BC decide juros, em busca de credibilidade Valor Econômico 02/03/2011 O Comitê de Política Monetária (Copom) dá mais um passo hoje para tentar conquistar a credibilidade necessária ao sucesso da política de combate à inflação. Embora a cúpula do governo não veja problema num aumento maior da taxa básica de juros (Selic), a maioria dos participantes do mercado espera uma alta de 0,50 ponto percentual, amparada no fato de que o Banco Central (BC) não sinalizou antes uma elevação maior. O fato positivo é que o governo está claramente numa cruzada para conter a aceleração dos preços e reverter as expectativas de inflação, que seguem se deteriorando. Por enquanto, Brasília está perdendo a batalha. O mercado segue cético tanto em relação ao rigor fiscal prometido quanto à atuação do BC. No primeiro caso, as dúvidas dizem respeito à verdadeira dimensão dos cortes no Orçamento Geral da União de 2011 anunciados segunda-feira. Talvez, a desconfiança esteja mais relacionada ao mensageiro do que à mensagem. O importante no ajuste das contas do governo é a indicação de que, este ano, o gasto público crescerá abaixo da taxa de expansão do Produto Interno Bruto (PIB). A contenção da sua própria demanda é a contribuição que o setor público pode dar agora, quando há um claro descompasso entre oferta e demanda na economia. Momento justifica medidas prudenciais Já a desconfiança quanto aos propósitos da nova diretoria do BC, esta só será dissipada quando os resultados do combate à inflação aparecerem. A briga, nesse caso, é com a carestia e não com o mercado. É absolutamente tola a ideia de que o governo está fazendo cortes nas despesas para promover a saciedade do mercado. O problema é a inflação. Integrantes do mercado duvidam do arsenal que o BC vem usando para enfrentar os preços. Julgam que o recurso a medidas macroprudenciais (aumento de recolhimento compulsório e de requerimento de capital, entre outras) é para não aplicar diretamente a taxa de juros. Um BC "dovish" (frouxo) atenderia a interesses políticos. É difícil prever o que vai acontecer, governo e BC têm apenas dois meses, mas o fiel da balança nessa "disputa" será o comportamento da inflação. O uso de medidas macroprudenciais vem se disseminando no mundo desde o pós-crise de 2008 e há razões concretas para recorrer a esse tipo de expediente neste momento. As principais consequências da crise mundial foram a desalavancagem de bancos e empresas, o aperto das condições financeiras, a deflação dos preços dos ativos e a perda de produto. Para desfazer o que o economista Papa N'Diaye, do Fundo Monetário Internacional (FMI), chamou de "mecanismo vicioso de retroalimentação", os bancos centrais, principalmente os das economias avançadas, reduziram as taxas de juros a quase zero e adotaram medidas para aumentar a liquidez e estimular o crédito doméstico. Atuaram, ainda, como emprestadores de última instância para instituições relevantes do ponto de vista sistêmico, criaram novas linhas de socorro e compraram papéis de governos e empresas privadas. As medidas, aliadas a iniciativas de forte expansão fiscal, ajudaram a tirar os países do pior da crise. Como a recuperação ainda é incerta (ou "jobless", sem geração de empregos), os governos têm se recusado a suspender o alívio fiscal e monetário. A manutenção dos estímulos por um período prolongado de tempo provoca, porém, inflação de preços e ativos, colocando em risco a estabilidade financeira e macroeconômica futura. O risco de formação de bolhas de crédito, alimentado pelo excesso de liquidez no mercado mundial, é real. Por isso, países como Brasil, Austrália, Nova Zelândia e Suécia têm lançado medidas para aumentar a segurança do sistema financeiro. No caso brasileiro, em novembro passado, o BC constatou que, nos contratos de financiamento de automóveis de 60 meses, a inadimplência no primeiro ano estava muito maior do que em idêntico período de uma operação de 36 meses. Ao aumentar o requerimento de capital dos bancos e exigir pagamento de pelo menos 20% de entrada nos financiamentos, o BC forçou o encurtamento dos prazos e encareceu os empréstimos, agindo, portanto, de forma preventiva. Uma fonte explica que a abundância internacional de capitais gera liquidez e crédito aqui dentro. Além disso, o volume de crédito da economia saltou, em poucos anos, de 25% para 47% do PIB. A medida macroprudencial regula o sistema financeiro e tem efeito sobre a demanda, ajudando o BC a combater a inflação. Com isso, a necessidade de elevar juros é menor. "(...) Com regras regulatórias anticíclicas - como a fixação de uma razão anticíclica para adequação de capital -, bancos centrais podem atingir os mesmos objetivos em termos de produto e inflação, com menos ajuste nas taxas de juros", atesta Papa N'Diaye, em estudo no qual fez simulações sobre os impactos de medidas prudenciais na inflação e na prevenção de crises de ativos. "As simulações também mostram que essas regras anticíclicas de adequação de capital podem ajudar a conter flutuações nos preços dos ativos. Uma vez que os aumentos dos preços dos ativos, combinados com o elevado crescimento do crédito, têm sido vistos como ingredientes-chave na formação de desastres financeiros, regras macroprudenciais anticíclicas poderiam também diminuir, potencialmente, os riscos de instabilidade financeira", diz o economista (o estudo pode ser encontrado no endereço: imf.org/external/pubs/ft/wp /2009/wp09257.pdf). Ao diminuir a necessidade de elevação dos juros, as medidas macroprudenciais impedem o aumento do diferencial de taxa de juros entre o Brasil e o resto do mundo, diminuindo a apreciação da taxa de câmbio. Um integrante do governo assegura, no entanto, que o BC não substituirá os juros por medidas prudenciais. "O BC não vai usar a política de juros para desinflar uma bolha no setor imobiliário, se houver. Como também não deve usar medida macroprudencial para segurar a inflação, como instrumento", diz a fonte. "Inflação é um problema global e o Brasil é um dos poucos que está lidando com o problema de frente. Tem muita gente por aí 'dragging their feet' (arrastando os pés). Em vez de enfrentar o problema, está esperando que a inflação de alimentos diminua." Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras E-mail [email protected]