hermenêutica do juiz democrático: poder-dever função

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ORBIS: Revista Científica
Volume 3, n. 2
ISSN: 2178-4809 Latindex Folio 19391
HERMENÊUTICA DO JUIZ DEMOCRÁTICO: PODER-DEVER
FUNÇÃO SOCIAL
Adeilda Coêlho de Resende1
RESUMO
O presente artigo objetiva trazer reflexões sobre a Hermenêutica Jurídica e o Poder Judiciário,
e a crescente necessidade de uma reconstrução de „identidade‟ do magistrado, no âmbito
interpretativo; apontando-se como eixo da discussão o „garantismo‟, na perspectiva de Luigi
Ferrajoli para a formação de um magistrado pautado em um „poder-dever‟ função social.
Palavras-chave: Poder Judiciário. Hermenêutica Jurídica. Garantismo.
HERMENEUTICS DEMOCRATIC JUDGE: POWER-DUTY
SOCIAL FUNCTION
ABSTRACT
This article aims to bring reflections on the Judiciary and the Legal Hermeneutics, and the
increasing need for reconstruction of 'identity' of the magistrate, under interpretation, pointing
up as the center of discussion 'garantism' in perspective for Luigi Ferrajoli formation of a
magistrate ruled by a 'power and duty' social function.
Keyword: Judiciary. Legal Hermeneutics. Garantism.
1
Doutoranda em Direito Político e Econômico, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP. Professora
Assistente da Universidade Estadual do Piauí - UESPI. Professora Convidada da Escola de Magistratura do
Estado do Piauí- ESMEPI.
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1.Introdução
O Poder Judiciário passa por várias transformações em decorrência dos paradigmas
constitucionais da Carta Magna de 1988. Transformações que levam os magistrados a um
dinamismo interpretativo das normas constitucionais, com conseqüente repensar acerca das
dificuldades que enfrentam na árdua tarefa de „dizer o direito‟.
Neste artigo objetiva-se trazer reflexões acerca da hermenêutica jurídica e a
necessidade de construção de uma „ identidade‟ interpretativa do magistrado, apresentada
nesse artigo sob a ótica hermenêutica „garantista‟, com base na Teoria Geral de Interpretação,
de Luigi Ferrajoli.2 Parâmetros que devem levar ao exercício do „poder-dever‟ função social
do magistrado, na construção do Estado Democrático de Direito.
Para atingir este objetivo serão feitas algumas considerações conceituais acerca da
hermenêutica jurídica, e reflexões sobre o papel interpretativo e hermenêutico do magistrado
na realidade constitucional para a efetivação dos direitos e garantias fundamentais. E, ao final,
apontar direções para uma hermenêutica constitucional do Juiz Democrático para o exercício
do „poder-dever função social‟.
2.Hermenêutica Jurídica: algumas considerações
Classicamente na doutrina brasileira, encontra-se o entendimento de que “a
hermenêutica jurídica tem por objeto o estudo a sistematização dos processos aplicáveis para
determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito.”3 Extraindo uma diferenciação do
contexto da Interpretação, que pelo entendimento de Carlos Maximiliano, seria atividade
diferenciada da Hermenêutica, posto que a tarefa desta é descobrir, fixar os princípios pelos
quais a Interpretação deve se guiar; ou seja, a hermenêutica constrói as diretrizes, os
postulados que serão auxílio na tarefa do aplicador do direito no ato da interpretação das
normas jurídicas, na interpretação do Direito. Nesse sentido, a interpretação para esse autor,
seria a forma pela qual se expressa o estudo científico da interpretação, isto é, seriam as várias
formas de concretização dos mecanismos coletados e postos sistematicamente pela ciência
hermenêutica e através do qual o operador do direito descobriria o verdadeiro sentido da
2
FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Teoria del garantismo penal. Prólogo de Noberto Bobbio . Madrid :
Editorial Trotta, 1995.
3
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro : Forense, 1997. P.01.
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norma, dando-lhe a extensão necessária para prover a correlação entre a abstração do texto
normativo e o fato social concreto em análise.
A crítica referente a essa delimitação decorre do fato de se restringir o entendimento
da interpretação da norma jurídica ao contexto normativo abstrato , isto é, ao texto de lei,
mesmo que se proponha a utilização de uma visão sistemática, ou melhor, do processo de
interpretação sistemático. Ou seja, embora a aplicação do direito seja voltada para o fato
social concreto, e a intenção seja contextualizar o abstrato ao real, a fonte única desse
processo interpretativo é a lei . Como podemos conferir no seguinte texto sobre o processo
sistemático:
Aplica-se modernamente o processo tradicional,4 porém com amplitude maior do
que a de outrora; atende à conexidade entre as partes do dispositivo, e entre este e
outras prescrições da mesma lei, ou de outras leis; bem como à relação entre uma,
ou várias normas, e o complexo das idéias dominantes na época.(...).5
Entende-se ainda, que isso significa limitação do processo interpretativo do
magistrado, posto que pelo entendimento de hermenêutica jurídica e interpretação aqui
expressos, há vinculação da norma jurídica ao ordenamento jurídico como absoluta,
restringido o mecanismo criador do direito pela interpretação às possibilidades ideológicas do
positivismo jurídico , qual seja, o ordenamento jurídico como senhor do direito e como
detentor da segurança jurídica das relações sociais.
Existem outras formas de se conceber o significado de hermenêutica jurídica, dentre
elas a percepção de seu conceito como sinônimo de interpretação, isto é, sem uma distinção
conceitual entre hermenêutica jurídica e interpretação, conforme expressa Miguel Reale 6“ Da
hermenêutica jurídica ou interpretação do direito”. Ou ainda, pode-se ter hermenêutica
jurídica como acepção geral, em sentido amplo, abrangendo o estudo da interpretação e
aplicação do direito, com esse entendimento encontra-se Paulo Gusmão Dourado7.
Tem-se outras propostas conceituais, como a de investigar a própria lei enquanto
produto social, fruto da consciência jurídica do povo segundo seus pregoeiros, pois a evolução
da hermenêutica jurídica estaria atrelada à evolução das idéias do homem e seu papel no
4
O processo tradicional ao qual se refere o autor seria a exegese feita pela comparação de trechos da mesma lei,
entretanto sem fazer confronto com outros preceitos de outras leis; fato que muda com o processo sistemático.
5
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro : Forense, 1997. P . 129.
6
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 16 ed. São Paulo : Saraiva,1988. P.273.
7
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. 40. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2008.
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mundo 8. Esse é um conceito diferenciado, em relação à visão de uma interpretação pela
„intenção do legislador, vontade da lei‟.
Nos dias atuais, tem-se a proposição em concretizar uma hermenêutica jurídica voltada
para as dimensões axiológicas constitucionais, onde o contexto democrático substancial
emerge como condição essencial para a leitura interpretativa do ordenamento jurídico, posto
que a „vontade do legislador‟ não mais se traduz em único vetor acerca da compreensão da
norma jurídica. Isto porque, essa leitura democrática formal, traz o vício da leitura dogmática
do direito, e encerra hoje o contexto da crise da tridimensionalidade do Poder (Executivo,
legislativo e judiciário) e a conseqüente deslegitimação do Estado em prover eficácia ao
direito. Portanto não consiste no único poder legitimado a respaldar a soberania do Estado, e
consequentemente do povo que o compõe.
3.Interpretação e a aplicação do direito
A tarefa de interpretação do magistrado consiste em uma de suas principais funções e
encerra uma complexidade de raciocínio, sendo a interpretação o primeiro passo para a
aplicação do direito ao caso concreto. Nesse processo interpretativo encontra-se um dos
conflitos mais frequentes: a escolha da norma a ser aplicada9, e, entende-se que essa
dificuldade acerca da leitura do ordenamento jurídico, passa pelas falhas internas ao direito.
Isto, porque se reconhece a existência de uma “explosão da ordem interna” 10, que deve ser
considerada principalmente nas situações concretas que envolvam “casos difíceis”11, tendo em
vista que
no ordenamento
jurídico, principalmente mediante os novos paradigmas da
Constituição, os conflitos entre “liberdades e interesse” são frequentes e em sua maioria
produzidos pelo próprio Estado.
O ato de interpretar tem trazido ao mundo jurídico muitas indagações sobre quais os
métodos poderiam ser considerados como melhores para o juiz bem proceder nesse dever. E
8
HERKENHOFF, João Baptista. Como aplicar o direito. 3 ed. Rio de Janeiro : Forense, 1994. P.11.
Em regra, essa dificuldade não se apresenta quando a interpretação tem raciocínio de cunho meramente
silogístico
10
RIGAUX, François. A lei dos juízes.1 ed. Tradução: Edmir Missio. São Paulo : Martins Fontes, 2000. P 22.
11
Utilizasse essa expressão do teórico Hart, para designar os casos concretos em que o magistrado encontra
dificuldade para a aplicação do direito devido às lacunas, os conflitos entre normas, e mais especificamente nos
casos em que há uma „colisão‟ de direitos na normativa constitucional. Ou seja, as antinomias (axiológicas?)
constitucionais que versem sobre os direitos e garantias fundamentais , ou ainda, normas que revelam o
confronto entre liberdades e interesses na expressão de François Rigaux. C.F. em A lei dos juízes.1 ed.
Tradução: Edmir Missio. São Paulo : Martins Fontes, 2000, p. 42.
9
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em torno do contexto do ato interpretativo, se encontra o entendimento de que ele consiste
em uma explanação do significado do seu objeto12. Sob esse aspecto é que surgem inúmeras
indagações sobre o assunto, sendo defendida a construção de uma Teoria Geral de
Interpretação, pois as questões que envolveriam tal teoria referem-se ao delineamento do
possíveis objetos de interpretação, sobre seu objetivo, e base normativa, e o contexto
epistemológico. Isto é, sobre qual conhecimento versaria a referente teoria. Aspectos difíceis
de serem contextualilzados, e que só vem a enfatizar o quão é complexa a tarefa do julgador,
mas que não podem deixar de serem pensados, posto que há reflexos desse quadro
interpretativo na teoria do direito e na prestação jurisdicional.
No âmbito de uma teoria geral da interpretação, destaca-se neste artigo uma das
preocupações centrais que se relaciona a limitação do ato interpretativo por parte do
magistrado, e que se encontra correlacionado diretamente com a defesa da utilização de uma
hermenêutica democrática e garantista. E ainda, nestas reflexos, o Garantismo, ou melhor a
defesa de um fundamento constitucional garantista ( prestação jurisdicional voltada para a
concretização / aplicação dos direitos fundamentais ) autorizaria um ato interpretativo que
desconsiderasse a própria Constituição, (mediante antinomias constitucionais)? Isso gera uma
nova função hermenêutica do magistrado brasileiro? Essas reflexões trazem parâmetros para a
existência de “uma hermenêutica garantista”, na Constituição, e a presença de uma linguagem
que corrobora com o que denomina-se neste artigo como “poder-dever função social” do
magistrado brasileiro.
4. Hermenêutica Constitucional do Juiz Democrático: o poder-dever função social como
hermenêutica garantista
As questões relacionadas ao Estado Liberal e Estado Social, e como se configura
atualmente o Estado Moderno, quanto a ordem política constitucional adotada, é algo que
permeia o conteúdo normativo da Constituição, e por via indireta, também será uma questão a
ser considerada hermeneuticamente
pelo magistrado. Dessa forma reitera-se, no âmbito
constitucional, a existência dos parâmetros do liberalismo como a separação dos poderes e as
12
MARMOR, Andrei. Direito e interpretação 1 ed. Tradução : Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes,
2000. In Prefácio- X. p.695.
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garantias dos direitos da cidadania,13 entretanto essa não é totalidade da visão constitucional,
pois ela ainda traz direitos e garantias que refletem o Estado Social , que são os direitos
fundamentais na dimensão axiológica aqui apresentada pela teoria do garantismo.
Conforme José Albuquerque Rocha14 dois aspectos que considera serem relevantes
para entender a dimensão dos novos parâmetros estabelecidos na Carta Magna de 1988. Seria
a dimensão ideológica e o valor normativo. Na primeira encontra-se a extensão da nova
propositura constitucional nos objetivo e finalidades que devem direcionar à comunidade
política – o Estado; e os fundamento para esses fins, se manifestam pelo art. 1º e art. 3ª do
diploma constitucional15.
Na expressão do valor normativo, configura-se a força vinculante das normas
constitucionais, na hermenêutica jurídica do magistrado, ao aplicar os direitos e garantias
constitucionais. E sob esses aspectos é que encontra-se a expressão valorativa axiológica da
Constituição que fomenta novas formas de compreender normativamente os textos
infraconstitucionais, e notadamente, a própria produção normativa constitucional.
Do exposto acerca da emergência de paradigmas diferenciados no âmbito da
hermenêutica jurídica, indaga-se: quem é esse juiz democrático?
O juiz democrático deve ser percebido, no exercício funcional, pela leitura do poder da
hermenêutica jurídica com respaldos nos fundamentos do Garantismo. Papel que surge para a
magistratura pelos novos paradigmas constitucionais e pela necessidade premente da
sociedade de ver seus direitos e efetivados.
Assim, Constituição de 1988 trouxe inquestionavelmente um novo parâmetro
interpretativo, sendo portanto uma das maiores dificuldades do magistrado
promover a
superação da separação dos parâmetros interpretativos que passaram a coexistir após a
promulgação da Constituição/1988, uma vez que tem que trabalhar com textos infralegais cuja
diretriz interpretativa e axiológica pertencem às Constituições anteriores.
O dilema interpretativo do juiz se esboça não só nas contraposições normativas
infraconstitucionais, mas se encerra também em um conteúdo mais complexo: como as
contraposições existentes na própria Constituição de 1988, ou antinomias constitucionais, pois
13
ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o Poder Judiciário. São Paulo : Malheiros,1995. P 110
__________ , Estudos sobre o Poder Judiciário. São Paulo : Malheiros,1995 p.110
15
Esses artigos fazem referência : a) aos fundamentos do Estado Democrático de Direito qual seja: soberania,
cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e livre iniciativa, pluralismo político; b)aos
objetivos fundamentais a serem alcançados : a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; o
desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais e regionais; e a
promoção do bem de todos sem discriminação.
14
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mesmo que tente, a ideologia do positivismo não consegue mais promover a coexistência
pacífica das normas em um fábula da completude do ordenamento jurídico, e há portanto que
se admitir a existência das antinomias constitucionais16. Entende-se que essa situação decorre
da tentativa de coexistência entre os paradigmas do liberalismo e os do Welfare State, sendo
nessa tensão de valores, e na busca de concretude de um Estado Democrático de Direito, que
se encontra uma constantemente renovação e reconstrução dinâmica dos paradigmas
constitucionais.
Nesse âmbito normativo, portanto, desenvolve-se a “função hermenêutica” do
magistrado, sob parâmetros interpretativos de substancial valor na leitura ordem
constitucional. Entretanto, ao mesmo tempo em que se considera isso valioso, posto que o
fermento maior desses direitos e garantias é a sociedade, este se constitui em um
procedimento de extrema cautela, uma vez que se vive uma realidade tendenciosamente
imperialista, e deslegitimadora da ordem constitucional17.
Devem ser considerados, portanto, limites de proporcionalidade na hermenêutica
garantista, não quanto a substancialidade, mas quanto ao proceder do próprio magistrado, pois
temos que diferenciar o que é autoridade constitucional para o garantismo substancial, mesmo
frente a uma legitimação da força primária da Constituição, e o que se encontra como
arbitrariedade do poder de julgar. Por esses aspectos, tem-se que a postura garantista deva ser
permanente enraizada na formação hermenêutica do magistrado, o que em muito ajudariam as
Escolas de Magistraturas.
A construção e constante reconstrução de paradigmas, como mencionado
anteriormente, na realidade expressa o que designa-se neste artigo do “poder dever função
social do magistrado” ; que encerra conceitos e leituras de uma Constituição (igualmente do
ordenamento jurídico), sob um prisma garantista, isto é, posto com fundamentos subtraídos
da teoria de Ferrajoli18.
Ao magistrado fica a tarefa de reconstruir sua identidade jurisdicional sob a ótica de
uma hermenêutica garantista, principalmente pelo que preceitua o § 1º, do art. 5, CRFB,
quando vincula as normas fundamentais, direitos e garantias, a uma aplicação imediata por
16
LIMA, Francisco Meton Marques de. O resgate dos valores na interpretação constitucional : por uma
Hermenêutica reabilitadora do homem como ‘ser-moralmente –melhor’ .Fortaleza : ABC editora, 2001.
17
É só observar a forma como as medidas provisórias foram utilizadas até pouco tempo pelo Executivo, e como
o instrumento do Mandado de Injunção é de certa forma inócuo em nosso direito.
18
FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Teoria del garantismo penal. Prólogo de Noberto Bobbio . Madrid :
Editorial Trotta, 1995.
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parte do magistrado, e mais no § 2, do art.5º, CF, estende esse poder a uma hermenêutica
além da Carta Constitucional, quando apoia a adoção de outros direitos e garantias que
possam vincular-se ou serem inferidos dos pressupostos garantidores das normas por ela
adotada.
Na perspectiva de uma hermenêutica alicerçada no “poder-dever função social” do
magistrado, busca-se promover, concretizar o Estado Democrático de Direito, defendendo-o
dos abusos deslegitimadores dos demais poderes que o compõe. A postura da interpretação
hermenêutica respaldada no garantismo, a qual buscou-se neste artigo vincular a um “poderdever função social do magistrado”, se embasa nos aspectos constitucionais garantidores
dessa atuação, quais sejam: a independência e imparcialidade do juiz, pela qual o magistrado
se exime de qualquer comprometimento político19, tendo em vista que a soberania dos seus
atos e a legitimação destes advém também do próprio „poder social‟.
A limitação da função jurisdicional dos magistrados se consubstancia formalmente,
posto que no âmbito da liberalidade substancial da Constituição, esta limitação se respalda na
defesa da substancialidade das normas fundamentais, entendidas no contexto de Ferrajoli20.
Assim, para coibir os abusos que possam provir da própria atividade jurisdicional, tem-se
constitucionalmente que as decisões dos magistrados devem ser motivadas e fundamentadas
legalmente, isso significa que o uso de uma interpretação garantista não pode ser respaldada
mediante „um achismo „ do magistrado, mas ser confrontada com a substancia garantista dos
direitos fundamentais que se pretende promover, mesmo que se alegue as antinomias
constitucionais ou os fundamentos deslegitimadores de determinadas normas ou omissões
estatais.
5. Considerações Finais
A questão da interpretação e da hermenêutica jurídica no Brasil, torna-se mais
complexa mediante a instabilidade legislativa, pois a constante proliferação de leis dificulta
19
O magistrado se exime de decidir sob um contexto político-partidário, pois o Poder Judiciário em sua relação
com demais poderes também é um Poder político, e em conseqüências as decisões proferidas pelo Judiciário
tem, igualmente, repercussão política na sociedade, tendo em vista que as normas constitucionais decorrem do
„jogo democrático‟.
20
FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Teoria del garantismo penal. Prólogo de Noberto Bobbio . Madrid :
Editorial Trotta, 1995.
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um procedimento interpretativo mais coeso. Um segundo ponto de reflexão refere-se às
decisões „diferenciadas‟, com posicionamentos jurídicos conflitantes sobre os mesmos fatos e
direito. Tal circunstância gera, de certa forma, insegurança jurídica, com conseqüente
desconfiança do jurisdicionado sobre o Poder Judiciário. Entretanto deve-se compreender que
essas dificuldades, se constituem em elementos para a construção de
uma „identidade‟
hermenêutica para o magistrado. De forma que, a divergência interpretativa, por exemplo,
pode se constituir mais em garantias, em benefícios, tendo em vista que demonstra a atitude
ativa do magistrado na defesa das garantias constitucionais.
Por esse aspecto, é que se faz urgente uma conscientização acerca da função
interpretativa do magistrado, e nesse sentido, é imprescindível uma união das escolas de
magistratura dos Estados, principalmente em torno da formação dos magistrados ingressantes
na carreira, de forma a construir uma cadeia interpretativa em torno principalmente das
questões constitucionais que são as mais violadas pelo Estado.
O presente artigo não teve por objetivo compor uma falácia „politicista‟, ou, no caso,
“hermenêutica”, mas o conteúdo aqui versado teve por objetivo contribuir para a reflexão da
efetivação dos direitos e garantias fundamentais, pois a concretização destes direitos não
passam apenas pela função dos Poderes do Executivo e Legislativo, mas sobremaneira, pelo
próprio Poder Judiciário que também tem a primazia constitucional de concretizar o Estado
Democrático de Direito, principalmente quando houver riscos de inefetividade e
deslegitimação desse Estado no provimento dos referidos direitos e garantias.
6. Referências Bibliográficas
FALCÃO, Raimundo Bezerra. Hermenêutica. São Paulo : Malheiros, 1997.
FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Teoria del garantismo penal. Prólogo de Noberto
Bobbio . Madrid : Editorial Trotta, 1995.
HERKENHOFF, João Baptista. Como aplicar o direito. 3 ed. Rio de Janeiro : Forense, 1994.
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LIMA, Francisco Meton Marques de. O resgate dos valores na interpretação constitucional :
por uma Hermenêutica reabilitadora do homem como ‘ser-moralmente –melhor’ .Fortaleza :
ABC editora, 2001.
MARMOR, Andrei. Direito e interpretação 1 ed. Tradução : Luís Carlos Borges. São Paulo:
Martins Fontes, 2000.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro : Forense,
1997.
NALINI, José Renato. Recrutamento e preparo de juízes. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1992.
RIGAUX, François. A lei dos juízes.1 ed. Tradução: Edmir Missio. São Paulo : Martins
Fontes, 2000.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 16 ed. São Paulo : Saraiva,1988.
ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o Poder Judiciário. São Paulo :
Malheiros,1995.
Artigo recebido em: 21/09/2012
Artigo aprovado em: 02/10/2012
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