Representação n - TRE-MG

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JUSTIÇA ELEITORAL
JUÍZO DA 229ª ZONA ELEITORAL
PRATA/MG
Representação n. 168-66.2016.6.13.0229
SENTENÇA
Vistos etc.
O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL promoveu a presente AÇÃO DE
INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL em face de ANUAR ARANTES AMUI, SANDRO VILELA
TEODORO e AUGUSTO FARIA DE MORAIS, qualificados, candidatos à prefeito e vice-prefeito
e assessor jurídico em Prata/MG, respectivamente, pela prática das condutas vedadas aos
agentes públicos à época das eleições consistentes na distribuição gratuita de bens por parte
da Administração Pública e na utilização do uso promocional dessa ação em favor de
candidato, bem como do abuso de poder político e da captação ilícita de sufrágio.
Argumenta, em resumo, que o primeiro representado, atual prefeito do
Município, no dia 12/09/2016, em uma reunião/comício realizado no bairro Morada do Sol,
ao confirmar o seu compromisso de, caso reeleito, continuar a regularizar a situação de
moradia dos habitantes do local, providenciou o necessário para que, no sábado seguinte, a
quinze dias do pleito, o terceiro representado, assessor jurídico da prefeitura, comparecesse
a um bar localizado no bairro e promovesse a entrega dos termos de doação dos imóveis aos
moradores datados de 06/04/2016, tudo sendo acompanhado por uma equipe de pesquisa
eleitoral que abordava os beneficiários e lhes questionava a intenção de voto.
Acrescenta, portanto, que os representados, ao distribuírem, em pleno
sábado, em um bar, termos de doação de terrenos aos moradores do bairro Morada do Sol
praticaram a conduta vedada prevista no artigo 73, §10, da Lei n. 9.504, de 1997, sendo que
na hipótese não se configuram nenhuma das exceções previstas nesse dispositivo legal.
Registra ainda que eles infringiram também a regra prevista no artigo 73, IV,
da Lei n. 9.504, de 1997, já que, ao anunciarem, em palanque, em plena campanha política,
que os termos de doações dos imóveis seriam entregues aos moradores em data tão
próxima às eleições, utilizaram o fato como argumento de campanha e fizeram o uso
promocional dessa ação social em prol da candidatura dos dois primeiros representados.
Observa, inclusive, que essa intenção fica ainda mais clara quando se constata que no local
tinha uma equipe responsável pela realização de uma pesquisa eleitoral.
Constata também que a conduta se caracterizou como abuso de poder
político. Afinal, como atual gestor da administração municipal, o primeiro representado
aguardou a proximidade das eleições para promover a regularização fundiária do que antes
era uma invasão de terras públicas em patente desequilíbrio de armas em relação ao seu
adversário político.
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Afirma, por fim, que, como terceiro desdobramento da conduta, restou
configurada também a prática do ato previsto no artigo 41-A da Lei n. 9.504, de 1997. Isto
porque, em um ato de propaganda política realizado no bairro, prometeu dar continuidade
no processo de regularização do loteamento caso fosse reeleito.
Em assim sendo, por considerar presentes provas da prática das duas
condutas vedadas, do abuso de poder político e da captação ilícita de sufrágio, requereu a
cassação do registro ou do diploma dos dois primeiros representados, bem como a
declaração de inelegibilidade e a condenação de todos ao pagamento de multa na forma do
artigo 73, §4º, da Lei das Eleições.
A inicial veio instruída com o inquérito civil eleitoral de ff. 17/94.
Regularmente notificados, os requeridos apresentaram a contestação
conjunta de ff. 99/117, aduzindo, em síntese, que a conduta é legítima porque decorrente
da conclusão dos trabalhos de regularização fundiária iniciados em 2013 e que a denúncia
não passa de uma estratégia da coligação adversária com a finalidade de induzir o eleitor em
erro mediante a distribuição nas ruas de panfleto afirmando que, devido à presente ação, os
votos dados aos dois primeiros representados seriam considerados nulos pela Justiça
Eleitoral.
Para rechaçar a acusação, esclarecem que o programa social denominado
“Agora a casa é sua” foi aprovado pela Câmara na Lei municipal n. 2.481, de 2015, datada de
23/12/2015, e logo foi dado início à formalização dos termos de doação e demais atos
cartorários, tanto que alguns dos moradores os receberam ainda no ano passado. O que
importa dizer que a conduta se encaixa perfeitamente à exceção prevista na lei, por se tratar
de um programa social autorizado e já em execução orçamentária no exercício anterior.
Apontam, inclusive, que a ação foi motivada pelo questionamento dos
próprios moradores durante ato político no bairro que queriam entender porque apenas
parte deles já estavam com a sua situação regularizada, que a entrega dos termos de doação
não foi anunciada em palanque e que não houve pedido direito de voto ou qualquer menção
à esse respeito.
Esclarecem que os termos de doação foram entregues em um bar, no sábado
de manhã, porque os beneficiários são trabalhadores e não tiveram condições de se deslocar
até à prefeitura no horário de expediente e que no local não havia nenhuma equipe
responsável pela realização de uma pesquisa eleitoral.
Finalmente, garantem que “não há nos autos a mínima relação entre a
motivação dos atos administrativos e o processo eleitoral, com o fim de favorecer
determinados eleitores, em troca de votos ou favorecimento eleitoreiro dos Investigados” (f.
112), que não foi gerada nenhuma sensação de gratidão pela prestação do serviço público
com eficiência e que não há que se falar em influência danosa no resultado das eleições.
A defesa veio acompanhada dos documentos de ff. 119/149,
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Realizada a audiência de instrução, foi deferida a assistência pleiteada pelo
candidato e pela coligação adversários vencidos nas urnas em razão do claro interesse na
causa e, em seguida, foram ouvidas quatro testemunhas e um informante, dispensadas
quaisquer diligências pelas partes.
Em alegações finais escritas, cada parte se bateu por seu interesse (ff.
745/788 e 789/804), praticamente reiterandos os termos da inicial e da contestação, o
membro do parquet eleitoral destacando que o fato de os termos de doação terem sido
entregues em um sábado de manhã em um bar do bairro há poucos dias das eleições deixa
evidente que os representados tinham plena ciência da ilicitude de suas condutas e a defesa
que “o que se pretende nesta ação, totalmente absurda, é afastar a vontade popular
externada nas urnas, em que os Representados tiveram uma expressiva votação, com uma
diferença para o 2º colocado de 1.319 (um mil, trezentos e dezenove) votos” (f. 183).
Relatados, no necessário. DECIDO.
Os autos versam sobre representação eleitoral em razão da suposta prática de
conduta vedada aos agentes públicos no período eleitoral, de abuso do poder político e de
captação ilícita de sufrágio, capazes de afetar a igualdade de oportunidades entre os
candidatos ao pleito municipal majoritário de 2016 no município de Prata/MG.
Estão presentes os pressupostos processuais e as condições da ação.
Inexistem nulidades a serem sanadas e preliminares não foram arguidas. O devido processo
legal, o contraditório e a ampla defesa foram respeitados. Passo, então, ao exame do mérito.
É fato incontroverso nos autos, porque não contestado, que em uma
caminhada eleitoreira realizada no bairro Morada do Sol, às vésperas do pleito, o atual
Prefeito e candidato à reeleição Dr. Anuar prometeu aos moradores que providenciaria o
necessário para a regularização da situação fundiária local.
Também não se discute que, em cumprimento a essa promessa, o assessor
jurídico do Município, Dr. Augusto, acompanhado da assistente administrativa Mariele, no
dia 17/09/2016, um sábado, às 09h00m, no estabelecimento comercial denominado “Bar da
Tatiane”, promoveu a entrega de termos de doação dos imóveis a alguns dos seus
moradores e os orientou sobre os procedimentos a serem adotados a seguir.
Em assim sendo, resta aferir sobre a potencialidade lesiva desse
procedimento e sua interferência danosa no resultado das eleições realizadas no dia dois de
outubro desse ano. Cabe saber se esta foi uma manobra que importou no uso irregular da
máquina administrativa em prol da campanha da reeleição do atual Prefeito municipal ou
não.
1. Conduta vedada.
Segundo a inicial, os representados, ao promoveram a entrega da
documentação necessária à regularização da propriedade dos terrenos doados pela
Administração municipal aos moradores do bairro Morada do Sol, no tempo e modo em que
fizeram, praticaram as condutas tipificadas no artigo 73, IV, e §10, da Lei das Eleições.
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Estes, por sua vez, defendem a licitude da conduta, ao argumento de que
abarcada por uma das exceções previstas no dispositivo legal mencionado, posto que apenas
deram seguimento à um programa social iniciado em 2013 e regulamentado pela Lei
municipal n. 2.481, de 2015, datada de 23/12/2015.
Na análise da matéria, observo que, instituída a reeleição pela Emenda
constitucional n. 16, de 1997, sem a necessidade de desincompatibilização, foi necessário
elencar um rol de condutas vedadas durante o período eleitoral a fim de se buscar garantir a
igualdade de oportunidades entre os candidatos.
Nas sábias palavras de Marcos Ramayana:
A legislação eleitoral objetiva preservar a igualdade entre os candidatos, na medida
em que não autoriza que a Administração Pública possa servir aos interesses das
campanhas eleitorais.
As denominadas condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais
servem de obstáculos criados em razão de reiteradas ações ilegais que
fomentavam o abuso do poder. Forma-se um conjunto de regras que procuram
afastar a desigualdade entre os atuais mandatários e os que procuram ocupar os
mandatos eletivos.
[...] a tutela judicial da Justiça Eleitoral é de moral social (mores), considerando o
objetivo da lisura das eleições na interpretação correta das regras de impedimento.
Desta forma, além de punir o infrator restabelecendo uma compensação aos
demais competidores procurando igualar a disputa, a tutela eleitoral demonstra à
sociedade, que os bens e serviços públicos não servem aos propósitos pessoais e
eleitoreiros. Mostra-se a necessidade de que as instituições devem incorporar os
primados do art. 37 da Carta Magna, visando o bem comum de todos os seus
membros. (RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. 12ª ed., rev., atual. e ampl.,
Niterói: Impetus, 2011, pp. 527/528). Grifei.
E, acrescentam Thales Tácito Cerqueira e Camila Albuquerque Cerqueira que:
O art. 73 da Lei n. 9.504/97 busca, de início, a proteção de dois princípios eleitorais:
a) Princípio da democracia representativa, em especial do voto livre e do
mandato autêntico (evitar o abuso de poder político e da mídia institucional);
b) Princípio republicano (no sentido de previsão legal de todos os atos, despesas,
agentes etc). Nesse prisma, o Direito Administrativo se satisfaz com as
formalidades do ato, e o Tribunal de Contas analisa os requisitos
procedimentais deste. Já o Direito Eleitoral vai além, pois deve “vasculhar” a
profundidade do ato, o direito material. (CERQUEIRA, Thales Tácito, et al.
Direito Eleitoral esquematizado. 2ª ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2012,
pp. 540/541). Grifei.
Desta feita, desde o início do ano eleitoral, é vedada a distribuição gratuita de
bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública e, a partir da data do registro
de candidatura, o uso promocional, em favor do candidato, dessa distribuição.
É o que dispõe os seguintes excertos do artigo 73 da Lei n. 9.504, de 1997:
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Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes
condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos
pleitos eleitorais:
[...]
IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou
coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou
subvencionados pelo Poder Público;
[...]
§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de
bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos
de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais
autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em
que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução
financeira e administrativa.
Isto porque o oferecimento de benesses à população, às expensas dos cofres
públicos, proporciona forte influência sobre os eleitores e representa um significativo
desequilíbrio de oportunidades entre os candidatos ao pleito eleitoral.
E é por esse motivo que a legislação veda a prática de condutas que
impliquem em desigualdade de armas entre a campanha dos concorrentes patrocinado com
recursos do erário.
É certo, como posto na defesa, que essa regra encontra uma exceção.
O dispositivo legal transcrito autoriza a prática das condutas vedadas nas
hipóteses de calamidades públicas, estados de emergência ou de programas sociais
autorizados em lei e em execução orçamentária no ano anterior.
Desde que, é claro, o ato administrativo esteja revestido de todas as
formalidades a ele impostas (artigo 37 da Constituição Federal) e que não seja levianamente
utilizado como forma de promoção da reeleição (artigo 73, IV, da Lei das Eleições).
E aí está, ao meu sentir, a origem das imputações direcionadas aos
representados.
O caput do artigo da Constituição Federal mais examinado pelos operadores
do direito administrativo versa que:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios
de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...].
Esses são os cinco princípios mínimos que devem ser observados pela
Administração Pública em todos os seus atos. O que significa dizer que a ausência de
quaisquer deles esvazia a legitimidade da conduta administrativa, retirando-lhe, por
completo, a validade.
Conforme nos ensina o mestre José dos Santos Carvalho Filho:
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A Constituição vigente, ao contrário das anteriores, dedicou um capítulo à
Administração Pública (Capítulo VII do Título III) e, no art. 37, deixou expressos os
princípios a serem observados por todas as pessoas administrativas de qualquer
dos entes federativos. Convencionamos denominá-los de princípios expressos
exatamente pela menção constitucional.
Revelam eles as diretrizes fundamentais da Administração, de modo que só se
poderá considerar válida a conduta administrativa se estiver compatível com
eles. (FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 30ª ed.
rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2016, p.72). Grifei.
Com o objetivo de viabilizar o controle da conduta dos agentes
administrativos, pelo princípio da publicidade exige-se que todos os atos da Administração
sejam amplamente divulgados entre os administrados.
Isso significa dizer que, para serem considerados válidos, os atos
administrativos devem ser publicados pela imprensa, afixados em locais visíveis das
repartições públicas ou mesmo divulgados na Internet.
Esclarece Fernanda Marinela que:
O princípio da publicidade nada mais é que a divulgação, tendo como finalidade o
conhecimento público. Esse princípio tem como base o fato de que o administrador
exerce função pública, atividade em nome e interesse do povo, por isso nada mais
justo que o titular desse interesse tenha ciência do que está sendo feito com os
seus direitos.
[...]
Por fim, um dos efeitos mais relevantes do dever de publicidade que inviabilizam o
sigilo das decisões administrativas é o efeito inibitório. A ciência da sociedade
tende a inibir a prática de irregularidades em razão da possibilidade de repressão
das ilicitudes e desvios, o que faz desse princípio um elemento favorável à redução
de práticas ilegais. (Marinela, Fernanda. Direito Administrativo. 10ª ed., São
Paulo:Saraiva, 2016, pp. 95/96).
Tudo isso deixa evidente que a ação dos representados rechaçada no
presente processo não é válida porque não obedeceu ao princípio constitucional da
publicidade.
Afinal, todos os depoimentos testemunhais deixam claro que a convocação
para o comparecimento dos munícipes interessados no “Bar da Tatiane” e nem mesmo a
ação da Administração visando à entrega dos termos de doação foi amplamente divulgada
nos meios comumente utilizados pela Prefeitura municipal local.
Pelo contrário, as testemunhas Mariele, Diego, Augusto e Roseli deixaram
claro que ficaram sabendo da ação administrativa por meio de terceiros e que não houve
nenhuma convocação formal para comparecimento ao evento.
É o que se observa dos seguintes excertos:
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[...] que não participou da elaboração de nenhum chamado da Prefeitura
convocando a população para comparecer em sua sede e resolver a questão da
propriedade dos lotes, não viu nenhum papel escrito a esse respeito e não ouviu
nenhuma chamada na rádio também a esse respeito. (Mariele, servidora municipal,
f. 155).
[...] que ficou sabendo que os termos de doação seriam entregues naquele dia, no
dia que teve no bairro um movimento político que chamou de arrastão, que
contava com a presença do representado e alguns candidatos a vereador. (Diego,
morador do bairro, f. 156).
[...] que no dia dos fatos estava em casa quando foi chamado por um vizinho, de
nome João Paulo, que lhe disse para ir ao bar receber o termo de doação neste dia
[...] que esclarece que ficou sabendo que haveria a entrega dos termos de doação
no meio da semana e se dirigiu ao local no sábado; que não foi informado do
horário; que os vizinhos que o informaram da entrega dos termos não disseram
como ficaram sabendo disso. (Augusto, morador do bairro, f. 157).
[...] que foi sua patroa quem lhe contou que deveria ir até o local; que sua patroa
ficou sabendo porque o marido também receberia um terreno; que não sabe dizer
como o marido da patroa ficou sabendo; que depois da última reunião não ficou
sabendo de nenhuma ação da prefeitura e de repente ficou sabendo que deveria ir
ao bar receber seu termo de doação [...] que foi informada por sua patroa no
mesmo dia, por volta das 07:30 horas da manhã, sendo que a entrega se iniciaria às
08:00 horas. (Roseli, moradora do bairro, f. 158).
Tenho, portanto, que a distribuição dos termos de doação dos terrenos aos
moradores do Bairro Morada do Sol, da forma como realizada, não pode ser considerada
como decorrente de um ato administrativo válido, o que, por si só, deixa de enquadrá-la
entre as exceções previstas no artigo 73, §10, da Lei das Eleições.
Não fosse isso, destaco também que, conforme leciona a melhor doutrina e
jurisprudência sobre o tema, a interpretação dada às três ressalvas previstas no texto legal
em epígrafe deve ser a mais restrita (no que se refere objeto) e rigorosa (no tocante aos
prazos) possível, sob pena de se esvaziar completamente a aplicabilidade da norma.
Nas palavras do mestre José Jairo Gomes:
Claro está que a regra é a proibição de distribuição. Em ano eleitoral, a
Administração Pública só pode distribuir gratuitamente bens, valores ou benefícios
se ocorrer alguma das hipóteses legais especificadas, a saber: calamidade pública,
estado de emergência ou existência de programas sociais autorizados em lei e já
em execução orçamentária no exercício anterior. Ainda assim, o artigo 73, IV, da Lei
nº 9.504/97 veda o uso político-promocional dessa distribuição, que deve ocorrer
da maneira normal e costumeira. (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral, 7ª ed., rev.,
atual. e ampl., São Paulo: Atlas, 2011, p. 525). Grifei.
E, em assim sendo, ao meu ver, a conduta rechaçada não pode ser
enquadrada na exceção legal, como pretendem os representados.
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Primeiro, no que se refere ao objeto, porque o escopo da autorização é
garantir a continuidade dos serviços assistências essenciais à população. É permitir que a
merenda escolar, as campanhas de vacinação, a assistência judiciária, os serviços médicos e
hospitalares, a distribuição de medicamentos e a assistência alimentar, entre tantos outros
não sofram interrupções prejudiciais no ano eleitoral.
Na dicção de Thales Tácito Cerqueira e Camila Albuquerque Cerqueira:
Concluímos que a “interpretação psicológica da norma” do art. 73, §10, é a de
justamente impedir o uso eleitoreiro da máquina, não o uso racional e que
prestigia os valores culturais da região e geração de renda e emprego. Não se pode
prejudicar a comunidade/sociedade de um ente da Federação somente porque o
atual administrador é pré-candidato à reeleição nas eleições, uma vez que, sendo
serviços/programas contínuos, a sua proibição compromete a gestão e a eficiência
dos serviços públicos, além de causar fome, miséria, desemprego e demais
prejuízos para a União, os Estado ou o município. (CERQUEIRA, Thales Tácito, et al.
Direito Eleitoral esquematizado. 2ª ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2012, p.
577).
O que, definitivamente, não é o caso dos autos.
A época de disponibilização dos termos de doação dos terrenos é totalmente
irrelevante para a mantença dos beneficiários, sobretudo quando se observa que estavam
prontos desde abril desse ano, só foram entregues em meados de setembro e neles está
previsto um prazo de dez anos para encaminhamento à registro no Cartório de Registro de
Imóveis.
Em outras palavras, se a ocupação data de mais de três anos, os
procedimentos de regularização se iniciaram em 2013, a lei foi aprovada no final de 2015, os
documentos expedidos em abril de 2016 e o prazo de registro definitivo é de dez anos, não
há que se falar em serviço essencial à população, à medida que nenhum prejuízo seria
causado pela entrega dos termos depois que encerrada a campanha eleitoral.
Segundo, no tocante aos prazos, porque não foi observada a regra da
execução orçamentária no exercício anterior.
Na análise do contexto fático posto a discussão, observo que o processo de
regularização do programa social que deu origem ao bairro Morada do Sol se iniciou em
2013, mas somente nos últimos dias de 2015 é que foi aprovada a Lei municipal que
autorizou o loteamento e a doação dos lotes aos moradores cadastrados.
Analisando a questão por esse lado, a princípio, é possível pender pelo
reconhecimento da legitimidade da conduta, posto que supostamente decorrente de um
programa social autorizado em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.
Entretanto, prefiro concordar com a posição defendida na doutrina dos
autores acima citados, em obra coordenada por Pedro Lenza, segundo a qual, para a
configuração dos requisitos previstos na norma, é necessário que a fase legislativa seja
concluída dois anos antes do pleito.
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Assim ele explica:
Em relação aos programas sociais, o próprio dispositivo diz que precisam ser
autorizados em lei (deve existir uma lei do ente federado que crie e permita os
programas sociais para sua finalidade), estabelecidos os critérios de concessão,
bem como autorização das despesas decorrentes ao seu cumprimento. Como se
não bastasse a preexistência de lei que dê autorização, o programa não pode ser
criado em ano eleitoral; portanto, deve já estar em execução orçamentária no
exercício anterior (ano que precede à eleição) e em efetiva atividade fora do
exercício do ano em que se realizará a eleição, visto que a vedação se inicia no
primeiro dia do mês de janeiro.
Em outras palavras, se o programa social existe (em virtude de lei) e já está em
execução orçamentária no exercício anterior (um ano antes), quer dizer que o
programa deverá existir por, no mínimo, 2 anos anteriores ao ano eleitoral, não
podendo, além desses requisitos, ser valorado, ou seja, haver acréscimo de valores
mesmo naqueles programas já existentes, pois a lei excepciona a distribuição pura
e simples dos programas de duração continuada (art. 165, §1º, da CF/88) em ano
eleitoral, e não o seu implemento ou modificação por parte do agente público.
(CERQUEIRA, Thales Tácito, et al. Direito Eleitoral esquematizado. 2ª ed. rev. e atual.,
São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 576).
E essa não é a hipótese dos autos, já que a Lei municipal foi aprovada apenas
nos últimos dias de dezembro de 2015, supostamente alguns termos de doação forem
entregues no penúltimo dia desse ano e todas as demais ações foram tratadas já em 2016.
Também é preciso observar que a forma de execução desse projeto de
assistência social traz à baila sérias suspeitas de que utilizado com a finalidade eleitoreira
que a norma visa coibir, como forma de manipulação dos eleitores, levando-os a crer que o
candidato à reeleição é o que melhor atende aos seus interesses particulares.
O artigo 73, IV, da Lei das Eleições acima transcrito pretende evitar a
promoção da candidatura de um dos concorrentes mediante o uso da máquina pública para
fornecimento de serviços sociais.
É o que destaca José Jairo Gomes em trecho que transcrevo a seguir:
Para a configuração da hipótese inscrita no inciso IV, é preciso que o agente use
“distribuição gratuita de bens e serviços” em prol de candidato. Não se exige que
durante o período eleitoral o programa social antes implantado seja abolido, ou
tenha interrompida ou suspensa sua execução. Relevante para a caracterização da
figura em exame é o desvirtuamento da distribuição, em si mesma, a sua colocação
a serviço de candidatura, enfim, o seu uso político-promocional. (GOMES, José Jairo.
Direito Eleitoral, 12ª ed., rev., atual. e ampl., São Paulo: Atlas, 2016, p. 648).
O fato é que, ao meu sentir, a única justificativa plausível para a entrega dos
termos de doação de terrenos, num sábado de manhã, a quinze dias das eleições e em um
pequeno bar localizado no bairro, era a promoção irregular da candidatura da reeleição do
Prefeito municipal.
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Afinal, como bem posto pelo membro do parquet eleitoral, tudo está a
indicar que os representados tinham ciência da ilicitude de sua conduta e contavam que os
fatos não chegariam ao conhecimento da Justiça Eleitoral, como corriqueiramente acontece
com tantos outros, como a distribuição de cestas básicas e de vales combustíveis a eleitores
potenciais na véspera das eleições.
Ora, como afirmado pelas testemunhas, dentre as quais se destaca a própria
servidora da Prefeitura, Mariele, todas as outras reuniões que visavam solucionar a questão
e prestar esclarecimentos aos beneficiários foram públicas, coordenadas pela comissão
criada para esse fim, precedidas de ampla divulgação e realizadas em escolas do bairro
vizinho.
Eis os trechos dos depoimentos judiciais pertinentes:
Que trabalha na prefeitura há um ano; que não tem costume de trabalhar nos
sábados; que não tem costume de prestar serviço para a prefeitura no bar; que isso
nunca tinha acontecido antes [...] que não sabe porque não foram no carro da
prefeitura [...] que não sabe dizer se a prefeitura divulgou aos moradores que os
documentos estavam prontos e poderiam ser retirados na sede; que existe uma
Comissão montada na Prefeitura para resolver a questão desses lotes; que essa
Comissão é formada por umas seis pessoas; que toda reunião tinha a presença de
alguns dos integrantes da Comissão; que não sabe dizer por que no dia dos fatos
não foi nenhum integrante dessa Comissão [...] que sabe dizer que foram feitas
outras reuniões com os moradores do bairro para resolver a questão da
propriedade dos lotes, esclarecendo dúvidas e regularizando a documentação pela
comissão [...] que não foram no carro do Dr. Augusto porque o carro estava
adesivado e não queriam causar problema [...] que não participou das reuniões
anteriores com o objetivo de regularizar a situação do bairro, somente a comissão
específica; que não sabe dizer se nas reuniões anteriores foi lavrada alguma ata;
que nessa que participou no sábado não foi lavrada nenhuma ata. (Mariele,
servidora municipal, f. 155).
Que já participou de reuniões em que se discutia a regularização dos terrenos; que
já foi em três reuniões, uma na escola no bairro Brasil, a outra na escola do bairro
Primavera e a terceira na casa do Sr. Estevão; que a última reunião aconteceu há
mais ou menos 02 anos. (Roseli, moradora do bairro, f. 158).
Então pergunto. Por que somente essa ocorreu às escondidas? Por que
somente essa não contou com a presença de nenhum integrante da comissão municipal que
cuidava da matéria? Por que aconteceu em um sábado de manhã em um bar? Por que não
contou com a convocação escrita ou por meio da rádio da cidade?
In casu, diante de tais questionamentos, é preciso reconhecer que os
representados não cumpriram com o munus de comprovar a legitimidade de sua conduta e
de afastar definitivamente a sua finalidade eleitoreira.
Afinal, só há uma interpretação à ser dada às justificativas defensivas dadas
para todos esses questionamentos: desculpas engendradas na tentativa de elidir a robustez
da prova documental e testemunhal, que deixa evidente o uso do erário em prol da
campanha dos dois primeiros representados.
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Para mim, a utilização da máquina pública para a promoção pessoal é clara.
O ato, que beneficia muita gente e enche os olhos do eleitor, ao garantir-lhe a
realização do sonho da casa própria, foi anunciado em uma caminhada eleitoral.
Ademais, nenhuma providência foi tomada quando a documentação ficou
pronta, em abril. Ficou tudo engavetado. Até que, num sábado, a apenas quinze dias das
eleições, em um ato de completa benevolência do prefeito candidato à reeleição, a
população carente do Bairro Morada do Sol, constituída por meio de uma invasão, pôde
finalmente seguir a vida em paz com a certeza de que pelo menos a moradia lhe estava
garantida.
Desta feita, tenho certeza de que, mesmo que a distribuição gratuita dos lotes
seja oriunda de um programa social criado no ano anterior, fora estrategicamente usada em
prol do atual prefeito e candidato à reeleição Dr. Anuar.
Afinal, não há dúvidas de que a conduta perpetrada é de extrema relevância
para os movimentos sociais que buscam uma melhor distribuição da propriedade urbana e
que o apoio político desse grupo tem relevante peso no resultado das urnas.
Considero importante registrar, a despeito da ausência de tese defensiva
nesse sentido, que é perfeitamente compatível a aplicação cumulada das regras previstas no
artigo 73, §10, da Lei das Eleições com as do inciso IV desse mesmo dispositivo legal.
Isto porque, nas palavras de Rui Stoco:
A primeira se relaciona à distribuição de bens, valores ou benefícios, inclusive
decorrente de programas de natureza social. Já a norma do inc. IV diz respeito ao
uso promocional, em favor de candidato, partido ou coligação, de distribuição
daquelas vantagens de natureza social, custeadas ou subvencionadas pelo Poder
Público. Por outro lado, e não obstante a proximidade que guardam mencionados
dispositivos legais, o critério de aplicação da vedação contida no primeiro é
objetivo, uma vez que basta o cometimento do ato administrativo no ano eleitoral.
No caso do inc. IV, o critério a ser adotado é o subjetivo, pois necessário
demonstrar a conotação eleitoral do ato administrativo, ou seja, que a ação
administrativa foi praticada em benefício, ainda que potencial, de candidato,
partido ou coligação. (STOCO, Rui. Legislação eleitoral interpretada: doutrina e
jurisprudência. 3ª ed. rev. atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.
121).
Esclareço também, por oportuno, que, consoante preconiza a doutrina e a
jurisprudência dominantes, na hipótese é desnecessária a prova do pedido expresso de voto
por parte do candidato, bem como de que a conduta tenha tido efetiva influência no
resultado das eleições.
A prova do pedido expresso de voto está dispensada porque a norma se atém
à potencialidade lesiva da conduta. Até porque, caso contrário, ficaria muito fácil infringi-la.
O que importa não é a troca direta do benefício pelo apoio nas urnas, mas sim o sentimento
de gratidão e admiração despertado no eleitor beneficiado e nos seus familiares e amigos.
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Também é certo que a caracterização do ilícito não depende da prova de que
a ação perpetrada teve efetiva influência no resultado registrado nas urnas. Isso porque tem
como bem jurídico a ser protegido a igualdade de armas na disputa eleitoral e não a eleição
propriamente dita.
Como o próprio texto da lei menciona expressamente a proibição de
“condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos
eleitorais”, a ideia é de que se busca tutelar a mera possibilidade de desequilíbrio na disputa
eleitoral.
Sobre o tema, citando trecho de um acórdão do egrégio Tribunal Superior
Eleitoral, José Jairo Gomes esclarece que:
Tendo em vista que o bem jurídico protegido é a igualdade no certame, a isonomia
nas disputas, não se exige que as condutas proibidas ostentem aptidão ou
potencialidade para desequilibrar o pleito ou alterar seu resultado. Ademais, é
desnecessária a demonstração do concreto comprometimento ou do dano efetivo
às eleições, já que a “só prática da conduta vedada estabelece presunção objetiva
da desigualdade” (TSE – Ag. no 4.246/MS – DJ 16-9-2005, p. 171). (GOMES, José
Jairo. Direito Eleitoral, 12ª ed., rev., atual. e ampl., São Paulo: Atlas, 2016, p. 641).
E Rui Stoco acrescenta que:
Nos termos do §5º, em se tratando das condutas descritas nos incs. I, II, III, IV e VI,
o candidato beneficiado sujeitar-se-á, além daquela multa prevista para o agente
público, à perda do registro ou do diploma, independentemente da demonstração
de ter ela influenciado no equilíbrio ou resultado das eleições, pois, presume o
legislador, o potencial ofensivo à lisura do pleito é tal dessas condutas que penaliza
o beneficiário com a cassação de seu registro ou diploma. (STOCO, Rui. Legislação
eleitoral interpretada: doutrina e jurisprudência. 3ª ed. rev. atual. e ampl., São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 110).
E também foi esse o caminho adotado pelo egrégio Tribunal Regional Eleitoral
de Goiás, em caso bem semelhante ao dos autos, conforme se destaca do seguinte acórdão:
Representação. Recurso Eleitoral. Conduta Vedada aos Agentes Públicos. Art. 73,
§10, da Lei n. 9.504/97. Materialização do ato de doação ou distribuição gratuita de
terrenos públicos. Desnecessidade de se verificar a potencialidade da conduta
vedada influenciar o pleito eleitoral em curso. Improvimento. [...]
Não se faz necessário verificar a potencialidade da conduta vedada influenciar o
pleito eleitoral, quando se tratar das proibições impostas pelo art. 73 da Lei n.
9.504/97. (precedente no TER/GO: CONREP n. 1459).
Entretanto, a conduta da recorrente em doar quatro áreas públicas em ano
eleitoral [...] tem a força de influenciar o pleito a seu favor e desequilibrar a
disputa, pois, sendo a recorrente candidata a reeleição o ato de doação efetuado
pela prefeitura capitaliza a recorrente como responsável pelas referidas doações e
pela estruturação dos programas habitacionais. (TER-GO, RE n. 3930, Mineiros/GO,
Relator Des. Vitor Barboza Lenza, p. em 13/10/2008).
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Por fim, afasto a alegação de que a presente representação não passa de uma
estratégia da coligação adversária, que induziu o Promotor eleitoral a erro e visou à
distribuição de um folheto constando propaganda eleitoral negativa, porque completamente
descabida de propósito.
O agente político, sobretudo o chefe do Poder Executivo, tem em suas mãos o
poder de administrar um bem que não lhe pertence e, como tal, deve estar sempre em
exposição, sujeito à mais incisiva fiscalização. Não é à toa, como dito acima, que se submete
ao princípio da publicidade.
Fiscalizar, cobrar, vigiar, são atitudes saudáveis de todo cidadão responsável.
E ao administrador probo cabe apenas a postura de não temê-las.
Em assim sendo, tenho que o direito aplicado à situação fática trazida aos
autos, somada ao fato de que os representados não se desincumbiram a contento do ônus
que lhe impõe o artigo 373, II, do Código de Processo Civil, traz a certeza necessária à
aplicação das sanções decorrentes da prática das condutas vedadas previstas no artigo 73,
IV, e §10, da Lei n. 9.504, de 1997.
2. Abuso de poder político
Para a acusação, a ação engendrada pelos representados caracterizou,
também, o abuso de poder político. Alegação essa afastada pela defesa, sob o argumento de
que inexistiu qualquer relação entre o ato administrativo e o processo eleitoral.
O artigo 22 da Lei complementar n. 64, de 1990 disciplina a ação que tem por
objetivo o combate dos abusos econômicos e/ou políticos, praticados por candidatos, cabos
eleitorais, simpatizantes ou outros interessados na disputa eleitoral.
Eis o seu conteúdo:
Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público
Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral
ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir
abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do
poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou
meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político,
obedecido o seguinte rito: [...]
XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de
o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias
que o caracterizam.
Na doutrina, abuso de poder político na seara eleitoral é a ação do agente
público caracterizada pela exploração da máquina administrativa ou de recursos estatais em
proveito de candidatura, ainda que aparentemente haja benefício à população.
Soares da Costa o conceitua da seguinte maneira:
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É o uso indevido de cargo ou função pública, com a finalidade de obter votos para
determinado candidato. Sua gravidade consiste na utilização do munus público
para influenciar o eleitorado ou fornecer vantagem política, com desvio de
finalidade. (COSTA, Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 5ª ed., Belo Horizonte:
Del Rey, 2002, p. 478).
E, sobre a possibilidade de caracterização cumulada da conduta vedada com o
abuso de poder político, Jose Jairo Gomes acrescenta que:
À consideração de que as hipóteses legais de conduta vedada constituem espécie
do gênero “abuso de poder político”, o fato que as concretize também pode ser
apreciado como abuso de poder – político ou de autoridade – coibido pelos artigos
19 e 22, XIV, da LC no 64/90. Para que isso ocorra, será mister que a conduta
vedada, além de afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos, também
seja de tal magnitude que fira a normalidade ou o equilíbrio do pleito. Assim, o
mesmo evento atinge dois bens juridicamente protegidos. (GOMES, José Jairo.
Direito Eleitoral, 12ª ed., rev., atual. e ampl., São Paulo: Atlas, 2016, p. 642)
Sendo assim, somado à tudo que fora exposto no tópico anterior, entendo ser
inquestionável o fato de que a ação dos representados teve o cunho de desequilibrar a
concorrência eleitoral, comprometendo a lisura do certame e caracterizando-se como o
abuso do poder político analisado nesse tópico e punido com a cassação do registro ou do
diploma e com a declaração da inelegibilidade dos envolvidos.
Afinal, a concretização da distribuição gratuita de lotes à população carente e
integrante de movimento social que discute a questão fundiária brasileira, por si só, tem o
condão de ferir o equilíbrio entre os candidatos, e, o fato de ser sido efetivada às vésperas
das eleições e na surdina, deixa claro a intenção eleitoreira dos representados.
3. Captação ilícita de sufrágio
Como terceiro desdobramento da ação rechaçada nos autos, o membro do
parquet eleitoral entendeu que “a doação dos terrenos da forma como foi arquitetada, como
instrumento de convencimento de campanha [...], feita com o fim de obter os votos dos
moradores do Bairro Morada do Sol” (f. 13), adequou-se perfeitamente ao previsto no artigo
41-A da Lei das Eleições.
Os representados, em contrapartida, justificaram a conduta, afirmando
categoricamente que “restou comprovado que não houve a oferta de nenhuma benesse a
um único eleitor em troca de voto, sendo certo que os próprios moradores informaram que
em momento algum foi manifestada qualquer intenção política, eleitoreira, sendo defeso ao
representante presumir uma captação ilícita de sufrágio inexistente” (f. 201).
O artigo 41-A da Lei n. 9.504, de 1997 versa que:
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Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de
sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar,
ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer
natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até
o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e
cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22
da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.
§1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de
votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.
A captação ilícita de sufrágio é mais uma das formas de garantia de lisura das
eleições. Aqui se pretende penalizar com a cassação do registro ou da diplomação e multa as
ações que interferem na liberdade de escolha do eleitor.
A captação ilícita de sufrágio é a chamada compra de votos. Como o próprio
texto legal informa, a pratica o candidato que doa, oferece, promete ou entrega ao eleitor,
com o fim de conseguir seu voto, bens ou vantagens de qualquer natureza.
Ao registrar, por tópicos, as principais características desse ilícito eleitoral, o
Dr. Edson de Resende Castro destaca que:
1) Configura-se a captação ilícita do sufrágio pelo doar, oferecer, prometer ou
entregar qualquer espécie de vantagem ao eleitor, sendo desnecessário o pedido
expresso de votos, porque a lei só exige o especial fim de agir, ou seja, a finalidade
de afetar a liberdade do eleitor.
[...]
6) Não se fala em potencialidade lesiva ou gravidade da conduta, bastando a prova
da captação, ainda que envolvendo apenas um eleitor, isto porque o art. 41-A não
tem como objeto a proteção da normalidade das eleições, mas sim a liberdade de
escolha do eleitor. (Castro, Edson de Resende. Curso de Direito Eleitoral. 8ª ed. rev.
e atual., Belo Horizonte: Del Rey, pp. 331/332).
Tem, pois, por finalidade a proteção da plenitude do exercício do direito ao
voto. A proibição dessa ação visa resguardar a vontade livre do eleitor, de forma a evitar que
ele seja impelido a escolher o seu candidato atraído por benefícios financeiros ou não.
Nesse espeque, pratica captação ilícita de sufrágio o candidato que, na busca
da corrupção da vontade do eleitor, lhe fornece ou promete qualquer vantagem em troca do
seu voto e do seu apoio político, aproveitando-se do seu desamparo e a da sua carência
material.
Observo, assim, que os representados se aproveitaram da deficiência e,
principalmente, insegurança dos eleitores do bairro Morada do Sol, no que se refere à sua
moradia, oferecendo-lhes a solução definitiva para a questão que lhes afligia em troca de
seu voto e seu apoio político.
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A caracterização do ilícito eleitoral está, portanto, nítida nos autos, posto que
perfeitamente configurados os seus três requisitos, quais sejam, a realização das condutas
típicas de doar, oferecer e entregar bem a eleitor, a finalidade especial de obtenção de seu
voto e a ocorrência do fato durante o período eleitoral.
Com o fim de evitar discussões inócuas a respeito, esclareço que a
caracterização dessa conduta também não depende do pedido expresso de voto ou da prova
da efetiva influência no resultado das eleições.
É do egrégio Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais a melhor
jurisprudência sobre o tema:
Recurso Eleitoral. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A, da Lei n.
9.504/97. Eleições 2008. Candidato a Vereador. Multa. Procedência. Doação de 2
(dois) sacos de cimento. Comprovação. Promessa feita em 2007, porém a
efetivação da doação ocorreu durante período vedado pela legislação eleitoral.
Prescindibilidade de pedido expresso de votos, conforme entendimento do TSE.
Recurso a que se nega provimento. (Recurso Eleitoral n. 4.654, Relator: Juiz Renato
Martins Prates, j. em 28/10/2008, DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TREMG,
Data 19/11/2008).
Recurso Eleitoral. Eleições 2008. Representação. Captação ou gasto ilícito de
sufrágio. Distribuição de material de construção. Ação julgada parcialmente
procedente. Cassação de registro de candidatura. Condenação em multa. (...) Os
elementos probatórios configuraram o ilícito. Prova firme. Configuração da
conduta do art. 41-A, da Lei nº. 9.504, de 30/09/1997 (Lei das Eleições). [...]
Desnecessária a aferição da potencialidade lesiva da conduta para desequilibrar o
pleito, pois o que o dispositivo legal visa proteger é a livre vontade do eleitor e não
a normalidade e equilíbrio do pleito. (...) Há provas robustas, firmes, coerentes e
suficientes a aplicação da penalidade prevista para quem pratica captação ilícita de
sufrágio. Recursos não providos. (Recurso Eleitoral nº. 8156-59.2010.6.13.0000,
Relator Juiz Maurício Soares, j. em 24/11/2010, DJEMG - Diário de Justiça
Eletrônico-TREMG, Data 30/11/2010).
E, no mesmo sentido, não é demais registrar que não há óbice a que se
acumule num mesmo processo, pedidos atinentes a cada um dos bens jurídicos violados
pela ação eleitoral ilegítima, sempre que sejam compatíveis entre si, de competência do
mesmo juízo e de procedimento adequado para todos eles.
Assim, considero perfeitamente possível que uma mesma ação implique, de
um lado em conduta vedada, capaz de afetar a legitimidade e a normalidade das eleições, e
de outro, captação ilícita de sufrágio, com o condão de ferir a igualdade da disputa.
Nesse espeque, tenho que, diante de tudo o que fora exposto, aos
representados devem ser aplicadas todas as sanções previstas para esses ilícitos eleitorais
cumulativamente, quais sejam, cassação do registro ou do diploma dos candidatos e
declaração de inelegibilidade nos oitos anos subsequentes à eleição e aplicação de multa de
cinco a cem mil UFIR, no caso da conduta vedada (artigo 73, §4º, da Lei n. 9.504, de 1997),
ou de mil a cinquenta mil UFIR, na hipótese da captação ilícita de sufrágio (artigo 41-A da Lei
n. 9.504, de 1997), a todos os envolvidos.
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No que pertine ao valor da multa, tenho que deve ser aplicada com base na
gravidade da conduta e das circunstâncias do caso concreto, além de economicamente
significativa como forma de desestimular sua prática.
Na hipótese, os acontecimentos, por si só, são de extrema relevância. Não se
dirigiram à um grupo pequeno e individualizado, mas sim ao atendimento dos interesses de
um movimento social organizado, com grande influência nas classes sociais menos
favorecidas.
Somam-se a isso, as sérias suspeitas de ter sido uma ação previamente
esquematizada para sua utilização como argumento de campanha. Os documentos, que já
estavam prontos em abril, foram estrategicamente apresentados à população beneficiada,
às escondidas, a exatos quinze dias das eleições.
Por fim, apesar de contar com pouco mais de vinte e um mil eleitores, Prata
pode ser considerado como um Município rico e é de conhecimento comum que todos os
três representados possuem um padrão de vida confortável, de forma que a aplicação da
pena de multa em seu patamar mínimo não cumpriria com o munus de penalização
financeira da conduta.
Em assim sendo, atenta a tais parâmetros, arbitro o valor da multa em 50.000
UFIR´s.
Desta feita, pautada no princípio do livre convencimento motivado e por
vislumbrar nos autos elementos suficientes a comprovar a prática das condutas vedadas na
norma eleitoral em epígrafe, o abuso do poder político e a captação ilícita de sufrágio, tenho
que a cassação do registro dos dois primeiros representados e o reconhecimento da
inelegibilidade e a imposição de multa no valor de 50.000 UFIR´s a todos eles é medida que
se impõe.
Isto posto e por tudo o mais que dos autos conta, JULGO PROCEDENTE o
pedido e, via de consequência, CASSO o registro dos representados ANUAR ARANTES AMUI
e SANDRO VILELA TEODORO e ANULO os votos por eles obtidos nas eleições realizadas no
dia 02/10/2016, nos termos do artigo 222 do Código Eleitoral.
Por conseguinte, CONDENO os representados ANUAR ARANTES AMUI,
SANDRO VILELA TEODORO e AUGUSTO FARIA DE MORAIS ao pagamento da multa de
50.000 UFIR’s, bem como à sanção de inelegibilidade, por oito anos, nos termos do artigo
22, XIV, da Lei complementar n. 64, de 1990.
P.R.I.
Transitada em julgado, providencie a Secretaria como necessário e arquivemse os autos.
Prata, 30 de maio de 2017.
DANIELLE LOUISE RUTKOWSKI DIAS ENGEL
Juíza de Direito Eleitoral
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