas as limitações do primeiro e a necessidade de ultrapassá-las. É necessário notar, ainda, que a existência de uma fração revolucionária dentro da esquerda fora um elemento decisivo para a elaboração desta Teoria da Dependência, haja vista as formulações de Santos e Marini. Será a partir desta discussão que veremos o conceito de dependência ganhar um status científico que predominará nos debates acadêmicos, se tornando o cerne dos estudos de vários autores durante os anos sessenta. A formulação de uma Teoria da Dependência surge, então, a partir da crítica às 6 Em sua obra “Dialética da Dependência” Marini esclarece o sentido que estão empregando ao termo “industrialização”: Empregamos o termo industrialização para designar o processo através do qual a indústria, empreendendo a mudança qualitativa global da velha sociedade, caminha no sentido de se converter no eixo da acumulação de capital. É por isso que consideramos que não se dá um processo de industrialização no seio da economia exportadora apesar de se observarem nela atividades industriais (MARINI, 2001, p. 139, nota). formulações cepalinas. Esta, por sua vez, recai sobre o modelo de “sociedade desenvolvida” por ela concebido, que para Santos e Marini constitui uma mera abstração ideológica que rompe a relação entre o concreto e o abstrato. Mantendo-se num nível formal e, por isso, ahistórico, o modelo de desenvolvimento adotado pela CEPAL acaba por desconsiderar as peculiaridades do capitalismo latino-americano e, mais especificamente o brasileiro7. Assim, a controvérsia metodológica fundamental advém do fato da teoria do desenvolvimento utilizar-se, segundo estes autores, de um modelo formal e ahistórico que a torna inválida cientificamente, caracterizando uma forma impositiva que possibilitaria os países subdesenvolvidos latino-americanos seguirem a experiência histórica dos países desenvolvidos (Estados Unidos, Japão, Europa) a fim de tornarem-se iguais ou semelhantes a eles. Criticando o modelo de abstração da CEPAL Rui Mauro Marini (1975, p.96/97) constatará que: Es por lo que, más que un pre-capitalismo, lo que se tiene es un capitalismo sui generis, que solo cobra sentido si lo contemplamos en la perspectiva del sistema en su conjunto. [...] es el conocimiento de la forma particular que acabó por adoptar el capitalismo dependiente latinoamericano que ilumina el estudio de su gestación y permite conocer analíticamente las tendencias que desembocaron en este resultado. Para Santos e Marini não há nenhuma possibilidade histórica para que sociedades periféricas propugnem um desenvolvimento que as conduza ao mesmo estágio daquelas desenvolvidas, já que existe um tempo e um contexto histórico específicos que não podem ser desprezados ou, até mesmo, burlados. Além disso, a utilização de modelos de desenvolvimento leva a uma certa limitação reflexiva que desfoca a análise do caráter do próprio processo de desenvolvimento nos países dependentes e impossibilita a análise das crises latino-americanas, uma vez que a própria economia latino-americana possui suas peculiaridades e, portanto, suas estruturas terão uma dinâmica historicamente diferenciada de economias hegemônicas. O que temos é a precisão de se voltar os olhos para a realidade histórica concreta das sociedades dependentes, por possuírem um movimento próprio e específico e, mais do que isso possuem as suas “leis de desenvolvimento”, que devem ser estudadas e 7 Neste momento podemos destacar um ponto convergente entre Santos Marini e Cardoso, no que se refere às críticas formuladas sobre a metodologia utilizada pela Cepal. definidas. Ademais, como nos explicita Santos, o desenvolvimento de uma sociedade não é tarefa para tecnocratas ou burocratas, por não se tratar de uma questão técnica que será resolvida através de abstrações formais. Nesse sentido, Theotônio dos Santos (1970, p.155) dirá que: El desarrollo es una aventura de los pueblos, de la humanidad. Cabe, pues, definirlo y estudiarlo con una amplitud de vista y enfoque que rebase los limites de los técnicos, burócratas e académicos. Enquanto isso, Fernando Henrique Cardoso, acadêmico uspiano, é considerado subversivo pelos órgãos policiais, devido à sua participação num grupo de estudos marxistas que analisava O Capital, de Karl Marx. Esse grupo acabaria adquirindo muita importância no debate intelectual e mesmo depois de extinto ainda permaneceria como uma referência para a cultura de esquerda que fervilhava na Maria Antônia. Seus integrantes (Cardoso, Ianni, Giannotti, Paul Singer, Bento Prado, Francisco Weffort, Fernando Novaes e outros) eram considerados por muitos analistas a elite intelectual brasileira. O engajamento de Cardoso nesse grupo marca a preocupação que possuía com o rigor metodológico e desde cedo revela sua postura anti-revolucionária explicitada, posteriormente, em suas obras, mantendo-se, no limite, com um pensamento radical. Quando sobreveio o golpe militar, Cardoso, sentindo-se perseguido sai do país e fica exilado no Chile de 64 a 67, ingressando na CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina), onde encontrou suporte teórico para a construção de sua Teoria da Dependência. Nesse período, em que Cardoso permanece no exterior, a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP esteve permeada por uma linhagem marxista revolucionária mantendo-se, no limite, nos marcos de uma formulação estagnacionista, negativa ou positivamente referenciada nas possibilidades de desenvolvimento analisadas pela CEPAL. Veremos, então, em meados da década de sessenta a emergência de uma corrente de opinião enfatizando as análises sobre a dependência latino-americana, todavia vista por um ângulo diferente daquele apresentado, até então, pela CEPAL. Essa nova visão rompia, nas palavras de Cardoso (1993, p.19): com a tradição de análise que via a questão do desenvolvimento como um processo de reposicionamento entre países na divisão internacional de trabalho (...) a ênfase que antes era posta globalmente na relação entre o externo (o imperialismo) e o interno (a Nação) passou a ser mediatizada, nas análises sobre a dependência, pelo processo de luta entre as classes. Dessa forma, a questão do desenvolvimento deixou de ser uma questão econômica para ser uma questão política. Nesse contexto, ao ingressar na CEPAL Cardoso, em parceria com o cientista político chileno, Enzo Faletto, escreverá Dependência e Desenvolvimento na América Latina, livro este que será um divisor de águas, uma vez que representará alguns avanços metodológicos das teses cepalinas que dominavam o debate, lançando uma versão neo-Cepalina, cuja visão, segundo Emir Sader (s/r), era de que “nossas sociedades estão inseridas num „marco internacional‟ que as condiciona, sem as densas relações que a teoria do imperialismo impõe”. Cardoso e Faletto se enveredarão por uma abordagem histórico-estrutural da dependência, que se traduzirá de modo diversificado em cada país, devido às peculiaridades históricas e específicas dos mesmos, situação esta que nasce, precisamente, da relação entre países periféricos e centrais, moldando a articulação das classes sociais, da economia e do Estado. Nesse sentido, o desenvolvimento nacional dependeria, principalmente, da capacidade de cada país para tomar as decisões de política econômica que a situação requeresse. Substituíram, assim, a teoria estagnacionista, para a qual os países periféricos estariam fadados ao fracasso econômico, pela teoria da dependência, demonstrando que para estes países havia a possibilidade de um desenvolvimento dependente e associado. Quando Cardoso e Faletto refletem sobre o conceito de dependência aludem, essencialmente, à relação entre a economia e a política, bem como aos movimentos sociais e o funcionamento de todo o sistema de articulações dos grupos, no que tange ao plano interno e externo. O que eles verificam em cada país é que o modo pelo qual a economia se integra ao mercado internacional se dá de forma bastante distinta no que se refere à relação entre os próprios grupos sociais internos e destes com os grupos externos. Com isso, o conceito de dependência designa, de antemão, para Cardoso e Faletto, uma relação de caráter econômico-estrutural que está intrinsecamente ligada a um tipo específico de relação entre as classes, a nível nacional e internacional, garantindo a vinculação econômica com o exterior. Relação econômica esta que se estreitou com a expansão do mercado mundial originando o que eles denominaram de situação de dependência, não como “conseqüência interna de um antecedente externo”, mas como resultante histórico-estrutural que vem a tona com a constituição do mercado internacional. Fernando Henrique Cardoso ampliará a discussão sobre a dependência, iniciada com Faletto, em sua obra Autoritarismo e Democratização, apoiando-se em fundamentos marxistas para afirmar que com o avanço tecnológico, tendo como conseqüência o barateamento da força de trabalho, a tendência seria o aumento da composição orgânica do capital, o que é essencial para a acumulação capitalista. Entretanto, se por um lado engrossa-se o capital constante (para investimento nas forças produtivas), por outro lado diminui-se o capital variável (para pagamentos de salários) auferindo lucros crescentes, em decorrência da concorrência entre os capitalistas e engendrando dinamismo no sistema. O resultado é não só a expansão do modo de produção, mas também do mercado consumidor, que torna-se acessível apenas a uma camada restrita da população, devido às disparidades sociais que emergem com o progresso capitalista. Surge, então, uma nova característica do capitalismo dependente: a exclusão, comum no padrão social tanto de nações periféricas como das nações centrais, o que explicaria para Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto que não é pelo fato de ser excludente que o capitalismo dependente deixará de se converter numa possibilidade de desenvolvimento, no que tange a acumulação crescente de capital. Tudo isto acentua o caráter contraditório de desenvolvimento em sociedades dependentes, desenvolvimento este que nunca deixou de ser dinâmico. Vale lembrar, ainda, que o conceito de dependência, em si, designa, conforme Cardoso e Faletto, a abertura do setor de bens de produção e do setor financeiro de uma sociedade periférica ao mercado mundial, a fim de atrair investimentos que proporcionem desenvolvimento. Já a adjetivação associado indica que não só o capital estrangeiro se expande, mas também que resta um espaço ao capital nacional, no que se refere à organização e ao controle econômico, possibilitando sua expansão e conseqüente desenvolvimento. Não podemos também perder de vista o caráter dialético da dependência que é colocado por estes autores, dadas as contradições sociais que são crescentes na medida em que o desenvolvimento prossegue. O que temos, assim, é um desenvolvimento capitalista, dependente, associado e dialético. Vale lembrar que, segundo Cardoso (1971, p.70/71): o que era evidente na situação colonial se dissimulará na situação nacional por trás das regras do mercado. Nação independente suporia, como no caso dos países de “desenvolvimento originário”, mercado livre e nacional. Por isso, no plano ideológico o pólo de orientação dos grupos e classes para propiciarem a independência encontrará meios para mitigar e mistificar a ambigüidade de sua situação, vendo no liberalismo a justificação de sua sujeição econômica. Dentro do contexto da dependência Cardoso investigará ainda a burguesia industrial que, encontrando-se numa redoma formada por seus interesses particulares, teria abdicado da tentativa de instaurar uma política hegemônica, contentando-se em se associar ao capital estrangeiro como sócia-menor, já que nos horizontes de suas possibilidades de atuação histórica não se vislumbravam muitas saídas. De acordo com Cardoso, uma vez que esta burguesia descarta a opção revolucionária, lhe resta fazer a transformação capitalista necessária e integrar a economia brasileira aos quadros econômicos mundiais e, no que se refere à esfera política, reage de forma meramente adaptativa sem muitos interesses na construção de um projeto nacional. Como diria Cardoso (1971, p. 66/67): na dependência nacional haverá sempre uma base interna da dominação externa... como resultado de um processo político-social de formação de alianças e de legitimações que passam a criar solidariedades - em torno evidentemente de núcleos de interesses econômicos comuns- entre grupos e classes sociais situados no âmbito das sociedades dependentes e os que se situam nas nações hegemônicas. Nesse sentido, sem classes sociais capazes de incorporar um projeto hegemônico, o processo social parece se dar apenas pelo protagonismo dos fatos, o que é característico de contextos de revolução passiva. Diante disso, o que se constatou foi que Cardoso, ao analisar tal contexto apresenta uma alternativa, para a superação do Estado autoritário através da paulatina emergência da democracia, que descarta a concretização de uma Revolução Socialista, mas que se refere, na verdade, à participação política. Participação política esta que não significa adesão e sim legitimação do conflito, num clima de reconhecimento da diversidade dos interesses, possibilitando a discussão dentro do processo político. Por fim, é interessante ressaltarmos que, a polêmica crucial sobre o caráter da dependência surgirá no final dos anos setenta com Ruy Mauro Marini, por um lado, Fernando Henrique Cardoso e José Serra, por outro, com artigos publicados na Revista Mexicana de Sociologia. A crítica feita por Cardoso e Serra sobre um ensaio escrito em 1973 por Marini: A Dialética da Dependência, viria se concretizar com o artigo, As Desventuras da Dialética Dependência, escrito em 1978, que é representativo da predominância de uma abordagem que prima pelo aspecto político, característico das obras de Cardoso em meados dos anos setenta. Nesse texto, os autores iniciam apontando a dificuldade de ser do intelectual em sociedades dependentes, principalmente do intelectual de esquerda por estar limitado, segundo Serra e Cardoso, teórica e metodologicamente. Essa limitação conduziria, de acordo com esta perspectiva, à gestação de pensamentos que não passaram de mera: “aventura política e não chegaram a imprimir nas coisas e na sociedade a marca de qualquer triunfo” (Serra&Cardoso, 1978, p.35). Além disso, o que estes autores afirmam é que o modelo científico de análise utilizado pelos intelectuais de esquerda não lhes dá margem à visualização de novos processos sociais, que adviria da compreensão do desenvolvimento dos conflitos e, a partir daí, um questionamento sobre como é possível a transformação social. Conforme Cardoso e Serra (1978, p. 35): “... é preciso mostrar como as estruturas, ao „reproduzirem-se‟ pelas ações e relações dos homens, se recriam e dessa maneira são repostas velhas-novas contradições”. Com isso, estes autores estarão dizendo que muito mais do que vontade de transformar a sociedade tem-se que ter um rigor metodológico, onde a teoria deverá estar fundamentada no instrumental analítico a fim de se evitar cair no empirismo puro. Assim, dirão Cardoso e Serra (ibidem, p.36): ... dos que se empenharam por criar uma dialética da dependência... falta, isto sim, afinar o instrumental analítico e assentar as asas da razão menos na imaginação adulteradora e mais no movimento do real, escapando da repetição ou da novidade meramente verbal. Feita esta primeira crítica, a discussão se volta diretamente contra Marini com críticas às explicações econômicas por ele propostas e à forma que utiliza o método marxista como fundamentação de sua análise. A seguinte passagem do texto de Cardoso e Serra, é representativa da posição que assumem diante do ensaio de Marini (1978, p. 36): (...) não é por menosprezo à análise política que a exposição se concentrará na crítica das categorias econômicas (...) interessa-nos criticar as explicações econômicas propostas porque elas, fundamentadas pobremente na teoria marxista, sugerem práticas políticas equivocadas. Se no plano da análise econômica os equívocos podem ser sanados pela crítica, as políticas inspiradas por estas mesmas análises podem levar a desastres cuja “correção” passa muitas vezes pelo sacrifício, até físico, de setores importantes de toda uma geração. Ao contrário, é justamente por prezarem pela análise política que Serra e Cardoso estarão criticando as explicações econômicas e o que elas desencadearão no campo político, no que tange ao pleiteamento da Revolução Socialista. O que parece instigar a crítica a Marini é a construção de uma teoria com pouco ou sem nenhum pressuposto político, embebida de um marxismo dogmático, como nos propõem Cardoso e Serra. Nesse ponto estes autores são bem incisivos: (...) Quando o impulso generoso dos que desejam revolucionar se soma a postulados falsos ou equívocos, não só a teoria se empobrece embebida em má política (o que é menos grave) como a política se estiola em tentativas, frustrações e enganos... parece que a rigidez mental de alguns intelectuais leva-os a continuar ostentando... os lauréis acadêmicos com um saber que já está morto (1978, p. 36). Cardoso e Serra estão criticando, no limite, os resíduos da geração intelectual de esquerda pré-64 no que tange, voltamos a assinalar, à opção teórica e metodológica daqueles. O que nos fica implícito nessa passagem é a necessidade de se avançar o debate com amplitude de pensamento a fim de se refletir sobre novas alternativas para a sociedade brasileira, alternativas que surjam como teoria que condiza com a realidade do momento e, por isso, possuam as condições ideais para se transformarem em prática política real. O marxismo como teoria e a Revolução Socialista como prática – da forma como aborda Marini e, até certo ponto, Theotônio – nos parecem ser inconcebíveis para Serra e Cardoso, como método e “solução” do contexto brasileiro sob o regime autoritário. No IV e último ítem do artigo que Marini escreve em resposta a Cardoso e Serra, intitulado: Las razones Del neodesarrollismo (respuesta a F. H. Cardoso e J. Serra), este autor termina por criticar Cardoso e Serra no que tange à separação que estes autores fazem entre economia e política ao sustentarem, conforme a compreensão de Marini, que: “a economia não é senão o marco em que se exerce a luta política, a qual corresponde a uma esfera autônoma”. Assim, Marini dirá que seu reducionismo econômico não passa de uma caricatura feita por Cardoso e Serra, uma vez que sustentam opções advindas da ação das forças políticas atuantes e com isso, de acordo com Marini (ibidem, p.99): Se rompe, de este modo, la unidad de análisis, que convierte a la política, para decirlo con Lenin, en “la expresión concentrada de la economía” y se abandona el supuesto metodológico fundamental del marxismo, que el propio Marx expuso con tanta precisión en su prólogo de 1859: “El modo de producción de la vida material determina (bedingen) el proceso de la vida social, política y espiritual en general”. Reducida a sí mesma, la lucha política se ve así desprovista de toda base explicativa sólida. Ademais, para Marini as Desventuras teriam ainda um outro propósito, dissipar as diferenças entre o capitalismo nos países avançados e o capitalismo dependente, cotejando-os como integrantes de um único processo do desenvolvimento capitalista no centro e na periferia. Daí a constatação de Marini de que seus críticos em momento algum do texto se referem ao capitalismo dependente brasileiro, a não ser com relação às contradições geradas por este, contradições estas que se desdobram, meramente, numa particularidade de países periféricos. Além disso, a utilização do aparato teórico Centro/Periferia feitas por Cardoso e Serra representaria, segundo Marini, um retrocesso ao reduto cepalino e, no limite, às ilusões desenvolvimentistas da burguesia industrial dos anos cinqüenta, ilusões estas que, conforme Marini, a vida mesma destruiu, todavia ela procura refazer-se sob a forma, do que denominou, de um neodesenvolvimentismo. Nesse sentido, o autor acrescenta que: (...) Pero, hoy, los nuevos ideólogos de la burguesía brasileña están obligados a retomar esa tradición y a intentar dar credibilidad en un desarrollo capitalista brasileño al estilo norteamericano o europeo. En suma, nos encontramos ante un neo-desarrollismo, todavía vergonzante, pero que no tardará en ir perdiendo sus inhibiciones (Marini, 1978, p.102/03). Marini acabará por encerrar seu texto rotulando Cardoso como um ideólogo da burguesia, que trata não só de desarticular todo tipo de pensamento que carregue a negação do “capitalismo de Estado nacional e democrático”, bem como opera numa escalada contra o marxismo, “para retirar da classe operária qualquer possibilidade de dar um fundamento científico a suas lutas de classe” (Marini, 1978). Diante disso, Marini dirá que, muito mais do que atacar é necessário desacreditar o movimento social de onde brotara o ideal revolucionário de certos setores da esquerda brasileira, cuja importância teria advindo ao trazerem a tona, de modo concreto, “a questão do poder e o direito da classe operária e seus aliados a lutar para conquistá-lo”: Gracias a ello, la idea del socialismo há dejado de ser una abstracción, un ideal sin trascendencia práctica, un tema para la discussión de intelectuales, para ganar el centro de las luchas de clases y obligar incluso a la burguesía y sus ideólogos a intentar, hoy, desviarla hacia “acciones concretas en coyunturas específicas” y un socialismo que apenas encubre su carácter de clase burgués. (...) La vida misma se encargará de mostrar la inutilidad de esos esfurzos (Marini, 1978, p. 105). É evidente que todo este debate é muito mais amplo, mas não nos compete nesse momento a delonga. Finalizamos com a seguinte questão: que considerações podemos tecer a partir de um tema tão complexo e vasto de reflexão, que terá influência direta nas práticas políticas brasileiras, durante os últimos quarenta anos, a partir da prática intelectual? A partir daí teremos um caminho para a compreensão da importância de intelectuais como Theotônio dos Santos, Ruy Mauro Marini e Fernando Henrique. BIBLIOGRAFIA CARDOSO, F.H. O Modelo Político Brasileiro e outros ensaios. R.J.: DIFEL, 5ªedição, 1993. __________. Autoritarismo e Democratização. R.J.: Paz e Terra, 1975h. CARDOSO, F.H., FALLETO, E. Dependência e Desenvolvimento na América Latina: ensaio de interpretação sociológica. R.J.: Zahar Editora, 1975i. CARDOSO&SERRA. “As Desventuras da Dialética da Dependência”, in Estudos Cebrap 23. S.P.: Editora Vozes, 1978, pp. 33-80. COLISTETE, Renato Perim. O desenvolvimento cepalino: problemas teóricos e influências no Brasil, In Estudos Avançados – 15 (41), 2001. 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