BIBLIOTECA DeA - Demarest Advogados

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BIBLIOTECA DeA
Fonte:
15/02/2011
Artigo
Marketing de Emboscada em Tempos de Copa do Mundo e Jogos Olímpicos
O esporte desperta paixões em todo o mundo, influenciando comportamentos e
valores sociais. As práticas esportivas mobilizam a coletividade, e quanto maior for
o interesse social em dada prática esportiva, maior será seu público e sua projeção.
Não é de hoje que empresas e indústrias vislumbraram que o esporte, mais do que
atrair torcedores apaixonados, traz à tona um mercado consumidor a se explorar.
Assim, para a promoção de publicidade nesse novo nicho, surgiu a chamada
"indústria do esporte".
Uma das formas de investimento neste setor é por meio da aquisição de cotas de
patrocínio de eventos esportivos. Dependendo do tamanho do evento as cotas de
patrocínio podem ser bastante vultosas, limitando os patrocinadores a um "seleto"
grupo que usufruirá de toda a projeção do evento para exibir seus produtos e
serviços em variadas formas de publicidade e mídia.
À prática consubstanciada na adoção de manobras comerciais e de publicidade que
associem o nome, marca e/ou outros sinais distintivos de um evento esportivo a
empresas que não tenham adquirido cotas de patrocínio, dá-se o nome de
marketing de emboscada (do inglês, ambush marketing), por alguns também
denominado marketing de associação.
O aspecto subjetivo que perpassa o conceito
intuito daquele que promove a associação de
esportivo de causar uma falsa impressão junto
público um patrocinador oficial quando não o
benefícios a partir de uma associação indevida.
do marketing de emboscada é o
sua marca a determinado evento
ao público, fazendo-se parecer ao
é e, assim, angariar vantagens e
Mas nem toda forma de associação pressupõe ilicitude. Há também práticas de
marketing que fazem associações indiretas, criativas, sem que ocorra
necessariamente violação de direitos. A caracterização ou não de uma prática
ilícita, ou ao menos de ética concorrencial questionável, deve ser apreciada no caso
concreto, observado o contexto geral.
O tema é atual e de grande interesse para as empresas brasileiras, especialmente
porque o Brasil sediará a Copa do Mundo FIFA de 2014 e o Rio de Janeiro, os Jogos
Olímpicos e Paraolímpicos de 2016.
Esses dois campeonatos são exemplos clássicos de eventos esportivos de grande
dimensão cujos nomes e marcas não raro são associados, sem autorização de seus
organizadores, a marcas de empresas que não são patrocinadoras.
O Comitê Olímpico Internacional (COI) e a Fédération Internationale de Football
Association (FIFA) têm um histórico de adoção de medidas de combate ao
marketing de emboscada em âmbito global e já se mostram preocupados em
prevenir associações por não patrocinadores para os próximos jogos no Brasil.
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Preocupação justificada em razão das altas cifras que eventos como esses
movimentam. Apenas para que se tenha uma idéia da ordem de investimentos,
estima-se que para a Copa de 2014, serão investidos U$ 9,42 bilhões em obras de
infraestrutura, mais que o dobro do gasto divulgado pelo governo da África do Sul
para o Mundial deste ano. Já as cotas de patrocínio, especula-se que oscilem entre
US$ 40 e 80 milhões, dependendo do tipo de patrocinador.
Para os Jogos Olímpicos de 2016, estima-se investimentos da ordem de US$ 15
bilhões em obras de infraestrutura. As cotas de patrocínio, por sua vez, devem
oscilar entre US$ 14 e 130 milhões, totalizando US$ 570 milhões, sem contar as
receitas advindas de doações e licenciamentos.
Desde a confirmação do Rio de Janeiro como cidade sede dos Jogos Olímpicos, o
COI tem divulgado maciçamente sua ofensiva contra práticas de pirataria e o
marketing de emboscada e para isso conta também com o compromisso assumido
pela própria cidade quando de sua candidatura.
A Tutela Legal
A proteção aos direitos do organizador sobre os sinais distintivos do evento
encontra tutela principalmente na propriedade intelectual, que abarca os direitos
sobre a marca, bem como direitos autorais de símbolos, mascotes, músicas, etc.
É importante destacar que nos termos da Lei de Propriedade Industrial a proteção
ao nome, prêmio ao símbolo de evento esportivo é assegurada independentemente
do registro como marca por seu organizador. Portanto, há a proteção legal ao
nome, prêmio ou símbolo, que é intrínseca ao evento esportivo, além dos direitos
assegurados pelos registros de marca que o organizador pode deter.
Por sua vez, a Lei de Direitos Autorais abrange uma gama variada de obras
intelectuais sob sua proteção, inclusive as composições musicais, desenhos,
pinturas, gravuras, ilustrações, etc. A titularidade de obras autorais em favor de
pessoas jurídicas (como no caso de entidades organizadoras de eventos esportivos)
é obtida pela formalização da cessão dos direitos pelo autor, e assegura à
cessionária os direitos patrimoniais sobre a obra, que incluem o "direito exclusivo
de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica."
Portanto, sendo a entidade organizadora de um evento esportivo a legítima titular
dos direitos autorais sobre símbolos, mascotes e músicas, terá esta a prerrogativa
de impedir qualquer modalidade de uso da obra protegida que seja feita sem sua
autorização.
No caso dos Jogos Olímpicos, há também legislação específica aplicável. O Tratado
de Nairobi dispõe sobre a proteção ao símbolo olímpico (os chamados "anéis
olímpicos"), e a Lei nº 9.615/98, conhecida como Lei Pelé, que assegura ao Comitê
Olímpico Brasileiro (COB) e ao Comitê Paraolímpico Brasileiro (CPOB) o direito
privativo de uso das bandeiras, lemas, hinos e símbolos olímpicos e paraolímpicos e
também das denominações "jogos olímpicos", "olimpíadas", "jogos paraolímpicos" e
"paraolimpíadas". Há, ainda, legislação mais recente, o Ato Olímpico, aprovado e
promulgado no fim do ano passado, que ratifica a proteção aos signos distintivos
olímpicos, bandeiras, emblemas, lemas, hinos, e em especial aqueles relacionados
aos Jogos de 2016.
A despeito de toda a proteção assegurada pela legislação atualmente em vigor, o
COB, tem buscado ampliar ainda mais o rol de expressões e sinais sob
exclusividade, sob a justificativa de prevenir e fazer cessar práticas de marketing
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de emboscada. Foi com esse propósito que enviou ofício ao Senado Federal, pelo
qual requer a ampliação da proteção conferida pelo Ato Olímpico, para incluir
"novos termos ou expressões cujo uso ou combinação com outros elementos
possam induzir a uma falsa associação com os Jogos Rio 2016". A proposta ainda
não foi apreciada, mas já serve para demonstrar o grau de intolerância do
organizador quanto ao uso de qualquer elemento que faça qualquer alusão, ainda
que remota e indireta, aos Jogos Olímpicos.
A FIFA também vem tomando medidas de repressão. Segundo notícia
recentemente divulgada na mídia, a FIFA moveu 2.500 ações judiciais em todo o
mundo nos últimos três anos para a proteção da marca "COPA DO MUNDO".
A exemplo do Ato Olímpico, tramita no Senado Federal um projeto de lei com o
propósito de definir as regras para anúncios e campanhas publicitárias durante a
realização da Copa do Mundo FIFA de 2014 e Copa das Confederações FIFA Brasil
2013.
Além de reiterar os direitos sobre marcas, denominações, símbolos e demais sinais
distintivos da Copa do Mundo FIFA, o projeto faz menção a "zonas limpas" e "zonas
limpas de transporte", que seriam áreas previamente determinadas onde seriam
proibidas "toda forma de comércio de rua ou comércio não autorizado, segundo a
legislação local" e "toda forma de anúncio, propaganda ou publicidade, marketing
não autorizado pela FIFA ou pelos organizadores, ou ainda conflitante com o
interesse dos mantenedores de direitos da FIFA", sob pena de aplicação de multa e
outras sanções.
O texto do referido projeto toca em ponto bastante delicado, pois trata de possível
delimitação e controle territorial para a promoção de publicidade, num perigoso
caminho de restrição à liberdade de expressão e de concorrência, asseguradas a
todos constitucionalmente. Se aprovado o texto desta forma, empresas não
patrocinadoras estariam impedidas de expor suas marcas em determinado raio
previamente definido pelas prefeituras das cidades-sede, o que, a rigor, atingiria e
limitaria todo o comércio dentro daquele raio geográfico, incluindo bares,
restaurantes, lojas, etc.
A FIFA vem buscando estabelecer normas desta natureza nas cidades-sede de seus
eventos já como parte da política da organização. Em recente ação conjunta com o
governo da África do Sul desenvolveu um programa focado na proteção dos ativos
de Propriedade Intelectual intitulado "Rights Protection Programme" que, em
síntese, define um perímetro urbano da cidade chamado de "Exclusion Zone" ou
"Commercial Restriction Zone" ("Zona de Exclusão" ou "Zona de Restrição
Comercial"), onde haveria maiores restrições quanto às ações de marketing e
publicidade.
No entanto, especialmente quando se trata de eventos esportivos de grande
magnitude e clamor popular como a Copa do Mundo de Futebol e as Olimpíadas, a
referência a esses eventos torna-se assunto do cotidiano, de grande interesse
social, e é preciso ter cuidado quanto aos limites do exercício dos direitos de
exclusividade de organizadores e patrocinadores, sob o risco de se incorrer em
abuso de direito.
O estabelecimento do limite da associação pode ser muito tênue. Afinal, até que
ponto e com qual respaldo legal organizadores e patrocinadores de eventos teriam
legitimidade para impedir terceiros de veicularem campanhas publicitárias com
palavras que façam alusão ao esporte? Palavras como "campeonato", "jogos",
"competições", "atletas", "medalhas", "Brasil", dentre tantas outras.
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Se por um lado não é aceitável que empresas não patrocinadoras angariem
vantagens indevidas, enriquecendo ilicitamente a partir de uma associação direta e
à custa do investimento alheio, por outro lado é necessário ponderar os limites da
exclusividade, sob critérios de razoabilidade, costumes, boa-fé e os limites
econômicos ou sociais no exercício do direito.
No Brasil, não há regulamentação específica sobre a prática do marketing de
emboscada, tampouco há jurisprudência consolidada sobre o tema. O Ato Olímpico
traz algumas disposições quanto ao controle, fiscalização e repressão no uso dos
símbolos olímpicos, mas, além de ser específico para os Jogos Olímpicos, não
contempla todas as possíveis formas de associação.
Na prática, muitas ocorrências do chamado marketing de emboscada têm sido
resolvidas ainda na esfera extra-judicial, de forma que este ainda é um campo
aberto para debates, utilizando-se as normas específicas existentes, a tutela da
Propriedade Intelectual e princípios de Livre Concorrência para dirimir as questões
que venham a ocorrer.
Tatiana Campello Lopes e Esther Lins Lima são sócias da área de
propriedade intelectual da Demarest e Almeida Advogados.
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