A PUBLICIDADE DO CIGARRO CARLTON: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO, MERCADOLÓGICO E SEMIÓTICO Talvani Lange Introdução: No presente artigo abordamos a problemática da publicidade de cigarros num contexto histórico antitabagista. Tal tema se configura oportuno para uma análise mercadológica e semiótica dos anúncios publicitários deste setor. Assim, salientamos que o produto cigarro apresenta uma polêmica envolvendo sua comunicação para com o mercado. Se, por um lado, destacamos a liberdade de expressão publicitária (contracenada mais ainda com a obrigatoriedade da presença da tarja de advertência), por outro, presenciamos as organizações de saúde e segmentos sociais antitabagistas preocupados com a penetração publicitária de tal produto nos mais variados nichos de mercado, bem como as implicações políticas relacionadas com o consumo do produto. Sob uma ótica exploratória de pesquisa, recorremos, primeiramente, ao referencial teórico do Marketing (KOTLER). Num segundo momento, reforçamos nossa análise com fundamentos básicos da Semiótica de PEIRCE. Alguns Estudos já Explorados: Publicidade de Cigarros O estudo acadêmico em comunicação, mais especificamente em publicidade, é um campo do conhecimento científico no Brasil ainda pouco explorado. Assim, recorremos a periódicos de referência internacional, em sua maioria revistas científicas de comunicação e publicidade. Dessa maneira extraímos um panorama geral sobre os estudos recentes efetuados sobre o objeto em questão – publicidade de cigarros. SENGUPTA (1990) estudou a publicidade antitabagista num contexto direcionado a públicos diferenciados segundo categorias de análise tais como: raça, escolaridade, tempo de dependência, classe social e valores culturais e étnicos relacionados aos públicos envolvidos. Diferenças significativas foram descritas e extraídas após a pesquisa em questionário. Em geral o autor conclui que a publicidade antitabagista, para ser mais efetiva, deveria ser configurada em sintonia com as crenças e valores relacionados ao público específico que se pretende atingir. KING, REID e BECHAN (1994), após realizarem análise de conteúdo de anúncios de cigarros, consideraram que existe uma tendência em explorar questões de gênero (masculino e feminino) na publicidade de cigarros. Sob uma análise de produção simbólica, tais anúncios costumam passar a idéia de sucesso e de boa qualidade de vida. KRUGMAN (1994) estudou, experimentalmente, os efeitos das advertências antitabagistas (banners) contidas nos maços de cigarros junto ao público adolescente. Conclui que a atenção seletiva para com o anúncio é maximizada quando se utilizam mudanças no slogan das advertências durante as campanhas publicitárias. Por outro lado, BODEWYN (1994) analisa que tais chamadas não possuem valor empírico para uma proposição antitabagista, principalmente se considerarmos a hipótese de que o banner contribui para a diminuição do consumo entre adolescentes. Dados estatísticos revelam um paradoxo quanto a premissa anteriormente estabelecida. Relacionando processos de percepção simbólica e cognitiva sobre propagandas de cigarro, HENKE (1995) extraiu considerações importantes através de entrevistas com crianças. Em sua pesquisa é discutido o aspecto cognitivo quanto aos malefícios do cigarro. O trabalho demonstra que a consciência crítica aumenta com a idade e que elas acreditam que fumar é prejudicial à saúde. Outro aspecto interessante é o fato de elas se auto considerarem um público inadequado para o mercado de cigarros. Sob outro âmbito, HARRINGTON (1995) questiona princípios jurídicos a partir da polêmica abordada na mídia sobre os anúncios do cigarro CAMEL nos EUA. Joe CAMEL (mascote símbolo da marca) é caracterizado como popular entre os adolescentes e crianças. O FTC (Federal Trade Comission) nos EUA tem processado a fábrica, alegando tal apelo publicitário como uma ação inadequada de marketing, pois incitaria o vício às crianças e adolescentes. Contudo, constitucionalmente, a liberdade de expressão é tomada como parâmetro para uma discussão democrática, relacionando limitações jurídicas junto a tal contexto. Analisando a conjuntura histórica que reflete o cerco ao consumo e à penetração do cigarro no mercado bem como sua publicidade comercial, WILKINSON, HAUSKNECHT e PROUGH (1995) estudaram o editorial contido em jornais patrocinados pela R. J. Reynolds Tobacco Company. Através de entrevistas verificou-se que um quarto (1/4) dos leitores considerava matérias sobre cigarro como informação jornalística e não publicitária. Os autores Publicitário. Mestre em Comunicação Mercadológica (UMESP). Doutorando em Comunicação Massiva 2 sugerem que regulamentos precisam ser feitos para o estabelecimento de regras norteadoras sobre a distinção entre material editorial e publicitário e seu impacto junto ao público receptor. Sob esse mesmo enfoque, BASIL (1997) também enfatiza, através de análise de conteúdo em programas de TV, o fato de celebridades famosas em filmes estarem sendo focalizadas consumindo cigarro. O autor critica o fato de que tal formato publicitário (no Brasil popularmente conhecido como merchandising) não é explícito e transparente junto ao público telespectador. DUFFY (1996) ressalta que nas últimas duas décadas jornais tem demonstrado especial atenção quanto à temática da propaganda e o consumo de tabaco. DUFFY critica a ineficiência das tarjas de advertência contidas nos maços e anúncios de cigarro e que, aparentemente, tal publicidade convencional não possui efeito isolado para com a consciência do consumo de cigarros junto a população em geral. Metodologia de Estudo Como foi proposto um recorte exploratório de pesquisa, utilizamos o método de estudo de caso, utilizando a técnica de análise de conteúdo para com a publicidade em mídia impressa referente ao cigarro CARLTON. Nesse sentido é importante ressaltar que a análise de conteúdo no campo de comunicação tem adquirido conotações metodológicas diferenciadas. Com o intuito de estudar o conteúdo manifesto da mensagem, ela foi grandemente alavancada e desenvolvida nas ciências da comunicação por intermédio de BERELSON (1952) sob um âmbito quantitativo. Para BERELSON ela seria uma técnica de investigação para a descrição objetiva, sistemática e quantitativa. Entretanto, tais aspectos tem sido muito questionados, principalmente na esfera da adequação metodológica. Ou seja, KRACAUER (1953) a concebeu sob uma dimensão qualitativa, pois certa subjetividade na escolha de categorias já corroborava para tal fim. Para HOLSTI (1969), uma correta análise de conteúdo é permeada por ambos os métodos. No presente estudo procuramos configurar a análise de conteúdo não estritamente sob uma esfera quantitativa, mas apoiada, principalmente sob o fundamento sígnico de produção e interacionismo simbólico. Sob esse último enfoque é que processamos nossa base de investigação publicitária. A obrigatoriedade da presença dos banners de advertência nos maços de cigarros instituída em (UMESP). Professor do curso de Publicidade e Propaganda da UMESP e UNICAPITAL. 3 1988 através de entidades de saúde, como a OMS (Organização Mundial de Saúde) por exemplo, nos motivou a efetuarmos reflexões quanto ao discurso publicitário existente antes e depois de tal período. Assim, como produto, delimitamos a análise da presença da carteira de cigarros contida na publicidade da contracapa da revista VEJA entre 1985 a 1999. Como foi abordado anteriormente, não foi proposto estabelecer enfoques quantitativos e comparativos com relação a presença da publicidade em contracapa na mídia revista. Enfocamos, sim, a evolução da mesma (com relação aos signos existentes na figura da carteira) sob a perspectiva básica da segmentação e comunicação publicitária (KOTLER) e da semiótica ‘peirciana’ A Publicidade no Contexto do Marketing O Marketing, como conceito que foi difundido no Brasil, é oriundo da evolução das técnicas comerciais, principalmente nos Estados Unidos. Segundo Francisco Gracioso, a tradução mais próxima para o nosso idioma seria o ato de mercadejar, de mercância. Num sentido mais popular, podemos entender o conceito como mercadologia ou comercialização. Assim achamos também relevante apontar as definições de Philip KOTLER (1980: 31): Marketing é a atividade humana dirigida para a satisfação das necessidades e desejos, através dos processos de troca. O que estamos , de certa forma, analisando em tal artigo é a proposição de que a partir do conceito de troca podemos também fazer uma analogia da existência do produto cigarro no mercado e sua relação com o consumidor. Nesse cenário, o composto mercadológico usual que é utilizado até os dias atuais foi concebido como um sistema integrado pelos elementos produto, preço, praça e promoção (KOTLER) de uma empresa. Assim, a estratégia de Marketing para uma empresa sempre configurará aspectos inovadores em algum desses elementos, almejando a composição integrada dos mesmos. Por exemplo: o produto deve estar em sintonia com a comunicação do mesmo (o público adequado), caso contrário, o composto integrado de Marketing já estará com falhas. Isso, é claro, refletirá negativamente na lucratividade da empresa. A publicidade, nesse contexto, seria uma das ferramentas do Marketing a partir do composto promocional ou de comunicação apontado por KOTLER. Assim, a publicidade será 4 compreendida como a venda e a compra de um espaço/tempo em um determinado veículo de comunicação1. Nesse mesmo âmbito é importante ressaltar também que compõem o composto promocional, ainda, as seguintes ferramentas básicas: relações públicas, promoção de vendas, propaganda e venda pessoal. Contudo, este trabalho não tem o propósito de aprofundar cada um desses elementos. O Produto e Marca do Cigarro no Contexto Mercadológico Como estamos trabalhando com o produto cigarro é conveniente citar a definição de produto como qualquer coisa que pode ser oferecida a um mercado para aquisição, atenção, utilização ou consumo e que pode satisfazer a um desejo ou necessidade. (KOTLER & ARMSTRONG, 1991: 173). Os autores apontam ainda que existem três níveis de diferenciação para com o produto, que podem ser categorizados em: produto básico, tangível e ampliado. O primeiro corresponderia ao benefício ou serviço básico. O segundo seria os aspectos como qualidade, marca, embalagem. O terceiro corresponderia à instalação, entrega, crédito, garantia e serviços de pós-venda. Em relação ao produto cigarro CARLTON, propomos considerar uma análise, basicamente no conceito ampliado de tangibilidade que perpassa a existência do produto. Ou seja, a configuração da mercadoria e sua extensão mercadológica: o produto básico e sua extensão sígnica. Básico corresponderia, então, à composição química do fumo contido no cigarro que, mediante a “nicotina” forneceria doses de satisfação física e psicológica ao fumante. Esse seria o “benefício” oferecido ao usuário do produto. A sua tangibilidade estaria vinculada à mistura, armazenamento, cuidados diferenciados para com o fumo (tabaco), a marca CARLTON, o designa da embalagem, o estilo e posicionamento de vida proposto através da publicidade agregada ao produto – a proposição de um conceito criativo na mente do consumidor potencial da mercadoria. Evidentemente que, em tal contexto, encontraremos o cigarro CARLTON como um dos produtos comercializados por uma Indústria maior. No caso: Souza Cruz. Assim, sob a ótica 1 Vale ressaltar que há diferenciações terminológicas entre publicidade e propaganda. Contudo, o âmbito de tal trabalho não propõe tal reflexão. Apenas é conveniente comentar que o termo original para compra e venda de espaço publicitário em veículo de comunicação é nominado por KOTLER como Advertising. 5 do marketing, a classificação e diferenciação de mercado são trabalhadas. Para isso temos o conceito de segmentação que é o processo de classificar os clientes em grupos com diferentes necessidades, características ou padrões de comportamento. (KOTLER & ARMSTRONG, 1991: 467). Deste modo, podemos refletir que a segmentação é abordada basicamente em três níveis funcionais: a- Em função do mi de produtos de uma indústria; b- Em função da lucratividade maior; c- Em função de perfis psicológicos e comportamentais diferenciados de consumidores. É, portanto, nesse horizonte que avistamos o processo de troca envolvido entre empresa/indústria e consumidor ou grupo de consumidores. O processo de segmentação, portanto, é uma derivada da estratégia de marketing que a empresa/indústria está adotando. O CARLTON estaria potencialmente dirigido a um grupo específico de consumidores. Assim, os aspectos promocionais que envolvem a referida marca de cigarro, contemplam na publicidade uma ferramenta de comunicação de massa para com o nicho de mercado proposto. Hábitos, atitudes, comportamento, estilo de vida e demais variáveis psicográficas do consumidor irão compor um espectro estratégico na determinação segmentada do produto e seu planejamento de campanha publicitária através das agências de publicidade. Apreciação Semiótica dos Anúncios: Cigarros Carlton Para que fosse efetuada uma observação semiótica dos anúncios da amostragem, foi necessário ter noções sobre princípios de segmentação e de comunicação mercadológica. Assim, pudemos estabelecer comparações plausíveis através dos subsídios teóricos apontados. Nesse paralelo, nos guiamos por fundamentos elementares da semiótica peirciana em relação à existência do signo e sua classificação básica. Como prognóstico apontamos, a seguir, o comentário de PIGNATARI a respeito de tais elementos básicos da semiótica de PEIRCE. Ou seja, a existência do signo estará primariamente classificada em ícone, índice e símbolo. Assim temos como definição: Ícone, quando possui alguma semelhança ou analogia com o seu referente. Exemplos: uma fotografia, uma estátua, um esquema, um pictograma. Índex ou Índice, quando mantém uma relação direta com o seu referente, ou a coisa que produz o signo. Exemplos: chão molhado, indício de que choveu; pegadas, indício 6 de passagem de animal ou pessoa; uma perfuração de bala, uma impressão digital etc. Símbolo, quando a relação com o referente é arbitrária, convencional. As palavras, faladas ou escritas, em sua maioria, são símbolos. Quando eu pronuncio os fonemas correspondentes a mesa, por exemplo, o som complexo que emito designa um determinado objeto por convenção estabelecida." 2 Neste estudo, presenciamos a carteira de cigarro como objeto de análise. Ela seria, portanto, um ícone representado na ilustração impressa do anúncio. Como índice, podemos considerar a presença de todos os objetos e elementos que compõem o cenário em que a carteira está inserida, transmitindo, de certa forma, uma atmosfera de luxo, sofisticação, requinte, prazeres, os quais, não acessíveis a qualquer indivíduo sem condição financeira favorável. Com essa visão é que ressaltamos a interligação dos elementos mercadológicos apontados anteriormente com os princípios semióticos espelhados na criação publicitária. O índice ao qual nos referimos nesse contexto estará, assim reforçando, a intencionalidade de estabelecer um posicionamento segmentado a nichos de mercado com maior poder aquisitivo. O símbolo publicitário, entendido sob o espectro da arbitrariedade, estará representado no brasão de cor vermelha, característica sempre presente em toda a amostragem analisada. Ele será ainda mais perceptível nos anúncios de 1992 em diante. O brasão vermelho passará a reunir um conteúdo informativo maior, pois há, de certa forma, uma tentativa na diminuição de elementos indiciais anteriores que caracterizassem uma atmosfera explícita de manifestação intencional do repertório a ser comunicado ao receptor da mensagem. Nesse caso, ocorre uma migração informativa sob um cenário complexo de códigos transferidos do índice e do ícone para o símbolo, o qual estará compactando e armazenando ‘bits’3 deixados pelos signos paralelos nesse processo metasemiótico. Sob uma perspectiva histórica e ideológica é que também efetuamos tal análise. A partir de 1988, observa-se a presença dos banners de advertência assinados pelo ministério da saúde. Essa ‘dupla propaganda’ é que nos intriga a reflexão. Encontramos, portanto, duas forças antagônicas tentando ‘informar o receptor’ da mensagem – provável consumidor. De um lado o requinte persuasivo da criação publicitária do cigarro. De outro, a advertência para com o consumo de tal produto, considerado maléfico a saúde. Como características de droga, a nicotina possui, relativamente, propriedades viciantes junto aos usuários. Não estamos aqui 2 Décio PIGNATARI, Informação Linguagem Comunicação, São Paulo, Cultrix, 1993, p. 25. 7 simplesmente condenando o uso da mesma, pois já é de conhecimento que drogas existem e foram desenvolvidas e aperfeiçoadas pelo ser humano com o intuito de auxilia-lo em diversas disfunções orgânicas e/ou psicológicas. Complicado é estabelecer o equilibrado e correto uso das mesmas. Nessa lacuna existente é que presenciamos as indústrias capitalistas do fumo que souberam explorar mecanismos mercadológicos e persuasivos para a comercialização de tal produto. Mais intrigante ainda é saber que grande parte do “bolo publicitário” arrecadado nos veículos de comunicação é proveniente dos anunciantes de cigarro4. Forma-se, assim, uma conjuntura complexa de interesses mercantis e políticos favoráveis a perpetuação da existência de tal tipo de publicidade, nem que para isso tenhamos a presença “esclarecedora” dos malefícios do consumo do produto. Pois bem, a evolução do discurso publicitário de tal produto/marca sofreu algumas nuances modificadoras de 1986 até os dias atuais. Num contexto semiótico, iremos observar o esvaziamento e ocultamento da figura da carteira do cigarro na publicidade – que corresponderia, num primeiro momento, ao ícone já descrito. Assim, até 1991, evidenciamos a presença do ícone no cenário publicitário impresso. A partir de 1992 até 1998, o ícone carteira é ocultado, dando margem a uma ligação imaginária e substitutiva neste conjunto sígnico. Ou seja, ocorre uma transferência icônica entre elementos na imagem: a carteira passa a ser representada por outros objetos de requinte, sofisticação e prazer, como a porta e maçaneta de um hotel de luxo, um pedestal para partitura de música ou até mesmo as feições faciais de uma mulher. Por outro lado, o símbolo (no caso o brasão vermelho) fica remanescente nas ilustrações sem alterações significativas no seu formato até 1998. O símbolo arbitrário estará assim assumindo, portanto, uma conjuntura de reforço e transcodificação indicial, pois através do mesmo, estabelece-se o índex da presença do cigarro CARLTON nos momentos de ‘raro prazer’, aliás configurado como slogan permanente das campanhas. O intuito de não revelar o objeto (ícone) real, no caso a carteira, é trabalhado propositalmente e com mistério na criação publicitária. A conjuntura histórico - ideológica favorece tal discurso, uma vez que com a presença da censura, procuram-se maneiras de revelar ao receptor da mensagem mecanismos subliminares de persuasão e comunicação com o mercado. Nesse contexto talvez nos questionaríamos sobre tal deslocamento de informação. Como é processada e decodificada a informação publicitária pelo receptor neste jogo transcodificado? 3 Estamos nos referindo aqui a unidades de informação. 8 Qual seria a funcionalidade da retenção informativa neste processo? Supostamente, podemos refletir que o conteúdo informativo de tais anúncios é maximizado para a decodificação publicitária, pois se evidenciamos um esvaziamento de elementos visuais (ícones) na publicidade, observamos em contrapartida um aumento nas possibilidades de significados do anúncio esvaziado. Neste fluxo, consideraríamos, quem sabe, uma perda de energia decodificatória para com o ícone e um ganho de energia ‘índex’ para a tentativa da racionalidade interpretativa5. Por último, como já foi descrito anteriormente, o próprio símbolo assumiria tal conteúdo, concentrando em si o âmago da significação publicitária neste jogo migratório de signos e de processos simbólicos. Num primeiro momento, ele conservaria ainda a sua forma acoplada a outros elementos figurativos na imagem – outros ícones substitutivos à carteira. Num segundo instante, seu formato também é alterado, constituindo e se confundindo como parte essencial dos objetos-ícones apresentados no conjunto imagético. Assumiria, assim, vida intrínseca ao prazer da conjuntura sígnica proposta. Contudo, quanto à decodificação publicitária por parte do receptor, há a intencionalidade de propor certo desconforto em primeira instância para como o início do processo decodificatório. Pois a relação anunciante x produto x contexto x intencionalidade não é explicitada ao público, provocando um esforço psíquico para o entendimento do anúncio. Tal desconforto é de certa maneira sanado em segunda instância através da ligação indicial do símbolo ao ícone da carteira oculta em que se estabelece a retomada do conforto no entendimento da mensagem, nessa viagem entre desconforto e conforto é que é processado o prazer no ‘consumo’ do anúncio publicitário, pois para HIRSCHMAN (1983: 32) prazer é entendido como: ... a experiência de viajar do desconforto para o conforto, enquanto que este último é atingido no ponto de destino. Infere-se daí uma oposição entre prazer e conforto, pois, para se experimentar o prazer, é necessário sacrificar temporariamente o conforto. Ainda neste ponto, a palavra prazer está presente no ‘slogan’ permanente das campanhas da logomarca CARLTON. A assinatura do mesmo se intitula: “CARLTON – um raro prazer”. Raro porque não é posicionado no mercado para ‘qualquer um’. A segmentação de mercado é posicionada através da criação publicitária a um público seleto como já foi descrito antes. A raridade no prazer pode estar configurada e exaltada ainda mais nos anúncios de 1992 em 4 Sobre isso recomenda-se verificar o texto que comprova tal afirmação: edição especial da Revista PROPAGANDA n.º 395 – dezembro de 1987, p. 70. 9 diante, quando é observada uma ruptura no discurso criativo dos anúncios. Ou seja, há uma diminuição notória da quantidade de elementos visuais no cenário gráfico. Contudo, permanecem alguns ícones que determinam um índice de requinte e sofisticação. Assim no objeto-ícone ilustrado é acrescentado o símbolo da logomarca CARLTON, pressupondo que o produto pode estar presente nessas conjunturas de prazer, nem que para isso seja raro de encontrá-lo ou acessível a poucos de uma casta social. Isso configura uma atmosfera de exclusividade no consumo e nas relações de troca, pois uma das características psicológicas que aflora muitas vezes no ser humano é o egocentrismo6. A publicidade, então, fornecendo certa parcela de egocentrismo ao destinatário estará criando uma relação empática, oferecendo um “prazer” exclusivo àquele que consumir o seu produto. Entretanto, é do conhecimento da Psicologia que tal prazer é oferecido com o intuito de sanar uma lacuna provocada por situações de conflito psíquico no indivíduo. Uma relação substitutiva e de troca simbólica para a resolução de tal problema. Se é verdadeira ou falsa? Não é nossa intenção propor uma investigação nesse âmbito moral. Apenas estamos realçando algumas nuances descritivas em tal processo de significação. Considerações Finais Chegamos, portanto, ao final desta análise. A proposição básica do mesmo foi provocar uma atitude reflexiva quanto à prática da comunicação mercadológica e da criação publicitária de cigarros. Como recorte metodológico, nos utilizamos apenas de um dos produtos comercializados pela indústria Souza Cruz. Evidentemente que não poderemos estender todas as observações e apontamentos descritos aqui à uma configuração generalista de investigação publicitária nesse setor. Acreditamos, sim, que a publicidade de cigarros continuará a existir livremente. Nosso intuito não é simplesmente condená-la, mesmo porque vivemos em uma sociedade “livre” de manifestação intelectual e artística. Contudo, isso não nos exclui do processo de fomento crítico às diversas estruturas sociais, econômicas, políticas e culturais que nos rodeiam. É admissível, portanto, pensar maneiras que possam garantir transparência e reflexão quanto aos discursos publicitários apontados. De certa forma, cabe à universidade e às instituições de pesquisa realizarem tal tarefa. 5 Neste momento vale lembrar ainda os conceitos de primeiridade, secundidade e terceiridade aprofundados por PEIRCE. Acredito que ocorre uma maior concentração de energia no estado de secundidade, visto que o receptor estaria vislumbrado com as possibilidades de significados que o anúncio em questão está tentando transmitir. 6 Nesse sentido seria salutar fazer também um paralelo através de fundamentos da psicanálise. Contudo, para que não houvesse dispersão temática, optou-se por apenas fazer um apontamento reflexivo. 10 A intenção de aliar princípios mercadológicos aos semióticos foi respaldada pelo caráter interdisciplinar que este último possui, principalmente se levarmos em conta as idéias de PEIRCE, pois a associação de signos nos remete a uma racionalidade interpretativa infinita. Isso corroborou para descobrirmos marcas agregadas nas intencionalidades discursivas presentes e ocultas no anúncio publicitário. Apesar de evidenciarmos o ‘agir mercadológico’ como imperativo em nossa sociedade de consumo, propusemos neste artigo a contribuição de alcançar o fomento ao ‘pensar crítico’ publicitário. A publicidade, neste contexto, interage e se destaca no horizonte comunicacional como um espelho permeado por discursos paralelos, muitas vezes, a favor e contra determinado produto. Teses, Dissertações e Artigos Científicos BODDEWYN, J. J. Cigarette advertising bans and smoking: the flawed policy connection. International Journal of Advertising 13(4):311-332, 1994. HARRINGTON, J. Up in smoke: the FTC's refusal to apply the "unfairness doctrine" to Camel cigarette advertising. Federal Communications Law Journal 47(3):593-6, April 1995. HENKE, L. L. Young children's perceptions of cigarette brand advertising symbols; awareness, affect, and target market identification. Journal of Advertising 24(4):13-28, Winter 1995. KING, K. W., REID, L. N., and BECHAM, A. L. Themes and verbal claims in cigarette and alcohol beverage ads. Journal of Current Issues and Research in Advertising 16(2): 7388, Fall 1994. KRACAUER, S. The challenge of qualitative content analysis. Public Opinion Quarterly. 16 (2): 631-42, 1953. KRUGMAN, D. M, et al. Do adolescents amend to warnings in cigarette advertising? An eyetracking approach. Journal of Advertising Research 34(6):39-52, Nov-Dec. 1994. SENGUPTA, Subir, Ph.D. Understanding smokers’ beliefs about quitting cigarette smoking: Directions for antismoking message targeting. University of Georgia, 1990, 129 pp. Director: Leonard N. Reid Order Number DA 9117326. 11 WILKINSON, J. B. & HAUSKNECHT, D. R., and Prough, G. E. Reader categorization of a controversial communication: advertisement versus editorial. Journal of Public Policy & Marketing 14(2):245-254, Fall 1995. Livros ATKIN, Charles & WALLACK, Lawrence (editors). Mass communication and public health. Newbury Park, Sage Publications, 1990. BARTHES, Roland. Elementos de semiologia. São Paulo, Cultrix, 1971. BERELSON, Bernard. Content analysis in communication research. New York, Free Press, 1952. EPSTEIN, Isaac. O signo. 4.ed. São Paulo. Ática, 1991. GRACIOSO, Francisco. Contato imediato com Marketing. 3. Ed. São Paulo. Global, 1993. HIRSCHMAN, Albert O. De consumidor a cidadão - atividades privadas e participação na vida pública. São Paulo. Brasiliense, 1983. HOLSTI, R. O. Content analysis for the social sciences and humanities. Readings, MA: Addison Wesley, 1969. JENSEN, K. B. & JANKOWSKI, N. W. (Eds) Metodologias cualitativas de investigacion en comunicación de masas. Tradución de Joan Soler. Barcelona, Bosh comunicación, 1993. KOTLER, Philip. Marketing. Tradução de H. de Barros. São Paulo. Atlas, 1980. KOTLER, Philip & ARMSTRONG, Gary. Princípios de Marketing. Trad. De Alexandre S. Martins. Rio de Janeiro, Prentice-Hall, 1993. LADEIRA, Julieta de Godoy. Contato imediato com criação de propaganda. São Paulo. Global, 1987. LEISS, William et all. Social communication in advertising. 2. Ed. London. Routledge, 1990. MARANHÃO, Jorge. A arte da publicidade - estética, crítica e kitsch. Campinas. Papirus, 1988. PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica da filosofia. São Paulo. Ed. Cultrix. 12