A PUBLICIDADE DO CIGARRO CARLTON: UM ESTUDO

Propaganda
A PUBLICIDADE DO CIGARRO CARLTON: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO,
MERCADOLÓGICO E SEMIÓTICO
Talvani Lange
Introdução:
No presente artigo abordamos a problemática da publicidade de cigarros num contexto
histórico antitabagista. Tal tema se configura oportuno para uma análise mercadológica e
semiótica dos anúncios publicitários deste setor. Assim, salientamos que o produto cigarro
apresenta uma polêmica envolvendo sua comunicação para com o mercado. Se, por um lado,
destacamos a liberdade de expressão publicitária (contracenada mais ainda com a
obrigatoriedade da presença da tarja de advertência), por outro, presenciamos as organizações
de saúde e segmentos sociais antitabagistas preocupados com a penetração publicitária de tal
produto nos mais variados nichos de mercado, bem como as implicações políticas relacionadas
com o consumo do produto.
Sob uma ótica exploratória de pesquisa, recorremos, primeiramente, ao referencial
teórico do Marketing (KOTLER). Num segundo momento, reforçamos nossa análise com
fundamentos básicos da Semiótica de PEIRCE.
Alguns Estudos já Explorados: Publicidade de Cigarros
O estudo acadêmico em comunicação, mais especificamente em publicidade, é um
campo do conhecimento científico no Brasil ainda pouco explorado.
Assim, recorremos a
periódicos de referência internacional, em sua maioria revistas científicas de comunicação e
publicidade. Dessa maneira extraímos um panorama geral sobre os estudos recentes efetuados
sobre o objeto em questão – publicidade de cigarros.
SENGUPTA (1990) estudou a publicidade antitabagista num contexto direcionado a
públicos diferenciados segundo categorias de análise tais como: raça, escolaridade, tempo de
dependência, classe social e valores culturais e étnicos relacionados aos públicos envolvidos.
Diferenças significativas foram descritas e extraídas após a pesquisa em questionário. Em geral
o autor conclui que a publicidade antitabagista, para ser mais efetiva, deveria ser configurada
em sintonia com as crenças e valores relacionados ao público específico que se pretende
atingir.
KING, REID e BECHAN (1994), após realizarem análise de conteúdo de anúncios de
cigarros, consideraram que existe uma tendência em explorar questões de gênero (masculino e
feminino) na publicidade de cigarros. Sob uma análise de produção simbólica, tais anúncios
costumam passar a idéia de sucesso e de boa qualidade de vida.
KRUGMAN (1994) estudou, experimentalmente, os efeitos das advertências
antitabagistas (banners) contidas nos maços de cigarros junto ao público adolescente. Conclui
que a atenção seletiva para com o anúncio é maximizada quando se utilizam mudanças no
slogan das advertências durante as campanhas publicitárias.
Por outro lado, BODEWYN (1994) analisa que tais chamadas não possuem valor
empírico para uma proposição antitabagista, principalmente se considerarmos a hipótese de que
o banner contribui para a diminuição do consumo entre adolescentes. Dados estatísticos
revelam um paradoxo quanto a premissa anteriormente estabelecida.
Relacionando processos de percepção simbólica e cognitiva sobre propagandas de
cigarro, HENKE (1995) extraiu considerações importantes através de entrevistas com crianças.
Em sua pesquisa é discutido o aspecto cognitivo quanto aos malefícios do cigarro. O trabalho
demonstra que a consciência crítica aumenta com a idade e que elas acreditam que fumar é
prejudicial à saúde. Outro aspecto interessante é o fato de elas se auto considerarem um
público inadequado para o mercado de cigarros.
Sob outro âmbito, HARRINGTON (1995) questiona princípios jurídicos a partir da
polêmica abordada na mídia sobre os anúncios do cigarro CAMEL nos EUA. Joe CAMEL
(mascote símbolo da marca) é caracterizado como popular entre os adolescentes e crianças. O
FTC (Federal Trade Comission) nos EUA tem processado a fábrica, alegando tal apelo
publicitário como uma ação inadequada de marketing, pois incitaria o vício às crianças e
adolescentes.
Contudo, constitucionalmente, a liberdade de expressão é tomada como
parâmetro para uma discussão democrática, relacionando limitações jurídicas junto a tal
contexto.
Analisando a conjuntura histórica que reflete o cerco ao consumo e à penetração do
cigarro no mercado bem como sua publicidade comercial, WILKINSON, HAUSKNECHT e
PROUGH (1995) estudaram o editorial contido em jornais patrocinados pela R. J. Reynolds
Tobacco Company.
Através de entrevistas verificou-se que um quarto (1/4) dos leitores
considerava matérias sobre cigarro como informação jornalística e não publicitária. Os autores

Publicitário. Mestre em Comunicação Mercadológica (UMESP). Doutorando em Comunicação Massiva
2
sugerem que regulamentos precisam ser feitos para o estabelecimento de regras norteadoras
sobre a distinção entre material editorial e publicitário e seu impacto junto ao público receptor.
Sob esse mesmo enfoque, BASIL (1997) também enfatiza, através de análise de conteúdo em
programas de TV, o fato de celebridades famosas em filmes estarem sendo focalizadas
consumindo cigarro.
O autor critica o fato de que tal formato publicitário (no Brasil
popularmente conhecido como merchandising) não é explícito e transparente junto ao público
telespectador.
DUFFY (1996) ressalta que nas últimas duas décadas jornais tem demonstrado especial
atenção quanto à temática da propaganda e o consumo de tabaco.
DUFFY critica a
ineficiência das tarjas de advertência contidas nos maços e anúncios de cigarro e que,
aparentemente, tal publicidade convencional não possui efeito isolado para com a consciência
do consumo de cigarros junto a população em geral.
Metodologia de Estudo
Como foi proposto um recorte exploratório de pesquisa, utilizamos o método de estudo
de caso, utilizando a técnica de análise de conteúdo para com a publicidade em mídia impressa
referente ao cigarro
CARLTON.
Nesse sentido é importante ressaltar que a análise de conteúdo
no campo de comunicação tem adquirido conotações metodológicas diferenciadas. Com o
intuito de estudar o conteúdo manifesto da mensagem, ela foi grandemente alavancada e
desenvolvida nas ciências da comunicação por intermédio de BERELSON (1952) sob um
âmbito quantitativo. Para BERELSON ela seria uma técnica de investigação para a descrição
objetiva, sistemática e quantitativa. Entretanto, tais aspectos tem sido muito questionados,
principalmente na esfera da adequação metodológica.
Ou seja, KRACAUER (1953)
a
concebeu sob uma dimensão qualitativa, pois certa subjetividade na escolha de categorias já
corroborava para tal fim. Para HOLSTI (1969), uma correta análise de conteúdo é permeada
por ambos os métodos.
No presente estudo procuramos configurar a análise de conteúdo não estritamente sob
uma esfera quantitativa, mas apoiada, principalmente sob o fundamento sígnico de produção e
interacionismo simbólico.
Sob esse último enfoque é que processamos nossa base de investigação publicitária. A
obrigatoriedade da presença dos banners de advertência nos maços de cigarros instituída em
(UMESP). Professor do curso de Publicidade e Propaganda da UMESP e UNICAPITAL.
3
1988 através de entidades de saúde, como a OMS (Organização Mundial de Saúde) por
exemplo, nos motivou a efetuarmos reflexões quanto ao discurso publicitário existente antes e
depois de tal período.
Assim, como produto, delimitamos a análise da presença da carteira de cigarros contida
na publicidade da contracapa da revista VEJA entre 1985 a 1999.
Como foi abordado
anteriormente, não foi proposto estabelecer enfoques quantitativos e comparativos com relação
a presença da publicidade em contracapa na mídia revista. Enfocamos, sim, a evolução da
mesma (com relação aos signos existentes na figura da carteira) sob a perspectiva básica da
segmentação e comunicação publicitária (KOTLER) e da semiótica ‘peirciana’
A Publicidade no Contexto do Marketing
O Marketing, como conceito que foi difundido no Brasil, é oriundo da evolução das
técnicas comerciais, principalmente nos Estados Unidos.
Segundo Francisco Gracioso, a
tradução mais próxima para o nosso idioma seria o ato de mercadejar, de mercância. Num
sentido mais popular, podemos entender o conceito como mercadologia ou comercialização.
Assim achamos também relevante apontar as definições de Philip KOTLER (1980: 31):
Marketing é a atividade humana dirigida para a satisfação das necessidades e desejos, através
dos processos de troca.
O que estamos , de certa forma, analisando em tal artigo é a proposição de que a partir
do conceito de troca podemos também fazer uma analogia da existência do produto cigarro no
mercado e sua relação com o consumidor.
Nesse cenário, o composto mercadológico usual que é utilizado até os dias atuais foi
concebido como um sistema integrado pelos elementos produto, preço, praça e promoção
(KOTLER) de uma empresa.
Assim, a estratégia de Marketing para uma empresa sempre configurará aspectos
inovadores em algum desses elementos, almejando a composição integrada dos mesmos. Por
exemplo:
o produto deve estar em sintonia com a comunicação do mesmo (o público
adequado), caso contrário, o composto integrado de Marketing já estará com falhas. Isso, é
claro, refletirá negativamente na lucratividade da empresa.
A publicidade, nesse contexto, seria uma das ferramentas do Marketing a partir do
composto promocional ou de comunicação apontado por KOTLER. Assim, a publicidade será
4
compreendida como a venda e a compra de um espaço/tempo em um determinado veículo de
comunicação1.
Nesse mesmo âmbito é importante ressaltar também que compõem o composto
promocional, ainda, as seguintes ferramentas básicas: relações públicas, promoção de vendas,
propaganda e venda pessoal. Contudo, este trabalho não tem o propósito de aprofundar cada
um desses elementos.
O Produto e Marca do Cigarro no Contexto Mercadológico
Como estamos trabalhando com o produto cigarro é conveniente citar a definição de
produto como qualquer coisa que pode ser oferecida a um mercado para aquisição, atenção,
utilização ou consumo e que pode satisfazer a um desejo ou necessidade. (KOTLER &
ARMSTRONG, 1991: 173).
Os autores apontam ainda que existem três níveis de
diferenciação para com o produto, que podem ser categorizados em: produto básico, tangível e
ampliado. O primeiro corresponderia ao benefício ou serviço básico. O segundo seria os
aspectos como qualidade, marca, embalagem. O terceiro corresponderia à instalação, entrega,
crédito, garantia e serviços de pós-venda.
Em relação ao produto cigarro CARLTON, propomos considerar uma análise,
basicamente no conceito ampliado de tangibilidade que perpassa a existência do produto. Ou
seja, a configuração da mercadoria e sua extensão mercadológica: o produto básico e sua
extensão sígnica. Básico corresponderia, então, à composição química do fumo contido no
cigarro que, mediante a “nicotina” forneceria doses de satisfação física e psicológica ao
fumante. Esse seria o “benefício” oferecido ao usuário do produto. A sua tangibilidade estaria
vinculada à mistura, armazenamento, cuidados diferenciados para com o fumo (tabaco), a
marca CARLTON, o designa da embalagem, o estilo e posicionamento de vida proposto
através da publicidade agregada ao produto – a proposição de um conceito criativo na mente do
consumidor potencial da mercadoria.
Evidentemente que, em tal contexto, encontraremos o cigarro CARLTON como um dos
produtos comercializados por uma Indústria maior. No caso: Souza Cruz. Assim, sob a ótica
1
Vale ressaltar que há diferenciações terminológicas entre publicidade e propaganda. Contudo, o âmbito de tal
trabalho não propõe tal reflexão. Apenas é conveniente comentar que o termo original para compra e venda de
espaço publicitário em veículo de comunicação é nominado por KOTLER como Advertising.
5
do marketing, a classificação e diferenciação de mercado são trabalhadas. Para isso temos o
conceito de segmentação que é o processo de classificar os clientes em grupos com diferentes
necessidades, características ou padrões de comportamento. (KOTLER & ARMSTRONG,
1991: 467). Deste modo, podemos refletir que a segmentação é abordada basicamente em três
níveis funcionais:
a- Em função do mi de produtos de uma indústria;
b- Em função da lucratividade maior;
c- Em função de perfis psicológicos e comportamentais diferenciados de consumidores.
É, portanto, nesse horizonte que avistamos o processo de troca envolvido entre
empresa/indústria e consumidor ou grupo de consumidores.
O processo de segmentação,
portanto, é uma derivada da estratégia de marketing que a empresa/indústria está adotando. O
CARLTON estaria potencialmente dirigido a um grupo específico de consumidores. Assim, os
aspectos promocionais que envolvem a referida marca de cigarro, contemplam na publicidade
uma ferramenta de comunicação de massa para com o nicho de mercado proposto. Hábitos,
atitudes, comportamento, estilo de vida e demais variáveis psicográficas do consumidor irão
compor um espectro estratégico na determinação segmentada do produto e seu planejamento de
campanha publicitária através das agências de publicidade.
Apreciação Semiótica dos Anúncios: Cigarros Carlton
Para que fosse efetuada uma observação semiótica dos anúncios da amostragem, foi necessário
ter noções sobre princípios de segmentação e de comunicação mercadológica. Assim, pudemos
estabelecer comparações plausíveis através dos subsídios teóricos apontados. Nesse paralelo,
nos guiamos por fundamentos elementares da semiótica peirciana em relação à existência do
signo e sua classificação básica. Como prognóstico apontamos, a seguir, o comentário de
PIGNATARI a respeito de tais elementos básicos da semiótica de PEIRCE. Ou seja, a existência
do signo estará primariamente classificada em ícone, índice e símbolo. Assim temos
como definição:

Ícone, quando possui alguma semelhança ou analogia com o seu referente. Exemplos:
uma fotografia, uma estátua, um esquema, um pictograma.

Índex ou Índice, quando mantém uma relação direta com o seu referente, ou a coisa
que produz o signo. Exemplos: chão molhado, indício de que choveu; pegadas, indício
6
de passagem de animal ou pessoa; uma perfuração de bala, uma impressão digital
etc.

Símbolo, quando a relação com o referente é arbitrária, convencional. As palavras,
faladas ou escritas, em sua maioria, são símbolos. Quando eu pronuncio os fonemas
correspondentes a mesa, por exemplo, o som complexo que emito designa um
determinado objeto por convenção estabelecida."
2
Neste estudo, presenciamos a carteira de cigarro como objeto de análise.
Ela seria,
portanto, um ícone representado na ilustração impressa do anúncio. Como índice, podemos
considerar a presença de todos os objetos e elementos que compõem o cenário em que a
carteira está inserida,
transmitindo, de certa forma, uma atmosfera de luxo, sofisticação,
requinte, prazeres, os quais, não acessíveis a qualquer indivíduo sem condição financeira
favorável. Com essa visão é que ressaltamos a interligação dos elementos mercadológicos
apontados anteriormente com os princípios semióticos espelhados na criação publicitária. O
índice ao qual nos referimos nesse contexto estará, assim reforçando, a intencionalidade de
estabelecer um posicionamento segmentado a nichos de mercado com maior poder aquisitivo.
O símbolo publicitário, entendido sob o espectro da arbitrariedade, estará representado no
brasão de cor vermelha, característica sempre presente em toda a amostragem analisada. Ele
será ainda mais perceptível nos anúncios de 1992 em diante. O brasão vermelho passará a
reunir um conteúdo informativo maior, pois há, de certa forma, uma tentativa na diminuição de
elementos indiciais anteriores que caracterizassem uma atmosfera explícita de manifestação
intencional do repertório a ser comunicado ao receptor da mensagem. Nesse caso, ocorre uma
migração informativa sob um cenário complexo de códigos transferidos do índice e do ícone
para o símbolo, o qual estará compactando e armazenando ‘bits’3 deixados pelos signos
paralelos nesse processo metasemiótico.
Sob uma perspectiva histórica e ideológica é que também efetuamos tal análise. A partir
de 1988, observa-se a presença dos banners de advertência assinados pelo ministério da saúde.
Essa ‘dupla propaganda’ é que nos intriga a reflexão. Encontramos, portanto, duas forças
antagônicas tentando ‘informar o receptor’ da mensagem – provável consumidor. De um lado
o requinte persuasivo da criação publicitária do cigarro. De outro, a advertência para com o
consumo de tal produto, considerado maléfico a saúde. Como características de droga, a
nicotina possui, relativamente, propriedades viciantes junto aos usuários. Não estamos aqui
2
Décio PIGNATARI, Informação Linguagem Comunicação, São Paulo, Cultrix, 1993, p. 25.
7
simplesmente condenando o uso da mesma, pois já é de conhecimento que drogas existem e
foram desenvolvidas e aperfeiçoadas pelo ser humano com o intuito de auxilia-lo em diversas
disfunções orgânicas e/ou psicológicas. Complicado é estabelecer o equilibrado e correto uso
das mesmas. Nessa lacuna existente é que presenciamos as indústrias capitalistas do fumo que
souberam explorar mecanismos mercadológicos e persuasivos para a comercialização de tal
produto. Mais intrigante ainda é saber que grande parte do “bolo publicitário” arrecadado nos
veículos de comunicação é proveniente dos anunciantes de cigarro4. Forma-se, assim, uma
conjuntura complexa de interesses mercantis e políticos favoráveis a perpetuação da existência
de tal tipo de publicidade, nem que para isso tenhamos a presença “esclarecedora” dos
malefícios do consumo do produto.
Pois bem, a evolução do discurso publicitário de tal produto/marca sofreu algumas nuances
modificadoras de 1986 até os dias atuais.
Num contexto semiótico, iremos observar o
esvaziamento e ocultamento da figura da carteira do cigarro na publicidade – que
corresponderia, num primeiro momento, ao ícone já descrito. Assim, até 1991, evidenciamos a
presença do ícone no cenário publicitário impresso. A partir de 1992 até 1998, o ícone carteira
é ocultado, dando margem a uma ligação imaginária e substitutiva neste conjunto sígnico. Ou
seja, ocorre uma transferência icônica entre elementos na imagem: a carteira passa a ser
representada por outros objetos de requinte, sofisticação e prazer, como a porta e maçaneta de
um hotel de luxo, um pedestal para partitura de música ou até mesmo as feições faciais de uma
mulher.
Por outro lado, o símbolo (no caso o brasão vermelho) fica remanescente nas
ilustrações sem alterações significativas no seu formato até 1998.
O símbolo arbitrário estará assim assumindo, portanto, uma conjuntura de reforço e
transcodificação indicial, pois através do mesmo, estabelece-se o índex da presença do cigarro
CARLTON nos momentos de ‘raro prazer’, aliás configurado como slogan permanente das
campanhas. O intuito de não revelar o objeto (ícone) real, no caso a carteira, é trabalhado
propositalmente e com mistério na criação publicitária. A conjuntura histórico - ideológica
favorece tal discurso, uma vez que com a presença da censura, procuram-se maneiras de revelar
ao receptor da mensagem mecanismos subliminares de persuasão e comunicação com o
mercado.
Nesse contexto talvez nos questionaríamos sobre tal deslocamento de informação. Como é
processada e decodificada a informação publicitária pelo receptor neste jogo transcodificado?
3
Estamos nos referindo aqui a unidades de informação.
8
Qual seria a funcionalidade da retenção informativa neste processo? Supostamente, podemos
refletir que o conteúdo informativo de tais anúncios é maximizado para a decodificação
publicitária, pois se evidenciamos um esvaziamento de elementos visuais (ícones)
na
publicidade, observamos em contrapartida um aumento nas possibilidades de significados do
anúncio esvaziado.
Neste fluxo, consideraríamos, quem sabe, uma perda de energia
decodificatória para com o ícone e um ganho de energia ‘índex’ para a tentativa da
racionalidade interpretativa5.
Por último, como já foi descrito anteriormente, o próprio símbolo assumiria tal conteúdo,
concentrando em si o âmago da significação publicitária neste jogo migratório de signos e de
processos simbólicos. Num primeiro momento, ele conservaria ainda a sua forma acoplada a
outros elementos figurativos na imagem – outros ícones substitutivos à carteira. Num segundo
instante, seu formato também é alterado, constituindo e se confundindo como parte essencial
dos objetos-ícones apresentados no conjunto imagético. Assumiria, assim, vida intrínseca ao
prazer da conjuntura sígnica proposta. Contudo, quanto à decodificação publicitária por parte
do receptor, há a intencionalidade de propor certo desconforto em primeira instância para como
o início do processo decodificatório.
Pois a relação anunciante x produto x contexto x
intencionalidade não é explicitada ao público, provocando um esforço psíquico para o
entendimento do anúncio. Tal desconforto é de certa maneira sanado em segunda instância
através da ligação indicial do símbolo ao ícone da carteira oculta em que se estabelece a
retomada do conforto no entendimento da mensagem, nessa viagem entre desconforto e
conforto é que é processado o prazer no ‘consumo’ do anúncio publicitário, pois para
HIRSCHMAN (1983: 32) prazer é entendido como: ... a experiência de viajar do
desconforto para o conforto, enquanto que este último é atingido no ponto de destino.
Infere-se daí uma oposição entre prazer e conforto, pois, para se experimentar o prazer,
é necessário sacrificar temporariamente o conforto.
Ainda neste ponto, a palavra prazer está presente no ‘slogan’ permanente das campanhas
da logomarca CARLTON. A assinatura do mesmo se intitula: “CARLTON – um raro prazer”.
Raro porque não é posicionado no mercado para ‘qualquer um’. A segmentação de mercado é
posicionada através da criação publicitária a um público seleto como já foi descrito antes. A
raridade no prazer pode estar configurada e exaltada ainda mais nos anúncios de 1992 em
4
Sobre isso recomenda-se verificar o texto que comprova tal afirmação: edição especial da Revista PROPAGANDA
n.º 395 – dezembro de 1987, p. 70.
9
diante, quando é observada uma ruptura no discurso criativo dos anúncios. Ou seja, há uma
diminuição notória da quantidade de elementos visuais no cenário gráfico.
Contudo,
permanecem alguns ícones que determinam um índice de requinte e sofisticação. Assim no
objeto-ícone ilustrado é acrescentado o símbolo da logomarca CARLTON, pressupondo que o
produto pode estar presente nessas conjunturas de prazer, nem que para isso seja raro de
encontrá-lo ou acessível a poucos de uma casta social. Isso configura uma atmosfera de
exclusividade no consumo e nas relações de troca, pois uma das características psicológicas que
aflora muitas vezes no ser humano é o egocentrismo6. A publicidade, então, fornecendo certa
parcela de egocentrismo ao destinatário estará criando uma relação empática, oferecendo um
“prazer” exclusivo àquele que consumir o seu produto. Entretanto, é do conhecimento da
Psicologia que tal prazer é oferecido com o intuito de sanar uma lacuna provocada por
situações de conflito psíquico no indivíduo. Uma relação substitutiva e de troca simbólica para
a resolução de tal problema. Se é verdadeira ou falsa? Não é nossa intenção propor uma
investigação nesse âmbito moral. Apenas estamos realçando algumas nuances descritivas em
tal processo de significação.
Considerações Finais
Chegamos, portanto, ao final desta análise. A proposição básica do mesmo foi provocar
uma atitude reflexiva quanto à prática da comunicação mercadológica e da criação publicitária
de cigarros.
Como recorte metodológico, nos utilizamos apenas de um dos produtos
comercializados pela indústria Souza Cruz. Evidentemente que não poderemos estender todas
as observações e apontamentos descritos aqui à uma configuração generalista de investigação
publicitária nesse setor. Acreditamos, sim, que a publicidade de cigarros continuará a existir
livremente. Nosso intuito não é simplesmente condená-la, mesmo porque vivemos em uma
sociedade “livre” de manifestação intelectual e artística. Contudo, isso não nos exclui do
processo de fomento crítico às diversas estruturas sociais, econômicas, políticas e culturais que
nos rodeiam. É admissível, portanto, pensar maneiras que possam garantir transparência e
reflexão quanto aos discursos publicitários apontados. De certa forma, cabe à universidade e às
instituições de pesquisa realizarem tal tarefa.
5
Neste momento vale lembrar ainda os conceitos de primeiridade, secundidade e terceiridade aprofundados por
PEIRCE. Acredito que ocorre uma maior concentração de energia no estado de secundidade, visto que o receptor
estaria vislumbrado com as possibilidades de significados que o anúncio em questão está tentando transmitir.
6
Nesse sentido seria salutar fazer também um paralelo através de fundamentos da psicanálise. Contudo, para que
não houvesse dispersão temática, optou-se por apenas fazer um apontamento reflexivo.
10
A intenção de aliar princípios mercadológicos aos semióticos foi respaldada pelo caráter
interdisciplinar que este último possui, principalmente se levarmos em conta as idéias de
PEIRCE, pois a associação de signos nos remete a uma racionalidade interpretativa infinita.
Isso corroborou para descobrirmos marcas agregadas nas intencionalidades discursivas
presentes e ocultas no anúncio publicitário.
Apesar de evidenciarmos o ‘agir mercadológico’ como imperativo em nossa sociedade
de consumo, propusemos neste artigo a contribuição de alcançar o fomento ao ‘pensar crítico’
publicitário. A publicidade, neste contexto, interage e se destaca no horizonte comunicacional
como um espelho permeado por discursos paralelos, muitas vezes, a favor e contra determinado
produto.
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