PARECER-CONSULTA N° 5402/2014 CONSULENTE: Dra. C. R. A. – CRMMG xxx CONSELHEIRO PARECERISTA: Cons. José Nalon de Queiroz EMENTA: “A resolução das situações críticas de ordem administrativa na assistência médica é da competência dos Diretores Técnicos das instituições assistenciais e/ou do gestor municipal de saúde.” “Não pode o médico se valer da sua autonomia para recusar atendimento nas situações de Urgência/Emergência quando for o único em condições de fazê-lo.” I. PARTE EXPOSITIVA Prezados senhores conselheiros, Gostaria da colaboração deste conselho para me ajudar nas seguintes situações: Situação1: Trabalho na UTI neonatal de um hospital público credenciado como nível 2 de atenção à saúde. Há mais de um ano, tenho tido dificuldade de encaminhar pacientes para a UTI neonatal do hospital público nível 3, pois foi criado por essa UTI Neonatal desse hospital nível 3 um mecanismo que só recebe pacientes de outras instituições para o leito de isolamento e somente após as culturas para várias bactérias hospitalares ficarem prontas é que esse paciente pode ocupar outro leito e desocupar o leito de isolamento. Frequentemente, pela gravidade dos pacientes atendidos por esse hospital, o leito de isolamento é ocupado com pacientes graves (por exemplo, com válvula de derivação externa), que necessitam permanecer isolados por período prolongado. O problema é que esse hospital terciário atende a uma região de 2 milhões de pessoas e só possui um leito de isolamento na UTI neonatal, com isso o encaminhamento é quase impossível e ficamos totalmente sem a retaguarda da referência terciária que não aceita pacientes, mesmo existindo vagas disponíveis (no salão, ao lado do leito de isolamento), pois o leito de isolamento está sempre ocupado). Gostaria de saber se essa atitude desse hospital terciário é ética? E como devo proceder, já que não possuo os recursos necessários para resolver os problemas dos pacientes e não consigo o encaminhamento para a referência terciária? Situação 2: Há mais de um ano, tenho tentado negociar com os cirurgiões pediátricos do meu município o atendimento de urgências e emergências dos hospitais particulares e do hospital público nível 2 (especialmente da UTI Neonatal), porém eles se recusam a atender qualquer paciente e insistem que o paciente deva ser referenciado para o hospital nível 3 em que eles trabalham. O encaminhamento é muito difícil devido a um mecanismo criado pelo hospital nível 3, que é o seguinte: a UTI Neonatal do hospital nível 3 só recebe pacientes de outras instituições para o leito de isolamento e somente após as culturas para várias bactérias hospitalares ficarem prontas é que esse paciente pode ocupar outro leito e desocupar o leito de isolamento. O problema é que esse hospital terciário atende a uma região de 2 milhões de pessoas e a UTI Neonatal só hospital terciário atende a uma região de 2 milhões de pessoas e a UTI Neonatal só possui um leito de isolamento, com isso o encaminhamento é quase impossível. Já tentamos várias vezes negociar com os cirurgiões pediátricos o suporte necessário em situações de urgência e emergência em outros hospitais, mas eles se recusam e exigem que sejam contratados por esses hospitais para um plantão a distância por um valor aproximadamente 1,5 vezes maior do que o valor normal pago pelo plantão de corpo presente. Como a demanda é pequena, e a frequência com que eles são chamados nos hospitais fora da referência terciária é baixa (aproximadamente 1 vez a cada 3 meses), esse valor é exorbitante. Gostaria de saber se essa atitude deles é ética e como devo proceder? Gostaria de saber também o que fazer nas situações de urgência e de emergência que já ocorreram quando não conseguimos o encaminhamento para a referência terciária e os cirurgiões se negaram a comparecer aos outros hospitais, alegando que não fazem parte do corpo clínico? Situação 3: Existe uma médica, que é residente do último ano de cirurgia pediátrica (R5 ), que trabalha no hospital secundário em que eu trabalho e se recusa a atender situações de urgência e emergência (como a realização de flebotomia em bebês prematuros da UTI Neonatal), pois alega que é residente ainda e que, além disso, é contratada pelo hospital como plantonista da clínica médica. Essa médica frequentemente realiza flebotomias em bebês prematuros sem dificuldades e sem supervisão no hospital terciário onde é residente. Gostaria de saber se nas situações de urgência e emergência, quando é necessário um procedimento cirúrgico simples (como a flebotomia), e cuja técnica já é sabidamente dominada por essa residente, ela pode se recusar a atender alegando ser ainda residente e plantonista da clinica médica e não da cirurgia? II. PARTE CONCLUSIVA Algumas considerações serão feitas com embasamento no Código de Ética Médica para que possamos responder convenientemente à consulente. Cada ato médico é permeado de inúmeras reflexões, que devem buscar sempre o benefício do paciente. A Medicina é diferenciada das demais profissões, pois seu objetivo é a saúde do ser humano pela qual os médicos deverão agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional (Princípios fundamentais – itens I e II). O exercício digno e honrado da profissão exige boas condições de trabalho e remuneração justa (Princípios fundamentais – item III). A todos os médicos cabe o zelo e o trabalho pelo perfeito desempenho ético da Medicina, bem como pelo prestígio e bom conceito da profissão (Princípios fundamentais – item IV). O médico exercerá a profissão com autonomia não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente (Princípios fundamentais – item VII). No Capítulo III – Responsabilidade profissional, encontramos que: É vedado ao médico; Causar dano ao paciente por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência. Parágrafo único: A responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida. Analisando cada situação descrita pela consulente, passamos a responder: Situação 1: Para a situação descrita, o questionamento é saber se “a atitude desse hospital terciário é ética? E como devo proceder, já que não possuo os recursos necessários para resolver é ética? E como devo proceder, já que não possuo os recursos necessários para resolver os problemas dos pacientes e não consigo o encaminhamento para a referência terciária”? É louvável a atitude do hospital terciário que zela pelos demais pacientes da Unidade realizando culturas no sentido de averiguar a sanidade do paciente isolado e só assim liberá-lo para unidade coletiva. O que fica patente é a insuficiência de leitos de isolamento na região, uma vez que tal hospital de assistência terciária é o único de referência e com um único leito de isolamento. A falta de leitos reflete a falência do sistema público de saúde. Antiética é a sonegação de leitos disponíveis. A Central de Regulação de Leitos é a responsável pelo fluxo de pacientes na rede assistencial hospitalar e detém as informações das referências e das disponibilidades de leitos. O isolamento de pacientes infectados neonatais em ambientes separados da UTI-Neonatal não tem sido usual, sendo o seu tratamento mantido na própria unidade neonatal com cuidados mais rigorosos em relação ao seu manuseio. A prática adotada pela unidade de nível 3 só consegue dificultar o fluxo de transferências, o que de algum modo pode prejudicar a assistência neonatal ao paciente crítico. Se ela é a referência para seus encaminhamentos e possuindo leitos disponíveis, a recusa pode ser configurada como antiética. Seu papel de assistente na unidade de nível 2 é solicitar a vaga de transferência e manter o suporte possível ao paciente enquanto não a obtém. Para seu resguardo, registre em prontuário suas ações. Em se tratando de questão administrativa, formalmente, leve suas dificuldades ao conhecimento da Direção Técnica de sua unidade para que esta busque soluções na Central de Regulação de Vagas e com o Gestor Municipal de Saúde. Cabe a este, o provimento de leitos conforme as necessidades locais. Se nada modificar, dê conhecimento formal à Promotoria de Justiça da Saúde do município e ao Conselho Regional de Medicina, uma vez que os pacientes pediátricos neonatais se encontram em risco de desassistência. Situação 2: A descrição da consulente é clara: os cirurgiões pediatras aceitam dar a assistência cirúrgica necessária, desde que os pacientes sejam encaminhados para o hospital de nível terciário, alegando até mesmo não pertencerem ao Corpo Clínico da unidade nível 2. Gostaria de saber se essa atitude deles é ética e como devo proceder? Gostaria de saber também o que fazer nas situações que já ocorreram de urgência e emergência quando não conseguimos o encaminhamento para a referência terciária e os cirurgiões se negaram a comparecer aos outros hospitais, alegando que não fazem parte do corpo clínico? R - Mais uma vez a médica assistente esbarra na falta de leitos disponíveis. Do ponto de vista ético, o médico tem autonomia para não prestar serviços a quem não deseje, excetuadas as condições de falta de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente. Não há qualquer impedimento para que os médicos não pertencentes ao Corpo Clínico de determinado hospital prestem assistência neste, particularmente em se tratando de urgência/emergência. Uma vez solicitada sua intervenção e não estando ele impedido, deverá comparecer a esse hospital. Se o paciente ficar prejudicado, sua recusa poderá ser questionada como atitude omissiva tanto judicialmente quanto nos Conselhos de Ética. Como na primeira situação, necessário se faz que a Direção Técnica seja cientificada, formalmente, desta carência e providencie a contratação de cirurgião pediatra para atender tais demandas. Persistindo tal situação, deve-se comunicá-la também ao Ministério Público e ao CRMMG. Ministério Público e ao CRMMG. Situação 3: Nesta situação, a médica assistente gostaria de saber se nas situações de urgência e emergência, quando é necessário um procedimento cirúrgico simples (como a flebotomia), e cuja técnica já é sabidamente dominada por essa residente, ela pode se recusar a atender alegando ser ainda residente e plantonista da clínica médica e não da cirurgia? R - Sendo solicitada e estando disponível sua recusa pode ser questionada conforme foi respondido na situação 2. Sendo esta plantonista da Clínica Médica suas atribuições serão ditadas pelas necessidades dos pacientes da Clínica. Lembramos que nos Princípios Fundamentais do Código de Ética Médica – item XVIII-, assim se encontra proposto: “O médico terá para com os colegas, respeito consideração e solidariedade, sem se eximir de denunciar atos que contrariem os postulados éticos”. Este é o Parecer, s.m.j. Belo Horizonte, 12 de novembro de 2014. Cons. José Nalon de Queiroz Conselheiro Parecerista Aprovado na sessão plenária do dia 04 setembro de 2014