Universidade Federal do Rio de Janeiro As construções de deslocamento à esquerda de sujeito no PB: um estudo em tempo real de curta duração Mayara Nicolau de Paula 2012 As construções de deslocamento à esquerda de sujeito no PB: um estudo em tempo real de curta duração Mayara Nicolau de Paula Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Orientadora: Professora Doutora Maria Eugenia Lamoglia Duarte Coorientadora: Professora Doutora Mônica Tavares Orsini Rio de Janeiro Fevereiro de 2012 As construções de deslocamento à esquerda de sujeito no PB: um estudo em tempo real de curta duração Mayara Nicolau de Paula Orientadora: Professora Doutora Maria Eugenia Lamoglia Duarte Coorientadora: Professora Doutora Mônica Tavares Orsini Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Examinada por: ______________________________________________________ Presidente: Profª. Doutora Maria Eugênia Lamoglia Duarte – UFRJ ______________________________________________________ Profª. Doutora Maria Conceição de A. Paiva – UFRJ ______________________________________________________ Prof. Doutor Sérgio Leitão Vasco – Universidade Estácio de Sá ______________________________________________________ Suplente: Profª. Doutora Sílvia Regina de O. Cavalcante – UFRJ ______________________________________________________ Suplente: Profª. Doutora Ângela Marina Bravin dos Santos – UFRRJ Rio de Janeiro Fevereiro de 2012 P324c Paula, Mayara Nicolau de. As construções de deslocamento à esquerda de sujeito no PB : um estudo em tempo real de curta duração / Mayara Nicolau de Paula. – Rio de Janeiro: UFRJ, 2012. 101 f. : il. color. ; 30 cm. Orientadora: Profª Drª Maria Eugênia Lamoglia Duarte. Co-orientadora: Profª Drª Mônica Tavares Orsini. Dissertação (Mestrado em Letras Vernáculas) – Departamento de Letras Vernáculas, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012. Bibliografia: f. 98-101. 1. Gramaticalização. 2. Mudança linguística. 3. Português brasileiro. I. Título. II. Duarte, Maria Eugênia Lamoglia. III. Orsini, Mônica Tavares. CDD 401.9 Ficha elaborada pela Biblioteca José de Alencar – Faculdade de Letras/UFRJ RESUMO O presente trabalho investiga as construções de tópico marcado denominadas deslocamento à esquerda de sujeito (DE sujeito) no PB. Tais construções se caracterizam por estabelecer uma relação de correferencialidade entre o tópico, termo sobre o qual se faz uma declaração, e o sujeito da oração comentário, como no exemplo A jaguatirica adultai, elai é pequena. O estudo das construções de tópico marcado ganhou destaque com o trabalho pioneiro de Pontes (1987) e, desde então, têm sido objeto de várias análises (cf. Orsini e Vasco 2007). O objetivo deste estudo é refinar a análise das referidas estruturas, visto serem elas uma evidência do “encaixamento” da mudança na representação do sujeito pronominal, conforme evidencia o trabalho de Duarte (1995). O estudo dessas estruturas visa também contribuir para a discussão sobre a possível inclusão do PB no grupo de línguas com proeminência de tópico e sujeito, segundo a tipologia proposta por Li e Thompson (1976). Desta forma, tendo como aporte teórico o modelo de estudo da mudança proposto por Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]) associado ao modelo de Princípios e Parâmetros (Chomsky, 1981), este trabalho faz uma investigação em tempo real de curta duração – “painel” e “tendência” (cf. Labov 1994) das construções de DE sujeito na fala popular carioca, utilizando como corpus dados coletados das amostras do projeto PEUL-UFRJ (entrevistas da década de 1980 e de 2000 com informantes que não possuem ensino superior completo). Os resultados obtidos, tanto no Estudo de Painel quanto no Estudo de Tendência, revelam que a periferia esquerda da sentença aparece preenchida por pronomes e por SNs, não havendo restrição quanto ao traço semântico e à especificidade [+/- animado/humano; +/- específico] do tópico de terceira pessoa, nem quanto ao tipo sintático da oração em que a construção ocorre. Essa ausência de restrições associada a um conjunto de características morfossintáticas do PB atual o afasta, por um lado, das línguas românicas de sujeito nulo, como o espanhol, o italiano e o PE, que não admitem DE sujeito, e, por outro, de sistemas como o francês (e mesmo o inglês), línguas de sujeito expresso, que admitem a construção com maior número de restrições. Este comportamento contribui, em última instância, para a interpretação de que o PB parece se assemelhar as línguas com proeminência de tópico e de sujeito, conforme tipologia proposta por Li e Thompson (1976). Palavras-chave: tópico marcado, deslocamento à esquerda de sujeito, mudança linguística, estudo em tempo real de curta duração ABSTRACT This study aims to refine the analysis of a marked topic construction usually referred to as left dislocated subject (LD) in Brazilian Portuguese (BP). Such constructions are characterized by the correlation they establish between a peripherical topic and the subject in the comment sentence as in The adult oceloti iti is small. This kind of structure was pointed out by Duarte (1995) as an evidence of the “embedding” of the change in the representation of pronominal subjects in BP. We owe the first studies about a number of different topic constructions in BP to the pioneer work of Pontes (1987), which has been followed by many others (cf. Orsini e Vasco, 2007). The study of LD subjects in BP aims to contribute to the discussion about the possible inclusion of BP among the subject and topic prominent languages, according to the typology proposed by Li and Thompson (1976). Using the support of the theory of language change as proposed by Weinreich, Labov and Herzog (2006 [1968]) associated with the Principles and Parameters theory (Chomsky 1981), this study presents an investigation of left dislocated subjects using the model of study of change called “short term real time – panel and trend studies”, as proposed by Labov (1994). Our data comes from the two samples of PEUL – UFRJ project (the interviews were carried out in the early 80’s and in 2000 with undergraduate speakers of Rio de Janeiro). Our two analyses, either for panel and for trend study, reveal that the left periphery of the sentence can exhibit a pronoun or an NP, and that third person elements are not restricted by the semantic feature [+/- animated/human] or especificitity [+/- specific] or by the syntactic function of the sentence they can appear. Such absence of structural restrictions associated with a set of morphosyntactic changes in progress in BP, sets it apart either from romance null subject languages, such as Spanish, Italian and EP, which do not allow LD subjects or non-null subject languages such as French and English, which accept the structure but with a number of restrictions. It might be a suggestion that BP fits in “the subject and topic” orientation according Li & Thompson´s (1976) typology. Key words: marked topics, left-dislocated subjects, language change, short term real time study: panel and trend studies A realização deste trabalho foi financiada por uma bolsa CNPq. AGRADECIMENTOS Não existe maneira diferente para começar esses agradecimentos, por isso as primeiras pessoas a serem citadas serão meus pais. Não encontro as palavras exatas para expressar o quanto sou grata por vocês sempre apoiarem minhas escolhas, Cláudio e Regina, se não fossem vocês nada disso seria possível. Para melhorar ainda me deram de presente uma irmã linda! Narely, muito obrigada por tudo também, por suas tentativas de entender minha pesquisa e por todas as vezes que você me matou de rir confundindo deslocamento à esquerda com deslocamento à direita de qualquer outra coisa que não o sujeito! Não tenho palavras para agradecer a vocês três, afinal quem pode querer família melhor que essa, uma família que ao final do meu mestrado sabe direitinho identificar exemplos de construção de tópico em conversas e na televisão e sabe explicar pra quem quer que seja o objetivo do meu trabalho. Amo vocês! Agradeço a Deus, pois sei que Ele foi uma presença fundamental ao longo de toda a minha vida. À Mônica Tavares Orsini, por estar junto comigo desde os primeiros passos dessa longa caminhada, um muito obrigado não seria suficiente. Agradeço imensamente a você que ouviu minhas ideias ainda imaturas, tirou minhas dúvidas, me ensinou muita coisa. Mônica, sem a sua orientação em todos os aspectos, essa dissertação não teria sido possível. À Maria Eugênia Lamoglia Duarte que apareceu no momento mais oportuno e conduziu brilhantemente esse período de trabalho que ainda não está nem perto do final. Muito obrigada por estar disposta a compartilhar todo seu imenso conhecimento comigo. Não posso, de maneira alguma, deixar de agradecer aos meus amigos. Todos e cada um de vocês tiveram um papel especial nesse caminho que eu escolhi pra minha vida. Clarissa, você entra na categoria “sem vocês essa dissertação não teria saído”, obrigado pela formatação de todos os meus power points, artigos e dessa dissertação, e também pelo chocolate pra acalmar o desespero e pela companhia sempre presente nos momentos bons e ruins. Agradeço aos amigos da UFRJ, que estiveram ao meu lado desde a aprovação no mestrado até essa difícil conclusão. Ainda bem que chegamos todos juntos até aqui, fazendo parte de uma turma maravilhosa. Ana, Caio, Elaine, Érica, Diego, Priscila, Janaína (Dupla, valeu por cada momento que passamos juntas, por cada matéria, cada congresso e cada trabalho cabeludo que você desenvolveu comigo.). Agradeço ao Matheus e a Rachel pelas muitas risadas e momentos de diversão, vocês me fazem lembrar que as coisas sempre dão certo no final! Agradeço à Paula que, literalmente, começou a dar os primeiros passos juntos comigo em 2006/1, amiga só a gente sabe o que foi passar pela graduação em inglês quando tudo que a gente queria estava logo ali no departamento de vernáculas! Aos amigos de fora da faculdade, um imenso obrigado. Ao Daniel (que se tornou um grande conhecedor do DE sujeito), à Raquel (suas palavras de conforto foram e são essenciais), Marcele, Natália, Tati, Leo, Jaque... enfim, resolvi correr o risco de listar nomes, mas confesso que o medo de esquecer alguém é grande, então esse agradecimento se aplica a todos os meus amigos queridos, que de alguma maneira foram parte disso tudo. Aos professores da UFRJ que muito me ensinaram nesses dois anos de mestrado, um muito obrigado muito especial porque vocês abriram portas e janelas pra mim. A realização deste trabalho não seria possível se eu não tivesse tanto a agradecer. SUMÁRIO Introdução 1 Capítulo 1 - Pontos de partida 4 1.1 – As construções de tópico marcado 4 1.2 – As construções de tópico marcado na tradição gramatical 16 1.3 – Os estudos sobre tópico marcado no PB 17 Capítulo 2 - Pressupostos Teóricos e Metodológicos 30 2.1 – O modelo de estudo da mudança, segundo Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]) 29 2.2 – A Teoria de Princípios e Parâmetros 33 2.2.1 – Mudanças paramétricas em curso no PB 34 2.3 – Tipologia das línguas 38 2.4 – Objetivos e hipóteses 44 2.5 – Procedimentos Metodológicos 46 2.5.1 – A Amostra 46 2.6 – Os grupos de fatores 48 Capítulo 3 – A análise dos dados 57 3.1 – O Estudo de Tendência 3.1.1 – A natureza gramatical do tópico 3.1.1.1 – A distribuição dos tópicos representados por pronomes 3.1.2 – A estrutura interna dos tópicos representados por SN 57 57 58 62 3.1.3 – Natureza gramatical dos tópicos vs Natureza gramatical do correferente 64 3.1.4 – Presença vs Ausência de Material interveniente 69 3.1.5 – Fatores de natureza semântica: Traço e especificidade do tópico 71 3.1.6 – Configuração sintática da estrutura em que ocorrem tópico e correferente 76 3.1.7 – Os fatores sociais 79 3.2 – O Estudo de Painel 84 3.2.1 – Natureza gramatical do correferente 86 3.3 – O que dizem os resultados 90 3.4 – O PB e outras línguas românicas 92 Conclusão 95 Referências Bibliográficas 98 LISTA DE TABELAS 2.1 – Distribuição dos informantes – Estudo de Tendência – Anos 80 47 2.2 – Distribuição dos informantes – Estudo de Tendência – Ano 2000 47 2.3 – Distribuição dos informantes – Estudo de Painel – Indivíduos com mudança no nível de escolaridade 47 2.4 – Distribuição dos informantes – Estudo de Painel – Indivíduos sem mudança no nível de escolaridade 48 3.1 – Distribuição percentual dos dados segundo a natureza do tópico – Anos 80 57 3.2 – Distribuição percentual dos dados segundo a natureza do tópico – Anos 2000 57 3.3 – Distribuição das ocorrências de DE sujeito com tópico preenchido por pronome de primeira pessoa 59 3.4 – Distribuição das ocorrências de DE sujeito com tópico preenchido por pronome de terceira pessoa 62 3.5 – Estrutura interna do tópico SN – Anos 80 62 3.6 – Estrutura interna do tópico SN – Ano 2000 61 3.7 – Estrutura do correferente em relação à estrutura do tópico – Anos 80 65 3.8 – Estrutura do correferente em relação à estrutura do tópico – Ano 2000 65 3.9 – Distribuição da natureza do material interveniente 69 3.10 – O traço semântico e a especificidade do tópico – Anos 80 72 3.11 – O traço semântico e a especificidade do tópico – Ano 2000 72 3.12 – Tipo de sentença em que ocorre a estrutura de DE 76 3.13 – A natureza gramatical do tópico por faixa etária – Anos 80 79 3.14 - A natureza gramatical do tópico por faixa etária – Anos 2000 79 3.15 – A natureza gramatical do tópico por escolaridade – Anos 80 81 3.16 – A natureza gramatical do tópico por escolaridade – Anos 2000 81 3.17 – A natureza gramatical do tópico por gênero – Anos 80 82 3.18 – A natureza gramatical do tópico por gênero - Ano 2000 83 3.19 – Uso de SN em oposição ao pronome na posição de tópico - Indivíduos com mudança no nível de escolaridade 84 3.20 – Uso de SN em oposição ao pronome na posição de tópico – Indivíduos sem mudança no nível de escolaridade 85 3.21 – Uso de do pronome como correferente – Indivíduos com mudança no nível de escolaridade 86 3.22 – Uso de do pronome como correferente – Indivíduos sem mudança no nível de escolaridade 86 3.23 – Cruzamento do grupo natureza do tópico com o grupo natureza do correferente – Indivíduos com mudança no nível de escolaridade 88 3.24 – Cruzamento do grupo natureza do tópico com o grupo natureza do correferente – Indivíduos sem mudança no nível de escolaridade 88 3.25 – Padrões de mudança no indivíduo e na comunidade, segundo Labov (1994) 90 LISTA DE FIGURAS 3.1 – Ocorrência de SNs em posição de tópico (vs pronome) segundo a faixa etária 80 3.2 – Ocorrência de SNs em posição de tópico (vs pronome) por anos de escolaridade 82 3.3 – Ocorrência de SNs em posição de tópico (vs pronome) por gênero 83 1 INTRODUÇÃO As estruturas de tópico marcado, termo utilizado por Brito, Duarte e Matos (2003), ganharam visibilidade nos estudos linguísticos a partir do clássico artigo de Li e Thompson (1976), que será descrito no Capítulo 2 desta Dissertação, tendo despertado o interesse dos linguistas brasileiros a partir dos anos 80, graças ao trabalho pioneiro de Pontes (1987). As construções se caracterizam por apresentar um sintagma na periferia esquerda da sentença sobre o qual se faz uma proposição, o que chamamos de comentário. Tomando por base o trabalho de Pontes (1987), inúmeros estudos acerca desse tema foram desenvolvidos no português brasileiro (PB), associando tais construções a um conjunto de mudanças pelas quais passa nosso sistema. No PB, encontram-se quatro estratégias diferentes de construções de tópico marcado: anacoluto ou tópico pendente, topicalização, deslocamento à esquerda e tópico-sujeito, sendo este último inapropriadamente incluído no grupo, já que se refere à estrutura em que tópico e sujeito se fundem, ocupando a posição normalmente reservada ao sujeito sintático (cf. Berlinck, Duarte e Oliveira, 2009). Este estudo, porém, focaliza exclusivamente a construção que apresenta um tópico (nominal ou pronominal) na periferia esquerda da sentença retomado por um elemento equivalente na posição de sujeito do comentário (doravante DE sujeito), como verificamos nos exemplos abaixo: (1) [Esse grupo]i, elei faz três viagens por ano. (Zil, 4, 001 ) (2) [O Brasil] i, veja bem, elei começou a ser migrado por baixo. (Tad, 4,00 ) (3) [Eu]i, antes de entrá pra escola, eui fui alfabetizado. (Fla, 3, 00) As construções de DE sujeito foram apontadas por Duarte (1995) como evidência do encaixamento da mudança na representação do sujeito pronominal no PB. Isso se explica pelo fato de que essas estruturas são mais frequentes em línguas que marcam negativamente o parâmetro do sujeito nulo (PSN) e, conforme nos mostra o 1 A identificação dos exemplos retirados da amostra utilizada neste trabalho será feita da seguinte maneira: identificação do informante, faixa etária e ano da entrevista. 2 referido estudo, o PB passou de língua [+ sujeito nulo] para [- sujeito nulo], no que diz respeito aos sujeitos referenciais. Desse modo, entendemos que, já que uma mudança linguística nunca acontece isoladamente no sistema, havendo sempre “efeitos colaterais” (cf. Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]), as estruturas de DE sujeito são reflexos da mudança na marcação do PSN, pois, nas línguas românicas de sujeito nulo, como o italiano, o espanhol e o português europeu, uma estrutura de DE, com um pronome na periferia e um na posição de sujeito, não seria uma estrutura esperada, como veremos nas seções que seguem. O trabalho tem como foco, portanto, desenvolver uma análise das construções de DE sujeito na fala popular do PB. Nosso objetivo específico é refinar a análise tanto do elemento que pode ocupar a posição de tópico quanto do que ocupa a posição de sujeito, a fim de, numa perspectiva interlinguística, incrementar a discussão em torno do status do PB no que se refere à tipologia das línguas proposta por Li e Thompson (1976). Trabalhos feitos anteriormente (Pontes, 1987; Vasco, 1999, 2006; Orsini, 2003; Vasco e Orsini, 2007) apontam para o fato de que o PB não se comporta como uma língua prototípica de proeminência de sujeito, mas se apresenta como um sistema misto, com proeminência de sujeito e de tópico. A partir dessas conclusões, trabalharemos co m a hipótese de que nosso sistema não impõe restrições no que diz respeito à natureza dos constituintes licenciados para ocupar a posição de tópico. Essa hipótese se justifica pelo fato de que a não existência de restrições sobre os elementos que podem ocupar essa posição é um dos traços característicos das línguas que apresentam construções de tópico marcado como básicas e frequentes, segundo Li e Thompson (1976). Utilizaremos o modelo de estudo da mudança em Tempo Real de Curta Duração, que compreende o Estudo de Tendência e o Estudo de Painel (Labov, 1994), para mostrar o comportamento das construções de DE sujeito na fala popular do Rio de Janeiro em dois períodos de tempo diferentes, anos 80 e ano 2000. Seguiremos a metodologia da Sociolinguística Variacionista, tomando como base teórica a Teoria da Mudança Linguística (Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968], particularmente no que se refere ao encaixamento da mudança, além de pressupostos da Gramática Gerativa, mais especificamente da Teoria de Princípios e Parâmetros (Chomsky, 1981), no que diz respeito ao comportamento das línguas românicas em relação à realização nula vs plena do sujeito gramatical. 3 O presente trabalho divide-se em três capítulos. O primeiro, intitulado “Pontos de partida”, apresenta a conceituação das construções de tópico marcado e de deslocamento à esquerda; a abordagem da gramática tradicional em relação às construções de tópico e uma revisão dos principais estudos precedentes relacionados ao nosso tema. No segundo capítulo, são apresentados os pressupostos teóricos que sustentam o trabalho, nossos objetivos e hipóteses e os procedimentos metodológicos: a amostra utilizada e os grupos de fatores linguísticos e extralinguísticos considerados na análise. O terceiro capítulo apresenta os resultados da análise dos dados para cada período de tempo estudado, tanto na perspectiva da comunidade quanto do indivíduo, além de trazer algumas reflexões acerca da mudança linguística a partir do confronto dos resultados obtidos em cada tipo de estudo realizado. Por fim, diante dos resultados, apresentamos as considerações finais. 4 CAPÍTULO 1 – PONTOS DE PARTIDA 1.1 – As construções de tópico marcado As estruturas de tópico marcado diferenciam-se das sentenças SVO por apresentarem um elemento na periferia esquerda, externo à sentença seguido por um comentário, que se caracteriza por ser uma sentença completa. Tais estruturas não se organizam em torno da relação sujeito + predicado, mas sim de um tópico + comentário. O tópico tem o papel de anunciar (ou retomar) o tema do discurso e limitar o escopo de aplicação da sentença comentário. Diferente do sujeito, o tópico não é um argumento selecionado pelo predicador, ou seja, não precisa ter qualquer relação com os predicadores da sentença. (cf. Li e Thompson, 1976) Como o conceito de tópico não fazia parte da perspectiva da gramática tradicional (esse conceito só passaria a fazer parte dos estudos gramaticais a partir do desenvolvimento da Linguística na segunda metade do século XX), o que temos hoje, no âmbito da descrição tradicional, é uma ambiguidade entre os conceitos de sujeito e o que entendemos por um tópico. Vejamos a definição para o termo sujeito encontrada em Cunha e Cintra (2001): “o sujeito é o ser sobre o qual se faz uma declaração; o predicado é tudo aquilo que se diz do sujeito”. Em uma gramática escolar, a definição é semelhante: “sujeito é o ser de quem se diz alguma coisa ou o termo a que se refere o predicado...” (Campedelli e Souza, 1999). O predicado, por sua vez, é definido como sendo a parte da oração que faz referência ao sujeito. Apesar de, em alguns casos, sujeito e tópico serem elementos coincidentes, temos sentenças em que os dois constituintes ocuparão posições diferentes. Para casos como esse, a definição tradicional de sujeito está inadequada. Perini (2004, p.12) faz uma crítica às gramáticas tradicionais no que diz respeito à definição de sujeito apresentada por elas. De acordo com o autor, definições como a de Cunha e Cintra citada acima misturam critérios sintáticos e semânticos e não dão conta de todas as estruturas sentenciais do português. Exemplos apresentados por Perini (2004, p. 15) mostram com clareza a diferença entre os conceitos em questão: (1) a) Carlinhos corre como um louco. 5 b) Esse bolo eu não vou comer. Em (1a), o sujeito “Carlinhos” é, de fato, o termo sobre o qual se faz uma declaração, ou seja, coincide com o tópico. Em (1b), não verificamos a mesma coincidência, já que temos uma declaração sobre “esse bolo” e não sobre o sujeito “eu”. As definições apresentadas acima fariam mais sentido se fossem aplicadas aos conceitos de tópico e comentário, uma vez que o tópico anuncia o tema do discurso, é sobre ele que se fará uma declaração ou um comentário. O sujeito, por sua vez, (embora normalmente coincida com o tópico – o ser sobre o qual se faz uma declaração) deveria receber uma definição de ordem sintática, associada a seu estatuto de argumento selecionado pelo o verbo e com o qual entra em relação de concordância, seja ela foneticamente realizada ou não. É o que se observa em (1a), em que sujeito e tópico coincidem. No entanto, deve existir a consciência de que estamos tratando de categorias distintas, que devem, portanto, receber definições diferentes para dar conta dos casos em que não coincidem. E, embora concordemos com a crítica de Perini, não podemos criticar uma gramática que remonta a uma tradição secular. O que é necessário, na verdade, é atualizar conceitos a partir de descrições com base em estudos linguísticos em dados contemporâneos. É isso que fazem Brito, Duarte e Matos (2003) em um dos capítulos da Gramática da Língua Portuguesa (Mateus et alii, 2003), que apontam coincidência entre tópico e sujeito em estruturas como (2), que seria, portanto, uma sentença de tópico não marcado, semelhante ao exemplo (1a): (2) Os miúdos telefonaram. SUJEITO PREDICADO TÓPICO COMENTÁRIO (Brito, Duarte e Matos p. 490) Já em (3), tópico e sujeito são categorias diferentes, o que caracteriza as construções de tópico marcado: (3) a) Fruta... [-] adoro melão. b) O Pedro... [os miúdos] vieram com ele da escola. 6 c) Aos miúdos, [-] oferecemos-lhes CDs. d) Aos miúdos, [-] oferecemos – CDs. TÓPICO SUJEITO PREDICADO COMENTÁRIO (Brito, Duarte e Matos p. 490) As autoras concluem que todas as sentenças são estruturas de tópico – comentário (o que, de certa forma, justifica a definição tradicional para o sujeito) e estabelecem a distinção entre tópico marcado e tópico não marcado. Sentenças de tópico marcado são aquelas em que não há coincidência entre sujeito e tópico e sentenças de tópico não marcado são aquelas que se configuram sintaticamente como estruturas SVO. O trabalho de Li e Thompson (1976), que será examinado detalhadamente no capítulo 2 (seção 2.3), pioneiro na discussão tipológica das línguas segundo a orientação para o sujeito ou para o tópico, já apresenta uma concepção semelhante à encontrada em Brito, Duarte e Matos (2003), uma vez que que entende os sujeitos como tópicos gramaticalizados, o que significa dizer que todas as sentenças são estruturas de tópicocomentário, porém, em alguns casos, os tópicos se vincularam ao verbo, conferindo a eles traços de sujeito. Para o PE, Brito, Duarte e Matos (2003, p.492) apresentam as seguintes estruturas de tópico marcado: tópico pendente, deslocamento à esquerda de tópico pendente, deslocamento à esquerda clítico, topicalização e topicalização selvagem. (a) Tópico pendente: se caracteriza pela ausência de conectividade entre o elemento na posição de tópico e qualquer constituinte no comentário. Correspondem aos chamados anacolutos no PB e, para as autoras, podem ser de dois tipos (i) tópico regido por locução prepositiva ou (ii) tópico SN. (4) a) [Quanto ao debate de ontem à noite], é forçoso reconhecer que há políticos que falam sobre um país que não conhecem. (Brito, Duarte e Matos , p. 492) 7 b) [Fruta], adoro melão. (Brito, Duarte e Matos , p. 490) A relação entre o tópico e o comentário é comandada pela Condição de Relevância, segundo as autoras. Esse tipo de estrutura só é gramatical no PE em contextos de frase raiz, como observamos no exemplo a seguir, considerado agramatical: (5) * Ele acredita que [filmes estrangeiros], estamos a ver o filme até o fim e não sabemos do que se trata. (Brito, Duarte e Matos, p. 494) (b) Deslocamento à esquerda de tópico pendente: o tópico se vincula a um elemento no interior do comentário; eles apresentam conformidade de traços de pessoa, gênero e número. A essas estruturas é atribuído um grau de sintatização fraco. Contudo, ele está presente, ao contrário das sentenças de tópico pendente, que apresentam grau mínimo de sintatização. Segundo as autoras, essas estruturas são agramaticais em contextos encaixados, como mostra (6) e o sujeito só pode ser retomado em PE se não houver adjacência sintática entre os dois elementos, como em (7). No caso, a oração principal “ouvi dizer” quebra essa adjacência. (6) * Toda a gente me disse que [o João]i... não lhei pagaram o ordenado desse mês. (Brito, Duarte e Matos, p. 494) (7) [O João]i ... ouvi dizer que elei tinha ido passar férias a Honolulu. (Brito, Duarte e Matos , p. 493) (c) Deslocamento à esquerda clítico: o tópico vincula-se a um correferente, que deve ser obrigatoriamente um clítico e, por essa razão, apresenta traços de conformidade referencial, categorial, casual e temática com o tópico: (8) [Os gerentes]i, trata-osi como se fossem míseros contínuos. (Brito, Duarte e Matos, p. 494) 8 Essas estruturas apresentam um elevado grau de sintatização e não estão restritas a contexto de frase raiz (como as anteriores), porém são sensíveis a ilhas sintáticas, já que podem ocorrer no interior de qualquer oração (principal ou subordinada), como se vê em (9 a, b), mas não em estruturas como (9 c), em que vemos o tópico não adjacente e seu correferente no interior de uma relativa, considerada uma oração da qual não se pode mover um elemento, uma sugestão de que, ao contrário da deslocamento de tópico pendente, a deslocamento clítica envolve movimento: (9) a) [(A)o João]i, não lhei pagaram o ordenado desse mês. b)Disseram-me [que [ao João]i, não lhei pagaram o ordenado desse mês].(Brito, Duarte e Matos ., p. 495) c) * [Ao João]i, não encontro artigos [que lhei possam ser úteis]. (Brito, Duarte e Matos, p. 495) (d) Topicalização: essas estruturas apresentam um elevado grau de sintatização, em que o tópico é resultado de movimento e se vincula a uma categoria vazia no comentário: (10) [Piscina]i, não sabia que tinha ___i . (Brito, Duarte e Matos, p. 497) Assim como as sentenças de deslocamento à esquerda clítico, as topicalizações podem ocorrer em contextos encaixados (não são restritas à frase raiz),como em (11a) e também são sensíveis a ilhas sintáticas, como mostra (11b): (11) a)Lamento [que [esse artigo]i, o coordenador não tenha incluído ___i na bibliografia da cadeira]. (Brito, Duarte e Matos, p. 498) b) *[Piscina]i, nunca fui ao clube de golfe que tem ___ i . (Brito, Duarte e Matos, p. 498) (e) Topicalização selvagem: é um tipo de topicalização próprio da modalidade oral do PE. Exibe algum grau de sintatização, pois apresenta (i) conectividade referencial, o 9 tópico e a categoria vazia compartilham o referente e (ii) temática, ambos recebem o mesmo papel temático. Porém, não apresentam (i) conectividade categorial, já que o elemento muda de categoria ao ser movido do interior da sentença para a posição à esquerda e (ii) casual, já que tópico e a posição de onde ele foi extraído recebem casos distintos. Observe-se que o tópico em (12) aparece sem a preposição, que seria obrigatória para dar caso ao SN “essa cerveja”, caso ocupasse a posição de complemento oblíquo de “gostar’, de onde foi movido: (12) [Essa cerveja]i, eu não gosto ___ i . (Brito, Duarte e Matos, p. 501) Ocorre tipicamente em contexto de frase raiz, embora a agramaticalidade das sentenças em contexto encaixado seja considerada duvidosa pelas autoras como vemos no exemplo (13): (13) * / ? Todos sabem que [essa cerveja]i, eu não gosto ___ i. (Brito, Duarte e Matos, p. 501) Segundo as autoras, no PE, a supressão de preposição só é possível quando esta é desprovida de conteúdo semântico, desempenhando unicamente a função de atribuidora de caso como vimos em (12 acima), ao contrário das preposições que introduzem adjuntos e complementos circunstancias como mostra (14): (14) a) * O João, conversei ___ na festa. (Brito, Duarte e Matos, p. 501) b) [Com o João]i, conversei ___i na festa. (Brito, Duarte e Matos, p. 501) No PB temos algumas construções de tópico semelhantes às do PE e outras que se diferenciam. A tipologia adotada nesta dissertação para o PB tem base em Vasco, 1999, 2006; Orsini, 2003; Berlinck, Duarte e Oliveira (2009)2. 2 O estudos das construções de tópico marcado no PB tiveram início com Pontes (1987) e as primeiras análises empíricas foram desenvolvidas por Callou et alii (1993) 10 (a) Anacoluto: Em relação ao tópico pendente (anacoluto) não há diferença, encontramos esse tipo de construção tanto no PB quanto no PE. São as que mais se aproximam das sentenças encontradas em línguas de tópico prototípicas, já que nesse tipo de estrutura não existe ligação sintática entre o tópico e o comentário; tem-se somente uma relação semântica, isto é, uma relação de aboutness. (15) a) Embora [evitar filho] [eu respeito a igreja]. (Vasco, 2006 - fala popular) b) [A religião], [ah você deixa de fazer muita besteira]. (Vasco, 2006 fala popular) Temos, nos exemplos (15) os tópicos “evitar filho” e “a religião” ligados apenas por uma relação semântica à sentença comentário. (b) Topicalização: o tópico possui vinculação sintática com uma categoria vazia no interior do comentário, de onde teria sido movido. A topicalização é uma estratégia comum ao PB, havendo, inclusive, na modalidade oral ocorrências de topicalização de oblíquos com ou sem supressão de preposição, como mostra o exemplo (16b), em que o SP com valor locativo se movimenta para a posição de tópico, tendo a preposição apagada. (16) a) [Lago]i também acho __i bonito. (Orsini, 2003 fala culta) b) [Paris]i eu não pago hotel ___i . (Orsini, 2003 fala culta) (c) Tópico-sujeito: o tópico é reinterpretado como sujeito da sentença, apresentando, inclusive, concordância com o verbo. Construções como essas são encontradas no PB e não no PE. (17) a) O meu carro furou o pneu. (Pontes, p.35) b) O seu regime entra muito laticínio? (Pontes, p. 17) 11 Essas estruturas ocorrem com verbos inacusativos e impessoais, que não projetam argumento externo, estando, portanto, a posição de especificador do Sintagma Flexional disponível para ser preenchida pelo tópico. O grupo das construções do tipo tópico-sujeito reúne diferentes estruturas, novas no sistema e que ainda requerem um refinamento em sua análise. (d) Deslocamento à esquerda: nas construções de DE, o tópico tem vínculo com um correferente no interior da sentença comentário. Esse vínculo pode ser com elementos que desempenhem diferentes funções sintáticas. (18) a) [Esse problema de puxar pela criança]i (...) eu acho que issoi não funciona muito. (fala culta – PB) b) [Essa lagoa]i, eu tive... conheci elai foi num sábado. (fala culta – PB) As estruturas a serem trabalhadas aqui são aquelas em que o tópico está vinculado a um correferente que ocupa a posição de sujeito na sentença comentário, são os chamados deslocamentos à esquerda de sujeito (DE sujeito). Estruturas como (19), são frequentes no PB, mas não são comuns no PE: (19) a) [Os vizinhos]i, qualquer coisa elesi comunicam à gente [Eri, 3, recontato]3 b) [O assaltante]i, elei tem que pegá e corrê. (Orsini, 2003 fala culta) O pronome nominativo eles é quem desempenha a função sintática de sujeito no exemplo (19 a), é com ele que o tópico os vizinhos estabelece a relação de correferencialidade. Assim como em (19b), o sujeito é ele e é correferente do tópico o assaltante. Nesse tipo de construção, o tópico pode se apresentar tanto por um sintagma nominal (exemplo 20 a) quanto por um pronome (exemplo 20 b). E o correferente no interior da sentença comentário também pode ser um SN (exemplo 21 a) ou um pronome (exemplo 21 b). 3 Os exemplos identificados desse modo são retirados do corpus do presente trabalho. Informam o nome do informante, faixa etária e período da entrevista. 12 (20) a) [O Mike Tyson]i, elei parte pra cima. (SN) [Rei, 3, 2000] b) [Nós que somos do teatro]i, a gentei sabe disso. (pronome) [Adr, 2, 2000] (21) a) [A pessoa]i, muitas vezes, a pessoai não quer nada. [Joa, 4, 2000] b) [A produção]i, quando sendo uma coisa maior, elai te exije muito. [Adr, 2, 2000] O trabalho de Braga (1987), que será discutido mais adiante, aponta que as estruturas de DE sujeito desempenham funções discursivas no sistema. A autora afirma que o pronome correferente aparece antes do verbo quando o sujeito é longo ou quando entre eles aparece algum tipo de material interveniente. Sendo assim, esse pronome funciona “como um lembrete do sujeito ao verbo” (Braga, 1987, p. 114). Entendemos que, uma vez inserida no sistema, a estrutura de DE sujeito passará a funcionar com fins discursivos, na visão de Braga (1987), o pronome ocorre para facilitar o processamento da informação. Embora as estruturas de DE também estejam presentes em outras línguas românicas, a sua ocorrência com um tópico correferente ao sujeito não é comum a todas. Em relação ao italiano Ochs e Duranti (1979 apud Duarte, 1995) assinalam, com base em análise de dados que não existem construções de DE sujeito. Segundo os autores, todos os elementos deslocados são coindexados com clíticos, ou seja, trata-se de uma deslocamento à esquerda clítico, em que o tópico retoma um complemento. A ausência de DE sujeito é explicada pelos autores pelo fato de o italiano ter como default o sujeito nulo, graças à rica flexão verbal. Em línguas de sujeito preferencialmente vazio não seria natural esperar um sujeito “duplicado”, quando o sujeito merece ênfase ou contraste, quem aparece é o pronome fraco. O trabalho de Rivero (1980 apud. Duarte, 1995) para o espanhol revela que DE só é atestado em estruturas de “deslocamento à esquerda clítico”, como em (22). A construção de DE sujeito pode ocorrer desde que o pronome receba ênfase ou esteja numa construção com valor contrastivo. (cf. Rivero (1980) como em (23). 13 (22) [Al partido carlista]i , dicen que no loi legalizaron para las elecciones. (Rivero, 1980: 363, apud Duarte, 1995) (23) [Juan]i, me dicen [que éli (si) quiere hablar]. (Rivero, 1980 p.363, apud Duarte, 1995) Para o francês, por outro lado, Barnes (1986) aponta que 81% dos casos de DE, obtidos em um corpus oral, foram referentes à retomada do sujeito. A autora afirma que ocorrências de deslocamento com estruturas que não são sujeito são raras. O trabalho aponta SNs com traço [+ humano] sendo retomado por pronomes pessoais como o il conforme mostramos no exemplo (24): (24) a) [Nancy]i ellei aimerait beaucoup ça. (Barnes, p. 216) Nancyi, elai adoraria isso. b) On était oblige, [le mec]i ili m’a poussée! (Barnes, p. 217) Fomos obrigados, o carai elei me empurrou! No geral, a categoria mais comum na posição de tópico é a de pronome pessoal, sendo o pronome de primeira pessoa o mais frequente (69% dentro da classe dos deslocamentos com pronome) São estruturas estilo: moi – je como vemos em (25) (25) [Moi]i jei bois énormément. (Barnes, p. 209) Eui eui bebo muito. Quando temos um SN na posição de tópico, a retomada mais comum, segundo a autora, é com o clítico impessoal ce ou ça como vemos em (26), os sintagmas com traço [- animado] só licenciam esse tipo de retomada com demonstrativo. (26) a) Moi je trouve que [la cuisine]i ci’est l’endroit le plus important d’une maison. (Barnes, p. 210) Eu, eu acho que a cozinhai (essa)i é a parte mais importante de uma casa. 14 b) J’avais un philosophe, un type [donc [la matière principale]i ci’est la philosophie.] (Barnes, p.220) Eu conhecia um filósofo, um tipo cujo assunto principali estei é a filosofia. Barnes afirma que DE sujeito no francês não se refere exclusivamente a elementos dados no discurso; pelo contrário, ela pode introduzir elementos novos sem qualquer função contrastiva ou entoação específica. As sentenças ocorrem majoritariamente em contexto matriz, porém elas também aparecem em contexto encaixado, ainda que em menor quantidade, como no exemplo (26 b) acima. O artigo de Avanzi (2011), escrito, portanto, 25 anos após o de Barnes, nos traz informações novas sobre as restrições apontadas no texto de 1986. Trata-se de estudo prosódico sobre as construções de deslocamento à esquerda de sujeito, baseado em 70 enunciados do francês parisiense. Nosso interesse recai sobre os dados apresentados, que nos permitem rever as informações contidas em Barnes. De fato, pelo que afirma Avanzi, o traço [-animado] não impede a retomada por um pronome pessoal. A restrição parece recair sobre o traço [-específico] (nas palavras do autor, um SN que define uma classe), independentemente do traço de animacidade. Veja-se, por exemplo, a sentença a seguir, em que o SN “les femmes” (“as mulheres” ou “mulheres”) tem referência menos específica (ou genérica), sendo retomado por um demonstrativo “ce”, a que o autor se refere como uma forma “intermediária” ou “semilexical”: (27) a) [les femmes ]i ci´est toutes des menteuses [as mulheres]i, essasi são todas mentirosas / [mulheres]i, essasi são umas mentirosas. Os demais dados revelam que SNs com o traço [+/-animado], são retomados por pronomes, desde que com o traço [+específico]. Em (27 b - f), temos exemplos de tópicos pronominais e nominais com o traço [+h/+espec] em contextos de raiz ou em encaixadas: (27) b) [moi]i jei suis mariée [eu]i eui sou casada’ 15 c) [lui]i ili fasait du roller [ele]i elei praticava patins (andava de patins, praticava patins, patinava) d) alors [la plus grande]i ellei s´apelle Guilaine então [a mais velha]i elai se chama Guilaine e) [les petits que j´ai]i ilsi sont vraiment très independentes os [pequenos que eu tenho]i (= meus filhos) elesi são muito independentes f) je crois [que [Michel] ili il´a perdue ma bague de fiançailles eu acho que [o Michel]i elei perdeu a minha aliança de noivado Em (27 g - k), temos os dados que nos fornecem as informações adicionais: tópicos nominais com o traço [-h/+espec] em contextos de raiz ou em encaixadas: (27) g) [l´année universitaire]i elleii commence demain [o ano universitário]i elei começa amanhã. h) [les horaires de bac]i ilsi sont fixes effectivement [os horários do bac]i (vestibular) elesi são rígidos. i) [tes chaussures de danse]i ellesi ont une particulairité [teus sapatos de dança]i elesi têm uma peculiaridade. j) ce comme ça [la vie]i ellei est dure é assim mesmo [a vida]i elai é dura k) c´est à dire [que [ ses idées]i au début [eles]i peuvent être três bonnes isso significa que [suas ideias]i a princípio elasi podem ser muito boas. Em resumo, o francês parece ter perdido restrição à animacidade para a retomada pronominal, mas mantém a restrição ao traço [-específico]4 4 Agradecemos à professora Maria da Conceição Paiva, que nos forneceu o texto de Avanzi, além de nos ter passado uma ocorrência também recente de DE com o traço [-a], num enunciado produzido em janeiro de 2012 pela presidente do FMI em rede de televisão francesa: 16 1.2 – As construções de tópico marcado na tradição gramatical As construções de tópico não chamaram a atenção dos gramáticos tradicionais, já que eles eram influenciados pela sintaxe ocidental. Para tais autores, o português é uma língua de sujeito-predicado. As estruturas de tópico marcado são, portanto, tratadas pelas gramáticas normativas ora como casos de objeto pleonástico ora como figuras de sintaxe. Cunha e Cintra (2001), Lima (1989) e Bechara (2001), ao apresentarem o conceito de anacoluto, estrutura em que há uma “quebra na sintaxe”, que hoje corresponde ao que referimos acima como “tópico pendente”, elencam exemplos que incluem também o que se conhece na linguística contemporânea como casos de deslocamento à esquerda de tópico pendente, visto haver correferencialidade entre o tópico e um sintagma no interior do comentário, conforme se verifica nos exemplos: (28) a) [Umas carabinas que guardava atrás do guarda-roupa]i, a gente brincava com elasi, de tão imprestáveis. (Cunha e Cintra, p. 630) b) Bom! Bom! [Eu]i parece-mei que ainda não ofendi ninguém. (Cunha e Cintra, p. 631) c) Olha: [eu]i, até de longe com os olhos fechados, o senhor não mei engana. (Lima, p. 490) d) [A pessoa que não sabe viver em sociedade] i, contra elai se põe a lei. (Bechara, p. 595) Cunha e Cintra (2001) e Bechara (2001) fazem referência a outro tipo de construção além dos anacolutos: são estruturas que envolvem os complementos verbais. Cunha e Cintra afirmam que as construções com objeto pleonástico têm como objetivo [La croissance]i ellei depend de la confidence. ‘O crescimento ele depende da confiança’ 17 enfatizar o objeto, sendo, portanto, figuras de estilo. Encontramos exemplos referentes tanto ao objeto direto quanto ao objeto indireto: (29) a) [As posições]i, conquistara-asi umas após as outras. (Cunha e Cintra, p.626) b) [Paisagens]i, quero-asi comigo. (Cunha e Cintra, p.626) c) [Ao homem mesquinho]i basta-lhei um burrinho. (Cunha e Cintra, p.626) d) [Ao aluno]i, sempre lhei dei muita atenção. (Bechara, p.422) Bechara faz referência à topicalização e sua leitura segue a mesma linha dos outros gramáticos tradicionais. Entende a topicalização como uma simples transposição de um complemento para a esquerda do verbo. Devido a tal transposição, um clítico entra na posição deixada pelo complemento. (30) [O lobo]i, o caçador oi viu. (Bechara, p. 417) As estruturas em (29) e (30) assemelham-se às descritas por Brito, Duarte e Matos (2003) como “deslocamento à esquerda clítico” e não são características do PB contemporâneo, visto o PB se caracterizar pelo desaparecimento dos clíticos de terceira pessoa, preferindo objetos vazios. Os autores as consideram como marcas expressivas, o que as coloca como traços de estilo simplesmente. 1.3 – Os estudos sobre tópico marcado no PB A partir do trabalho de Eunice Pontes publicado em 1987, o interesse pelas construções de tópico marcado ganha força no PB. Em seu livro O tópico no Português do Brasil, Pontes reúne os quatro tipos de construções de tópico, já discutidas na seção 1.1 deste capítulo: anacolutos; tópico-sujeito; topicalização e o deslocamento à esquerda. 18 A diferença básica entre a topicalização e o DE é a presença ou não de um pronome cópia no interior do comentário. Especificamente sobre as estruturas que são o tema desta dissertação, Pontes apresenta uma seção sobre construções com pronome cópia. Segundo os dados examinados pela autora, essas estruturas apresentaram 100% dos exemplos com tópico sendo um elemento dado (já mencionado no contexto do discurso), além disso, quando o tópico é um SN, este é sempre definido, como se verifica nos exemplos (31 b e c). Os exemplos são (Pontes, p. 78): (31) a) [Ele]i, o livro delei não é lá essas coisas. b) [Eu acho que esses dois casos do português] i, elesi... c) [Esse buraco]i, menina, taparam elei outro dia. d) [E aquele lá]i, não dá pra colar elei? A autora destaca que não encontrou nenhum caso de DE em que o tópico fosse indefinido ou genérico. Para ela, o SN tópico nas sentenças de DE funciona como um elemento coesivo no discurso, seu significado parece ser “falando de SN...” ou “quanto a SN...”. A entonação específica, a pausa ou quebra entonacional são frequentes nas construções com pronome cópia, apesar de não serem obrigatórias, afirma a autora. Acerca da curva entonacional das construções de DE, Orsini (2003) mostra que estas construções se caracterizam pelo fato de, frequentemente, o tópico apresentar uma curva descendente, seguida de pausa entre ele e o comentário. É interessante observar que alguns casos de retomada são classificados como problemáticos. A autora afirma ter dúvidas sobre o status de pronome cópia de estruturas como (32) (Pontes, p.81): (32) a) Eu quero lembrar que [a argumentação] i, eu restringi o sentido dessa palavrai quando... b) [Os fiscais]i, essesi, resolviam questões de política e advogavam. 19 c) [Shampoo-Johnson’s]i, essei eu posso usar. O primeiro caso é uma expressão anafórica que retoma o tópico. Nos casos seguintes, temos pronomes demonstrativos que, assim como a expressão anafórica, desempenham o papel de retomar o tópico. Entretanto, a autora se questiona se devem ser considerados pronomes-cópia ou se estão ali apenas para dar ênfase. Apesar do questionamento acerca do status do elemento que retoma o tópico, os casos acima podem ser interpretados como ocorrências de deslocamento à esquerda, já que, no interior do comentário, há, nessas estruturas, uma espécie de retomada do SN que está na posição de tópico, embora não sejam exclusivamente pronomes. Em relação à ocorrência do pronome-cópia, a autora apresenta a hipótese de que ele seja uma marca morfológica das construções de tópico marcado. Sua presença foi observada em maior número quando os dados analisados eram de DE sujeito, ou seja, quando o tópico e o sujeito da sentença comentário são correferentes. Nos casos em que o tópico é correferente a outros elementos da sentença, a ocorrência de pronomes-cópia é menor. Observando os exemplos, podemos entender o raciocínio da autora (Pontes, p. 19): (33) a) [Essas regras]i, sejam da base, sejam da ES, elasi são construídas... b) [Essa competência]i, elai é de natureza mental... Em casos como (33 a) é possível ver claramente a diferença entre tópico e sujeito através de suas posições; o tópico ocupa a posição no início da sentença enquanto o sujeito ocupa a posição no início da oração. Entretanto, seria difícil prever se um elemento é tópico ou sujeito se ele está no início da oração e da sentença como em (33 b). O papel do pronome-cópia nesse caso seria o de desfazer essa possível confusão e caracterizar o tópico. Pontes entende que a função mencionada acima não é a única a ser desempenhada pelo pronome-cópia. A autora afirma que, em alguns casos, sua presença pode ser explicada pela distância entre o elemento à esquerda da sentença e o verbo a que está ligado. Segundo Pontes, “a análise das construções tópicas nos coloca 20 inevitavelmente no nível do discurso.” Ou seja, o pronome cópia aparece quando o falante sente necessidade de deixar claro o referente da sentença. Essa conclusão será ampliada em inúmeros trabalhos realizados a partir do caminho aberto por ela. Na esteira do trabalho de Pontes, também seguindo uma linha funcionalista temos o trabalho de Braga e Mollica (1986) e Braga (1987). O primeiro trata de tópicos marcados e não marcados com o objetivo de testar o efeito de fatores de natureza discursiva, semântica e psicolinguística nas marcas segmentais ou suprassegmentais que podem aparecer entre o sujeito e o verbo. A presença de um pronome é entendida aqui como marca segmental que retoma o sujeito (na nossa análise considerado o tópico) e as sentenças de DE sujeito são analisadas ao lado das estruturas de sujeito-predicado (que não apresentam marcas segmentais entre sujeito e verbo). As marcas suprassegmentais seriam a pausa e a entoação, por exemplo. Entre os contextos apontados pelas autoras encontram como favorecedores de DE sujeito, estruturas que constituem explicações (exemplo 34), em geral acompanhadas também de marcas suprassegmentais (aqui representadas pela vírgula) e as enumerações (exemplo 35) definidas como “construções em que o sujeito / tópico faz referência aos elementos de um conjunto relativamente bem delimitado” (Braga e Mollica 1986, p.26). (34) porque [o Hulk]i, elei tem um problema. (Braga e Mollica, 1986) (35) - Onde você joga futebol? - Na rua. [Os garotos]i, elesi pintaram, fizeram a área, o meio de campo, aí a gente ficou lá jogando. (Braga e Mollica, 1986) Outro fator considerado pelas autoras é o traço semântico do SN tópico ou sujeito, por exemplo. Elas verificam que o traço [+ humano] favorece marcas segmentais e suprassegmentais, enquanto o traço [- humano] motiva marcas suprassegmentais. Isso quer dizer que as retomadas pronominais (DE sujeito) são favorecidas pelo traço [+humano], informação que poderá ser testada no capítulo 3 da presente dissertação. Braga (1987), que focaliza somente os fatores psicolinguísticos (relacionados ao processamento), trabalha com três variáveis que, por hipótese, condicionariam o aparecimento de um correferente de natureza pronominal nas construções de DE sujeito. 21 Os grupos de fatores trabalhados foram: (a) número de sílabas do sujeito; (b) presença de elementos interferentes entre o sujeito e seu predicado; (c) presença de elementos pós-verbais. A escolha dos grupos parece indicar a suspeita da autora de que quanto maior a distância entre o sujeito e o verbo, mais difícil fica o processamento da informação. Por essa razão, o sujeito se manifesta duplamente por meio de um correferente. Isso significa que a autora trabalha dentro de uma perspectiva funcionalista – a maior distância entre o “sujeito” e o predicado motivaria a presença do pronomecópia. Em relação aos dois primeiros grupos, a hipótese foi confirmada. A presença de sujeitos mais longos ou de material interveniente com maior número de sílabas, como ocorre na presença de orações relativas, tornam mais provável a presença de correferente que retome esse sujeito. A presença do pronome, segundo a autora, “facilita o processamento da informação” (Braga 1987, p.114), que fica prejudicada pela distância. (36) a) [A Ângela de matemática]i, elai é muito ruim. (Braga, p. 107) b) Mas [o Éder]i, no outro jogo, elei não foi grande destaque. (Braga, p. 109) No exemplo (36 a), temos um caso classificado como sujeito longo pela autora. Em (36 b), observamos a presença de material interveniente entre o sujeito e o verbo. As duas estruturas em questão favorecem a presença de um pronome, que nessa visão serve para reforçar a identificação do sujeito. Os resultados referentes a terceira variável nos mostram que a presença do pronome correferente condiciona o aparecimento de algum elemento pós-verbal, contribuindo para o equilíbrio da sentença que já estaria muito “pesada” à esquerda devido a “dupla manifestação do sujeito 5”, é o que mostra o exemplo (37). (37) [Esse aí]i, elei gosta das coisa muito certa. (Braga, p. 112) A hipótese de Braga (1987) sobre a influência do tamanho dos sujeitos é questionada no trabalho de Orsini (2003), em que a autora afirma que a maior parte dos 5 Termo empregado pela autora ao referir-se as construções de DE sujeito. 22 dados encontrados não apresenta um tópico longo (com mais de 7 sílabas) e a distribuição é equilibrada no que diz respeito a existência de tópicos curtos ou longos nas diferentes estratégias de construção tópico marcado, ou seja, os tópicos longos não aparecem somente nos casos de DE. Destaque-se, finalmente, que os trabalhos de Braga e Mollica (1986) e Braga (1987) se concentram em estruturas com um SN em posição de tópico. Até o trabalho de Duarte (1995), não temos conhecimento de estruturas de DE com um pronome em posição de tópico. Foi a partir desse trabalho que surgiria em 1999 o artigo de Kato sobre pronomes fortes e fracos no PB, que será mencionado juntamente com o trabalho de Orsini, que, dentro de outra perspectiva, faz uma análise sintática e prosódica dos quatro tipos de construções de tópico presentes no PB. A autora encontra 314 casos de DE sujeito, o que totaliza 79% de seus 398 dados de DE. Esse resultado indica a clara preferência por deslocamentos de sujeito em detrimento dos complementos. Um tipo de dado de DE sujeito muito recorrente no trabalho em questão foi o seguinte: (38) [Eu]i eui trago inclusive de lá. No que diz respeito a dados como o do exemplo acima, a autora cita Kato (1999) sobre a emergência de um quadro de pronomes fortes quase homófonos aos pronomes fracos no PB. Vejamos o paradigma adaptado de Kato (1999): (39) Me, I saw him yesterday. Moi, j´lai vu hier Eu, eu (o) vi (ele) ontem. A questão em torno de dados como (38) é se, de fato, tratamos de um caso de deslocamento à esquerda do sujeito ou a repetição do pronome é simplesmente uma hesitação do informante. Como no caso do DE sujeito o tópico está vinculado a essa categoria, Orsini nos mostra que ele privilegia o traço [+ animado], característico do sujeito, enquanto o traço [- animado] aparece mais com Top, já que é mais comum ao objeto. O deslocamento à esquerda privilegia tópicos definidos (86% segundo a autora), no 23 entanto não é uma construção que licencie somente esse tipo de estrutura. Temos abaixo um exemplo de tópico indefinido: (40) [Um apartamento com um banheiro só] i, elei já vale menos. (Orsini, p.127) O trabalho de Orsini aponta para uma recategorização do PB segundo a tipologia das línguas de Li e Thompson. Os resultados indicam que compartilhamos um conjunto de características com as línguas de tópico. Conforme a autora afirma, o PB: “codifica superficialmente o tópico por meio de uma posição definida na sentença; prefere sujeitos plenos a vazios, que só ocorrem em línguas de proeminência de sujeito; apresenta construções semelhantes ao tópico chinês, estruturas prototípicas de tópico -comentário; estabelece uma relação de correferência entre tópico e comentário, o mesmo não ocorrendo com o sujeito; não sofre restrições quanto à natureza do elemento topicalizado; define a sentença tópico-comentário como sendo básica, isto é, não derivada 6 de outra .” (Orsini 2003, p.178) Esses seriam alguns requisitos para se caracterizar uma língua de tópico, e o PB atende a todos eles. Ainda na perspectiva da Sociolinguística paramétrica, temos os trabalhos de Vasco (1999 e 2006). Vasco (1999) analisa as construções de tópico marcado no PB e no PE oral. Uma diferença importante encontrada pelo autor é que o PB apresenta um número maior de anacolutos que o PE (12% no PB e 7,5% no PE) A baixa frequência, certamente decorre do fato de o PE ser língua de proeminência de sujeito. Os resultados encontrados no trabalho de Vasco (1999) são muito interessantes no que diz respeito à diferenciação das gramáticas do PB e PE. Sobre os casos de deslocamento à esquerda, o autor constata uma diferença entre os usos nas duas línguas: no PB encontramos mais sujeitos deslocados (83% contra 34,5% no PE) enquanto no PE o maior número de deslocamentos é de objeto direto (9,5% no PB e 43,5% no PE). A diferença encontrada por Vasco para as ocorrências de DE sujeito se explica pelo fato de o sistema do PB passar por mudanças, principalmente em relação ao Parâmetro do 6 Essa informação se aplica especificamente a algumas sentenças de anacoluto. 24 Sujeito Nulo, que não acontecem no PE. Outro tipo de construção que o autor relaciona à tendência de o PB preencher os sujeitos é a estrutura de tópico-sujeito que não é encontrada no PE, como em: (41) A casa tem o problema da liberdade. (Vasco, 2006) Vasco (2006), dando continuidade ao estudo das construções de tópico marcado, apresenta uma análise da fala popular do PB. O estudo corrobora as ideias do trabalho anterior, já que vai ao encontro da constatação de que o PB é uma língua mais próxima daquelas que se caracterizam por ter orientação para o discurso, diferentemente do que ocorre no PE. As construções de DE sujeito, de acordo com os dados do autor, estão em distribuição muito equilibrada quando tratamos da faixa de idade dos informantes (Vasco 2006, p. 136), o que não nos indica uma mudança em curso no sistema. Assim como na análise de 1999, as estruturas de DE sujeito são maioria no conjunto das construções de deslocamento à esquerda em todas as faixas etárias estudadas pelo autor. É interessante notar que as sentenças de DE sujeito são maioria nos dados, das 1292 frases com tópico marcado 334 são desse tipo, ou seja, 26% do corpus em estudo. Em relação à natureza do correferente, 77% das sentenças de DE sujeito têm um pronome reto como retomada, é o tipo mais frequente de acordo com o autor. Essa retomada com pronome reto não é comum nas outras línguas românicas. Vasco afirma que no PE isso só ocorre quando o tópico já é um pronome, como em (42): (42) [Eu]i, portanto, eui dizia... (Vasco 2006, p.39) No PB, além de ser licenciada, essa estratégia é muito recorrente seja com elementos animados ou não na posição de tópico. Esse é mais um traço que distancia o PB das línguas de sujeito. Assim como Orsini (2003), Vasco analisa fatores linguísticos como status informacional do tópico, tipo sintático da oração em que ocorre, natureza do material interveniente, adjacência sintática entre outros. Seus resultados não se distanciam muito daqueles encontrados por Orsini em seu trabalho comentado anteriormente, ou seja, PB culto e popular parecem não diferir muito no que diz respeito às construções de 25 tópico marcado. A sugestiva semelhança nos resultados encontrados é mais bem descrita em Vasco e Orsini (2007). Nesse trabalho, os dois autores confrontam os resultados da fala culta e popular para as quatro estratégias de construção de tópico. Para o deslocamento à esquerda de sujeito, temos uma grande proximidade nos resultados, 55% na fala culta e 51% na fala popular e, assim como já havia sido atestado anteriormente, Top e DE estão em distribuição complementar nas duas modalidades de fala. Os resultados confirmam a predominância de DE sujeito e Top de objeto direto no PB, o que já havia sido relacionado com a tendência da nossa língua de preencher sujeito e apagar objeto. Retomando a discussão em torno do fato de as construções de tópico serem sentenças básicas nas línguas de tópico, o trabalho em questão apresenta uma nova distribuição das construções de tópico no PB. Essa redistribuição divide as estruturas da seguinte maneira: (1) construções de língua de tópico; (2) deslocamento à esquerda e (3) topicalização. O tipo (1) abrange os anacolutos, os tópicos-sujeito e as topicalizações sem preposição 7, que agora são consideradas sentenças básicas. As construções de língua de tópico somaram 35% das estruturas de tópico na fala culta e 39% na fala popular segundo dados do trabalho. A proposta de redistribuição é mais um passo na interpretação do PB como uma língua que compartilha muitas características com as línguas de tópico segundo a tipologia de Li e Thompson (1976). Essa complementaridade entre Top de objeto e DE sujeito no PB tem sido objeto de estudo desde o trabalho de Callou et alii (1993), tendo sido atestada nos trabalhos acima citados e em Belford (2006), que desenvolve um estudo comparativo entre as duas estruturas na fala popular do PB, com base em princípios funcionalistas, como a informatividade e a contrastividade. Confirmando os resultados de Braga e Mollica (1986) e Braga (1987), Belford conclui que a presença de elementos intervenientes favorece a presença de pronomes correferentes. Das 230 sentenças analisadas pela autora (incluindo casos de DE sujeito + casos de ordem canônica), 38 têm material interveniente8, o peso relativo evidencia o favorecimento, como observamos na seguinte afirmação: “o peso relativo (. 91) 7 Topicalizações de oblíquo que perdem a preposição são reanalisadas por esses autores como sentenças geradas dessa maneira, ou seja, não são fruto de movimento. Exemplo: As freirasi, a gente morria de rir ___i sabe? (PB culto) 8 Estão incluídas nesse grupo sentenças de DE sujeito e sentenças SVO. 26 representa um alto indicativo para o favorecimento de DE quando na presença de elemento interferente, resultado este encontrado, também, por Braga (1987)”. (Belford 2006, p.72) A natureza do verbo, a dimensão do SN e o traço de animacidade seriam outros propulsores das estruturas com correferente. Todos os grupos apresentaram resultados que confirmam as hipóteses da autora, ou seja, DE sujeito é uma construção favorecida por verbos nocionais, SNs longos e com traço [+ humano]. Belford tece comentários a respeito da baixa ocorrência de dados de DE sujeito, o que não corresponde à observação da fala do dia a dia, segundo a própria autora. No entanto, é importante que se leve em conta o fato de as sentenças de deslocamento terem sido colocadas ao lado das sentenças SVO como variantes de uma mesma variável, o que certamente contribuiu para o baixo número de dados encontrados. Uma observação interessante sobre o corpus utilizado diz que o estilo da entrevista não favorece DE e sim Top, já que são respostas rápidas e curtas. O trabalho de Mendes (2009) trata especificamente de construções de DE sujeito e utiliza os inquéritos do NURC – Salvador para desenvolver um estudo em tempo real da fala culta daquela região. A autora constata a preferência dos falantes pela construção de tópico do tipo Deslocamento à esquerda de sujeito com estrutura formada por sintagma nominal (SN) e retomada anafórica com pronome pessoal de 3ª pessoa. O trabalho de Decat (1989) é o precursor dos estudos das construções de tópico numa perspectiva diacrônica. A autora afirma que os trabalhos existentes até aquele momento tinham se detido no nível sincrônico (como Pontes, 1987). Portanto, ela busca traçar a trajetória das construções em questão com base em dados coletados de cartas e diários dos séculos XVIII, XIX e XX. Nesse trabalho, a diferença entre Top e DE não é levada em consideração. A autora focaliza a ocorrência das construções de tópico em geral, que, de acordo com ela, já estão presentes na língua há algum tempo com ou sem pronome cópia. A divisão estabelecida fica entre construções de sujeito e construções de complemento. No caso das primeiras, que se aproximam do DE sujeito, a autora destaca “a pequena ocorrência de elemento correferente realizado por pronome pessoal; nesse caso, a correferencia se estabelecia através de pronomes indefinidos, demonstrativos e mesmo por um numeral” (Decat 1989, p.117). Observamos esse tipo de correferência no exemplo (43) em que um demonstrativo retoma o tópico SN. 27 (43) [O reumatismo]i essei é que (...) parece que me deixará em paz este inverno. (1864) Em relação à retomada do tópico com o pronome nominativo, a autora diz que “essa tendência a inserção do pronome lexical sujeito reflete o resultado da mudança no sistema da língua” (Decat 1989, p.132). Não podemos nos esquecer de que DE com retomada com pronome pessoal, além de ser uma estrutura mais recente – da segunda metade do século - certamente ligada à mudança na marcação do PSN, é uma estrutura da língua oral, sendo evitada (e sistematicamente corrigida) na escrita. A aproximação do fenômeno das construções de tópico com a inserção no sistema de novas estratégias justifica-se pelo princípio do encaixamento. Sendo assim, as construções de tópico do tipo DE sujeito estão relacionadas, segundo Decat, com o enfraquecimento da morfologia verbal. Essa e todas as outras mudanças encaixadas observadas no estudo das construções de tópico permitem que a autora chegue à conclusão de que o PB é uma língua que apresenta características de língua mista, como já havia sugerido Pontes (1987). Outros estudos inspirados em Decat (1989) já tentaram traçar o caminho das sentenças de tópico marcado no PB. Seabra (1994) apresenta um trabalho intitulado “Uma abordagem diacrônica das construções de tópico em português” em que, baseada em Decat, desenvolve uma análise de materiais escritos dos séculos XV e XX. Na mesma linha, Araújo (2006) apresenta um estudo de construções de deslocamento à esquerda no PE nos séculos XVIII e XIX e do PB, século XIX. Essa autora conclui que, no período em questão, ainda não era possível observar diferenças sintáticas entre as estruturas do PE e do PB, o que não nos permite afirmar que uma língua é de sujeito e a outra de tópico. No que tange às construções de DE sujeito no PB, estas decorrem, como dissemos acima, da mudança na marcação do PSN, conforme apontado primeiramente por Duarte (1995). A autora focaliza o estudo do sujeito e a mudança na marcação do Parâmetro do Sujeito Nulo (PSN) e tem como objetivo observar a maneira pela qual a mudança se processa e quais fatores contribuem e quais retardam esse processo. A 28 autora chama essas sentenças de “duplo sujeito9” e afirma que elas são exclusivas de língua não pro-drop. Duarte (1995) apresenta uma análise das construções no PB falado e observa que nosso sistema impõe menos restrições sobre o tópico quando comparado a outras línguas, como o italiano, o espanhol e o francês. Por exemplo, no PB o tópico não precisa ser necessariamente dado e definido, a autora encontra ocorrências de tópico indefinido como (44): (44) a) Eu acho que [um trabalho]i, elei teria que começar por aí. (Duarte, p.109) b) [Um homem comum] i elei tem o conforto compatível com a dignidade de uma pessoa humana, entendeu? (Duarte, p.109) Observamos que os tópicos um trabalho e um homem comum não apresentam marcas formais de definitude, ou seja, um artigo ou pronome definido, porém estão na posição de tópico das estruturas acima sem que isso as torne agramaticais. A autora também comenta a presença de pronomes de referência arbitrária ocupando a posição de tópico como o caso de (45) em que o você não possui valor de segunda pessoa, mas sim uma referência genérica. (45) [Você]i, quando vocêi viaja você passa a ser turista... (Duarte, p.111) O trabalho de Duarte apresenta exemplos da estrutura de DE sujeito sendo utilizada em contextos de rádio e TV, por exemplo. Isso nos mostra que as construções estão se espalhando pela fala de toda a comunidade, inclusive na fala mais monitorada. A autora observa que a preferência pela representação fonética do sujeito pronominal “...anuncia o afastamento do PB do grupo de línguas de sujeito nulo licenciado por Agr, ao exibir uma estrutura que essas línguas não exibem.” (Duarte 1995, p.114). A estrutura parece estar tão bem inserida no sistema que já é possível encontrar dados na 9 Tal nomenclatura é empregada com base na noção de Li e Thompson que entendem existir um sujeito do discurso e um sujeito da sintaxe 29 escrita, que é uma modalidade mais conservadora. Duarte apresenta exemplos como (46), (Duarte, p.115): (46) a) [A nasalidade fonológica]i, além de opor significados, elai tem uma interpratação diferente... (prova de estudante universitário) b) [Eu, a mamãe, o José e o João] i nósi estamos no jantar do banco. (bilhete escrito por criança de 7 anos) Apesar dos exemplos de escrita, a construção ainda não se inseriu nessa modalidade em seu registro mais formal. A autora afirma ter encontrado somente um dado de jornal da década de 1990 em que o escritor parece ter feito uma retomada acidental devido à distância entre sujeito e verbo. Neste capítulo, apresentamos as estruturas de tópico marcado presentes tanto no PE quanto no PB, com base em gramáticas descritivas, e, de forma mais breve, no francês, no espanhol e no italiano. Foi descrita a tipologia adotada para a classificação das construções de tópico marcado. Foram feitas observações específicas sobre as estruturas de DE sujeito, que são o tema deste trabalho, e discutidas algumas de suas características básicas. Em seguida, mostramos como as construções de tópico são tratadas na gramática tradicional e em trabalhos empíricos de cunho sincrônico e diacrônico no Português Brasileiro. Finalmente, ressaltamos, através do trabalho de Duarte (1995), que o surgimento dessas construções é reflexo da mudança na marcação do PSN. Em linhas gerais, os resultados discutidos no capítulo 1 apontam para a interpretação do PB como uma língua que se afasta das línguas românicas orientadas para o sujeito e se aproxima das línguas mistas, isto é, línguas com proeminência de tópico e sujeito. 30 CAPÍTULO 2 – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS 2.1 – O modelo de estudo da mudança, segundo Weinreich, Labov e Herzog (2006 10 [1968]) No clássico estudo de W, L e H [2006 (1968)], são apresentados os pressupostos do estudo da mudança linguística dentro da perspectiva variacionista. Os autores introduzem o conceito de “heterogeneidade ordenada” e afirmam que toda língua sofre mudanças que pressupõem um estágio anterior de variação das formas que estão competindo na comunidade linguística. Assim, a variação não ocorre de maneira aleatória: pelo contrário, é estruturada e passível de sistematização, sujeita a um limite imposto pelo sistema. Por outro lado, as mudanças consolidadas estão “encaixadas” no sistema em que ocorrem, o que significa dizer que deixam vestígios ou consequências, que não podem ser atribuídos ao acaso. De acordo com os autores, existem cinco questões que devem ser levadas em consideração para o estudo da mudança linguística, a saber: a) A restrição: diz respeito aos fatores linguísticos e sociais que atuam, favorecendo ou desfavorecendo uma mudança e condicionando seu percurso. Este é um aspecto extremamente relevante para o presente trabalho, já que estamos refinando a análise dos contextos em que ocorrem as construções de DE sujeito em dois períodos de tempo distintos. A questão das restrições permitirá verificar se há contextos que impedem ou limitam as construções de DE sujeito. Enquanto no francês, por exemplo, construções de DE sujeito sofrem restrições (Barnes, 1986; Avanzi, 2011), no PB, as descrições até aqui apresentadas parecem revelar que não há restrições à ocorrência de tais estruturas. b) A transição: para que haja uma mudança no sistema é necessário um período de variação. No decorrer deste período, as formas linguísticas alternantes coexistem até que uma se torna obsoleta e cai em desuso. É importante ressaltar que a mudança é um 10 Utilizo aqui a versão traduzida para o português por Marcos Bagno. 31 processo contínuo e um período de variação pode permanecer por um longo tempo na língua sem que uma das formas seja eleita pelos falantes. c) O encaixamento: este aspecto se refere à relação de um fenômeno específico com outras mudanças que acontecem ou que aconteceram no sistema. Nesta dissertação, o encaixamento é fundamental, já que a presença das construções de DE sujeito no PB são evidência da remarcação do valor do parâmetro do sujeito nulo (PSN), visto o sistema ter passado de [+ sujeito nulo] para [- sujeito nulo]. d) A avaliação: quando duas ou mais possibilidades de uso estão em jogo, os falantes atribuem um valor positivo ou negativo a cada uma delas. A avaliação varia de acordo com o fenômeno em questão e influencia muito no rumo da mudança. Ela está diretamente relacionada ao componente social. Não fizemos teste de avaliação, mas, a julgar pela frequência dessa estrutura em entrevistas, aulas, exposições em congresso e programas de televisão, não temos dúvida de que ela não é sujeita a avaliação negativa nem se encontra no nível de consciência do falante; e) A implementação: procura entender a razão de uma mudança ocorrer em um dado momento e em um dado lugar e não em outro momento qualquer e em um lugar diferente. Permite-nos também observar os contextos que mais prontamente aceitam uma nova forma bem como os que mais resistem a ela. Nesta análise sobre as construções de DE sujeito, será desenvolvido um estudo em Tempo Real de Curta Duração, conforme propõe Labov (1994). Os primeiros trabalhos variacionistas observavam a mudança em “tempo aparente” ou em “tempo real de longa duração”. O modelo referido como estudo em tempo aparente observa a mudança através da comparação entre diferentes faixas etárias. Segundo Tarallo (1990), “O estudo em tempo aparente é feito através de um recorte transversal na amostra sincrônica em função da faixa-etária dos informantes... a variante deve ser correlacionada aos diversos grupos etários.” No entanto, esse tipo de estudo pode não traduzir o que efetivamente está acontecendo na comunidade linguística no que se refere à correlação que deve ser feita entre a variável idade e os indícios de mudança encontrados, visto que os resultados não esclarecem se o predomínio da variante 32 inovadora na fala do grupo mais jovem é reflexo de uma mudança linguística em progresso, ou seja, uma forma inovadora que está se instalando na língua, ou se é apenas decorrente de uma diferenciação etária, ou seja, os falantes alteram seu comportamento linguístico ao longo da vida, e a análise de grupos mais jovens em relação aos mais velhos mostra o mesmo comportamento, fato que não significa mudança no sistema. A solução para este problema estaria, segundo Labov, na conjugação dos resultados em tempo aparente com os resultados de estudos em tempo real. O estudo em tempo real de longa duração tem como objetivo acompanhar o caminho de um fenômeno variável através de um período mais longo de tempo. Esse tipo de estudo não está isento de problemas, já que precisa recorrer a textos escritos para levantar dados de sincronias passadas. A dificuldade está em saber se o material, de fato, retrata o uso da comunidade linguística da época ou se sofreu, por exemplo, alterações de edição e pressões por parte das regras prescritas pelas gramáticas tradicionais (por se tratar de língua escrita). Uma maneira de solucionar parcialmente esse problema é confrontar dados retirados de textos pertencentes ao mesmo gênero textual, para que as conclusões sobre as sincronias passadas tenham maior credibilidade. No estudo em tempo real de curta duração, proposto por Labov (1994), observa-se a mudança em intervalos de tempo menores. Esse modelo de estudo, que compreende o Estudo de Painel e o Estudo de Tendência, permite a comparação de duas ou mais sincronias com intervalos de uma geração pelo menos. O Estudo de Painel investiga a possível mudança linguística sofrida por um indivíduo, cuja fala deve ser gravada nos dois intervalos de tempo. Esse modelo é trabalhoso e demanda muito tempo, já que a primeira amostra deve ser grande o suficiente para dar conta das eventuais perdas de informantes e dificuldades que naturalmente se enfrentam no momento de recontactá-los. Então, para que um estudo desse tipo seja possível, é necessária uma amostra da população em um período X e os informantes dessa mesma amostra deverão compor a segunda amostra em um período Y. Uma grande questão levantada nesse tipo de estudo diz respeito ao intervalo de tempo necessário entre as duas amostras para que seja detectada alguma alteração no comportamento linguístico do indivíduo. Considera-se que um período de cerca de 18 anos é suficiente, pois representa o espaço de uma geração. (cf. Paiva e Duarte, 2008) 33 O Estudo de Tendência consiste na análise de amostras aleatórias da mesma comunidade em dois períodos de tempo. Neste modelo, precisamos de indivíduos diferentes, mas que sejam organizados segundo os mesmos parâmetros nos dois intervalos de tempo. Esse estudo dá conta do comportamento da comunidade como um todo, pois entende que, sendo um grupo escolhido de maneira aleatória, ele pode ser a representação geral da comunidade. Nesse caso, é importante que a comunidade não tenha sofrido grandes transformações sociais, pois elas podem interferir nos resultados. Esse estudo é o mais geral e é ele que pode nos fornecer maiores informações sobre mudanças, já que analisa a comunidade em uma perspectiva mais ampla. Esse modelo apresenta, entretanto, o problema de não tratar das mudanças no nível do indivíduo, o que será feito através do estudo do tipo painel. Entendemos, portanto, que os dois tipos de Estudo em Tempo Real de Curta Duração não são 100% satisfatórios sozinhos, mas se complementam, como observamos nas palavras de Paiva e Duarte (2008, p.189) “apenas a conjugação de ambos (painel e tendência) pode fornecer o instrumental metodológico necessário para elucidar aspectos relativos às duas dimensões da mudança, no indivíduo e na comunidade...” 2.2 – A Teoria de Princípios e Parâmetros Para realizar uma pesquisa nos moldes de W, L e H [2006 (1968)], explicitada na seção anterior, é necessário que se tenha uma teoria linguística, que nos permita levantar hipóteses e grupos de fatores, buscar e identificar as restrições, a implementação e o encaixamento da mudança. Na presente pesquisa, levamos em conta o quadro da Teoria Gerativa de Princípios e Parâmetros. O modelo de Princípios e Parâmetros (Chomsky 1981) afirma que a Gramática Universal (componente biológico de todo ser humano) é composta por princípios e parâmetros. Os princípios são gerais, rígidos e invariáveis, além de serem compartilhados por todas as línguas do mundo. Tomemos como exemplo o Princípio da Projeção Estendida, que garante a existência de um sujeito estrutural em todas as orações, independentemente da língua. 34 Os parâmetros são flexíveis e abertos, podendo ter dois valores; eles são comutadores linguísticos, segundo Raposo (1992). Sendo assim, marcam a diferença entre as línguas, podendo ser positiva ou negativamente marcado a depender da gramática. A fixação do seu valor é determinada pelos dados linguísticos primários. Tomemos a explicação de Mioto et alii (2007) como exemplo para um tipo de parâmetro, o Parâmetro da Ordem: em nenhuma língua natural a ordem dos constituintes em uma sentença é aleatória, ou seja, alguns elementos nucleares serão precedidos e outros serão seguidos por outros elementos. Tomando o verbo como núcleo, o autor mostra que em português o verbo é seguido pelo seu complemento (núcleo inicial). Em japonês, o verbo é precedido por seu complemento (núcleo final). Desse modo, uma criança, adquirindo o português, fixaria o parâmetro com o valor positivo ([+ núcleo complemento]) em relação à ordem, diferentemente da criança que adquire o japonês, que acionará o mesmo parâmetro com valor negativo ([- núcleo complemento]). O presente estudo não trata de um fenômeno variável específico, mas entende que seu objeto de análise se relaciona a um conjunto de mudanças morfossintáticas em curso no PB, em especial à mudança na marcação do valor do Parâmetro do Sujeito Nulo. Ou seja, o ponto principal desta dissertação é descrever as construções de DE sujeito, sob a hipótese de que elas estão encaixadas na mudança paramétrica relacionada à remarcação do valor do Parâmetro do Sujeito Nulo (descrita na próxima seção), que ocorre no PB. A união da Teoria da Variação (uma teoria de estudo da mudança) com o modelo de Princípios e Parâmetros (uma teoria linguística) tem possibilitado grandes avanços nos estudos de sintaxe (cf. Paiva e Duarte 2003 e 2006). 2.2.1 – Mudanças paramétricas em curso no PB A mudança pela qual passa o sistema do PB em direção aos sujeitos preenchidos é atestada nos trabalhos de Duarte (1993, 1995, entre outros). O Parâmetro do Sujeito Nulo (PSN) é apresentado como um dos princípios da Gramática Universal, dentro do quadro de Princípios e Parâmetros apresentado acima. Tal princípio prevê que todas as línguas projetam uma posição de sujeito (cf. Princípio da Projeção Estendida) e o parâmetro de variação entre elas está justamente no fato de que, em algumas línguas, 35 o sujeito pode não se realizar foneticamente/lexicalmente, enquanto em outras deve ser obrigatoriamente representado foneticamente, ainda que através de um expletivo lexical, como é o caso do inglês e do francês. As línguas ocidentais que compartilham a propriedade de apresentar sujeitos nulos, ou seja, são positivamente marcadas em relação ao Parâmetro do Sujeito Nulo, costumam exibir um quadro flexional rico. Tal fato nos faz inferir que a ocorrência de sujeitos nulos se relaciona ao paradigma da flexão verbal com um número de oposições capazes de licenciar e identificar um sujeito nulo, como o italiano, o espanhol e o português europeu11. A trajetória do PB em direção ao preenchimento pronominal está diretamente ligada ao enfraquecimento das flexões verbais. De acordo com Duarte (1993), chegamos a um paradigma que apresenta apenas três formas distintivas. Este é usado, principalmente, por falantes mais jovens que substituíram o pronome nós pelo a gente. Um quadro flexional mais reduzido exige um maior preenchimento do sujeito. É isto que ocorre no sistema do inglês, por exemplo, que é uma língua de sujeito obrigatoriamente pleno e pode ser considerado pobre em flexões verbais. O percurso dessa mudança não atinge todos os tipos de sujeitos ao mesmo tempo. Mas o fato é que o PB tem se distanciado do PE, visto que a gramática lusitana ainda prefere os sujeitos nulos, enquanto o PB preenche cada vez mais a posição do sujeito nos mais variados contextos. A mudança em direção aos sujeitos preenchidos segue uma hierarquia de referencialidade, começando a se implementar nos sujeitos de 1ª e 2ª pessoas (que têm o traço inerentemente [+humano]) e prossegue com os de terceira pessoa, de menor grau de referencialidade, (já que estes podem manifestar os traços [+/-humano] ou [+/-animado] combinados ao traço [+/-específico]). Os sujeitos proposicionais, que retomam uma oração, sendo representados nas línguas de sujeito nulo por uma categoria vazia ou um demonstrativo neutro (“isso”), são afetados mais lentamente, enquanto os sujeitos não argumentais, isto é, os sujeitos das orações impessoais, são os contextos de maior resistência para o preenchimento pronominal. Essa hierarquia referencial, reproduzida a seguir, atua na implementação do sujeito pleno e do objeto nulo e foi proposta por Cyrino, Duarte e Kato (2000). 11 Nas línguas orientais, em que os verbos não têm flexões, o sujeito nulo é licenciado e identificado pelo tópico (cf. Duarte, 2008) 36 não-argumento proposição [±humano] [+humano] 3 p. 2 p. 1 p. [±animado] [±específico] [-ref]< ----------------------------------------------------------------> [+ref.] (Cyrino, Duarte e Kato 2000, p.59) Pelo fato de a mudança na marcação do valor do PSN já ter atingido vários contextos ao longo da hierarquia referencial, é possível afirmar que o PB não se comporta mais como uma língua de sujeito nulo. Embora não tenha desenvolvido um expletivo lexical para preencher a posição de sujeito nas sentenças impessoais, utiliza estratégias como (i) a inserção de algum pronome, como ilustrado em (1 a) ou (ii) o alçamento de elementos referenciais para a posição de sujeito. (1) a) Não é como no Rio de Janeiro que [você] i em cada esquina vocêi tem um bar pra você tomar um lanche. (fala popular - Duarte, 2003) b) Não é como no Rio de Janeiro que em cada esquina [-]expl tem um bar pra você tomar um lanche. Relacionando as etapas de implementação do sujeito no PB às construções de DE sujeito, podemos observar, com certa frequência, ocorrências com um tópico de referência definida retomado por um pronome, como ilustrado em (2): (2) a) [eu]i antes de entrá pra escola eui fui alfabetizado [Fla, 3, 2000] b) [A televisão]i, por incrível que pareça, elai é uma faca de dois gumes. [Mgl, 4, 8] Da mesma forma, os sujeitos de referência arbitrária, inerentemente [+humanos], aparecem com as formas pronominais você e a gente em construções de DE, ocupando tanto a posição de tópico quanto a de sujeito da sentença comentário. 37 (3) [Você]i, quando você viaja, [você]i passa a ser turista. (fala culta – Duarte, 1995) Interessa-nos, ao estabelecer a vinculação entre as etapas de implementação da mudança no valor da marcação do PSN e às construções de DE sujeito, investigar se estas deixam de apresentar restrições tanto em relação ao elemento que ocupa a posição de tópico quanto ao elemento que ocupa a posição de sujeito em virtude do processo de mudança já estar bastante adiantado, uma vez que estas são reflexo daquela. Também é relevante observar se há mudança ou não na frequência destas construções com tópico e sujeito com referentes de 1ª, 2ª ou 3ª pessoa, proposicionais e não argumentais de um intervalo de tempo para o outro. Paralelamente à mudança na marcação do parâmetro do sujeito nulo, o PB apresenta mudança na marcação do Parâmetro do Objeto Nulo (PON), mas em direção contrária: está se tornando uma língua [+objeto nulo]. O processo de apagamento do objeto anafórico caminha na direção contrária ao do preenchimento do sujeito. Se voltarmos ao continuum de referencialidade proposto por Cyrino, Duarte e Kato (2000), também é possível delinear o percurso dessa mudança que tem os referentes [+ animado] e [+ humano] como os contextos de maior resistência. A referência ao PON é feita por conta da complementaridade que parece existir entre as construções de DE sujeito e as topicalizações de objeto no PB, atestada, primeiramente, por Callou et alii (1993) e confirmada pelos trabalhos de Vasco (1999 e 2006) e Orsini (2003). Um sistema que passa a preferir essa categoria vazia opta pela estrutura de topicalização, que se caracteriza, justamente, por deixar a posição do correferente vazia. Essas construções, assim como as estruturas de DE sujeito, são, portanto, decorrentes de mudanças paramétricas no PB. Em (4), temos um exemplo de topicalização de objeto direto, em que o tópico é retomado por uma categoria vazia no interior do comentário e, em (5), uma construção de deslocamento à esquerda de sujeito, em que o tópico é retomado pelo pronome ele na posição de sujeito. (4) E carnei, aqui em casa nós fazemos ____i de várias formas. (fala culta) (5) [O leite gelado ou quente]i, elei sola muito o bolo. (fala popular) 38 2.3 – Tipologia das línguas Li e Thompson (1976) apresentam uma proposta de classificação tipológica das línguas. De acordo com esses autores, há quatro tipos de línguas, que se distinguem segundo o tipo de estrutura sintática mais recorrente: sujeito – predicado ou tópico – comentário. Apesar de, segundo os autores, a noção de sujeito sempre ter sido considerada a básica, seu clássico artigo defende a ideia de que algumas línguas se estruturam em torno da relação tópico – comentário. Sendo assim, as línguas podem se diferenciar no que diz respeito às estratégias de construção de sentenças: algumas apresentam proeminência de sujeito; outras, proeminência de tópico. Os quatro tipos básicos de língua são: (a) línguas com proeminência de sujeito – aquelas em que a estrutura das sentenças favorece uma descrição com base na relação gramatical sujeito-predicado. Exemplo: indonésio; (b) línguas com proeminência de tópico – aquelas em que, ao contrário do modelo anterior, a relação tópico-comentário determina a estrutura das sentenças. Exemplo: chinês e lisu; (c) línguas com proeminência de tópico e de sujeito – as que exibem, com igual importância, os dois tipos de construção sentencial: sujeito - predicado e tópicocomentário. Exemplo: japonês e coreano; (d) línguas sem proeminência de tópico e de sujeito – línguas em que sujeito e tópico se misturam, deixando de ser categorias distintas. Exemplo: tagalog e illocano. Os autores destacam que a sentença básica de cada tipo de língua (tópico comentário ou sujeito - predicado) não bloqueia a existência do outro tipo de estrutura, fato que se comprova pela presença de construções de topicalização em línguas de proeminência de sujeito. A questão é que “algumas línguas podem ser mais 39 criteriosamente descritas tomando o conceito de tópico como básico, enquanto outras são descritas com mais critério com base na noção de sujeito” 12 (1976, p. 60). As línguas de tópico compartilham as seguintes características, quando comparadas as com proeminência de sujeito: (a) codificam superficialmente o tópico, seja por apresentar uma marca morfológica, seja por ele ocupar uma posição específica na sentença; (b) rejeitam construções passivas, bloqueando-as ou caracterizando-as como estruturas marginais; (c) autorizam sujeitos vazios, em estruturas em que o sujeito não carrega papel semântico, preferem manter a posição vazia à preenchê-la com um expletivo; (d) manifestam grande frequência de duplos sujeitos13: sentenças em que o tópico não tem qualquer relação com o verbo são básicas e frequentes; (e) controlam a correferência: nas línguas de tópico, a correferência com constituintes apagados é controlada pelo tópico e não pelo sujeito; (f) apresentam verbo em posição final: as línguas de tópico tendem a deixar o verbo nessa posição; (g) não impõem restrições sobre o tópico: qualquer constituinte pode ocupar a posição de tópico; (h) apresentam construções de tópico como sentenças básicas: as estruturas com tópico não são derivadas. Os critérios que estabelecem distinção entre tópico e sujeito são sete: (a) definitude - o sujeito, ao contrário do tópico, não precisa ser necessariamente definido; (b) relações selecionais - o tópico é uma categoria que não precisa estabelecer qualquer relação com o verbo da sentença, ao contrário do que ocorre com o sujeito, que é selecionado pelo predicador, verbal ou nominal; (c) o verbo determina o sujeito, mas não o tópico - o tópico não é determinado pelo verbo, visto tais categorias não estabelecerem qualquer tipo de relação; (d) papel funcional - o sujeito, diferentemente do tópico, pode não desempenhar papel algum na sentença (é o que ocorre com os sujeitos expletivos lexicais, como it ou il, em inglês e francês, respectivamente, referidos na literatura gerativista como empty ou dummy subjects); (e) concordância verbal - a concordância do sujeito com o verbo é obrigatória em algumas línguas, 12 No original: “Our typological claim will simply be that some languages can be more insightfully described by taking the concept of topic to be basic, while others can be more insightfully described by taking the notion of subject as basic.” 13 Para os autores, o termo duplo sujeito significa o que chamamos, neste trabalho, de construção de anacoluto. Em Brito, Duarte e Matos (2003), as estruturas são denominadas sentenças de tópico pendente. Ex: Fish (tópico), red snapper (sujeito) is delicious. (japonês) – Peixe, o red snapper é delicioso. 40 enquanto a concordância do tópico com o predicador é rara; (f) posição inicial na sentença – o tópico, por ser uma categoria discursiva, fica preferencialmente na posição inicial, ao contrário do sujeito, que pode ter maior liberdade dentro da sentença; (g) processos gramaticais - só o sujeito atua em processos como a reflexivização e passivização; o tópico não tem relação com tais processos. De acordo com os autores, é papel do tópico e não do sujeito limitar a aplicabilidade da predicação a um domínio restrito. Ou seja, o tópico remete ao ser sobre o qual se declara algo, logo ele é o “centro das atenções” da estrutura em que ocorre. Essa função pode coincidir com a do sujeito sintático, pois, nas construções de tópico marcado, há duas categorias: o tópico e o sujeito. Quando não se tem um tópico marcado há coincidência entre tópico e sujeito, como mostrado no capítulo 1. O exemplo (6) ilustra essa situação: (6) Os meninos correm muito. Li e Thompson apresentam a proposta de que as línguas estão distribuídas ao longo de um continuum cujas extremidades são línguas com proeminência de tópico e línguas com proeminência de sujeito. Desta forma, as línguas se distribuem neste continuum em função de suas características pertinentes às categorias de tópico e de sujeito: algumas estão mais próximas das línguas de sujeito, como o inglês, enquanto outras, como o lisu, dialeto pertencente à família das línguas sino-tibetanas (falado na Ásia), estão mais próximas das línguas orientadas para o discurso (línguas de tópico). Existem línguas que estão no meio do continuum, como o japonês, que seriam aquelas descritas como línguas com proeminência de tópico e de sujeito. Trabalhos desenvolvidos no Brasil desde inícios dos anos 80, incluindo o estudo pioneiro de Eunice Pontes, apontam para o fato de o PB ser uma língua desse tipo, em que as noções de tópico e de sujeito são igualmente importantes, já que o sistema compartilha algumas características com as línguas de tópico, como, por exemplo, a existência de sentenças de anacoluto (duplo sujeito, nos termos de Li e Thompson). Em (7), reúnemse construções desse tipo retiradas dos trabalhos de Vasco (1999 e 2006) e Orsini (2003): (7) a) [Corrida de cavalo], [eu] nunca fui ao jóquei clube (Orsini, 2003-fala culta) 41 b) [Quem faz Letras], [vocês] devem ter esse conhecimento... (Vasco, 2006fala popular) c) [Doce], [eu] gosto de gelatina, gosto de pudim... (Orsini, 2003 - fala culta) Esse tipo de estrutura é tomado por Li & Thompson como um “medidor” da localização das línguas ao longo do continuum. Quanto mais anacolutos uma língua apresenta, mais próxima ela está das línguas de tópico. As construções de tópico-sujeito evidenciam a relação não discreta entre as categorias de sujeito e tópico, corroborando a interpretação de Li e Thompson de ser o sujeito um tópico gramaticalizado, ou seja, existe uma relação diacrônica entre as duas categorias. No processo de gramaticalização, algumas propriedades do tópico são enfraquecidas e as estruturas se integram aos verbos, ganhando traços característicos de sujeito (como a capacidade de entrar em relação de concordância com o verbo, nas línguas que exibem morfologia de concordância). As sentenças denominadas tópicosujeito (cf. Vasco e Orsini, 2007) que ocorrem no PB seriam evidências dessa integração como mostram os exemplos abaixo retirados de Pontes (1987, p.35): (8) a) O meu carro furou o pneu. b) O jasmim amarelou as pontas. c) Essas janelas ventam muito. Em casos como os ilustrados acima, o tópico é reanalisado como sujeito, o que se evidencia pela concordância que pode acontecer entre verbo e tópico. A frase, Essas janelas ventam muito, por exemplo, poderia ser proferida, segundo Pontes (p.36), em oposição a “Venta muito por essas janelas”. É por essa razão que, em algumas línguas, propriedades do tópico são compartilhadas pelo sujeito. O seguinte esquema é apresentado pelos autores (Li e Thompson 1976, p. 485): 42 Tp (A) topic notion integrated into basic sentence structure; topic and subject are distinct (D) Both Tp and Sp topic sentences become less marked, more basic (B)Nei ther Tp nor Sp topic becomes more closely integrated into case frame of verb Sp (C) topic has become integrated into case frame of verb as a subject; subject and topic often indistinct, subjects having some non-topic properties; sentences with clear topics are highly marked Observamos no esquema um comportamento circular das estruturas, ou seja: (A) Línguas de tópico - a noção de tópico integrada na estrutura sentencial básica; tópico e sujeito distintos > (B) Línguas sem tópico e sujeito - o tópico se torna mais estreitamente integrado à estrutura argumental do verbo > (C) Línguas de sujeito o tópico se tornou integrado à estrutura argumental do verbo como um sujeito; sujeito e tópico são frequentemente indistintos, sujeitos apresentam algumas propriedades de não-tópico; sentenças com tópicos claros são fortemente marcadas > (D) Línguas de tópico e sujeito – as sentenças de tópico se tornam menos marcadas, mais básicas > (A)... É inegável que o PB apresente características de língua de sujeito e a maior parte das nossas sentenças siga o padrão SVO, porém a existência de traços compartilhados com as línguas de tópico também é um fator que merece análise. O PB além apresentar construções de tópico marcado, inclusive as do tipo anacoluto, reúne outras características de língua de tópico como: a codificação superficial do tópico por 43 meio de uma posição específica na sentença e a não imposição de restrições sobre o elemento na posição de tópico. No que tange às construções de deslocamento à esquerda, objeto de estudo deste trabalho, Li e Thompson apresentam várias sentenças de DE sujeito retiradas das línguas orientais. Nestes dados em (9), observamos diversos tipos de elementos ocupando a posição à esquerda. (9) a) Net - ben shu yijing chuban le (mandarim) (1976, p. 479) [Esse livro]i (tópico), [esse]i já foi publicado. b) Ibu anak itu , die membeli sepatu (indonésio) (1976, p. 470) [A mãe daquela criança]i (tópico), [ela]i comprou sapatos. c) Tamen shed dou bu lai (mandarim) (1976, p. 481) [Eles]i (tópico), [nenhum deles]i está vindo. d) ana nya lathyu khu – a (lisu) (1976, p. 472) [Cães]i (tópico), [eles]i mordem as pessoas. Nas sentenças acima, podemos encontrar tópicos definidos, como nos dois primeiros exemplos, mas encontramos também tópicos pronominais, caso do terceiro exemplo, e, no último exemplo, um tópico sem qualquer marca formal de [+definido]. Em relação ao traço de definitude do tópico, construções do tipo anacoluto, apontadas como características de línguas de tópico pelos próprios autores, também aparecem no texto com tópicos indefinidos formalmente, como observamos no exemplo abaixo: (10) a) Gakko-wa (tópico) buku-ga (sujeito) isogasi-kat-ta (japonês) (1976, p.462) Escola (tópico), eu estava ocupado. b) ho o na - qho yi ve yo (lahu) (1976, p. 468) Elefantes (tópico), os narizes são grandes. 44 Sentenças como essas nos mostram que até mesmo em línguas orientais com proeminência de tópico, como o lahu, e com proeminência de tópico e sujeito, como o japonês, encontramos casos de tópicos sem marcas formais de definitude. A posição dos autores em relação à definitude é a de que tópicos com referência genérica são definidos, pois pertencem a uma classe de itens conhecida e identificada pelo falante através do contexto. Sendo assim, nos exemplos em (9 d) e (10) teríamos tópicos definidos contextualmente, ainda que sem marcas formais. Os autores não apresentam uma distinção entre os conceitos de definitude e de especificidade. Na visão deles, definitude se refere ao âmbito contextual. Sendo assim, tal conceito acaba se sobrepondo ao âmbito formal, já que os exemplos não apresentam marcas formais quanto ao traço [+definido], mas são considerados definidos pelo contexto. Orsini (2003) estabelece uma diferenciação entre os traços de definitude e especificidade. Nesse trabalho, a autora considera os artigos definidos, os pronomes demonstrativos, possessivos e pessoais, os nomes próprios, os quantificadores universais e os plurais com numerais como marcas de um referente [+ definido]. Os artigos indefinidos, quantificadores existenciais, plurais sem artigo e ausência de marca são interpretados como marcas de [-definido]. Isso significa dizer que os referidos exemplos seriam tópicos indefinidos, já que se trata de nomes nus. A presente dissertação se concentra na questão da especificidade, entendida como um aspecto de natureza semântica e de natureza formal (associa-se o sentido a presença ou ausência de marcas de definitude). A presença do traço [+ específico] indica que o falante se refere a um objeto único, enquanto sua ausência (traço [específico]) indica que o falante faz referência a um conjunto ou grupo. 2.4 – Objetivos e Hipóteses Tomando por base o estudo empírico de Duarte (1995) sobre o comportamento do PB em relação ao Parâmetro do Sujeito Nulo e o princípio do encaixamento da mudança linguística de W, L e H [2006 (1968)], ambos já discutidos acima, este trabalho objetiva investigar as construções de DE sujeito, em dois períodos distintos de tempo, na fala popular carioca, tendo em vista que o PB era [+ sujeito nulo] e passou a ser [- sujeito nulo]. 45 Pretendemos, portanto, refinar a análise (a) do tipo de elemento que pode ocupar a posição de tópico e (b) da natureza do correferente (elemento cópia) na posição sintática de sujeito. Os resultados aqui obtidos contribuirão para o incremento da discussão em torno do status do PB no que se refere à tipologia das línguas proposta por Li e Thompson (1976). Trabalhos anteriores sobre as construções de tópico marcado (Pontes, 1987; Vasco e Orsini, 2007), ao analisarem o PB com base nessa tipologia, apontam para o fato de nosso sistema não se comportar como uma língua de proeminência de sujeito, apresentando características que o aproximam das línguas de tópico. Observaremos se a hierarquia de referencialidade, proposta para o percurso da mudança na marcação dos valores dos parâmetros do Sujeito Nulo, atua no fenômeno de DE sujeito, havendo, por hipótese, no segundo período de tempo estudado, uma maior diversificação da natureza gramatical e do traço semântico do tópico retomado na posição de sujeito. Por estar se tornando uma língua de sujeito preenchido, o PB aceita as estruturas de DE sujeito assim como o francês. No entanto, nossa língua difere destas no que diz respeito à sua orientação, nos termos de Li e Thompson (1976). O PB parece se comportar como uma língua mista, em que tópico e sujeito são igualmente importantes e, por isso, licencia uma variedade maior de estruturas para ocupar a posição de tópico. Ou seja, o PB parece apresentar menos restrições a esse tipo de estrutura do que as outras línguas românicas de sujeito preenchido. A hipótese que norteia esta análise é a de que pronomes pessoais e SNs, definidos ou não, podem ocorrer na posição de tópico e podem ser retomados por um pronome nominativo ou outro SN, o que indicaria a ausência de restrição, havendo, em função do percurso da mudança na marcação do valor do PSN, um aumento da frequência de construções com SN na posição de tópico no segundo período investigado e consequente diminuição das estruturas de DE sujeito com pronomes na posição de tópico. 46 2.5 – Procedimentos Metodológicos A metodologia de trabalho a ser desenvolvida aqui é a de um Estudo em Tempo Real de Curta Duração – Estudo de Tendência e de Painel - nos moldes de Labov (1994), já apresentado na seção 2.1 deste capítulo. Os dados deste trabalho foram submetidos ao programa Goldvarb 2001. Não empreendemos uma análise com base em pesos relativos porque a escolha entre DE sujeito com tópico SN ou DE sujeito com tópico pronome não constitui uma regra variável. A análise aqui desenvolvida pressupõe um levantamento de grupos de fatores linguísticos e extralinguísticos utilizados na codificação e processamento dos dados. Tudo isso foi feito seguindo os passos da Sociolinguística Quantitativa Laboviana (cf. Guy e Zilles, 2007). 2.5.1 – A Amostra A amostra utilizada neste trabalho é composta por entrevistas sociolinguísticas do acervo do Projeto PEUL14 (Programa de Estudos Sobre o Uso da Língua – UFRJ). Os informantes são do Rio de Janeiro e não possuem nível superior completo de escolaridade, caracterizando-se como uma amostra de fala popular. As entrevistas estão divididas de acordo com gênero, faixa etária e escolaridade. Em relação à faixa etária, temos quatro subgrupos: 7-14 anos; 15-25 anos; 26-49 anos e acima de 50 anos. Quanto à escolaridade, os indivíduos são divididos de acordo com os anos de estudo: 5-8; 9-11 ou mais de 11 anos de estudo. O banco de dados do projeto disponibiliza três grandes amostras de fala, que serão por nós utilizadas, a amostra Censo que abrange entrevistas realizadas na década de 1980 e duas amostras posteriores realizadas em 2000 (cerca de 19 anos depois). Uma delas é o Recontato e a outra é uma nova amostra com indivíduos que não fizeram parte das gravações nos anos 80. As tabelas a seguir mostram a distribuição dos indivíduos por célula para o Estudo de Tendência: 14 www.letras.ufrj.br/peul 47 Escolaridade 5-8 anos de escolaridade 9-11 anos de escolaridade +11 anos de escolaridade ANOS 80 Gênero Masc Fem Masc Fem Masc Fem 7-14 15-25 26-49 SAM SEB ADRL LEI JOA ALE PAU VAS ADR FAT ARI LEO DAV SAN EVE +50 JAN JOSS NAD CAR MGL Tabela 2.1: Distribuição dos informantes – Estudo de Tendência – Anos 80 Escolaridade 5-8 anos de escolaridade 9-11 anos de escolaridade +11 anos de escolaridade ANO 2000 Gênero 7-14 Masc Fem MCA Masc RAF Fem ROB Masc Fem - 15-25 AND ADR ISA GIL GLA 26-49 REI SIM JOR ANA ADRI FLA +50 JOA ZIL RAM MAR TAD EUC Tabela 2.2: Distribuição dos informantes – Estudo de Tendência – Ano 2000 Os informantes utilizados para o Estudo de Painel estão dispostos de acordo com a tabela 2.3 e 2.4. Eles foram separados em dois grupos: no primeiro grupo, estão informantes que tiveram mudança no nível de escolaridade de um período para outro e, no segundo, estão os que mantiveram o mesmo nível de escolaridade: ANOS 80 ANO 2000 Anos de Anos de Informante Idade Idade escolaridade escolaridade Eri59 F 9 5-8 25 9-11 Adr57 F 10 5-8 26 5-8 Adr63 F 12 5-8 28 +11 Fat23 F 15 9-11 33 +11 San39 F 15 9-11 33 +11 Leo38 M 18 9-11 36 +11 Tabela 2.3: Distribuição dos Informantes – Estudo de Painel – Indivíduos com mudança de Escolaridade 48 ANOS 80 ANO 2000 Anos de Anos de Informante Idade Idade escolaridade escolaridade Jup06 F 18 5-8 35 5-8 Lei04 F 25 5-8 43 5-8 Dav42 M 31 9-11 48 9-11 Jos26 M 32 5-8 48 5-8 Eve43 F 42 9-11 59 9-11 Mgl48 F 52 9-11 70 9-11 Jan03 M 56 5-8 74 5-8 Nad36 F 57 5-8 74 5-8 Joss35 F 59 5-8 75 5-8 Ago33 M 60 5-8 77 5-8 Tabela 2.4: Distribuição dos Informantes – Estudo de Painel – Indivíduos sem Mudança de Escolaridade 2.6 – Os Grupos de Fatores Apresentamos a seguir os grupos de fatores levantados para a análise das construções de DE sujeito. A escolha dos mesmos foi feita com base (a) em estudos anteriores sobre as construções de tópico no PB (Pontes, 1987; Orsini, 2003; Vasco. 2006) e (b) na hierarquia de referencialidade. Os grupos de natureza linguística foram elaborados, principalmente, no sentido de oferecer uma caracterização (i) do tipo de elemento que ocupa a posição de tópico (a estrutura interna do tópico representado por SN; natureza gramatical do tópico; o traço e a especificidade do tópico e (ii) do elemento correferente que ocupa a posição de sujeito (sua natureza gramatical) e (iii) do contexto sintático em que ocorre a estrutura de DE sujeito (configuração sintática da estrutura em que ocorrem tópico e correferente). Além dos citados acima, há ainda o grupo presença vs ausência de material interveniente cujo objetivo é levantar a frequência da presença x ausência de elementos entre o tópico e o sujeito, bem como a sua natureza, quando ocorrem. Uma vez que desenvolvemos um trabalho baseado no modelo da Sociolinguística, grupos de fatores sociais também foram levados em consideração. Elegemos como variável dependente o fato de a posição de tópico ser ocupada ou por um pronome ou por um sintagma nominal. No que tange aos tópicos 49 pronominais, estes podem ser preenchidos por um elemento nominativo ou demonstrativo. (11) [Ele]i antes de ir elei chamou a polícia. [Joss,4,8] (12) [Esse daí]i, essei gosta de peixinho. [Jan,4,8] Os tópicos em (11) e (12) são, respectivamente, um pronome nominativo e um pronome demonstrativo. A outra possibilidade de realização da variável dependente é como um SN. Nesse caso, o tópico pode ser um SN simples ou complexo. (13) [Meu primo]i, elei joga no Botafogo. [Sam,2,8] (14) [A pessoa que tem uma religião]i, elei antes de fazer qualquer coisa ele pensa. [Joss,4,8] Temos em (13) um exemplo de tópico com SN simples e em (14) um tópico com SN complexo, já que o núcleo pessoa é modificado por uma oração relativa. Natureza gramatical do tópico Esse grupo reúne todas as categorias gramaticais presentes na hierarquia referencial proposta por Cyrino, Duarte e Kato (2000). Ele é fundamental para que, ao cruzarmos com a natureza do correferente, possamos ter uma descrição detalhada das possíveis combinações que a língua permite, bem como quais são os contextos favorecedores para cada um desses cruzamentos. Esperam-se encontrar ocorrências de tópico representando todas as categorias propostas, já que trabalhamos com a hipótese de ausência de restrição por parte do sistema. (a) Pronomes de 1ª pessoa (singular e plural) (15) [Eu]i, logicamente, isso eui não posso dizer pra você. [Dav,3,8] 50 (b) Pronomes de 3ª pessoa (singular e plural) (16) [Ela]i, quando a gente começa a querer fazer física, elai tem que se pentear. [Eri,1,8] (c) Pronomes com referência arbitrária (17) [Você]i a partir de vinte e nove anos vocêi é considerada velha. [Ana,3,0] (d) Pronomes demonstrativos (18) [Esse]i, na primeira elei morreu. [Jan,4,8] (e) Sintagmas nominais (19) [Os carros da Globo]i, elesi vêm em cima da calçada. [Lei,2,8] Estrutura interna do tópico representado por SN Esse grupo reúne 3 subfatores e tem como objetivo descrever a constituição do SN que está na posição de tópico. A descrição feita baseia-se na terminologia proposta por Brito, Duarte e Matos (2003). Nossa hipótese é a de que qualquer SN pode ocupar a posição de tópico, tenha ele a margem esquerda preenchida ou não. (a) Determinante ou quantificador + nome - SNs preenchidos à esquerda (20) [O professor Aragão]i, elei tinha xis cruzeiro pra gastar no que ele precisasse. [Vas,3,8] (b) Determinante ou quantificador + nome + modificador ou complemento – SNs preenchidos à esquerda e à direita (21) a) [A Ângela de matemática]i, elai é muito ruim. [Eri,1,8] 51 b) [o cara que estuda letras]i, p..., na França elei não faz francês. [Fla, 3, 2000] (c) Nome nu – SN sem preenchimento em qualquer uma das margens (22) [Robalo]i, robaloi aqui é comum. [Jan,4,8] Natureza gramatical do correferente O grupo em questão trata de todas as possibilidades de retomada encontradas em nosso corpus. Como trabalhamos apenas com casos de DE sujeito, os correferentes sempre serão relativos a essa função. Eles podem ser: (a) SN (23) [A Cláudia]i ah! a Cláudiai foi discutir [com a]- [com a]- com a dona Márcia. [Joa, 3, 80] (b) Pronome nominativo (24) [O doutor Luis]i, elei é diretor desse posto de saúde. [Mgl,4,8] (c) Pronome demonstrativo (25) [Esse negócio de contrato]i, issoi dura pouco né... [Jor,3,0] Esse grupo é extremamente relevante para que possamos cruzar as estratégias de retomada possíveis com a natureza do tópico, bem como delinear a natureza morfológica dos correferentes. O nominativo é a categoria mais esperada no caso desse grupo, uma vez que estamos tratando da posição de sujeito. Entretanto, outras estruturas não são bloqueadas pelo sistema. 52 Presença vs ausência de material interveniente O grupo que trata do tipo de material interveniente entre tópico e correferente é um fator recorrente nos trabalhos relativos a construções de tópico marcado no PB desde o trabalho de Braga (1987). Esse estudo constatou que a presença de material interveniente entre tópico e comentário favorece a ocorrência de retomadas nas construções de DE sujeito por distanciar o tópico do verbo da sentença. Por meio deste grupo, será possível observar, além da natureza do material interveniente, a frequência com que ele ocorre, em confronto com a ausência de qualquer tipo de material. Foram levantados os seguintes subfatores: (a) Interrupção (26) [Eu]i <fo...> eui falo o que é mau e sei que eu falo também o que é bom. [Leo, 2, 8] (b) Marcador discursivo (27) [O Brasil] i, veja bem, elei começou a ser migrado por baixo. [Tad,4,0] (c) Expressão adverbial (28) [A minha mãe]i, muitas vezes, elai gosta de opinar na vida dos filhos. [Dav, 3, 8] (29) [Ele]i pra mim elei é mais carinhoso. [Eri, 1, 8] (d) Sintagama oracional (oração finita ou não finita) (30) [Tad,4,0] [Eu]i ganhando na loteria um bom dinheiro eui começaria pela parte social. 53 O traço semântico e a especificidade do tópico Este grupo investiga os traços [+/- animado], [+/- especificífico] e [+/humano] dos SNs e pronomes de terceira pessoa que ocupam a posição de tópico. Cruzando os resultados deste grupo com o anterior, será possível observar o percentual de ocorrência das construções de DE sujeito, nos dois períodos estudados, ao longo do continuum de referencialidade de Cyrino, Kato e Duarte (2000). Esse grupo reúne as seguintes combinações: (a) [+ humano; + específico] São casos em que o tópico apresenta traços de pessoa determinada. Entendemos aqui a questão da especificitude nos termos de Du Bois (1980, apud Orsini, 2003) para quem esta noção está associada ao fato de o falante ter em mente um objeto único, determinado, ainda que o ouvinte não possa reconhecê-lo; por outro lado, a ausência de especificitude caracteriza um objeto não identificável, já que o falante tem em mente um conjunto. (31) a) [O Luís Carlos]i, eu acho que elei é filho da Isolda. [Adr,1,8] b) [Ela]i, acho que (inint) elai falô que já era o terceiro assalto dela. [Sim, 3, 2000] (falando de uma senhora que foi assaltada) (b) [+ humano; – específico] O tópico apresenta o traço [+ humano], porém a referência é genérica. As ocorrências aqui, em sua maioria, fazem referência a grupos de pessoas ou pessoas indeterminadas. (32) [O carioca]i eu acho que elei fala muito errado. [Mar,4,0] (c) [- humano; + específico] Nesse grupo, estão os tópicos que fazem referência a animais, definidos na situação de comunicação. 54 (33) Mas [o peixe daqui]i, elei vai frito, vai cozido, ensopado com batata. [Jan,4,8] A combinação [– humano; + específico] se assemelha ao próximo grupo, que inclui os tópicos com traço [- humano] e [- específico]. Ambos tratam exclusivamente de animais, já que separamos os sintagmas em humanos e animados. (d) [- humano; – específico] (34) Às vezes [um peixe inferior]i, elei pode ficar muito bom. [Jan,4,8] (e) [– animado; + específico] Para esse grupo, foram considerados os dados que apresentam um tópico não humano e com referência definida. (35) [A Beija flor]i, todo ano elai é campeã. [Dav,3,8] (f) [– animado; – específico] Temos, por fim, o grupo que abarca os tópicos não humanos com referência genérica. (36) a) [Uma viagem pra Brasília]i, elai é super bem vinda. [San,3,R] b) Mas [ela]i crua, elai é mais saudável [Jan, 4, 80] (falando de ostras) Construções do tipo (e) e (f) são muito relevantes para este trabalho, já que são ocorrências de um tópico não humano sendo retomado por um pronome nominativo. Configuração sintática da estrutura em que ocorrem tópico e seu correferente O objetivo desse grupo é determinar em que contextos sintáticos aparecem as construções de DE sujeito. Com base na nossa hipótese de que o PB não tem restrições, é esperado que elas apareçam inclusive em contextos de subordinadas, diferenciando-se do PE que não licencia tal estrutura. 55 (a) DE na sentença matriz (37) [Minha cunhada]i, elai é crente. [Rei,3,0] (b) DE na sentença encaixada: quando tanto o tópico quanto o correferente encontram-se no interior de uma oração subordinada (38) Acho que [essa mudança]i, elai não vem assim sem ninguém fazer nada. [Pau,2,8] (c) Tópico e sujeito sem adjacência: quando a cópia está dentro da subordinada e o tópico vai para a periferia da matriz. (39) a) [O gaúcho]i, por exemplo, eu tenho a impressão de que elesi têm, assim uma certa semelhança... [Jan,4,8] b) [O Engenho da rainha e Inhaúma]i eu acho assim que elesi são um só. [Joa,4,0] Fatores sociais Embora os fatores sociais estejam implícitos num estudo em tempo real de curta duração, reiteramos aqui que os fatores extralinguísticos considerados na análise foram gênero, faixa etária e escolaridade dos informantes. Naturalmente, o período da entrevista e a identificação dos informantes15 também foram fatores que integraram o estudo. Trabalhos anteriores não conferem grande destaque para os fatores sociais no que diz respeito às construções de tópico marcado. Orsini (2003), por exemplo, encontra uma distribuição equilibrada para a frequência de DE em relação à faixa etária e ao gênero. No mesmo caminho, estão os resultados obtidos por Vasco (2006), que aponta um equilíbrio na distribuição das 15 Esse grupo se aplica apenas aos informantes do Estudo de Painel. 56 ocorrências de DE sujeito pelas diferentes faixas etárias: 73% na faixa 1 – mais jovem; 77% na faixa 2; 75% na faixa 3 – mais velha. Neste capítulo, apresentamos o modelo de estudo da mudança e a teoria linguística por nós adotada, que constituem o arcabouço teórico que norteia este estudo. Apresentamos a seguir a tipologia das línguas a ser utilizada e, posteriormente, detalhamos os objetivos e hipóteses do trabalho. Na seção de metodologia, apresentamos a amostra e os procedimentos da pesquisa, além de listarmos os grupos de fatores que integrarão a análise que será desenvolvida no capítulo seguinte. 57 CAPÍTULO 3 – A ANÁLISE DOS DADOS Neste capítulo serão apresentados os resultados obtidos na análise do corpus. Buscamos, como já apresentado no capítulo anterior, (a) investigar se há alguma mudança no comportamento das estruturas de DE sujeito da década de 1980 para 2000 e (b) apontar as características estruturais dessas construções nos dois períodos de tempo. 3.1 – O Estudo de Tendência Foram encontrados 209 dados de DE sujeito na década de 1980 e 143 dados em 2000. A diferença na quantidade de dados certamente se deve ao fato de as entrevistas dos anos 80 serem mais longas do que as feitas em 2000. Contudo, nosso foco não está no aumento do número de ocorrências, mas na possível redução de restrições estruturais para as construções estudadas. 3.1.1 – A natureza gramatical do tópico Quanto à natureza do elemento que ocupa a posição de tópico, as tabelas 3.1 e 3.2 apresentam a distribuição das ocorrências e os percentuais obtidos para cada período de tempo estudado. Anos 80 Natureza do tópico Nº de oco % Pronome 1ª 67 32 Pronome 3ª 37 18 Pronome arb 13 6 Pronome dem 5 2 SN simples 77 37 SN complexo 10 5 Total 209 100 Tabela 3.1: Distribuição percentual dos dados segundo a natureza do tópico – Anos 80 Ano 2000 Natureza do tópico Nº de oco % Pronome 1ª 26 19 Pronome 3ª 16 11 Pronome arb 10 7 Pronome dem 3 2 SN simples 77 54 SN complexo 11 7 Total 143 100 Tabela 3.2: Distribuição percentual dos dados segundo a natureza do tópico – Ano 2000 58 Nos anos 80, ao agruparmos todos os tipos de pronome, vemos que a frequência de tópicos pronominais é superior, totalizando 58% contra 42% de tópico SN. Dentre os tópicos pronominais, o pronome de primeira pessoa é o mais recorrente. Por outro lado, no ano 2000, os tópicos com SN totalizam 61%, contra 39% de tópicos pronominais. Em ambas as sincronias, os pronomes de primeira pessoa são os mais frequentes, seguidos pelos de terceira. Os pronomes com referência arbitrária (ou indeterminada) e demonstrativos são os menos frequentes. Essa diminuição no percentual de pronomes pode, entretanto, se dever a peculiaridades das entrevistas, mas a maior ocorrência de SNs nos permitirá investigar bem a nossa hipótese de que o PB não impõe restrições à natureza gramatical do tópico. As informações fornecidas pela distribuição nos possibilitam pensar sobre uma de nossas hipóteses, a de que o sistema do PB não impõe restrições quanto à natureza do elemento que ocupa a posição de tópico, como já foi verificado por Duarte (1995), Orsini (2003) e Vasco e Orsini (2007). 3.1.1.1 – A distribuição dos tópicos representados por pronomes Com base nas informações trazidas pelas tabelas acima, temos, entre as construções com pronome, em ambos os períodos de tempo, um predomínio daquelas com pronome de 1ª pessoa. Elas configuram 32% do uso no primeiro período de tempo estudado e 19% no segundo. Tal comportamento se justifica pelo modelo de entrevista aqui utilizado que parece ser um contexto propício para o surgimento de dados com pronomes de primeira pessoa. Nessas entrevistas do tipo DID (diálogo entre informante e documentador), o documentador formula questões genéricas, estimulando o informante a falar sobre suas experiências pessoais. Na tabela 3.3 reunimos os dados de pronome de primeira pessoa em termos de distribuição entre singular e plural: 59 Anos 80 Nº oco % Ano 2000 Nº oco % 1ª pessoa singular 60 89,5 22 85 1ª pessoa plural 7 10,5 4 15 Total 67 100 26 100 Tabela 3.3: Distribuição das ocorrências de DE sujeito com tópico preenchido por pronome de 1ª pessoa A distribuição percentual dos dados é semelhante nos dois períodos de tempo: há um predomínio de tópico preenchido por pronome de primeira pessoa do singular. Em (1), temos um exemplo de tópico preenchido por pronome de primeira pessoa do singular e, em (2), primeira pessoa do plural, com diferentes combinações dos pronomes nós e a gente ocupando tanto a posição de tópico quanto de sujeito. (1) a) [Eu]i, eui, com ela, sou totalmente aberta. [Joa, 3, 80] b) [A gente]i, aí a gentei não ia casar agora não. [Sam, 2, 80] A primeira pessoa do plural exibe diferentes combinações dos pronomes nós e a gente. (2) a) [A gente]i, quando a professora sai para ir em alguma- na sala de alguma pessoa, a gentei faz muita arte. [AdrL, 1, 80] b) Aí [a gente]i, nós doisi tivemos muitos atritos. [Dav, 3, 80] c) [Nós duas]i, a gentei conversa bastante. [Joa, 3, 80] O pronome a gente se mostrou mais recorrente do que o nós nessa amostra, totalizando 9 casos, enquanto o nós só aparece duas vezes. Não encontramos casos de nós retomado por nós nem nos dados dos anos 80, nem em 2000. Esse pronome também não aparece em 2000; todos os casos de primeira pessoa do plural nesse período apresentam o pronome a gente. O não aparecimento de nós na retomada do tópico, 60 ilustrado em (1c) acima, confirma a hipótese de Duarte (1995) de que os falantes evitam a desinência <-mos> e, por conseguinte, uma estrutura com sujeito na primeira pessoa do plural (Nós/ Eu e ele) geralmente leva a uma construção de DE com retomada com a gente.16 Em relação aos pronomes de segunda pessoa, não tivemos nenhum caso nessa amostra, em nenhum dos dois períodos analisados. Isso se deve ao fato de, nesse tipo de entrevista, o entrevistado raramente se dirigir ao entrevistador, já que não se pode dizer que haja uma interação que caracterize um diálogo natural. Em geral, os dados de segunda pessoa partem do entrevistador. O uso de você aparece somente com referência arbitrária 17, possibilidade já atestada nos trabalhos de Duarte (1995, 2009). A preferência por formas nominativas expressas para a representação do sujeito levou a mudanças na expressão da indeterminação, que também prefere, na fala, as formas nominativas você e a gente. Nada mais natural do que esses pronomes aparecerem, como reflexo da mudança na marcação do valor do PSN, em construções de DE. Encontramos, na posição de tópico, 6% de pronomes com referência arbitrária nos anos 80 e 7% em 2000. As estruturas em questão estão exemplificadas em (3) e (4). Embora os dados sejam muito poucos, você já superava a gente em 80 (6 dados contra 4) e mantém esse comportamento em 2000 (7 contra 3). (3) Um dia de semana [a gente]i quando a gente quer trabalhar, a gentei acorda cedo. [Sam, 2, 80] (4) a) [Você]i a partir de vinte nove anos, vocêi é considerada velha. [Ana, 3, 2000] b) Quando cê pára de trabalhá [você]i, eu senti isso, parece que cêi vai emburrecê. [Euc, 4, 2000] 16 17 Sem a retomada com a gente, teríamos “Nós duas conversamos bastante”. Na segunda pessoa do singular, além do você, temos a forma cê, pronome fraco correspondente ao você. Exemplificada em (4b) 61 Ao olharmos para as construções com pronome de terceira pessoa, constatamos que este foi o segundo tipo de pronome mais usado nas duas sincronias (cf. tabelas 3.1 e 3.2). Encontramos casos de 3ª pessoa tanto no singular (exemplo 5 a e b) quanto no plural (exemplo 5 c e d) nas duas amostras. A tabela 3.4 reúne os valores obtidos para pronome de terceira pessoa no singular e no plural. Em termos absolutos, é importante registrar que o número de ocorrências de tópico com pronome de terceira pessoa é pequeno, sendo os casos de plural ainda menos recorrentes. Anos 80 Nº oco % Ano 2000 Nº oco % 3ª pessoa singular 33 89 14 87,5 3ª pessoa plural 4 11 2 12,5 Total 37 100 16 100 Tabela 3.4: Distribuição das ocorrências de DE sujeito com tópico preenchido por pronome de 3ª pessoa (5) a) [Ele]i, elei tá sempre precisando de carinho, né? [Jor, 3, 2000] b) [Ele]i, antes de ir, elei chamou a polícia. [Jos, 4 , 80] c) [eles]i, elesi não têm na verdade nada a acrescentá, entendeu? [Fla, 3, 2000] d) [eles]i, elesi disseram que não descartam nenhuma possibilidade, até de adoção. [Euc, 4, 2000] O número de ocorrências de tópicos preenchidos por pronomes demonstrativos não é significativo e tampouco tem grande relevância no conjunto de pronomes, uma vez que são os pronomes pessoais que mais nos interessam neste trabalho. Em (6), estão reunidos todos os casos. Em ambos os períodos, o tópico preenchido por pronome demonstrativo é a estratégia menos frequente (2%). (6) a) [esse]i, na primeira elei morreu. [Jan, 4, 80] b) [isso]i, essa fasei acontece com todas elas. [Eve, 3, 80] 62 c) [esse daí]i, essei gosta de peixinho. [Nad, 4, 80] d) [esse]i, elei não, que já é um homem feito. [Nad, 4, 80] e) [essa aí]i elai veio de um lugar também que ela adorava. [Jos, 4, 80] f) eu prefiro achar que [aquele que se cala] i, elei observou as consequências. [Joa, 4, 2000] g) [aqui]i, por exemplo, aquii é muito engraçado. [Joa, 4, 2000]18 3.1.2 – A estrutura interna dos tópicos representados por SNs As tabelas a seguir apresentam a estrutura interna dos SNs tópicos, destacando os elementos que ocupam a margem esquerda e a margem direita: Anos 80 Estrutura interna do SN tópico Determinante ou quantificador + nome Determinante ou quantificador + nome + modificador ou complemento Nome nu Total Nº oco 59 23 5 87 % 67 26 7 100 Tabela 3.5: Estrutura interna do SN tópico – Anos 80 Ano 2000 Estrutura interna do SN tópico Determinante ou quantificador + nome Determinante ou quantificador + nome + modificador ou complemento Nome nu Total Nº oco 66 19 3 88 % 75 21 4 100 Tabela 3.6: Estrutura interna do SN tópico – Ano 2000 18 Em (6 g) o tópico é preenchido por um advérbio de valor locativo, que foi computado junto com os demonstrativos na nossa análise. 63 Os SNs que têm somente a margem esquerda preenchida, por determinante ou quantificador, exemplo (7), são os mais frequentes nos dois períodos, totalizando 67% na década de 80 e 75% em 2000. (7) a) [O paulista]i, elei fala um pouquinho cum a voz meio fanhosa. [Rei, 3, 2000] b) [noventa por cento dos carioca]i, eu acredito, elesi gosta de cinema. [Jor, 3 , 2000] Com percentuais de 26% e 21% para cada período respectivamente, encontramos SNs com determinantes à esquerda e modificadores ou complementos à direita. Esses modificadores podem ser SAdjs e SPs simples, como exemplificado em (8 a, b) ou orações relativas (o que chamamos de SN complexo), como mostram as sentenças (8 c, d): (8) a) [a jaguatirica adulta]i, elai é pequena. [Leo, 2, 80] b) [os carro da globo]i, elesi vêm em cima da calçada. [Lei, 2, 80] c) [a pessoa que usa muito a voz pra trabalhá] i, elai deveria fazê um trabalho pra se protegê. [Adr, 2, 2000] d) Esses- [essas pessoas que moram aqui na frente] i, ela- elasi, mais perturbam [Joa, 3, 80] Finalmente, em relação aos nomes nus, isto é, sem determinantes ou modificadores, estes aparecem em menor frequência, geralmente no singular 19 podendo ter referência específica ou genérica, como vemos nos exemplos em (9): 19 O PB se distingue das demais línguas românicas por preferir nomes contáveis com referência genérica no singular (cf. Marafoni, 2010) 64 (9) a) porque [Romário]i elei falô mesmo que ele sai. [Sim, 3, 2000] b) [Robalo]i, é.. Robaloi aqui é comum. [Jan, 4, 80] c) [marmelada]i- a marmeladai existe em qualquer lugar, não é? [Dav, 3, 80] d) [Natália]i, elai é ela é minha amiga. [Mca, 1, 2000] A análise da estrutura do SN revela dois dados importantes: o alto percentual de estruturas sem elemento à direita do N nos permite colocar em discussão a hipótese da distância entre o núcleo do tópico e a presença de retomada na sentença comentário. Outro fator relevante é o fato de aparecerem SNs nus, em geral nomes de referência genérica e novos no contexto discursivo, o que pode ser argumento contra o caráter presumivelmente definido do tópico. Trataremos essa baixa restrição como um comportamento que classifica o PB como língua mista, já que nesse tipo qualquer sintagma está autorizado a ocupar a periferia esquerda da sentença, sem a necessidade de ser definido ou específico. A próxima subseção trata do cruzamento da natureza gramatical do tópico com a do correferente. 3.1.3 – A natureza gramatical do tópico x a natureza gramatical do correferente Outro fator relevante para o estudo das construções de DE é a natureza do correferente e sua relação com a natureza do tópico. Nossa hipótese é a de que o PB não apresenta restrições para este cruzamento, podendo o tópico (SN ou pronome) ser retomado tanto por um SN quanto por um pronome, independentemente de seu feixe de traços semânticos. Na tabela abaixo, apresentamos os resultados obtidos para cada período de tempo. 65 Anos 80 Tópico SN Tópico pronome Tópico demonstrativo Total Correferente SN Nº oco 20 % 83 Nº oco 3 % 12 Nº oco 1 % 5 Nº oco 24 % 100 Coreferente pronome 67 36 114 62 3 2 184 100 Tabela 3.7: Estrutura do correferente em relação à estrutura do tópico – anos 80 Ano 2000 Tópico SN Tópico pronome Tópico demonstrativo Total Correferente SN Nº oco 13 % 86 Nº oco 2 % 14 Nº oco - % - Nº oco 15 % 100 Coreferente pronome 71 58 50 40 1 2 122 100 Tabela 3.8: Estrutura do correferente em relação à estrutura do tópico – ano 2000 Nas duas tabelas, a retomada por pronome demonstrativo não aparece 20 já que ela foi pouco frequente, portanto não foi computada nesta tabela. Nos anos 80, tivemos apenas uma ocorrência de tópico pronome demonstrativo sendo retomado por demonstrativo. Em 2000, passamos a 6 casos com correferente demonstrativo, sendo 3 com SN e 3 com demonstrativo na posição de tópico 21. Em (10) temos os exemplos da estrutura em que um demonstrativo retoma um tópico SN. (10) a) [Esse negócio de contrato]i, issoi dura pouco, né? [Jor, 3, 2000] b) [a família]i... eu acho que tem que sê issoi a base de tudo [Adr, 2, 2000] c) [aquele negócio da Glória Maria ter sumido, desaparecido] i... aquiloi, tá na cara, que foi um "cala a boca" [Joa, 4, 2000] 20 A diferença no valor total dos SNs presente nas tabelas se deve ao fato de os tópicos retomados por demonstrativo não terem sido apresentados. 21 Todas as ocorrências de tópicos preenchido por pronomes demonstrativos estão listadas nos exemplos de número 6. 66 Ao confrontarmos natureza do tópico X natureza do correferente constatamos uma divisão muito clara dos resultados, indicando que o tópico SN, seja ele simples ou complexo, favorece uma retomada por outro SN, enquanto tópico pronome favorece retomada por outro pronome. Essa primeira combinação (SN + SN) concentra os valores mais elevados: 83% nos anos 80 (compreendendo: 75% para SNs simples e 8% para SNs complexos) e 86% em 2000, período em que só ocorrem SNs simples. Essa situação é ilustrada em (11) (11) [A solução]i, então a soluçãoi é essa. [Rei, 3, 2000] Apesar de destacarmos que a retomada por SN é favorecida pela presença de um SN na posição de tópico, é importante observar que, quando a retomada é por pronome nominativo, a presença de SNs tópicos é bastante frequente (com 36% nos anos 80 e 58% em 2000). Os exemplos em (12) reúnem dados com SN simples (12a) e SN complexo (12b) retomados por pronome nominativo podendo este SN ser [+/humano], [+/- específico] (12) a) [Meu irmão]i na noite de domingo, elei vai a missa a noite. [Ana, 3, 2000] b) [A pessoa que usa muito a voz pra trabalhá]i, elai deveria fazê um trabalho pra se protegê. [Adr, 2, 2000] Quando temos um tópico pronominal, a preferência é que ele seja retomado por outro pronome, como em (13), os valores de 62% e 40%, nos anos 80 e 2000 respectivamente, para os pronomes nominativos evidenciam essa preferência: (13) [Ela]i eu acho que elai ainda gosta mais de mim do que eu próprio dela. [Dav, 3, 80] Como já afirmamos no início da subseção, a retomada por pronomes demonstrativos não foi produtiva na nossa amostra (ainda que um pequeno aumento de 1 para 6 ocorrências seja observado), o mesmo não ocorrendo com a retomada por 67 pronome nominativo, inclusive quando temos um tópico [- animado], como nós vamos apresentar na subseção 3.1.5. A retomada por um SN não se mostrou produtiva quando o tópico era um pronome nominativo em nenhum dos dois períodos. Encontramos apenas 12% nos anos 80 e 14% em 2000, isso totaliza apenas 5 casos no conjunto da amostra estudada, que estão reproduzidos em (14). As construções são um tipo de aposto, em que o falante procura esclarecer, na posição de sujeito, qual é o referente do pronome que está na posição de tópico. Acreditamos que esse tipo de construção seja de uso mais geral nas línguas: (14) a) [Eles]i- aquelas crianças de lái mete a mão no bolso das pessoas. [Sam, 2,80] b) aí [ele]i o padrinhoi- o padrinho segura as duas vela. [Adr, 1, 80] c) [Eles]i- meus filhoi não são contrário a geração de hoje. [Nad, 4, 80] d) [ele]i o Tiagoi não tá fazendo nada. [Rob, 1, 2000] e) que [eles]i um dia esses jovensi pintaram a cara [Ram, 4, 2000] No que tange às retomadas pronominais, porém, agora com tópicos também pronominais, deve ser feita uma observação. No que diz respeito aos dados com pronomes em posição de tópico retomados pelo mesmo pronome sem material interveniente, só foram considerados os que tiveram a hipótese de hesitação descartada pela audição das gravações. Assim, casos como (15) foram excluídos da análise, pois foram interpretados como hesitação por parte do falante. Em (16), exemplificamos as construções que foram analisadas, sejam as que apresentam material interveniente entre o tópico e a retomada (16 a, b), sejam as que não foram interpretadas como hesitação (16 c): (15) Eu, eu, eu... não sou filha única não. [Joa, 3, 80] 68 (16) a) [eu]i, no princípio, eui não tava pensando que era um assalto. [Sim, 3, 2000] b) [eu]i, quando entrei no hospital, antes de bota o pé aqui dentro do hospital, eui já imaginei o que que eu ia fazer... [Jor, 3, 2000] c) [Eu]i, eui faço um monte de coisa com papel. [Eri, 1, 80] O mesmo procedimento foi tomado para descartar casos de hesitação quando o tópico é um pronome de 3ª pessoa retomado por pronome idêntico na posição adjacente de sujeito. O exemplo em (17) ilustra um dos casos computados na análise, ou seja, de não hesitação: (17) [eles]i, elesi não têm na verdade nada a acrescentá, entendeu? [Fla, 3, 2000] Segundo Kato (1999 apud Orsini, 2003) construções como essas são uma evidência de que o PB apresenta um paradigma de pronomes fortes, localizados na periferia do Sintagma Flexional, e outro de pronomes fracos, que vão, aos poucos, substituindo os pronomes nulos, como os do inglês e francês (me e I; moi e je, respectivamente). Porém, no nosso caso, ambos se apresentam com a mesma forma – o pronome nominativo. A única diferença se refere ao pronome você que apresenta, às vezes, uma forma fraca cê, quando na posição de sujeito (Especificador do Sintagma Flexional), ou seja, como pronome fraco. O foco da análise das tabelas 3.7 e 3.8 recai sobre o tipo de correferente e nos mostra que a retomada por pronome nominativo é significativamente mais frequente do que a retomada por SN. Encontramos em números absolutos 184 contra 24 retomadas por SN nos anos 80 e 122 contra 15 em 2000, o que representa 88% das retomadas nos anos 80 e 85% em 2000. Desse modo, observamos que a retomada pronominal é a estratégia mais comum, seja o tópico um pronome ou um SN. Passemos ao grupo que trata da presença ou ausência de material interveniente entre o tópico e o sujeito. 69 3.1.4 – Presença vs Ausência de material interveniente Nossos dados mostram que a presença de material entre o tópico e sua retomada é ligeiramente mais frequente nas duas amostras – 56% na década de 80 e 58% em 2000 (o que significa que, nos dois períodos, a presença de material supera levemente a ausência). Vejamos, na tabela 3.9, os resultados para a presença de material interveniente, distribuídos conforme a natureza do material. Anos 80 Ano 2000 Nº oco % Nº oco % Interrupção22 15 13 19 20 Marcador discursivo 6 5 11 11 Adjuntos adverbiais23 58 52 36 37 Sintagma oracional 30 27 27 29 Total 109 100 93 100 Tabela 3.9: Distribuição da natureza do material interveniente A distribuição percentual do tipo de material interveniente, em termos hierárquicos, é a mesma nas duas sincronias. Os adjuntos adverbiais são os mais recorrentes tanto nos anos 80 quanto em 2000, (exemplos em (18)), seguidos dos sintagmas oracionais (exemplos em (19)). (18) a) mas [eu]i esse ano eui não boto não, porque acho que fica feio. [Eri, 1, 80] b) E [eu]i, infelizmente, eui moro em área de risco. [Tad, 4, 2000] c) mas [eu]i, por mim, eui acho que existe. [Ale, 1, 80] (19) a) [a pessoa]i... se a pessoa acha que aquilo ali é bom pra ela, então a pessoai segue aquele seu destino [And, 2, 2000] 22 A interrupção se distingue da hesitação por apresentar material fonético diferente de hesitações e reformulações. 23 Aqui foram considerados os advérbios, os sintagmas preposicionais e os sintagmas nominais com função adverbial. 70 b) [Eu]i quando estou num grupo de amigo, eui só falo, sabe? [Leo, 2, 80] Quanto à interrupção, exemplificada em (20), o comportamento foi semelhante nos dois períodos. (20) a) Mas elesi <at...> elesi disseram que não descartam nenhuma possibilidade, até de adoção. [Euc, 4 ,2000] No que diz respeito aos marcadores discursivos, observamos que foi a estrutura menos utilizada nas duas sincronias. (21) a) [A minha mãe]i, né? Elai teve aneurisma [Adr, 2, 2000] b) [O Brasil]i, veja bem, elei começou a ser migrado por baixo... [Tad, 4, 2000] Segundo Braga (1987), quanto mais distante o sujeito estiver do verbo, maior chance ele terá de aparecer retomado na sentença, ou seja, maior chance de ocorrer uma estrutura de DE sujeito. Para a autora, isso confirma a função do pronome correferente, que é a de “lembrete da cabeça do SN sujeito que se agrega ao verbo e, enquanto tal, facilitador do processamento da informação.” (Braga, 1987, p.111) Assim como Braga (1987), Belford (2006) confirma a hipótese de que a presença de material interveniente entre o SN (considerado nas referidas análises o “verdadeiro sujeito”, que, na nossa análise é um tópico) e o predicado favorece a retomada pronominal. A autora afirma que o falante tem a preocupação de evitar qualquer falha na comunicação e, por isso, utiliza o pronome cópia como um lembrete do referente. Em sua análise de peso relativo, a autora encontra .91 para o uso de DE em relação à presença de material interveniente, contra apenas .09 para a ausência desse material, o que mostra um claro favorecimento de DE nesse contexto 24. 24 Lembremo-nos de que as autoras não trataram de estruturas com um pronome em posição de tópico. 71 Nossos resultados reforçam a ideia de que a presença do material interveniente é um importante fator na retomada do SN transformando uma estrutura S V em Top S V. Já temos evidências de que a construção de DE sujeito não é “motivada” pela distância, já que existem línguas que não retomam o sujeito mesmo nesses contextos. No entanto, não se pode negar que, uma vez ocorrida a mudança na marcação do PSN, aumentam as ocorrências de DE sujeito no sistema do PB e fatores de natureza discursiva podem ser os controladores do uso dessa ferramenta. A subseção seguinte apresenta a análise da natureza semântica do elemento na posição de tópico. 3.1.5 – Fatores de natureza semântica: traço semântico e especificidade do tópico Nesta seção, decidimos associar ao traço semântico [+/- animado], relevante nos estudos pertinentes à trajetória do preenchimento do sujeito, traços relativos à especificidade do SN, tomando como base a hierarquia referencial proposta por Cyrino, Kato e Duarte (2000). Segundo as autoras, num processo de mudança em direção ao preenchimento do sujeito, os itens [+ referenciais] e [+ humanos], no ponto mais alto da hierarquia (à direita da linha) são os primeiros a se tornarem plenos. A hierarquia referencial está representada no esquema abaixo: não-argumento proposição [±humano] [+humano] 3 p. 2 p. 1 p. [±animado] [±específico] [-ref]< ----------------------------------------------------------------> [+ref.] (Cyrino, Duarte e Kato 2000, p.59) Os pronomes de primeira pessoa bem como os de referência arbitrária, todos com traço inerentemente [+humano], são excluídos dessa análise. Os pronomes de terceira pessoa foram incluídos neste grupo, visto que se comportam como os SNs por conterem o traço semântico do referente que está sendo retomado no discurso. As tabelas 3.10 e 3.11 reúnem esses resultados: 72 Pronome de 3ª Nº OCO % Nº OCO % +humano +específico 46 54 35 94 + humano - específico 17 20 - humano +específico 4 4 - humano - específico 3 3 - animado +específico 14 16 - animado - específico 2 2 1 6 Total 87 100 36 100 Tabela 3.10: traço semântico e especificidade do tópico – Anos 80 Anos 80 SN SN Pronome de 3ª Nº OCO % Nº OCO % +humano +específico 49 56 16 100 + humano - específico 17 19 - humano +específico - humano - específico - animado +específico 18 20 - animado - específico 4 5 Total 88 100 16 100 Tabela 3.11: traço semântico e especificidade do tópico – Ano 2000 Ano 2000 Conforme já foi detalhado no capítulo 2, os traços levados em consideração na nossa análise foram [+ / - humano]; [+ / - animado] e [+ / - específico]. Encontramos seis possibilidades de combinação de traços que nos permitiram uma análise semântica detalhada do elemento que está na posição de tópico. Nos dois períodos de tempo, os tópicos nominais se caracterizam por apresentar preferencialmente sintagmas com os traços [+ humano + específico] (54% e 56%). São nomes próprios, em geral familiares, amigos e personalidades (22 a) ou nomes comuns, em geral relativos a membros da família, conhecidos, que exibem à esquerda um determinante, como se pode observar nos exemplos (22 b, c). A distribuição percentual nos mostra um comportamento semelhante no que diz respeito a essas estruturas nos dois períodos estudados. (22) a) porque [Romário]i elei falô mesmo que ele sai. [Sim, 3, 2000] b) [Meu irmão]i, na noite de domingo, elei vai na missa a noite. [Ana, 3, 2000] 73 c) Inclusive, [essa menina que faz minha unha mesmo] i, elai é assim, na casa dela é assim. [Lei, 2, 80] No caso dos pronomes de terceira pessoa com os traços [+ humano + específico], podemos observar que são numericamente menos frequentes que os SNs, mas, ainda assim, do conjunto de 37 pronomes na primeira sincronia e 16 na segunda, todos, exceto um caso, têm esses traços, como se vê em (23). (23) a) [Ele]i, parece que elei sofreu muito quando era pequeno. [Joa,3, 80] (falando do marido) b) Mas [ela]i, que nem outro dia, elai mandou a gente não ir pra fora. [Adr, 1, 80] (falando da professora) Assim como o subfator anterior, os SNs com os traços [+ humano – específico] mantêm suas frequências estáveis nas duas sincronias: 20% nos anos 80 e 19% em 2000. Nesse caso, apesar de o tópico apresentar o traço [+ humano] sua referência é genérica, ou seja, refere-se a grupos ou pessoas indeterminadas, como nos exemplos em (24). Os tópicos desse grupo não devem, entretanto, ser confundidos com os tópicos pronominais de referência arbitrária. Esses últimos não podem ser retomados por um pronome de terceira pessoa: O cara – ele.... * você – ele... (24) a) [O carioca]i, eu acho que elei fala muito errado. [Mar, 4, 2000] b) [o cara que, p..., que é mais safo]i elei vai procurá outra coisa. [Fla, 3, 2000] O traço [+ humano] aparece com maior frequência nas duas amostras. Entretanto, temos, nos anos 80, casos de SNs com os traços [- humano + / - específico]. 74 Assim, na década de 1980, há 4% de tópicos cujo SN é [- humano / + específico] e 3% de tópicos cujo SN é [- humano / - específico]. Os tópicos aqui fazem referência a animais, já que optamos por separar [– humano] e [+ / - animado]. Os exemplos em (25) apresentam os tópicos com o traço [-humano / + específico] e [- humano /– específico] respectivamente (a não ocorrência de dados desse tipo em 2000 não significa, pois, que o tópico rejeite esse feixe de traços). (25) a) [Aquela cachorra]i, ali fora, com a gente elai é uma... dentro de casa não deixa ninguém entrar. [Jos, 4, 80] b) [A jaguatirica adulta]i, elai é pequena, ela não cresce mais do que essa mesa. [Leo, 2, 80] O SN tópico com traços [– animado / + específico], exemplificado em (26), são menos frequentes hierearquicamente em 80 do que em 2000, ainda que as frequências sejam muito próximas. (26) a) [O... Engenho da Rainha e Inhaúma]i, eu acho assim..., que elesi são... um só! [Joa, 4, 2000] b) [Esses passeio que eu faço tudo]i elei é de graça. [Zil, 4, 2000] O SN tópico [– animado / – específico] apresenta 2% nos anos 80 e 5% em 2000, sendo, em ambas as sincronias, o feixe de traços menos recorrente. Assinale-se que o tópico [- animado] com referência genérica (exemplo 27 a) foi menos recorrente do que o [– animado] com referência específica (exemplo 27 b) nos dois períodos analisados. É exatamente com esse conjunto de traços ([- animado / - específico]) que temos, nos anos 80, a única ocorrência de pronome na posição de tópico, como se ilustra em (27 c) (27) a) E [a produção]i, quando sendo uma coisa maior, elai te exige muito [Adr, 2, 2000] 75 b) [A quadra do meu colégio]i, elai já estava para sair há mais de dez anos. [Fat, 2, 80] c) Mas [ela]i crua, elai é mais saudável25. [Jan, 4, 80] Este grupo, que envolve aspectos de natureza semântica, nos permite caracterizar, de maneira detalhada, o constituinte que está na posição de tópico. O SN tópico é preferencialmente [+ humano / + específico], reunindo 54% dos dados na década de 1980 e 56% em 2000 26. A segunda combinação de traços mais recorrente na amostra de 80 foi [+ humano/- específico], enquanto na amostra de 2000 foi [- animado / + específico], sendo que o [+ humano / – específico] aparece em terceiro lugar com um valor muito próximo (20% para o primeiro e 19 % para o segundo). Os traços [- humano / - específico] são os menos frequentes na primeira sincronia e não aparece na segunda, havendo um menor número de ocorrências, portanto, de DE sujeito. Os resultados aqui apresentados nos possibilitam concluir que, nos dois períodos estudados, as construções de DE sujeito são mais frequentes com tópicos [+ humano + especifico], ou seja, esse feixe de traços favorece a manifestação das construções de deslocamento à esquerda de sujeito seja com tópicos SN, seja com tópicos pronominais de terceira pessoa. Esse resultado confirma a conclusão de Braga e Mollica (1986) em relação aos tópicos SNs. Orsini (2003) também alcança resultado semelhante. A autora afirma que o condicionamento mais significativo para a manifestação das construções de deslocamento é o traço semântico 27: referentes com o traço [+ animado] favorecem essa construção, enquanto referentes com o traço [animado] favorecem as construções de topicalização, que deixam uma categoria não preenchida em seu interior, este comportamento é reflexo da complementaridade existente entre Top e DE, já apresentada no capítulo 2. No entanto, podemos afirmar que o PB não oferece restrições à construção de DE com o tópico [-humano] e [-animado], podendo ele ser mais ou menos específico; 25 Neste exemplo, o referente é o nome ostra conforme se pode verificar num trecho maior da entrevista: “[Põe limão], sim. [(inint)-] ("não falei porque a senhora não") tinha perguntado, mas ("quer) põe um limãozinho na ostra. Mas ela crua, ela é mais saudável.” 26 Consideramos aqui tanto os SNs simples quanto os SNs complexos. 27 No trabalho de Orsini (2003), o traço [+ animado] reúne as ocorrências de [+ humano]. 76 este último traço (a especificidade) já havia sido comentado na presença de elementos sem determinantes (SNs nus), por exemplo, quando tratamos da estrutura do SN. Considerando que, em relação ao preenchimento do sujeito, os de terceira pessoa com referente [+humano / +específico] foram preenchidos antes daqueles com traço [- humano ou – animado] é natural esperar que a frequência das construções de DE sujeito acompanhe a hierarquia de referencialidade dos sujeitos: contextos menos resistentes a implementação do sujeito favoreceram construções de DE sujeito, fazendo com que sua frequência seja elevada; contextos mais resistentes ao preenchimento do sujeito revelarão menos ocorrências de DE sujeito. Os sujeitos com o traço [-animado] e os genéricos são os mais resistentes à mudança em direção ao sujeito pronominal preenchido. Em consequência, a incidência de construções de DE sujeito com o tópico reunindo estes traços são menos frequentes. A seção seguinte apresenta os resultados obtidos para o grupo configuração sintática da estrutura em que ocorrem tópico e correferente. 3.1.6 – Configuração sintática da estrutura em que ocorrem tópico e seu correferente Os resultados da variável configuração sintática da estrutura em que ocorrem tópico e correferente podem ser vistos na seguinte tabela: Anos 80 Ano 2000 Nº oco % Nº oco % DE na sentença matriz 166 79 116 80 DE na sentença encaixada 30 14 16 11 Tópico e sujeito sem adjacência 13 7 11 9 Total 209 100 143 100 Tabela 3.12: tipo de sentença em que ocorre a estrutura de DE Como já havia sido mostrado em trabalhos anteriores (cf. Orsini, 2003), nossos dados mostram que o contexto raiz é, de longe, o contexto preferido das construções de DE, nas duas sincronias, mais uma vez ilustrado em (28): 77 (28) [O Brasil] i, veja bem, elei começou a ser migrado por baixo. [Tad, 4, 2000] No entanto, embora em percentual mais baixo, as ocorrências de DE sujeito no interior de orações subordinadas (aqui tratados como DE na sentença encaixada) constituem um resultado muito importante para a nossa análise, pois, segundo Brito, Duarte e Matos, a “deslocamento à esquerda de tópico pendente” não ocorre em contextos encaixados no PE.28 Os exemplos em (29 a, b) mostram uma construção de DE também presente na amostra, em que o tópico ocorre dentro de uma subordinada completiva de verbo; em (29 c, d), vemos a ocorrência no interior de uma subordinada adverbial: (29) a) Acho [que [ele]i primeiro elei começou, assim.] [Sam, 2, 80] b) acho [que [essa mudança]i, elai não vem assim sem ninguém fazer nada] [Pau, 2, 80] c) De preferência você não bota leite gelado nem quente, você bota em temperatura normal [porque [o leite gelado ou quente]i, ele pode assim- elei sola muito o bolo]. [Dav, 3, 80] d) [se [uma professora]i elai quer ter sucesso na sua profissão, (se) ela quer ser reconhecida como uma boa professora], ela vai ter que se aprimorar. [Eve, 3, 80] Devemos mencionar ainda as construções em que tópico e o sujeito não estão adjacentes, já que o primeiro está na oração matriz e o segundo, no interior da oração subordinada, como vemos em (30). Tal estrutura pode ocorrer em língua de sujeito nulo, como o português europeu e o espanhol (cf. Rivero 1980 apud Duarte, 1995 para o espanhol), mas o sujeito, em tais casos, recebe ênfase por estar numa construção com valor contrastivo. Não é o que se observa em (30). Os exemplos em (30 a, b) foram 28 Note-se que as autoras se referem ao deslocamento de outros constituintes, já que a estrutura de DE sujeito não ocorre nas línguas de sujeito nulo. 78 produzidos por diferentes falantes, não se caracterizando por apresentar valor contrastivo. Em (30 c), vemos um exemplo com o pronome você, de referência arbitrária: (30) a) [O carioca]i eu acho [que elei fala muito errado]. [Mar, 4, 2000] b) [O gaúcho]i, por exemplo, eu tenho impressão [de que elesi têm, assim, uma certa semelhança com o castelhano] [Jan, 4, 80] c) quando cê pára de trabalhá / [você]i, eu senti isso, parece [que cêi vai emburrecê]. [Euc, 4, 2000] Esses resultados são, de fato, importantes: podemos dizer que a construção de DE sujeito no PB ocorre tanto em contexto raiz quanto em contexto encaixado. Há também construções em que o tópico se encontra na oração matriz e o correferente no interior da subordinada, não havendo, portanto, adjacência sintática. Registre-se também que estas construções não são marcadas no PB, ou seja, não possuem valor contrastivo. Nossa análise dos fatores linguísticos revela informações importantes acerca dos dois períodos estudados. O tópico é predominantemente preenchido por pronome nos anos 80, sendo a grande maioria pronomes de 1ª pessoa. Em 2000, observamos uma mudança nessa representação. O tópico passa a ser, em sua maior parte, preenchido por um SN que não sofre restrições quanto ao traço semântico ou a especificidade. No que diz respeito às retomadas, elas são preferencialmente feitas através de pronomes nominativos, independentemente dos traços semânticos e do tipo do tópico. Verificamos que a retomada por SNs só é favorecida quando outro SN ocupa a posição de tópico. Quanto ao material interveniente, observamos que os mais recorrentes são os adjuntos adverbiais e os sintagmas oracionais. A presença de algum tipo de material entre o tópico e a retomada foi ligeiramente mais frequente do que a ausência na nossa amostra, tanto nos anos 80 quanto em 2000. Por fim, no que tange à configuração sintática da sentença em que ocorre DE sujeito, constatamos que, embora apareça mais frequentemente na sentença raiz, não há restrições ao aparecimento de DE em contextos 79 encaixados, nem em contextos em que o tópico se encontra na oração matriz e o correferente, na subordinada, sem possuir valor contrastivo. Passaremos agora à apresentação dos resultados obtidos para as variáveis sociais. 3.1.7 – Os fatores sociais O primeiro fator social a ser apresentado é a faixa etária, importante instrumento para verificar a mudança em tempo aparente. Embora estejamos fazendo um estudo da mudança em tempo real de curta duração, acreditamos ser interessante observar inicialmente as faixas nas duas sincronias. Os valores para uso de SN e pronome na posição de tópico estão na tabela abaixo, distribuídos segundo as faixas etárias. Anos 80 Faixa etária 7-14 15-25 26-49 + de 50 Total SN Nº OCO 3 34 22 28 87 % 3 39 25 32 100 PRONOME Nº OCO 17 28 53 24 122 % 14 23 43 19 100 Tabela 3.13: A natureza gramatical do tópico por faixa etária – Anos 80 Ano 2000 Faixa etária SN PRONOME Nº OCO % Nº OCO % 7-14 17 20 18 32 15-25 6 7 7 12 26-49 33 38 12 22 + de 50 31 35 19 34 Total 87 100 56 100 Tabela 3.14: A natureza gramatical do tópico por faixa etária – Ano 2000 A tabela 3.13 revela que, nos anos 80, em relação ao tópico SN, há maior incidência na faixa 2, seguido pelas faixas 4 e 3, respectivamente. A faixa mais jovem é a que usa menos SN na posição de tópico nesse período. Isso mostra um aumento de SN acompanhando o aumento da faixa etária. O uso de pronome é mais frequente na faixa 3 (43%) e a faixa 1 é a que menos faz uso dessa estrutura. Em 2000, SN foi mais frequente nas 80 faixas 3 e 4. A faixa 2 é a que fez menos uso dessa estrutura. Em relação aos pronomes, as faixas 4 e 1, respectivamente, são as que apresentam o uso mais alto no segundo período analisado. No gráfico de linha abaixo, podemos ver, de forma mais clara, a distribuição de SN por faixa etária nos dois períodos investigados. Gráfico 3.1: Ocorrência de SNs em posição de tópico (vs pronome) segundo a faixa etária Observamos que, com exceção da faixa etária 2 (15 a 25 anos), que tem a frequência de SNs reduzida, o uso de SNs é mais alto do que o pronome em todas as faixas na segunda sincronia. Destaca-se o comportamento da faixa mais jovem, que apresenta o índice mais baixo de SNs nos anos 80 enquanto em 2000 apresenta um uso um pouco mais elevado: 20%. Do mesmo modo, a faixa 3 (26 a 49 anos) apresenta comportamento diferente com 25% em 1980 e 38% em 2000. A faixa 4 não apresenta diferenças percentuais significativas e mostra estabilidade na comparação dos dois períodos. O gráfico que tem como base a faixa etária dos informantes nos permite fazer duas reflexões: (i) DE sujeito com tópico SN não é uma forma inovadora que está ganhando espaço no sistema, já que é uma forma mais produtiva entre os mais velhos, quando comparado com os mais novos e (ii) considerando a contraparte dos SNs, vemos que o pronome em posição de tópico já era produtivo na faixa 1 nos anos 80, o que significa que o paradigma com pronomes fortes e fracos já estava implementado. Além disso, podemos 81 concluir que falantes com mais tempo de frequência escolar preferem DE com um SN em posição de tópico. Vejamos como esse fator interage com o nível de escolaridade: A tabela abaixo nos mostra que, nos anos 80, o grupo com escolaridade de + de 11 anos é o que menos faz uso de SN na posição de tópico (27%). Esse comportamento não é o mesmo em 2000, período em que o grupo com 9-11 anos de escolaridade apresenta os menores valores para SNs. O grupo com 9-11 anos de escolaridade apresenta um comportamento bem diferente nos dois períodos quando tratamos de pronome na posição de tópico, ele é quem mais usa essa estrutura nos anos 80 e quem menos usa em 2000. Anos 80 Anos de Escolaridade 5-8 anos 9-11 anos + de 11 anos Total SN Nº OCO 33 30 24 87 % 38 35 27 100 PRONOME Nº OCO 38 52 32 122 % 31 43 26 100 Tabela 3.15: A natureza gramatical do tópico por escolaridade – Anos 80 Ano 2000 Anos de Escolaridade 5-8 anos 9-11 anos + de 11 anos Total SN Nº OCO 41 14 32 87 % 47 16 37 100 PRONOME Nº OCO 32 9 15 56 % 57 16 27 100 Tabela 3.16: A natureza gramatical do tópico por escolaridade – Ano 2000 Vejamos o gráfico a seguir com a representação dos valores percentuais para os SNs vs escolaridade: 82 Gráfico 3.2: ocorrência de SNs em posição de tópico (vs pronome) por anos de escolaridade A mudança em relação à natureza gramatical do tópico não parece correlacionar-se ao grau de escolaridade dos indivíduos. A figura 3.2 mostra que o grupo mais escolarizado é responsável por um uso elevado de SNs na posição de tópico no segundo período, porém são os menos escolarizados que lideram a hierarquia em ambas as sincronias. A escolaridade tem se mostrado muito relevante no estudo de fenômenos variáveis no PB. A observação da fala culta revela índices bem expressivos de construções de DE, em geral com SNs em posição de tópico. Orsini (2003) encontra para a fala culta carioca 71% de SNs nos anos 70 e 56% nos anos 90. Embora tenha havido uma diminuição, a preferência na fala culta sempre recai sobre os SNs. O último fator social controlado nessa análise foi o gênero dos informantes. A hipótese era que não existiria um grupo que favorecesse DE sujeito. Esperávamos encontrar resultados equilibrados já que tratamos de um fenômeno sintático que não parece estar ligado a estilo, nem sujeito à avaliação negativa por parte dos indivíduos. Anos 80 SN PRONOME Nº OCO % Nº OCO % Masculino 44 50 52 42 Feminino 43 50 70 58 Total 87 100 122 100 Tabela 3.17: A natureza gramatical do tópico por gênero – Anos 80 Gênero 83 Ano 2000 PRONOME Nº OCO % Nº OCO % Masculino 46 53 24 43 47 57 Feminino 41 32 Total 87 100 56 100 Tabela 3.18: A natureza gramatical do tópico por gênero – Ano 2000 Gênero SN Em relação tanto aos SNs quanto aos pronomes, tivemos nos dois períodos uma distribuição extremamente equilibrada quando observamos homens e mulheres, o que confirma a hipótese levantada de não encontrarmos diferenças em relação ao gênero. O gráfico abaixo mostra o equilíbrio encontrado na distribuição dos dados por gênero nos dois períodos, focalizando o uso total de SN, frequências que se apresentam iguais na primeira sincronia se diferenciam ligeiramente na segunda sincronia: Gráfico 3.3: ocorrências de SNs em posição de tópico (vs pronome) por gênero Em relação aos fatores sociais, observamos que, de um modo geral, o tópico SN é a estratégia mais frequente no segundo período analisado, apenas a faixa etária 2 e o grupo com nível intermediário de escolaridade não acompanhou essa tendência. Passaremos agora para a seção dedicada ao Estudo de Painel. 84 3.2 – O Estudo de Painel Na análise dos indivíduos, procuramos observar o comportamento de cada um, num total de 16, nos dois momentos, anos 80 e 200029. Tendo em vista que o programa Goldvarb 2001 só aceita trinta grupos de fatores, foi necessário dividir os informantes em dois grupos distintos. Desta forma, seguindo a metodologia adotada em Paiva & Duarte (2003), fizemos duas rodadas: uma com os informantes que apresentaram mudança no grau de escolaridade de um período para o outro e outra com aqueles que não apresentaram alteração no grau de escolaridade. Devemos observar que, em relação aos falantes que mudaram o grau de escolarização, todos eles pertencem a faixas etárias mais jovens na época da primeira entrevista, o informante mais velho desse grupo era Leo38 que tinha 18 anos nos anos 80. A interpretação dos dados em números absolutos pode ser comprometida pelo fato de as entrevistas mais recentes serem mais curtas que as gravadas nos anos 80. Essa diferença na duração das gravações interfere na quantidade de ocorrências produzidas por informante. Assim, tal como foi feito para o Estudo de Tendência, nossa atenção recai sobre os percentuais, focalizando tanto a natureza do elemento que ocupa a posição de tópico quanto a natureza do correferente. As tabelas abaixo reúnem o percentual de sintagma nominal 30 na posição de tópico em relação ao total de ocorrências de DE sujeito por informante em cada período analisado. Anos 80 Ano 2000 Idade Nº OCO % Idade Nº OCO % Eri 59 9 2/11 18 25 5/6 83 Adrl 57 10 1/8 12 26 4/10 40 Adr 63 12 5/10 50 28 11/17 64 Fat 23 15 6/7 85 33 1/4 25 San 39 15 3/13 23 33 18/25 72 Leo 38 18 3/6 50 36 4/5 80 Tabela 3.19: Uso de SN em oposição a pronome na posição de tópico – Indivíduos com mudança no nível de escolaridade 29 30 Aqui a amostra referida como 2000 é a amostra recontato. Juntamos aqui as ocorrências de SN simples e complexo, já que as últimas apresentam índices muito baixos por indivíduo. 85 Anos 80 Ano 2000 Idade Nº OCO % Idade Nº OCO % Jup 06 18 5/9 55 35 5/6 83 Lei 04 25 6/8 75 43 Dav 42 31 5/9 55 48 3/8 37 Jos 26 32 7/18 38 48 4/5 80 Eve 43 42 5/15 33 59 12/16 75 Mgl 48 52 7/11 63 70 12/14 85 Jan 03 56 10/17 58 74 3/6 50 Nad 36 57 3/12 25 74 9/9 100 Joss 35 59 7/10 70 75 1/6 16 Ago 33 60 2/6 33 77 4/7 57 Tabela 3.20: Uso de SN em oposição a pronome na posição de tópico – Indivíduos sem mudança no nível de escolaridade A tabela 3.19 nos mostra que no grupo em que houve mudança no nível de escolaridade, 5 dos 6 informantes apresentam mais SNs do que pronome na posição de tópico na segunda sincronia. São eles: Eri59; Adrl57; Adr63; San39 e Leo38. Para o grupo sem mudança no nível de escolaridade (tabela 3.20), 6 dos 10 informantes modificam o comportamento e apresentam mais SN na posição de tópico no segundo período: Jup06; Jos26; Eve43; Mgl48; Nad36 e Ago33. O estudo revela que, independentemente de haver ou não mudança de grau de escolaridade, a maior parte dos indivíduos (11 entre os 16) apresentou mais DE sujeito com SN na posição de tópico no segundo período. A análise comparativa dos resultados obtidos para o Estudo de Tendência e o Estudo de Painel mostra que as construções de DE sujeito com SN têm se revelado mais frequentes no sistema do PB, apesar de não haver um comportamento regular nem na comunidade nem no indivíduo. Verificamos, portanto, aumento no número de ocorrências do tipo (31 a), enquanto as do tipo (31 b) reduzem. (31) a) [A minha irmã]i também, elai tinha um umbigo enorme. [Jup, 1, 80] b) [Eu]i, logicamente, isso eui não posso dizer para você. [Dav, 2, 80] A diferença mais expressiva de uso de SN foi a da informante Eri59, que apresentou 18% nos anos 80 e 83% em 2000. Os indivíduos que não utilizaram SN mais recorrentemente em 2000 apresentaram um comportamento relativamente estável, ou 86 seja, não tiveram alterações significativas no seu uso de um período para o outro. (Fat23; Lei04; Dav42; Jan03 e Joss35), como se pode observar na tabela acima. 3.2.1 – Natureza gramatical do correferente Podemos observar a distribuição dos dados referentes à estratégia de retomada nas tabelas abaixo. O pronome nominativo é a estratégia preferida por todos os informantes nos dois períodos de tempo analisados, sempre se mantendo acima dos 50%. Entretanto, observamos algumas particularidades. As tabelas mostram a escolha pelo nominativo em oposição ao SN como correferente: Anos 80 Ano 2000 Idade Nº oco % Idade Nº oco % Eri 59 9 11/11 100 25 4/6 67 Adrl 57 10 7/8 87,5 26 6/10 60 Adr 63 12 6/10 60 28 16/17 94 Fat 23 15 7/7 100 33 3/4 75 San 39 15 13/13 100 33 24/25 96 Leo 38 18 5/6 83 36 4/5 80 Tabela 3.21: Uso do pronome nominativo como correferente – Indivíduos com mudança no nível de escolaridade Anos 80 Anos 2000 Idade Nº oco % Idade Nº oco % Jup 06 18 7/9 78 35 5/6 83 Lei 04 25 7/8 87,5 43 Dav 42 31 7/9 78 48 8/8 100 Jos 26 32 17/18 94,5 48 5/5 100 Eve 43 42 13/15 87 59 16/16 100 Mgl 48 52 10/11 91 70 14/14 100 Jan 03 56 14/17 82,5 74 6/6 100 Nad 36 57 8/12 67 74 9/9 100 Joss 35 59 9/10 90 75 6/6 100 Ago 33 60 4/6 67 77 6/7 86 Tabela 3.22: Uso do pronome nominativo como correferente – Indivíduos sem mudança no nível de escolaridade Em relação à natureza gramatical do correferente, foi possível observar um comportamento diferente entre os indivíduos que mudaram e os que não mudaram de nível de escolaridade. Entre os informantes com mudança no grau de escolaridade, três 87 apresentam taxa de 100% no uso do pronome como retomada na década de 1980, o que corresponde à metade do grupo. São eles: Eri59; Fat23 e San39. Em 2000, esse comportamento muda e o SN aparece como uma estratégia que compete com o pronome como correferente, visto que não temos o uso categórico daquele. Entre os que mantiveram o mesmo nível de escolaridade, todos os falantes preferem a retomada pronominal, havendo sete casos de uso categórico do pronome na posição de sujeito. Assim como foi feito no Estudo de Tendência, cruzamos os grupos natureza do tópico e natureza do correferente. No caso daquele estudo, somente SNs favoreciam retomadas por SNs e pronomes favoreciam retomadas por pronomes. As tabelas 3.23 e 3.24 mostram a distribuição dos padrões encontrados para o cruzamento de natureza do tópico e natureza do correferente. Neste cruzamento, não foram incluídos os casos de tópico preenchido por demonstrativos, sintagmas oracionais, ou aqueles retomados por elementos diferentes de SNs e pronomes nominativos. As retomadas com pronome demonstrativo, assim como no Estudo de Tendência, não foram frequentes nos indivíduos. Tivemos apenas 2 casos nos anos 80 e um no período mais recente. Um dos dados, reproduzido em (32 a), foi produzido por um integrante do grupo sem mudança de escolaridade. Os outros dois casos são de informantes com mudança de escolaridade, como se vê em (32 b, c) (32) a) [esse daí]i essei gosta de peixinho. [Nad, 4, 80] b) [Ele]i aquele lái só sabe beber. [Adr, 2, 80] c) [O que poderia ser estimulante pra uma vida de um casal] i, aquilo alii virou uma coisa banal. [Eri, 2, 2000] 88 Anos 80 Ano 2000 SN/ SN/ PRO/ PRO/ SN/ SN/ PRO/ PRO/ SN PRO PRO SN SN PRO PRO SN Eri 59 2/18% 9/82% 4/100% Adrl 57 1/12% 6/76% 1/12% 3/30% 1/10% 5/50% 1/10% Adr63 3/33% 2/22% 4/45% 1/5% 10/60% 6/35% Fat 23 6/85% 1/15% 1/25% 2/50% 1/25% San 39 3/23% 10/77% 1/4% 17/68% 7/28% Leo 38 1/17% 2/33% 3/50% 1/20% 3/60% 1/20% Tabela 3.23: Cruzamento do grupo natureza do tópico com o grupo natureza do correferente - Indivíduos com mudança no nível de escolaridade Anos 80 Ano 2000 SN/ SN/ PRO/ PRO/ SN/ SN/ PRO/ PRO/ SN PRO PRO SN SN PRO PRO SN Jup 06 1/11% 4/44% 3/34% 1/11% 1/16% 4/68% 1/16% Lei 04 1/12% 5/63% 2/25% Dav42 2/23% 3/33% 4/44% 3/37% 5/63% Jos 26 1/6% 6/33% 11/61% 4/80% 1/20% Eve43 1/8% 4/28% 9/64% 12/75% 4/25% Mgl 48 1/9% 6/55% 4/36% 12/85% 2/15% Jan 03 3/19% 7/43% 6/38% 3/50% 3/50% Nad36 2/23% 1/11% 6/66% 9/100% Joss35 1/11% 6/66% 2/23% 1/16% 5/84% Ago33 1/16% 1/16% 3/52% 1/16% 1/14% 3/43% 3/43% Tabela 3.24: Cruzamento do grupo natureza do tópico com o grupo natureza do correferente - Indivíduos sem mudança no nível de escolaridade No grupo dos informantes com mudança de escolaridade, aparecem 5 retomadas por SN nos anos 80 e 8, em 2000, apenas 2 casos (40%) apresentam um tópico pronominal sendo retomado por SN, produzidos pelas informantes Adr57 e Fat23 em 2000. De modo geral, as estruturas se concentram em SN retomado por pronome e pronome retomado por pronome, nos dois momentos, para os dois grupos. O padrão SN + SN é atestado nos anos 80, particularmente entre os que mudaram de escolaridade; no ano 2000, SN + SN, exemplificado em (33), está quase ausente. (33) Sendo que [a Imperatriz]i, por exemplo, a Imperatrizi apresenta um carnaval bom. [Dav, 2, 80] 89 Menos frequente ainda é o padrão pronome retomado por SN, que, como dissemos, tem características de aposto. A estrutura, ilustrada em (34), não aparece na fala dos que mudaram de escolaridade em 2000: (34) a) Mas [ela]i, a mangueirai é mais pra broco31. [Adr, 2, 2000] b) [Eles]i- meus filhoi não são contrário a geração de hoje. [Ago, 4, 80] c) Porque [ele]i meu paii não gosta de briga. [Jup, 1, 80] Observando os resultados para SN + PRO (SN retomado por pronome) e PRO + PRO (pronome retomado por pronome), podemos ver que, entre os que mudaram o nível de escolaridade, a preferência é por PRO + PRO em 80 e por SN + PRO em 2000, tal como revelou o Estudo de Tendência. Entre os que não mudaram, já se observa uma diferença de comportamento linguístico: metade dos falantes se distribui entre os dois padrões nos anos 80, mas em 2000, a maioria prefere SN + PRO ou se mantém neutra. É justamente este último padrão que nos permite observar a presença de SNs sem restrição quanto ao traço semântico e à especificidade, aqui exemplificados mais uma vez: (35) a) [o Marcelo]i elei está ficando muito malcriado, sabe? [Fat, 2, 80] b) [o carioca]i elei tem possibilidade [de]... de pegar outros dialetos melhores. [Eri, 2, 2000] c) [a empresa que... na qual eu trabalho] i, elai só lida nesse caso com empresa. [Adr, 3, 2000] Os exemplos em (35) nos mostram a ocorrência de tópicos [+ humanos + específicos]; [+ humanos – específicos] e [- animados + específicos]. O padrão PRO + PRO, mais frequente nos anos 80, está ilustrado abaixo: 31 Os exemplos em (34) não são casos de DE prototípicos, eles se assemelham a um aposto. 90 (36) [eu]i o que eui acho interessante nele é que ele sempre fala que a forma tal pode sê usada. [San, 3,2000] Embora tenhamos trabalhado com um número pequeno de dados, temos no comportamento do indivíduo uma semelhança com o da comunidade. 3.3 – O que dizem os resultados? Embora o presente estudo não trate de um fenômeno variável, achamos interessante confrontar as duas sincronias, utilizando a conjugação dos Estudos de Tendência e de Painel, que permitem estabelecer correlações sobre o comportamento do indivíduo e da comunidade e fazer considerações sobre possíveis processos de mudança em progresso. Segundo Labov (1994, p.83), quatro padrões podem ser vislumbrados a partir dos dois estudos: Indivíduo Comunidade Estabilidade Estável Estável Gradação etária Instável Estável Mudança geracional Estável Instável Mudança comunitária Instável Instável Tabela 3.25: Padrões de mudança no indivíduo e na comunidade, segundo Labov (1994) Quando há estabilidade num processo, tanto o indivíduo quanto a comunidade permanecem estáveis no lapso de tempo decorrido entre a obtenção das duas amostras. O segundo padrão, que representa a gradação etária, é o que se observa quando somente o indivíduo muda seu comportamento linguístico, mas a comunidade permanece estável. No caso do terceiro padrão, o olhar deve ser mais refinado para que a interpretação seja correta: o indivíduo apresenta uma frequência de uma variante característica e a mantém ao longo da vida, porém a comunidade, analisada em seu conjunto, revela instabilidade, vista no aumento regular dessa frequência individual ao longo de várias gerações, o que pode resultar em uma mudança. O último nos mostra um padrão referente à mudança no comportamento do indivíduo e da comunidade, ou seja, um processo de mudança que se completa. 91 Em relação às construções de DE aqui analisadas, podemos dizer que, no conjunto, sua frequência global não se altera, ou seja, DE se apresenta estável nos dois períodos. Em relação ao uso de SN na posição de tópico, encontramos variação tanto no comportamento dos indivíduos quanto no comportamento da comunidade, ou seja, nenhum dos dois estudos mostrou um perfil de estabilidade configurado. Há mais estruturas com tópico SN na segunda sincronia tanto na comunidade como no indivíduo. Esse aumento pode estar em consonância com a falta de restrições aos SNs com traço [animado] e [-específico], como vimos na seção 3.1.5. O fato de termos encontrado SNs com diversos traços nos mostra que o sistema não impõe restrições para a natureza semântica do elemento na posição de tópico. A análise dos traços semânticos mostrou que o PB tem grande liberdade quanto ao elemento que ocupa a posição à esquerda e o fato de encontrarmos SNs com traço [- específico] nos dois períodos corrobora essa conclusão. Em relação ao uso de pronomes na posição de tópico, a análise nos permite dizer que o menor uso na segunda sincronia é um resultado esperado – os SNs introduzem novos referentes, e, se as restrições aos SNs diminuem, é natural esperar que eles aumentem. Mas o importante é dizer que, em relação ao pronome, a frequência de uso foi reduzida tanto no indivíduo quanto na comunidade, as tabelas 3.1 e 3.2 mostram isso. Esse estudo, longe de tratar de um processo de mudança em progresso, vem apenas confirmar a presença expressiva das construções de DE sujeito no português brasileiro, afastando-o do português europeu, do espanhol e do italiano e aproximando-o do francês. Sua ocorrência nas duas sincronias sugere que a estrutura se instalou no sistema há mais tempo, conforme atestam estudos diacrônicos como o de Decat (1989). E, se considerarmos que a mudança na marcação do valor do Parâmetro do Sujeito Nulo, em relação aos sujeitos referenciais, parece ter se consolidado nos anos 30 (cf. Duarte 1993), é natural esperar que as construções de DE sujeito, decorrentes da mudança, já estivessem implementadas na amostra de 1980. Na seção 3.4, faremos uma breve comparação do PB com outras línguas românicas como o francês e o PE, no que diz respeito a essas construções. 92 3.4 – O PB e outras línguas românicas Os resultados encontrados nesta dissertação possibilitam estabelecer uma comparação entre o comportamento das estruturas de DE sujeito no PB e em outras línguas românicas. O italiano e o espanhol, por exemplo, não apresentam casos de DE sujeito, por serem línguas de sujeito nulo. Nessas línguas, só temos DE sujeito quando ele merece destaque (ênfase ou contraste) e, nesse caso, o que aparece é o pronome fraco, como vimos na seção 1.1. No PE, assim como nas outras línguas de sujeito nulo, as construções de DE sujeito também não são frequentes. Segundo Brito, Duarte e Matos (2003), outros tipos de DE só ocorrem em contexto de frase raiz, ou seja, “deslocamento à esquerda de tópico pendente” não ocorre em contextos encaixados como mostra o exemplo abaixo, que é interpretado como uma construção agramatical pelos portugueses: (37) */? Toda gente me disse [que o João... não lhe pagaram o ordenado desse mês]. (Mateus et alii, 2003, p.494) Diferente dos resultados para o PE, encontramos na subseção 3.1.6 14% de DE sujeito em sentenças encaixadas (exemplo 38 a) nos anos 80 e 11% em 2000, o que nos mostra que o sistema do PB licencia construções de DE sujeito em qualquer contexto sintático, ainda que em valores reduzidos, sendo gramaticais, por exemplo, estruturas como (38 b) que mostra um contexto sem adjacência sintática entre tópico e sujeito: (38) a) É que eu acho que [a mocinha que começa muito cedo] i elai tá sendo usada. [Mgl, 4, 2000] b) [O carioca]i eu acho [que elei fala muito errado]. [Mar, 4, 2000] Vasco (1999 e 2006) discute a questão de DE sujeito no sistema do PE e afirma que essas construções não encontram lá ambiente tão favorável quanto o encontrado no PB. Do total de DEs analisadas pelo autor 83% são referentes ao sujeito no PB, enquanto apenas 32% são DE sujeito no PE. As estruturas em questão no PE são mais 93 frequentes com SN retomando outro SN, como no exemplo (39). O autor encontra poucos casos de DE sujeito com retomada pronominal. (39) Sabe, [a mãe]i — ora ca esta — a mãei e que deve educar os filhos da mesma maneira... (PE) (Vasco 2006, p. 153) O autor afirma que, diante de uma sentença como (39), é mais comum que os portugueses atribuam o status de hesitação do que o status de um caso de DE sujeito. Portanto, as construções de DE sujeito, evidência da preferência do PB em preencher sujeito, quando aparecem no PE, não apresentam a mesma liberdade de contextos sintáticos evidenciada nos nossos resultados. Quanto ao francês, sistema que apresenta muitos casos de DE sujeito, sabemos que a construção com pronome moi de 1ª pessoa é muito frequente (cf. Barnes, 1986). Nossos dados mostram que, no PB, esse tipo de estrutura foi muito recorrente nos anos 80, porém apareceu menos na amostra de 2000, o que pode se dever a características da entrevista. No que diz respeito às retomadas, no PB, observamos que o pronome nominativo é a estratégia mais produtiva, independente dos traços semânticos do tópico, como vimos em 3.1.5. A retomada com demonstrativo, muito produtiva no francês, não apresentou frequências relevantes na nossa amostra em nenhum dos dois períodos. Contudo, é importante destacar que a restrição do francês, apresentada por Barnes (1986), de não licenciar tópicos [- animados] retomados por nominativos parece não existir mais, como comentamos no capítulo 1. Reproduzimos aqui o exemplo do francês falado, que mostra um SN [- animado] sendo retomado por um nominativo assim como acontece no PB: (40) [La croissance]i, ellei dépend de la confiance. O crescimento, ele depende da confiança. O que parece acontecer no francês é uma restrição quanto ao traço de especificidade do SN na posição de tópico. Os exemplos encontrados em Avanzi, Mathieu (2011), apesar de apresentarem SN [- animado], não mostram tópicos [específicos]. 94 Quanto aos outros tipos de restrição, o PB se aproxima do francês, já que nossos tópicos podem introduzir informação nova no discurso sem função contrastiva ou entoação específica e as sentenças podem ocorrer em qualquer contexto sintático. Assim como no francês, as sentenças de DE sujeito aparecem majoritariamente em contexto matriz, porém elas também aparecem em contexto encaixado, ainda que em menor quantidade. Esse resultado obtido na subseção 3.1.6 aproxima o PB do francês. Apresentamos, nesse capítulo, os resultados referentes à análise do corpus dessa pesquisa, detalhando as características de todos os elementos que aparecem ocupando a posição de tópico. Apresentamos também as possíveis estratégias de retomada e como elas se combinam com o tópico, mostrando que tópicos SNs favorecem retomadas SNs e tópicos pronominais favorecem retomadas pronominais. O tipo de retomada mais frequente foi o pronome nominativo mesmo com SNs na posição de tópico em ambas as sincronias. Os resultados encontrados para o estudo da comunidade, expostos na seção 3.1 (e subseções), foram relacionados aos resultados referentes ao estudo do indivíduo (seção 3.2), como sugere Labov (1994). O confronto dos resultados nos fez perceber que um perfil de não estabilidade acontece tanto no indivíduo quanto na comunidade quando focalizamos o tipo de elemento que ocupa a posição de tópico nas sentenças de DE sujeito. Mostramos, portanto, que ambos, Estudo de Painel e Tendência, confirmam um aumento de SN como tópico, o que pode não ser, portanto, uma simples questão de distribuição dos dados, e sim uma questão de ausência de restrições impostas pelo sistema. A preferência por SNs na posição de tópico, associada à ausência de restrição e às mudanças morfossintáticas sofridas reforçam a aproximação do PB com as línguas mistas; línguas de tópico e sujeito na tipologia aqui utilizada (Li e Thompson, 1976). Nosso sistema se distancia, portanto, das línguas orientadas exclusivamente para o sujeito e os resultados aqui encontrados podem ser tratados como evidência desse distanciamento. 95 CONCLUSÃO A proposta do presente trabalho foi a de refinar a análise, do ponto de vista estrutural, das construções de deslocamento à esquerda (DE) de sujeito no português brasileiro, tomando como base a fala carioca. O objetivo geral era verificar se o sistema do PB apresentaria algum tipo de restrição formal ou contextual específica para essas construções. Para tal análise, utilizamos entrevistas que compõem o acervo do projeto PEUL-UFRJ realizadas na década de 1980 e, cerca de 19 anos depois, (entre 1999 e 2000), a fim de realizar um Estudo da Mudança em Tempo Real de Curta Duração, nos moldes de Labov (1994). Com base na associação dos princípios da Teoria Gerativa com a Sociolinguística, levantamos algumas hipóteses que guiaram nosso trabalho e reunimos grupos de fatores linguísticos e extralinguísticos com o objetivo de responder a algumas perguntas. Tomando como referência o princípio do encaixamento da mudança (W, L e H, 1968), nossa questão central era saber se, pelo fato de ter passado por um processo de mudança na marcação do valor do PSN, o PB, durante esse intervalo de tempo apresentaria menos restrições à estrutura de DE sujeito. O enfoque recaiu sobre o traço semântico e à especificidade do SN que ocupa a posição deslocada e seu correferente. Os resultados encontrados mostraram que os elementos que ocupam a posição de tópico são de natureza gramatical diversa: pronomes demonstrativos, pronomes pessoais e SNs, os dois últimos os mais característicos dessas construções. Entre os pronomes, encontramos os de 1ª e 3ª pessoa (a ausência de pronomes de segunda é própria do modelo de entrevista, em que as ocorrências de segunda pessoa predominam na fala do entrevistador); bem como pronomes de referência arbitrária, como você e a gente. Observamos que, entre os pronomes pessoais, tanto na primeira sincronia quanto na segunda, a preferência recai sobre os de 1ª pessoa. O tópico SN é o mais frequente quando observamos a hierarquia da segunda sincronia, diferente da primeira em que o tópico mais recorrente é do tipo pronominal. Quanto à configuração deste SN, analisamos os elementos que se situam à margem esquerda (especificadores) e à margem direita (modificadores e complementos simples e oracionais). No caso de elementos à esquerda, foi possível observar que as construções de DE não rejeitam SNs 96 indefinidos, havendo a presença de artigos e pronomes indefinidos à esquerda, ou SNs nus. O cruzamento do elemento em posição de tópico com seu correferente (ou cópia na posição de sujeito) nos mostrou que essa posição também não sofre restrições. As retomadas são, em ambos os períodos, feitas majoritariamente por pronomes, mas encontramos igualmente alguns SNs nessa posição. Essa retomada feita através de um SN só é favorecida quando temos outro SN na posição externa à sentença. A retomada por pronome nominativo acontece independentemente da natureza do tópico. A análise do traço semântico e da especificidade do tópico revela que não existem restrições quanto à combinação do feixe de traços do elemento que ocupa a posição de tópico, podendo este ser [+ / - humano]; [+ / - animado] ou [+ / - específico]. Esses resultados foram associados à hierarquia de referencialidade proposta para o preenchimento do sujeito. Eles nos permitiram observar que, além de as construções de deslocamento à esquerda de sujeito constituírem um “efeito colateral” da mudança na marcação do valor do PSN, sua implementação segue a mesma hierarquia seguida pela implementação dos pronomes sujeito – começam pelos que têm o traço inerentemente [+ humano +específico] - e, mais lentamente chegam aos tópicos com traço [- animado – específico], que são menos recorrentes. Isso certamente se deve ao fato de os sujeitos com esse traço serem os mais resistentes na mudança em direção ao sujeito pronominal preenchido. Ainda que o traço [+ humano] favoreça a ocorrência de DE sujeito, acompanhando a hierarquia de referencialidade, as outras combinações não são bloqueadas pelo sistema. Verificam-se, assim, contextos de maior resistência, mas não de impedimento. Esse fato decorre da constatação de que o PB não apresenta restrições semânticas quando tratamos das construções de DE sujeito, confirmando nossa hipótese. Esta característica é compartilhada com as línguas de tópico, segundo a tipologia de Li & Thompson (1976), já que estas são línguas que não apresentam restrições quanto ao elemento que ocupa a posição de tópico. Embora haja essa semelhança, os resultados aqui apresentados permitem apenas mostrar que o PB é língua mista, pois não apresenta restrições quanto à natureza do SN por exemplo. A análise dos outros grupos, como presença vs ausência de material interveniente e configuração sintática da estrutura em que ocorrem tópico e correferente confirmou a não existência de restrições para DE sujeito. Encontramos leve 97 preferência pela estrutura de DE sujeito em presença de elementos intervenientes, mas são expressivos percentualmente os dados de DE sem qualquer material interveniente, fato que sugere que a distância entre tópico e sujeito não é determinante para a ocorrência de DE. No que diz respeito à configuração sintática, DE sujeito não se mostrou bloqueada por nenhum contexto, ocorrendo inclusive em subordinadas e com tópico e retomada em contexto não adjacentes, sem que a construção apresente qualquer valor contrastivo ou receba acento de ênfase. Nosso Estudo em Tempo Real revela que as construções de DE sujeito já estavam implementadas na primeira sincronia. A diferença entre os dois períodos reside no fato de nos anos 80 encontrarmos mais pronomes na posição de tópico e em 2000, essa preferência passar a ser por SNs. Quanto ao indivíduo, tal como observado nos estudos em Paiva e Duarte (2003), não há um comportamento uniforme; no entanto, de um modo geral, a preferência por tópico SN entre os indivíduos cresce de um período para outro, assim como acontece na comunidade. Nossos resultados corroboram os encontrados por autores como Duarte (1995), Orsini (2003), Vasco (2006), Vasco e Orsini (2007), que, a partir do trabalho de Pontes (1987), fizeram ampla descrição do conjunto das construções de tópico marcado no PB, o que lhes permitiu advogar em favor da inclusão do PB entre as línguas com proeminência de tópico e de sujeito. Nesta perspectiva, acreditamos que o presente trabalho, ao focalizar as construções de DE sujeito, fornece informações mais detalhadas acerca das características estruturais e contextuais dessas construções, contribuindo para a investigação do percurso da mudança paramétrica referente ao sujeito e seus reflexos no sistema gramatical do PB além de suscitar outras investigações sobre o estatuto do sujeito e do tópico nas línguas com orientação parcial para o discurso. 98 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO, Edivalda Alves. As construções de tópico do português nos séculos XVIII e XIX: uma abordagem sintático-discursiva (2006). Universidade Federal da Bahia. AVANZI, Mathieu. La dislocation à gauche en français parlé . Etude instrumentale. (2011). Le français moderne nº 2. Neuchâtel & de Paris Ouest Nanterre. BARNES, Betsy K. An Empirical Study of the Syntax and Pragmatics of Left dislocations in Spoken French (1986). In: O. Jaeggli & C. Silva-Corvalán (eds.) Studies in Romance Linguistics. 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