NÓDULOS PULMONARES Autores

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NÓDULOS PULMONARES
Autores
Letícia Barbosa Kawano-Dourado1
Olívia Meira Dias1
Fabiola Del Carlo Bernardi2
Bruno Guedes Baldi1
1
Grupo de Doenças Intersticiais – Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração do
Hospital das Clínicas da FMUSP
2
Departamento de Patologia do Hospital das Clínicas da FMUSP
Relato do Caso
Paciente de 41 anos, sexo feminino, negra, empregada doméstica, procedente de São
Paulo-SP.
Paciente encaminhada do setor de pronto atendimento para a Divisão de Pneumologia
da FMUSP em função de alterações evidenciadas em radiografia de tórax.
Paciente admitida no pronto atendimento com quadro de tosse seca, sendo realizada
radiografia de tórax e, em seguida, tomografia computadorizada de tórax. Recebeu alta
com medicações sintomáticas, com resolução completa dos sintomas após quatro dias.
Tabagista (20 maços/ano).
Negava exposições relevantes.
Negava comorbidades.
Negava sintomas sistêmicos ou perda ponderal
Ao exame físico: Bom estado geral, eutrófica, eupneica, consciente e orientada.
PA = 130/80; FC = 89.
Ausência de adenomegalias periféricas palpáveis.
Aparelho cardiovascular: ritmo cardíaco regular em 2 tempos, sem sopros.
Aparelho respiratório: murmúrio vesicular presente e simétrico, ausência de ruídos
adventícios; Sat periférica O2 = 96% (em ar ambiente)
Abdome: semi-globoso (aumento panículo adiposo), indolor, sem visceromegalias ou
massas palpáveis.
Extremidades: sem edema.
RADIOGRAFIA DE TÓRAX
Radiografia de tórax: opacidades nodulares bilaterais, com predomínio à direita e em
regiões inferiores.
TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA DE TÓRAX
Tomografia de tórax – presença de massas e nódulos de contornos bocelados, com
distribuição bilateral e periférica em praticamente todos os campos pulmonares.
EXAMES COMPLEMENTARES
Hb: 15g/dl, HT: 44,9% Leuc: 15.000/mm3, neutrofilos: 10.400/mm3, linfócitos:
3.700/mm3, eosinófilos: 100/mm3.
HIV negativo, FR: negativo, FAN: negativo, anti-SM: negativo, anti-DNA: negativo,
anti-Jo1: negativo, anti-SCl70: negativo, anti-RO: 43 (<10), anti-LA: negativo, antiRNP: negativo, ANCA negativo
Eletroforese de proteínas: discreto aumento da fração beta: 1,4 g/dl (0,6-1,1) não
sugestivo de pico monoclonal
Dosagem de imunoglobulinas normais: IgM: 89, IgG: 1400, IgA: 278
1. Assinale a alternativa correta:
a) O diagnóstico de granulomatose de Wegener pode ser afastado por dosagem
de ANCA negativa
b) A ausência de linfonodos mediastinais aumentados exclui a possibilidade de
linfoma
c) A sarcoidose pode se apresentar com nódulos grandes, simulando metástases
d) Os carcinomas metastáticos que mais freqüentemente resultam em cavidades
são os renais.
e) Lesões em “ponta de vasos” indicam embolia séptica
Diante do achado de múltiplas lesões nodulares pulmonares, a hipótese de
metástases pulmonares de neoplasias sólidas deve ser considerada, principalmente
quando as lesões apresentam diâmetro acima de 1,0 cm ou são detectáveis na
radiografia de tórax. Tendem a apresentar distribuição preferencial pelos campos
pulmonares inferiores (relacionada à maior perfusão nessas regiões), com aspecto
arredondado, embora metástases muito vascularizadas possam apresentar halo em vidro
fosco decorrente de sangramento ao redor da lesão. A formação de cavidades nas lesões
é rara, e tende a ocorrer em metástases de carcinomas espinocelulares.
As metástases com aspecto de “bola de canhão” (em inglês, cannonball) são
encontradas em tumores que apresentam importante sistema de drenagem venosa.
Incluem os carcinomas renais, sarcomas ósseos, coriocarcinomas, melanomas,
teratomas testiculares e carcinomas de tireóide.
Linfomas não-Hodgkin, principalmente nas formas primárias pulmonares, também
podem causar múltiplos nódulos pulmonares, com distribuição preferencial pelos lobos
inferiores. Podem apresentar broncogramas aéreos ou halo em vidro fosco, raramente
cavitam, e não precisam necessariamente apresentar linfadenomegalia mediastinal.
Lesões infecciosas também podem apresentar-se como nódulos pulmonares. Quando
a etiologia é bacteriana, o mecanismo pode ser aspirativo, cuja distribuição é
gravitacional (lobos inferiores, segmentos posteriores dos lobos superiores e segmentos
superiores dos lobos inferiores); ou decorrente de embolia, seja por bacteremia,
trombofleite séptica ou endocardite infecciosa. Nestas últimas, as lesões tendem a ser
periféricas e bilaterais, podendo ou não escavar, gerando lesões de paredes finas. O
achado das lesões nas extremidades dos vasos nutridores, apesar de característico, pode
estar ausente. Apesar de atípica, a tuberculose pulmonar pode apresentar-se como
múltiplos nódulos pulmonares.
Fungos também podem causar lesões nodulares, sendo os principais histoplasmose,
coccidioidomicose, criptococose, e em pacientes imunodeprimidos, candidíase,
mucormicose e aspergilose pulmonar angioinvasiva. Nestas últimas, as lesões são
randômicas e cercadas por halo de vidro fosco decorrente de sangramento, seguida por
formação de cavidades e sinal do crescente.
Em pacientes HIV positivos, vale salientar o diagnóstico diferencial com sarcoma de
Kaposi (nódulos com distribuição peribroncovascular e associação de outros achados,
como linfadenomegalia mediastinal e derrame pleural). Achados de sarcoma de Kaposi
em outros locais são a regra.
Dentre as doenças inflamatórias, vale ressaltar a importância das vasculites,
especialmente as ANCA-relacionadas. As lesões tendem a ser irregulares, associadas ou
não a focos de consolidação, podendo ou não escavar; neste caso, as paredes da
cavidade são irregulares, e podem conter nível hidroaéreo secundário à necrose no
interior da lesão. A dosagem sérica do ANCA pode ser negativa nas formas localizadas
pulmonares. Lesões nodulares e escavadas podem ser encontradas na artrite reumatóide,
geralmente subpleurais.
A forma pulmonar da amiloidose pode se manifestar com nódulos múltiplos ou
solitários, distribuição periférica e subpleural acometendo predominantemente lobos
inferiores.
Apesar de atípico, a sarcoidose também pode apresentar-se na forma de múltiplos
nódulos, geralmente periféricos e associados a linfadenomegalia mediastinal.
A ausência de história ocupacional compatível torna a hipótese de pneumoconiose
improvável, mas que também deve ser considerada no diagnóstico diferencial de
nódulos pulmonares, especialmente pela confluência de micronódulos na forma de
fibrose maciça progressiva da silicose. Apresentam predileção pelos lobos superiores,
podendo apresentar calcificação ou cavitação quando associadas a infecção por
tuberculose.
Resposta correta: c
2. Qual seria o procedimento mais apropriado para dar o diagnóstico no caso
em questão?
a. Broncoscopia com lavado e biopsia transbrônquica
b. Biópsia de medula óssea
c. Biópsia pulmonar a céu aberto
d. Biópsia transtorácica
e. Pesquisa de micobactérias, fungos e bactérias no escarro induzido
Em função da localização de grande parte das lesões em região subpleural, o
procedimento indicado inicialmente é a biopsia transtorácica guiada por tomografia
computadorizada ou eventualmente por ultrassonografia. A biopsia por essa via
apresenta alta sensibilidade (acima de 90%), com baixa morbi-mortalidade,
possibilitando ao paciente receber alta no mesmo dia do procedimento, evitando-se
intervenções mais invasivas. Deve ser considerada principalmente quando as lesões,
isoladas ou múltiplas, apresentam localização subpleural, com diâmetro superior a 1 cm.
A principal complicação é o pneumotórax, com incidência variando de 5 a 50%, na
maioria das vezes sem repercussão clínica e de resolução espontânea.
Se o diagnóstico não for concluído, deve-se considerar a realização de biópsia
cirúrgica (por videotoracoscopia ou a céu aberto).
Resposta correta: d
A paciente foi submetida a uma bióspia transtorácica cujo resultado foi:
Corte mostra parênquima pulmonar corado pelo HE com estruturas arredondadas com
cápsula espessa (seta) no interior dos espaços alveolares com discreta resposta
inflamatória exsudativa nos septos. Essas estruturas são coradas pelo Grocott (cabeça de
seta) com aspecto de Cryptococcus sp.
Criptococose é a micose sistêmica produzida pelo fungo Cryptococcus
neoformans, sendo caracterizada pela ubiqüidade. É uma doença rara, principalmente
entre os imunocompetentes, porém as situações relacionadas à deficiência da imunidade
celular vão favorecer a ocorrência e a disseminação da infecção, como na presença de
infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), transplantados de órgãos
sólidos, portadores de doenças malignas (principalmente afecções linfoproliferativas), e
usuários crônicos de corticosteróides. O trato respiratório é a porta de entrada e é o
segundo local mais freqüentemente acometido quando a infecção criptocócica acontece
(atrás apenas do sistema nervoso central - SNC).
No ambiente, o fungo pode ser encontrado em solo contaminado por excretas de
pombos, outros pássaros e morcegos, e em vegetais em decomposição, podendo se
manter viável no ambiente por muitos meses. A infecção primária ocorre nos pulmões a
partir da inalação do patógeno, que se deposita nos alvéolos periféricos subpleurais e
nos bronquíolos terminais, sendo que no imunocompetente geralmente o quadro se
limita a esse órgão. Pode ocorrer disseminação, freqüentemente com acometimento do
SNC (meningoencefalite), principalmente nos indivíduos com deficiência da imunidade
celular.
Nos pacientes imunocompetentes é comum a doença ser oligo ou assintomática,
sendo diagnosticada de maneira incidental (alterações radiológicas), como no caso da
paciente apresentada.
Os achados radiográficos descritos na criptococose no imunocompetente são
nódulos de tamanhos variados, podendo ser únicos ou múltiplos, eventualmente
cavitados, uni ou bilaterais, com bordas bem definidas e de predomínio subpleural.
Encontram-se também em menor freqüência: consolidação dos espaços aéreos (uni ou
multifocal, segmentar ou lobar, podendo haver broncograma aéreo), adenopatia
mediastinal e derrame pleural.
O diagnóstico pode ser confirmado pelas seguintes formas:
- Identificação do microorganismo (estruturas arredondadas com cápsula
espessa) em amostra de tecido obtida por broncoscopia, toracoscopia ou biopsia guiada
por tomografia computadorizada, ultrassonografia ou a céu aberto), independentemente
de sintomas,
- Visualização da levedura encapsulada à microscopia direta e/ou positividade da
cultura em escarro ou no lavado broncoalveolar (LBA), associada a evidências de
infecção pulmonar ativa (sintomas e/ou alterações radiológicas).
A positividade do antígeno criptocócico no sangue ou no líquor indica
disseminação da doença, com sensibilidade e especificidade acima de 95%. Tende a ser
negativa nos quadros com acometimento pulmonar isolado e nos imunocompetentes, e
positiva nos imunodeprimidos.
3. Que exame deve ser solicitado diante do diagnóstico de criptococomas
múltiplos pulmonares?
a. Imunohistoquímica e PCR para M. tuberculosis na biópsia pulmonar
b. Pesquisa e cultura de criptococos no líquor
c. Pesquisa e cultura de criptococos na urina
d. Antigeno criptocócico sérico como seguimento
e. Não há necessidade de outros exames, pode-se iniciar o tratamento.
A disseminação da doença em imunocompetentes é rara. Existem fatores de
risco para doença disseminada nos pacientes portadores de criptococose pulmonar HIVnegativos: uso prolongado de altas doses de corticoesteróides, transplantados de órgãos
sólidos, portadores de doenças linfoproliferativas e de cirrose hepática. A presença de
cefaléia ou status mental alterado, e antígeno criptocócico em altos títulos estão
associados à disseminação. O antígeno sérico criptocócico não tem valor no seguimento
do tratamento. Nos pacientes HIV negativos sem sintomas referentes ao sistema
nervoso central (SNC) é controversa a realização de punção lombar. No entanto, a
sensibilidade desses fatores não é 100% e a disseminação para SNC só pode ser
excluída com segurança após punção lombar com pesquisa direta e cultura para
criptococo no líquor. Nesse contexto, alguns autores advogam que todos os pacientes
com doença criptocócica no pulmão sejam submetidos à punção lombar, já que o
procedimento é pouco invasivo e a orientação de não puncionar doentes
imunocompetentes é baseada em pequenas séries de casos.
Na paciente apresentada, optou-se por realizar punção liquórica, com resultado
normal, descartando envolvimento de SNC pela infecção. Descartar meningoencefalite
criptocócica é importante em função da necessidade de modificação do esquema de
tratamento na presença de envolvimento neurológico.
Resposta correta: b
4. O tratamento dessa paciente deve ser:
a. Ressecção cirúrgica das lesões
b. Ressecção cirúrgica das lesões e tratamento medicamentoso com fluconazol
ou itraconazol
c. Ressecção cirúrgica das lesões e tratamento medicamentoso com
Anfotericina B
d. Tratamento medicamentoso com fluconazol ou itraconazol
e. Tratamento medicamentoso com Anfotericina B seguido de fluconazol
O objetivo do tratamento da infecção criptocócica é controlar a doença no local
acometido e impedir disseminação para SNC. No caso da doença pulmonar extensa ou
doença disseminada e menignoencefálica, o tratamento inicia-se com anfotericina B por
2 semanas seguido de fluconazol. No imunocompetente sem disseminação para outros
órgãos, recomenda-se a administração de fluconazol (400mg ao dia), geralmente por até
12 meses. Outras opções na impossibilidade de utilização do fluconazol são itraconazol
(400 mg por dia) ou voriconazol (400 mg por dia).
Nesse caso apresentado, ressecções cirúrgicas das lesões não seriam factíveis
tendo em vista a quantidade de nódulos. O tratamento cirúrgico é reservado para os
criptococomas únicos que determinam compressão de estruturas adjacentes, associado
ao tratamento medicamentoso.
Resposta correta: d
Apesar da doença pulmonar extensa, a paciente encontrava-se em bom estado
geral e optou-se por tratamento com fluconazol (400mg ao dia) e seguimento clínico e
tomográfico. Houve necessidade de prolongar o tratamento além dos 12 meses por
conta da resolução lenta das lesões. A paciente está em tratamento há 18 meses, com
resolução radiológica quase completa.
Pré tratamento
Após 18 meses
Tomografia de tórax pós tratamento – comparativamente, nota-se redução ou mesmo
desaparecimento das lesões previamente existentes.
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