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Revista da Associação Mineira de Direito e Economia
Análise Econômica do Direito na Garantia dos Direitos Sociais
Previdenciários
Raul Lopes de Araújo Neto1
Manoel Moacir Costa Macedo2
Resumo:
O crescimento dos investimentos nos planos
de previdência complementar trouxe uma
oportunidade para reflexão sobre o papel da
previdência social pública brasileira. Esse
trabalho propõe apresentar os principais
argumentos responsáveis pela crise da
previdência pública e analisar a garantia dos
direitos sociais. A análise histórica sobre a
formação da previdência e a evolução das
políticas publicas nas ultimas cinco décadas
demonstram o comprometimento da gestão
pública com atual crise previdenciária. A
análise econômica do direito será utilizada
para interpretar a o comprometimento da
prestação dos direitos sociais pelo Estado
levando em conta a maximização de riquezas
e a eficiência do sistema protetivo. O estudo
será conduzido do ponto de vista critico
utilizado
como
referencia
dados
socioeconômicos e estatísticos do atual
sistema securitário.
Palavras-Chave:
Abstract:
The growth of investments in pension plans
has brought an opportunity for reflection on
the role of public social security in Brazil.
This paper proposes to present the main
arguments responsible for the crisis of public
pension and analyze the guarantee of social
rights. The historical analysis of the
formation of welfare and public policy
developments in the last five decades has
demonstrated the commitment of public
management with current social security
crisis. The economic analysis of law will be
used to interpret the commitment of the
provision of social rights by the State taking
into account the maximization of wealth and
efficiency of the protective system. The
study will be conducted from the standpoint
of critical socioeconomic data used as
reference of the current statistical system
and tightening security.
Keywords:
Social Security; Public Security; Economic
Social Security, Public Security, Social Crisis JEL: K39
Rights, Economic Analysis of Law.
1
Mestre em Direto pela Universidade Católica de Brasília (2011). Conselheiro Titular da Vigésima Junta
de Recursos da Previdência Social. Vinculo de Professor com as faculdades FSA e CEUT em Teresina –
PI. End. Profissional: Rua Miosótis, 1417 | Fátima | Teresina –PI | 64049-536.
[email protected]
2
Doutor em Sociologia - Universidade de Sussex – Inglaterra (1997). Universidade Católica de Brasília –
UCB. [email protected]
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I.
INTRODUÇÃO
D
esde o início da década de 90 houve um significativo crescimento dos
planos de previdência complementar, tanto na quantidade de optantes,
como pelo aumento do capital formador de poupança interna. Um dos
motivos desse crescimento é o atual comprometimento dos serviços e benefícios
prestados pelo Regime Geral de Previdência Social.
Para tanto, será feita uma análise da evolução dos principais fatores do
comprometimento dos direitos sociais, principalmente previdenciários, bem como o
crescimento e fortalecimento dos planos de previdência complementar.
Não é objetivo desse estudo detalhar o funcionamento e a gestão da previdência
pública, mas sim, apontar os fatores que contribuem para a crise previdenciária e
utilizando a análise econômica do direito interpretar a garantida dos direitos sociais
incluídos na ordem social brasileira.
2.
Apogeu e declínio do Estado provedor
C
umpre ressaltar a importância do estudo sobre a crise do Estado-provedor,
uma vez que os fatores que mudaram a concepção do Estado-provedor
para Estado-regulador acabaram se tornando a mola propulsora para o
crescimento da previdência complementar nos últimos vinte anos.
A grande crise econômica de 1929 e a situação calamitosa dos países
60
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envolvidos na Segunda Grande Guerra fizeram com que o Estado se preocupasse com
os chamados riscos sociais, que segundo Durand, são classificados em:
Os infortúnios, que sugerem um revés da sorte, um infortúnio, uma
desgraça, como a morte ou a invalidez e os venturosos, que
manifestam-se por fatos ditosos, afortunados, felizes, como a
sobrevivência da pessoa (a aposentadoria por idade é uma
contrapartida ao fato da sobrevivência do segurado). (DURAND,
1991, p. 55).
Horvath Júnior faz uso das palavras de Santoro-Passarelli, para definir o risco
social como:
Risco social é o perigo que ameaça o indivíduo e se transfere para a
sociedade atingindo toda a coletividade, fazendo surgir a
necessidade social. Cabe à previdência social a função de aliviar a
necessidade social surgida em virtude da ocorrência dos eventos
previamente selecionados, garantindo uma tutela de base (mínimo
vital). (HORVATH, 2004, p. 27).
Esse período de depressão econômica causou altas taxas de desemprego,
quedas drásticas do produto interno bruto de diversos países, bem como quedas
drásticas na produção industrial. Dessa forma, o Estado passou a se preocupar pelos
riscos sociais e justificar o surgimento de restauradores com o Walfare State e o plano
Beveridge3. Pela teoria do risco social o Estado seria uma espécie de segurador
3
Depois da Segunda Guerra Mundial e considerando as várias circunstâncias sociais, econômicas,
internacionais, era necessário fazer nascer um novo sistema protetor social que teria por meta principal a
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universal contra todo e qualquer evento lesivo ocorrido em seu território, sujeitandose à respectiva indenização, garantindo a paz social e a realização das necessidades
coletivas e individuais (ARAÚJO, 1999, p. 177).
Horvath Júnior analisa a nomenclatura mais adequada a ser usada no âmbito
do Direito Previdenciário, se risco ou se contingência social:
Risco é o evento futuro, incerto e involuntário que produz um dano
passível de ser avaliado economicamente. Têm-se assim, os
elementos que compõem o risco: futuridade, incerteza de seu
acontecimento (quanto a sua ocorrência ou quanto ao momento de
sua
concretização),
involuntariedade
e
dano.
A
diferença
preponderante entre risco e contingência social baseia-se na
ausência dos elementos voluntariedade e dano (no sentido de
prejudicialidade), em alguns eventos protegidos como, por exemplo,
a maternidade. Assim a contingência social vem a ser evento
susceptível de produzir uma redução ou supressão da atividade do
beneficiário ou de impor cargas econômicas suplementares.
(HORVATH JÚNIOR, 2011).
A palavra contingência seria a nominalização mais correta, por ser uma
expressão técnica, por corresponder a algo que pode ou não ocorrer e por se referir
ao sistema público de Seguridade Social. Apesar das controvérsias existentes, consta
no decorrer desse trabalho a expressão risco social devido a sua amplitude e a melhor
adequação aos fatores prejudiciais à força de trabalho. Desta forma, existindo
extensão da cadeia protetora para as outras pessoas da sociedade. Assim foi que, na Grã-Bretanha, veio à
tona em 1942 o famoso Relatório Beveridge, redigido por Lord Beveridge, então um dos altos
funcionários do governo britânico. Pode-se considerar que esse Relatório é o pai da moderna previdência
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contingência ou risco, todos terão direito ao rol de prestações ou serviços oferecidos
pelas normas da seguridade social, devendo-se observar as peculiaridades de cada
benefício.
Os riscos sociais merecem resposta do Estado, que depende dos impostos para
existir e como contrapartida deve estruturar a rede de proteção aos trabalhadores
pelos riscos sociais.
A preocupação social teve grande expressão com a criação do Welfare State,
um tipo de organização política e econômica que coloca o Estado como agente da
promoção, proteção e defesa social e organizador da economia. Nesta orientação, o
Estado é o agente regulamentador de toda a vida e saúde social, política e econômica
do país em parceria com sindicatos e empresas privadas, em níveis diferentes, de
acordo com a nação em questão. Cabe ao Estado do bem-estar social garantir serviços
públicos e proteção à população (SCHUMPETER, 1908).
O Welfare State se originou da grande depressão gerada pela crise econômica
de 1929 e foi criado com uma salvação para os países, principalmente, os europeus.
Atualmente é um sistema em crise que possui como fatores causadores: a diminuição
do gasto público e a adequação às demandas individualistas da sociedade, voltando a
estimular a independência.
As consequências do Welfare State irradiaram os seus efeitos por todo o
mundo e para melhor demonstrar os resultados, essa análise será dividida em dois
social, graças à sua influência nas legislações posteriores de muitos países.
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planos: a) no mundo, com a sua implementação e as mudanças ocorridas na Europa,
Estados Unidos e América Latina e b) no Brasil, que retrata os resultados da adaptação
do Welfare State no Brasil.
a) Acerca do Welfare State no mundo
Remetendo à crise econômica de 1929, o Estado passou a ter importância na
vida social das pessoas, em face de que o risco social para os indivíduos passou a ser
também uma preocupação do Estado.
O Welfare State é uma das marcas da era dourada de prosperidade do pósguerra e significou mais do que um simples incremento das políticas sociais no mundo
industrial desenvolvido. Representou um esforço de reconstrução econômica, moral e
política. Economicamente, significou um abandono da ortodoxia da pura lógica do
mercado, em favor da exigência de extensão da segurança do emprego e dos ganhos
como direitos de cidadania e moralmente, a defesa das ideias de justiça social,
solidariedade e universalismo (ESPING-ANDERSEN, 1995).
Esse plano de reforma do Estado, incorporou um ideal de recuperação para as
nações economicamente abaladas e repercutiu em muitos países da Europa, como a
Suécia, a Dinamarca, a Noruega e a Finlândia. Diante dessa grande reforma, surgiu
também a proposta do funcionamento do Estado na forma Regulatória. A respeito
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dessa mudança, Mattos afirma que o desenvolvimento do Estado regulador nos
Estados Unidos teve dois momentos fundamentais: o New Deal (1933-1940) e a New
Social Regulation (1965 – 1980) e completa:
Em estudo profundo sobre o New Deal e o tratamento de
concentrações econômicas, The New Deal and the problem of
monopoly – a study in economic ambivalence, Ellis W. Hawley
demonstra que o New Deal, em resposta à depressão, começou com
a atuação do governo federal dando suporte a carteis e ao
planejamento empresarial, e terminou com uma campanha próconcorrência e o ataque a estruturas rígidas de controle de preços.
Daí o New Deal ser qualificado, desde uma análise econômica, como
uma das políticas mais ambivalentes da historia da economia norteamericana. Porém o sentido do New Deal e seus efeitos sobre a
configuração do Estado regulador americano pode ser mais bem
compreendido deste ponto de vista da análise política. (MATTOS,
2006, p. 81-84).
Diante desses dois movimentos, o New Deal e o New Social Regulation, fica
claro que o ideal de realização do interesse público será defendido como um
contraponto ao ideal liberal de maximização egoísta do interesse privado.
A crise do Welfare State é o preâmbulo do crescimento da previdência
complementar e dentre os fatores que impulsionaram esse crescimento, podem ser
apontados os seguintes:
a) A expansão dos gastos públicos com a área social acarreta deficits para o
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Estado, provocando a inflação e o desemprego. Os programas socais são os
responsáveis pelo desequilíbrio da competitividade entre os indivíduos no mundo do
trabalho. “A solução passa pela redução dos programas tanto quanto possível,
redução dos benefícios, controle do acesso e fraudes, austeridade no fornecimento de
bens, privatização dos serviços, etc.” (DRAIBE; HENRIQUE,1988, p.58).
b) A diminuição das receitas públicas devido à crise econômica, conduz a
redução dos financiamentos para os programas sociais, os quais, por sua vez, não
podem ser feitos através da imposição de impostos para as massas, pois estão
economicamente desequilibradas. Portanto, a crise fiscal do Estado se expressa nos
gastos sociais que aumentam cada vez mais, e o seu financiamento torna-se algo
moroso.
c) O colapso do pacto político do pós-guerra sob o qual o Welfare State se
ergueu. Há autores que defendem a teoria de que os programas de políticas sociais
surgiram para cobrir os riscos aos quais estariam expostos os trabalhadores,
reforçando assim as atividades econômicas. Porém, com a crise econômica, iniciada,
no início dos anos 70, o Welfare State esgotou a sua forma básica entre a regulação
estatal fundamentada na política econômica de Keynes com a articulação das políticas
sociais (WIECZYNSKI, 2007).
Diante da crise do Welfare State, Esping-Andersen demonstra:
A privatização dos programas de bem-estar social é uma das
estratégias mais defendidas na presente crise do welfare state. De
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fato, ela é promovida por duas razões distintas: a primeira com o
objetivo de diminuir o gasto público e de estimular a independência;
a segunda, visando responder às demandas mais diferenciadas e
individualistas da sociedade "pós-industrial". Na prática houve,
contudo, poucas reformas substanciais desse tipo. Apesar disso, um
processo "silencioso" de privatização pode estar a caminho em
muitos países, causado principalmente pela erosão gradual dos níveis
dos benefícios ou dos serviços. Devemos mencionar aqui também a
experiência sueca de permitir uma maior competição entre os
fornecedores de serviços, ainda que sob normas rígidas. Se a
privatização gera uma transferência das responsabilidades pelo bemestar para as empresas, então é muito provável que se torne uma
panaceia. A experiência norte americana mostra que os planos de
empresas, especialmente aqueles de benefícios diferenciados,
enfrentam problemas semelhantes aos dos esquemas públicos. Além
disso, tais esquemas empresariais são cada vez menos viáveis em
uma estrutura de empregos dominada pelos serviços, em que as
empresas são menores e os trabalhadores menos sindicalizados. A
alternativa está nos fundos de poupança individuais, que dificilmente
fornecerão garantias substanciais de bem-estar, ou nos planos de
seguro individual. Na Europa e nos Estados Unidos, esses planos têm
aspectos positivos: além de incentivarem a poupança, permitem que
os indivíduos moldem seu próprio plano de bem-estar. Mas ao se
pretender transformá-los em um substituto, mais do que em um
suplemento, aos esquemas públicos, sua capacidade de proporcionar
a seguridade social de modo universal é bastante duvidosa. (ESPINGANDERSEN, 1995, p. 106-107).
As mudanças sociais que implicaram o comprometimento da sustentabilidade
do Walfare State, fizeram com que o indivíduo se interessasse pela gerência de seu
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próprio bem-estar, principalmente, no que diz respeito à velhice, assumido os riscos
gerados pelas contingências sociais. É nesse contexto que surgem as aplicações em
previdência complementar. Não se trata da privatização da Seguridade Social, a
previdência complementar tem por objetivo garantir um melhor bem-estar para o
segurado e não a substituição das garantias previdenciárias do Estado.
Conduzindo a uma evolução histórica sobre as mudanças na intervenção do
Estado, o antiestatismo surge nos anos 1960 e, como um vendaval, avança em todos
os países capitalistas, cêntricos ou periféricos.
A ideia intervencionista não era mais tão atraente. Essa forma totalitarista era
tão repulsiva quanto a ausência do amparo social anterior à criação do sistema. Assim,
exigia-se dos países que adotavam regimes intervencionistas a implementação de um
sistema menos dependente da vontade do Estado.
Durante as décadas de 80 e 90, países como Chile, Peru, Colômbia, Uruguai,
Bolívia e México e Costa Rica optaram por substituir, parcial ou integralmente, os
sistemas públicos de previdência social de repartição por sistemas privados
obrigatórios de capitalização individual (GENTIL, 2007).
Essas mudanças trouxeram reformas sociais atingindo, inclusive, a previdência
social. Os países latino-americanos optaram por um processo de imitação do modelo
de estratégia liberal, baseado na privatização da previdência social com ênfase na
desregulamentação do mercado de trabalho e nos benefícios seletivos ao invés de
universais.
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Revista da Associação Mineira de Direito e Economia
b) Acerca do Welfare State no Brasil
As teorias criadas para explicar o desenvolvimento do Welfare State nos países
industrializados são instrumentos úteis para o entendimento do caso brasileiro.
Devidamente ajustadas às peculiaridades locais, essas teorias fornecem um mapa de
variáveis relevantes que pode ser utilizado para estabelecer os contrastes entre o
Brasil e os países desenvolvidos.
As circunstâncias do surgimento e do desenvolvimento do Welfare State no
Brasil são diferentes das observadas nos países europeus. Além de ocorrer sob uma
posição diferente na economia mundial, o processo de modernização brasileiro é
marcadamente segmentado, com setores industriais modernos convivendo com
setores tradicionais e com a economia agrário-exportadora. O controle do mercado
para produtos industriais por meio de políticas de massificação do consumo foi um
aspecto secundário para um Estado preocupado com estratégias protecionistas,
disponibilidade de insumos e investimentos em bens de capital (MEDEIROS, 2001).
No período de expansão da industrialização do Brasil, durante as décadas de
1940 e 1950, a possibilidade de se utilizar o Welfare State como instrumento de
controle da demanda agregada era reduzida. Problemas de superprodução estavam
muito mais relacionados ao comportamento do setor externo do que a flutuações nos
níveis nacionais da demanda e o número restrito de trabalhadores beneficiados
limitava a efetividade das políticas como mecanismo de expansão do consumo. No
Brasil, o Welfare State surge a partir de decisões autárquicas e com caráter
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predominantemente político: regular aspectos relativos à organização dos
trabalhadores assalariados dos setores modernos da economia e da burocracia
(MEDEIROS, 2001).
A dependência econômica externa impedia a aplicação do Welfare State no
Brasil assim como foi feito nos países europeus. Nesse aspecto, Draibe e Henrique
(1988), levantam alguns princípios pelos quais o Welfare State no Brasil foi construído:
centralização política e financeira no governo federal e nas ações sociais,
fragmentação institucional, exclusão da população à participação política, o
autofinanciamento social, a privatização e o clientelismo que ainda persistem em
muitos segmentos sociais.
O problema da dependência econômica estrangeira perdura até os dias
atuais. Tendo em vista da baixa capacidade de formação de poupança doméstica da
economia brasileira, muito se discutiu nas últimas décadas sobre a alta dependência
do Brasil ao capital estrangeiro para os investimentos necessários ao setor produtivo
da economia para se promover o processo de crescimento e desenvolvimento. O
incentivo do Estado, com a criação da Lei n.° 11.053, de 2004, foi aumentar a procura
por investimentos em planos de previdência complementar e consequentemente
gerar a formação da poupança interna tão importante para o desenvolvimento
econômico.
Antes de adentrar no debate sobre as mudanças trazidas pela Lei n° 11.053,
de 2004 e sobre a formação da poupança interna, torna-se necessário compreender o
surgimento do Estado regulador e a previdência complementar brasileira.
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Revista da Associação Mineira de Direito e Economia
3. O surgimento do Estado regulador e a previdência social
brasileira
O
surgimento da estratégia regulatória no Brasil ocorreu de forma distinta
do modelo de Estado Regulador norte-americano e do modelo de Estado
do bem-estar social europeu. A burocracia estatal brasileira, criada para
regular os vários setores da economia, adotou técnicas administrativas, especialmente
de planificação da economia, em parte se aproximando de modelos de planejamento
econômico Keynesiano.
O modelo de Estado regulador que se forma no Brasil a partir dos anos 1930 foi
diferente do modelo de Estado regulador que se formou nos Estados Unidos, se
compararmos as técnicas administrativas utilizadas para regular a economia em cada
um desses casos.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, surgiu também a atual ordem
social brasileira apresentando em seu texto a Previdência Social como direito social
conforme redação do artigo 201, da Carta Magna:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime
geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados
critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá,
nos termos da lei, a:
I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade
avançada;
II - proteção à maternidade, especialmente à gestante;
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Revista da Associação Mineira de Direito e Economia
III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego
involuntário;
IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos
segurados de baixa renda;
V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou
companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.
Conforme o artigo 201 da Constituição Federal de 1988, a proteção
previdenciária brasileira é ampla, mas necessita de prévia contribuição para o
recebimento de benefícios, sendo, portanto, compulsória e contributiva, característica
que não existe nos outros dois ramos da seguridade: assistência social e saúde. Sobre
isto, Carvalho e Murgel explicam:
Por meio da previdência social vem o Estado garantir a dignidade
humana, impedindo a degradação do homem e propiciando ao
indivíduo uma existência material mínima em período de infortúnio
ou de dificuldade no exercício do seu ofício. Desse modo, promove a
igualdade de direitos entre todos os homens; garante a
independência e autonomia do ser humano; observa e protege os
direitos inalienáveis do homem; não admite a negativa dos meios
fundamentais para o desenvolvimento de alguém como pessoa ou a
imposição de condições subumanas de vida. (CARVALHO; MURGEL,
2007, p. 26).
A preocupação da ordem social brasileira com o indivíduo tem sua gênese pautada
no princípio da dignidade da pessoa humana, que consiste em preceitos fundamentais
a todo ser humano, decorrentes da harmonia entre os diversos fatores como a
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liberdade, trabalho, família e cultura. Estudos de Comparato apontam:
que a dignidade da pessoa humana não consiste apenas no fato de
ser ela, diferentemente das coisas, um ser considerado e tratado
como um fim em si e nunca como um meio para a consecução de
determinado resultado. Ela resulta também do fato de que, pela sua
vontade racional, só a pessoa vive em condições de autonomia, isto
é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio edita. Daí
decorre, como assinalou o filósofo, que todo homem tem dignidade
e não um preço, como as coisas. (COMPARATO, 1999, p. 20)
Sarlet também propôs uma definição jurídica para a dignidade da pessoa
humana que serviu de amparo para construção da ordem social brasileira:
Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e
distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo
respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade,
implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres
fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer
ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir
as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de
propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos
destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais
seres humanos. (SARLET, 2001, p. 60).
A dignidade da pessoa humana serviu para organização do plano de benefícios
da Previdência Social, pois visando garantir as condições mínimas para uma vida
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saudável aos segurados foi que o Estado definiu seu plano de benefícios de amparo ao
individuo que, por ventura, se encontrar numa situação de risco social.
Sobre o tema, Gentil (2007) afirma que no Brasil, as alterações no sistema de
seguridade social ao longo dos anos 1990 não foram tão extensas a ponto de mudar as
suas características fundamentais. O sistema ainda é o mesmo previsto pela
Constituição de 1988, ou seja, permanece público, em regime de repartição e continua
a caracterizar-se pela universalidade da cobertura, muito embora sua implementação
tenha resultado em grande afastamento dos princípios constitucionais.
O sistema previdenciário tem sofrido modificações quase ininterruptas desde o
fim da década de 1980, em função da influência do pensamento conservador que
varreu a América Latina, promovendo reformas privatizantes e da clara dominância de
políticas econômicas ortodoxas. Essas políticas estão baseadas no diagnóstico de que
o deficit público das últimas décadas resultou em inflação elevada ou em aumento na
relação dívida/produto interno bruto (PIB). O ingrediente principal do deficit estaria
no descontrole das contas da previdência.
O Estado providência não respondia mais aos anseios da população, mostrouse esgotado e ineficiente em frente à escassez de seus recursos. Diante desses fatores,
observa-se a opinião de Carvalho e Murgel sobre o modelo do Estado do bem-estar
Social e a crise previdenciária brasileira:
Sabe-se que o Estado do Bem-estar Social, o Estado Providência,
eminentemente protecionista, é modelo desestruturado e esgotado.
Por outro lado, a prestação positiva dos direitos sociais não pode
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permanecer no alvedrio da vontade do legislador ou dos
governantes, embora esteja na dependência do orçamento do
Estado. Ora, trata-se de dever e obrigação do Estado zelar pela
proteção dos direitos sociais, de forma positiva. (CARVALHO;
MURGEL, 2007).
Com a baixa arrecadação, decorrente da falta de contribuição do setor privado,
o Estado se viu com baixos recursos para garantir os direitos sociais, ocasionando uma
paralisação do primeiro setor, que é o próprio Estado.
Ao Estado era confiado o papel de provedor e agora, diante das mudanças
econômicas globais, o Estado passou a ser o regulador dos serviços sociais. Fatores
como os acima apontados, foram os causadores do comprometimento do tripé
formador da Seguridade Social.
Contudo, o Estado Regulador decorreu de uma mudança na concepção do
conceito de atividade administrativa em função do princípio da subsidiariedade e da
crise do Estado de Bem-Estar, incapaz de produzir o bem de todos com qualidade e a
custos que possam ser cobertos sem sacrifício de toda a sociedade. Daí a
descentralização de funções públicas para particulares (SOUTO, 2005).
A falência do providencialismo causou o surgimento dos órfãos do Estado que
contribuíram para o crescimento da pobreza e a exclusão social. Nesse panorama
surgiu uma nova forma de ver e julgar o mundo social, chamada de neoliberalismo.
Clarck et al mostram o papel do Estado e o surgimento do neoliberalismo:
75
Revista da Associação Mineira de Direito e Economia
No mesmo sentido, o New Deal (baseado no reformismo keynesiano)
e o Estado Social jamais representaram um socialismo puro. Tanto
no início (Revolução Russa de 1917) como no fim (Consenso de
Washington) do século XX surgiram posições teóricas extremistas
quanto à função do Estado no mercado, mas a implementação delas
nos meios jurídico e econômico é realizada com diversas adaptações,
e por causa destas é que podemos chamar neoliberais todos os
arranjos que se fizeram na estrutura dos Estados. Essas adaptações
aproveitaram sempre princípios liberais originais, preservando-se o
mercado, porém, ora o Estado intervém com mais vigor na
economia, ora com menos. (CLARK et al, 2006).
O neoliberalismo demonstrado por Clark et al (2006) possui como fase inicial a
exigência de um Estado Social, cuja atuação no domínio econômico se dava
diretamente, via empresa pública, sociedade de economia mista e fundações e
indiretamente mediante rígidas normatizações, tudo em nome do desenvolvimento
ou do crescimento, em seguida, realiza-se no Estado Democrático de Direito e as
intervenções diretas passam a ser minimizadas, priorizando-se a intervenção indireta
e a intermediária. Nesse contexto, surgem no cenário jurídico as Agências
Reguladoras.
O neoliberalismo não requer necessariamente o Estado mínimo, mas pode
apresentar-se no Estado Social ou no Estado Democrático de Direito. Na mudança dos
modelos de Estado se encontra o liberalismo, passando pelo neoliberalismo de
76
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4
regulamentação e chegando ao neoliberalismo de regulação .
Sobre a reforma do Estado no Brasil, Barroso (2003, p. 291), defende que é
fundamental a compreensão de que as reformas econômicas não chegaram a produzir
um modelo que possa ser identificado com o de Estado mínimo. Pelo contrário,
apenas deslocou a atuação estatal do campo empresarial para o domínio da disciplina
jurídica, com a ampliação de seu papel na regulação e fiscalização dos serviços
públicos e atividades econômicas.
O papel de prover o bem-estar social está mudando de mãos. O
intervencionismo do Estado era financiado pela sociedade, que diante da ineficiência
na prestação dos serviços sociais básicos, passou a procurar empresas/entidades do
setor privado no intuito de substituir o provedor desses serviços, como a saúde,
educação e previdência. Como a sociedade é fonte de financiamento do Estado, a
tributação desses setores ganhou destaque diante dessa nova roupagem que se
apresenta o Estado.
Observados os fatores que ocasionaram a crise do Estado provedor e o
surgimento do Estado regulador, o caso brasileiro possui algumas peculiaridades. O
próximo tópico visa analisar esses fatores e demonstrar sua relação com o surgimento
da previdência complementar.
4
É neoliberal, não porque se trata de uma tendência de retorno ao liberalismo econômico clássico, mas
porque preserva princípios originários deste e os faz conviver com técnicas diferentes de ação econômica
do Estado. As reformas do New Deal, portanto, instituíram as técnicas do neoliberalismo de
regulamentação, e as reformas constitucionais e políticas pós-Consenso de Washington, as do
neoliberalismo de regulação (CLARK et al, 2006).
77
Revista da Associação Mineira de Direito e Economia
4.
Os fatores históricos do comprometimento da prestação dos
serviços e benefícios pela previdência social no Brasil
N
este tópico será demonstrado o comprometimento dos serviços e
benefícios prestados pelo Regime Geral de Previdência Social
administrados pelo INSS, as causas que levaram a instabilidade do
sistema, que ao longo do tempo não resistiu ao descontrole da gestão pública entre
1960 e 2002.
O artigo 194 da Constituição Federal de 1988 determina que a seguridade
social é formada de iniciativas do poder público e da sociedade. A sociedade,
representada pelas empresas e trabalhadores, apresenta-se como financiadora do
5
sistema securitário formando duas das três bases de custeio e para garantir
sustentabilidade e segurança, as contribuições sociais devem respeitar o princípio da
diversidade da base de financiamento, que protege o sistema, evitando a sobrecarga
em uma só fonte de financiamento.
Mesmo com a proteção constitucional, a prestação de serviços relacionados à
saúde, assistência e previdência social tornou-se deficiente. Mais especificamente no
campo previdenciário, as aposentadorias não garantem a manutenção do poder
aquisitivo.
5
As três fontes de custeio da seguridade social são representadas pelas empresas, trabalhadores e o
próprio Estado. Essa forma, insculpida na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 195, concretiza o
princípio da tríplice forma de custeio.
78
Revista da Associação Mineira de Direito e Economia
Embora a Constituição Federal de 1988 preveja, expressamente, nos artigos
194, Parágrafo único, IV e 20, § 4,° a manutenção do poder aquisitivo de
aposentadorias e pensões, na prática a situação se apresenta da seguinte forma:
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de
ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a
assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência
social.
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei,
organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
(...)
IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime
geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados
critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá,
nos termos da lei, a:
(...)
§ 4º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservarlhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios
definidos em lei.
Os dispositivos citados contemplam o Princípio da Irredutibilidade do Valor dos
Benefícios. Segundo Kertzman (2009, p. 49), essa irredutibilidade possui dois aspectos:
a nominal e a real.
O artigo 194, parágrafo único, inciso IV, da Constituição Federal garante ao
segurado a irredutibilidade do valor nominal de seu benefício, ou seja, de acordo com
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esse princípio, não pode o benefício sofrer redução.
Por sua vez o artigo 201, §4.° da Constituição Federal garante a irredutibilidade
real, esse princípio garante a preservação do valor real do benefício e assegura o seu
reajustamento, preservando, em caráter permanente, o seu poder aquisitivo.
Kertzman (2009, p. 50) explica que atualmente, o índice é utilizado como
parâmetro para os reajustes dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social é o
INPC calculado pelo IBGE, levando-se em conta o rendimento das famílias que
possuem renda entre um e oito salários mínimos, sendo o chefe assalariado.
A partir da Medida Provisória 316, convertida na Lei n.° 11.430 de 2006, o INPC
passou a estar previsto no corpo da Lei n.° 8.213 de 1991 com a seguinte redação:
Art. 41-A. O valor dos benefícios em manutenção será reajustado,
anualmente, na mesma data do reajuste do salário mínimo, pro rata,
de acordo com suas respectivas datas de início ou do último
reajustamento, com base no Índice Nacional de Preços ao
Consumidor - INPC, apurado pela Fundação Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística - IBGE.
A forma de contribuição que a maioria dos segurados brasileiros estão
vinculados é o de repartição simples, daí aparecer como legítima a preocupação do
governo em manter o seu orçamento equilibrado, ainda que se deva reconhecer, de
imediato, que a corrosão das receitas previdenciárias, pelo crescimento do
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desemprego na década de 90, da informalidade do trabalho e da sonegação é
desdobramento natural da sua própria política econômica.
O sistema protetivo brasileiro enfrenta graves problemas estruturais. Derzi
elenca os quatro grupos de causas da sua crise:
a) Atuariais, uma vez que precocemente o Brasil introduziu a
aposentadoria por tempo de serviço, desvinculada da idade do
trabalhador, alongando-se em demasia a sua duração.
b) Administrativos, pois a burocracia, a corrupção, o empreguismo e
o nepotismo agigantaram os órgãos previdenciários, elevando-se o
seu custo.
c) Caixa, pois desvios de recursos da previdência social para outras
finalidades do Estado advieram de lacunas existentes na Constituição
de 1967-69; o caixa da previdência social confundiu-se com o caixa
do Tesouro Nacional e seus recursos foram canalizados até para
construção de hidroelétricas.
d) Econômicos-conjunturais ou estruturais, desencadeados pelas
crises de recessão, desemprego e queda dos salários no produto
interno bruto, o que provoca o acentuado decréscimo no produto da
arrecadação das contribuições previdenciárias, incidente sobre a
massa dos salários. (DERZI, 2003).
Para uma detalhada análise do problema de caixa da previdência é
imprescindível um minucioso levantamento histórico dos dados que, infelizmente,
ainda está por ser elaborado. Entretanto há uma presunção bem amparada de que os
governos brasileiros das décadas de 1930 a 1960 se valeram desses recursos para
81
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financiar muitas das obras de infraestrutura do período. No período pós 1964, Oliveira
et al afirma em que:
O financiamento do INPS continuava a basear-se em um sistema de
contribuição tripartite, no entanto a União passou a se responsabilizar
unicamente pelos custos de administração (cerca de 11% das despesas totais
do INPS) e pessoal do instituto. A maioria das cotizações de empregados e
empregadores era da ordem de 8% sobre o salário. Porém, a União
permanece como uma grande devedora, na medida em que honra seus
compromissos somente de forma parcial (em 1968 dos R$ 1.505.938.136,46
despendidos com pessoal e administração somente R$ 846.777.579,32
foram efetivamente repassados à previdência pelo governo federal).
(OLIVEIRA et al, 1999, p. 8).
Para ilustrar a evolução da dívida da União com a previdência social no na
primeira década do período pós 1964, a tabela 1 mostra a projeção feita pela
coordenadoria geral de contabilidade do INSS, como segue:
Tabela 1 – Evolução do Saldo Devedor da União com a Previdência Social
Fonte: Oliveira et al (1999)
82
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Diante desses números, pode-se extrair que entre 1967 e 1976 as despesas
com pessoal cresceram 212,54%, as de administração cresceram 278,07%, o valor
arrecadado cresceu 94,57% e o saldo devedor deu um salto de 432,61%. O aumento
do saldo devedor não foi proporcional ao gastos com pessoal e administração.
Segundo Balera (2005), essa prática de saques dos recursos previdenciários
para outras finalidades está se repetindo nos últimos vinte anos. O artigo 90, da Lei n°
8.212, de 1991, autorizou o Conselho Nacional de Seguridade Social a apurar o
montante do grande devedor da previdência social.
Porém, com a extinção do Conselho Nacional de Seguridade Social, o débito da
União nunca foi apurado e está crescendo cada vez mais, comprometendo o papel do
Estado de cumprir com o preceito constitucional do artigo 201.6
É importante destacar que o crescimento da previdência complementar não foi
o motivo do impacto financeiro negativo aos cofres públicos, sob a alegação de que o
segurado destinaria suas contribuições para outro regime que não fosse o público.
6
Segundo Wagner Balera no artigo intitulado “Poço sem fundo” publicado no site Consultor Jurídico, a
crise, a dívida da previdência tem como principal responsável a União e cita que no ano de 2004, foram
aprovadas 17 leis que desviaram quase R$ 10 bilhões da seguridade social para outras finalidades que
não guardam relação com saúde, previdência social e assistência social. Afirma ainda que, nesse
contexto, a existência da dívida do governo federal para com o sistema de seguridade social prejudica a
todos os setores que dela dependem: a saúde, a previdência social e a assistência social. O setor de saúde
funciona mal. Até as camadas mais pobres da população se obrigam a contratar um seguro médico
particular. O setor da previdência social funciona mal, distorcendo os valores dos benefícios com
correções que sempre perdem da inflação e obrigam as pessoas a buscar amparo no Poder Judiciário.
São milhões e milhões de processos nos quais todos querem a mesma coisa: o valor justo para os
benefícios que lhes custaram muitos anos de contribuições. O setor de assistência social é o mais
vulnerável de todos. Não há previsão legal ou constitucional de quanto se deve gastar com as medidas
assistenciais, nem que medidas devem ser tomadas. Por essa razão, a cada governo que assume o poder
muda completamente os programas sociais (BALERA, 2005).
83
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Os segurados do Regime Geral não podem optar pelo regime em que deverão
ser vertidas as suas contribuições, eles são obrigados7 a contribuir para o regime
público durante o período laboral e, dessa maneira, o financiamento do Regime Geral
está garantido por todos aqueles maiores de 16 anos que exercem atividade
remunerada lícita.
O comprometimento da prestação dos benefícios e serviços pela previdência
social pública, principalmente do Regime Geral de Previdência Social8 está evidenciado
na ineficiência do Estado como bem assevera Fabrício:
A culpa toda seria do Estado-pai, que distribuiu benesses excessivas e
compatíveis com as forças do sistema; a solução seria entregar ao
miraculoso poder de auto-regulamentação do mercado mais esse
lucrativo campo de atuação, afastando o poder público do inepto e
perdulário. (FABRICIO, 2003, p. 37).
Ao apontar a má gestão, durante os anos de 1960 e 2000, a inadequada
aplicação das contribuições previdenciárias, em setores que não guardam relação com
suas finalidades, não se quer defender a privatização ou distanciamento do Estado a
cumprir com o que determina o artigo 201 da Constituição Federal de 1988, mas
7
Alem dos segurados obrigatórios, o artigo 11 do Decreto n.° 3.048/99 disciplina a possibilidade do
segurado do Regime Geral de Previdência Social filiar-se como facultativo. Segundo o dispositivo,
segurado facultativo é o maior de dezesseis anos de idade que se filiar ao Regime Geral de Previdência
Social, mediante contribuição, na forma do art. 199, desde que não esteja exercendo atividade remunerada
que o enquadre como segurado obrigatório da previdência social.
8
O regime geral de previdência social apresenta maior comprometimento dos benefícios e serviços do que
o regime próprio. As reformas previdenciárias não conseguem impedir o crescente déficit nas contas da
previdência, com isso a valorização dos benefícios não acompanha o poder aquisitivo dos segurados que
ainda sofrem com a insegurança do momento de recebimento do benefício, pois as regras para concessão
constantemente são objeto de reforma.
84
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alertar a importância da previdência complementar na vida dos segurados, ao lhes
proporcionar mais dignidade quando do recebimento de sua aposentadoria.
No entanto, é importante frisar a relação da crise previdenciária pública com o
desenvolvimento da economia e da sociedade. O aumento da longevidade cumulado
com o baixo índice de fecundidade, reserva aos cofres públicos a diminuição da
arrecadação decorrente da subtração do número de segurados e o aumento de
beneficiários. Para tanto, deve ser observado o processo de redução de mortalidade
que começou a gerar suas transformações em 1970, quando a população era
constituída em grande parte por jovens dos quais hoje alguns se tornaram
beneficiários do sistema protetivo.
De acordo com o estudo realizado por Canuto et al (2009), em 1960 cada
mulher tinha em média 6,2 filhos vivos e este índice decresceu para 2,2 filhos em
2002. Esta projeção aponta para uma estabilidade a partir de 2020, quando a taxa de
fecundidade deverá ser de 2,06 filhos. A medida da expectativa de vida cresceu
consideravelmente: a das mulheres era 39 anos e a dos homens até os 43; hoje estes
números elevaram-se para 72,6 para as mulheres e 64,8 para os homens.
Por isso, a questão do envelhecimento da população brasileira não pode ser
pontuada como a única causa para o atual deficit previdenciário. O momento
demográfico para a questão previdenciária é positivo, existem, mais pessoas em
atividade para financiar do que aquelas que estão aposentadas. O gráfico 3 demonstra
a projeção da relação entre a população de jovens e idosos no Brasil.
85
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Gráfico 1 - População total jovem e idosa
Fonte: IBGE (2004)
De forma complementar, na faixa de idade compreendida entre 14 anos e um
dia e 64 anos ocorreu aumento, em 1991, 2000 e 2010, as pessoas pertencentes a
essa faixa correspondiam, respectivamente, a 60,4%, 64,5% e a 68,5% da população
brasileira.
Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2004) demonstram
que, no atual momento a população jovem ainda é três vezes maior do que a idosa o
que não justifica o deficit previdenciário decorrente da longevidade, mas se pode
extrair dessa leitura que, nos próximos quarenta anos haverá uma diminuição da
população jovem e um aumento da idosa, fator que aumenta a possibilidade de
reforma no sistema previdenciário, como foi a tentativa da Emenda Constitucional n.°
20, de 1998 (Anexo 4) que buscou equilibrar o deficit previdenciário através mudanças
nas regras das aposentadorias.
86
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Mesmo com uma população jovem três vezes maior do que a idosa, é
importante destacar o aumento do número de concessão de benefícios de
aposentadoria decorrente da longevidade. Segundo o levantamento do último anuário
estatístico da Previdência Social (2009), nos últimos três anos, o número de benefícios
de aposentadoria saltou de 558.734 em 2007 para 689.369 em 2009, ou seja, um
crescimento de 23,38%.
No caso específico do Regime Geral de Previdência Social, o desemprego
causou a diminuição da base de financiamento, pois as contribuições dos
trabalhadores sobre seus rendimentos e da empresa sobre a folha de salário,
consistem em uma das principais fontes de custeio da Previdência Social.
Segundo os boletins estatísticos do Ministério da Previdência Social (2011), a
arrecadação da previdência social decorrente de contribuição das empresas no mês de
maio de 2011 foi de R$ 17.962.595.139,00 (dezessete bilhões novecentos e sessenta e
dois milhões quinhentos e noventa e cinco mil e cento e trinta e nove reais), se for
comparada com a arrecadação daqueles trabalhadores que não possuem vinculo
empregatício, que foi de R$ 679.887.302,00 (seiscentos e setenta e nove milhões
oitocentos e oitenta e sete mil e trezentos e dois reais), a folha de salários representa
uma arrecadação 26,4 vezes maior do que a dos segurados do trabalho informal. Por
essa concentração da arrecadação sobre a folha, o desemprego gera diminuição no
custeio da Previdência Social.
Contudo, desde o início da década de 90, houve um aumento do trabalho
informal e a participação dos trabalhadores que tinham carteira assinada diminuiu de
87
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34,2 milhões em 1992 para 32 milhões em 1999. No mesmo período houve o aumento
do número dos que trabalhavam sem carteira assinada, dos empregadores e dos
trabalhadores que laboravam por conta própria, mostrando assim a migração das
atividades. Sobre o tema Esteves explica:
Contudo, partir dos anos 80, a crise econômica fortaleceu-se e o
cenário empregatício mudou, declinando os seus índices. Nos anos
seguintes, o crescimento do setor produtivo deu-se pela inserção das
novas tecnologias e não pela mão-de-obra. Assim, diminui-se a
produção de emprego e o acesso ao mercado de trabalho, e os que
aparecem vêm de formas cada vez mais precárias. (ESTEVES, 2008, p.
114)
Pelo exposto, mesmo diante da migração das atividades laborais, das
mudanças demográficas e do aumento no pagamento de benefícios, é possível
identificar que o maior responsável por esta cadeia de problemas é a má gestão dos
recursos públicos, principalmente entre as décadas de 1960 e 2000.
Desta maneira, o desemprego, a diminuição da folha de salários, a crise
internacional, a longevidade ou até mesmo a baixa fecundidade são fatores que
exigem da administração pública medidas que preservem o sistema protetivo
nacional. Tais medidas não foram elaboradas nas últimas cinco décadas pela política
brasileira, havendo uma relação às avessas, onde a previdência passou a realizar
aportes de capital nos deficits do Estado, o que explica a dívida da União.
Conforme foi apresentado neste tópico, a crise do Estado-providência fez
surgir um grupo de pessoas excluídas da proteção securitária e outro que não mais
88
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confiava no papel do Estado-Pai, preferindo gerir seus próprios investimentos e
garantir o próprio bem-estar social, aumentando o interesse pela previdência
complementar.
5. O surgimento da previdência complementar
O
sistema de previdência brasileiro se apoia em dois pilares, um deles é de
natureza pública e outro de natureza privada/complementar que
subdivide-se em aberto e fechado. O incentivo à expansão do segundo
pilar tem sido objeto da política dos governos de muitos países, inclusive o Brasil. Isso
vem ocorrendo à medida que fica cada vez mais evidente a incapacidade do primeiro
pilar em prover as aposentadorias que propiciem o bem-estar dos segurados (PERES,
2006).
Os fatores atuariais, administrativos, financeiros e econômicos que
impulsionaram a crise da previdência social pública fizeram com os segurados mais
preocupados com o futuro e com a melhoria da qualidade de vida procurarem os
planos de previdência complementar, onde o participante pode gerenciar as suas
aplicações, o tempo de maturação e resgate de seu benefício.
A manutenção da qualidade de vida durante o período da aposentadoria, induz
as pessoas a tomar consciência de que para atingir essa confortável condição será
necessário o provisionamento de recursos para a utilização futura, é neste contexto,
que a previdência complementar surge como uma opção de seguridade social.
89
Revista da Associação Mineira de Direito e Economia
A opção de investimento na previdência complementar é impulsionada pela
crise no setor publico. Na década de 50, para cada aposentado brasileiro havia oito
trabalhadores na ativa. Atualmente a proporção é de 2,3 para 1. Se chegar a 2 para 1,
a arrecadação necessária para manter o sistema poderá consumir até 50% da folha de
pagamento dos trabalhadores. Estima-se que se nada mudar, o deficit da previdência
social chegará, no ano 2020, a 4,2% do PIB, o que hoje representa mais de R$ 30
bilhões. Segundo os dados do Ministério da Previdência, o deficit estimado para 2020
ronda a casa dos R$ 5 bilhões (LUBIATO, 2002).
Lubiato (2002) ainda destaca que as condições econômicas ideais para o
desenvolvimento da previdência complementar começaram a surgir no Brasil na
década de 90 em decorrência da estabilidade dos preços, pois somente num cenário
de inflação sob controle é possível que os agentes econômicos façam projeções sobre
o futuro.
Tendo em vista a importância sócioeconômica dos investimentos em
previdência, o sucesso dessa iniciativa depende em parte do grau de confiabilidade
que é atribuída à gestão dos planos de previdência complementar, em termos de
capacidade de manutenção de sua solvência. (CHAN et al, 2006, p. 28).
No caso das entidades fechadas de previdência complementar, a sua gestão deve
obedecer aos padrões mínimos de segurança econômica, financeira e atuarial,
preservando a liquidez, solvência e equilíbrio dos planos de benefícios, garantindo
assim o pagamento dos benefícios aos aposentados e demais assistidos pela entidade
90
Revista da Associação Mineira de Direito e Economia
de previdência.
Segundo Baima (1998), é de extrema importância o papel desempenhado pela
previdência complementar fechada, tanto do ponto de vista social, pelos benefícios
que proporcionam aos seus participantes e pelo papel que desempenham na criação
de empregos, quanto do ponto de vista econômico, por serem o mais importante
investidor institucional, dispondo de recursos aplicados a longo prazo essenciais à
formação bruta de capital fixo da economia, à democratização do capital das
empresas, ao desenvolvimento do programa de privatização e à geração de poupança
interna.
Ainda segundo Baima, os fundos de pensão exercem atualmente um papel
duplamente importante:
Tanto no aspecto social, por proporcionarem benefícios aos
participantes em situações de perda de capacidade laborativa,
quanto no aspecto econômico, por representarem o mais relevante
mecanismo de poupança de longo prazo, aplicada no mercado
financeiro, de forma a suprir as carências dos agentes econômicos
deficitários, cujas necessidades de investimento superam a
capacidade de gerar poupança. (BAIMA, 2004, p. 17).
As Entidades Fechadas de Previdência Complementar se apresentam como as
principais detentoras nacionais de liquidez, e suas aplicações vêm crescendo nos
últimos anos. Segundo Amaral et al (2004) seus investimentos passaram de 3,3% do
PIB, em 1990, para 14,45% em 2001, década que retrata uma mudança nas políticas
91
Revista da Associação Mineira de Direito e Economia
fiscais no Brasil.
Segundo a Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência
Complementar (ABRAPP), em seu Consolidado Estatístico (2011), os investimentos
continuam a crescer e em 2010 a relação entre os ativos das EFPC e o PIB no Brasil
representou 15,2%.
Mesmo com todo esse crescimento das Entidades de Previdência Privada,
chama atenção o recente estudo feito pela Superintendência Nacional de Previdência
Complementar (2010), que onde demonstra que apesar do aumento de renda e da
alardeada entrada de 14 milhões de trabalhadores no mercado formal durante 2002 a
2010, pouco mais de 550 mil pessoas ingressaram na indústria dos fundos de pensão
no mesmo período.
O crescimento do mercado, no caso das entidades fechadas de previdência
complementar depende, diretamente, da capacidade econômica das empresas e das
pessoas “esse crescimento do mercado de trabalho, esses novos empregos podem
talvez envolver uma questão salarial menor, não gerando ainda o estímulo para a
constituição da previdência complementar” (ANASPS, 2010).
O fato é que o universo potencial de trabalhadores em condições de investir na
aposentadoria complementar situa-se a partir da faixa de renda equivalente ao teto9
de benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social e apesar de existir fundos cujo
tíquete de entrada é o aporte de R$ 50 (cinquenta reais), ou seja, valor equivalente à
9
A portaria 568, de 31 de dezembro de 2010 definiu que o valor máximo de contribuição e benefícios é
de R$ 3.689,66 (três mil seiscentos e oitenta e nove reais e sessenta e seis centavos).
92
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contribuição mínima
10
para o regime geral de previdência social, a falta de
conhecimento ainda é uma grande barreira para os investimentos em previdência
privada.
Em outro balanço divulgado pela Superintendência Nacional de Previdência
Complementar (2010), tem-se que atualmente o Brasil possui 2.742 milhões de
participantes e assistidos no sistema de previdência complementar. Além do aumento
do número de participantes, é crescente também o número de Entidades Fechadas de
Previdência Complementar (EFPC) e a oferta de planos de benefícios tanto
patrocinados como instituídos11.
Também houve um aumento de empresas patrocinadoras, isto é, instituições
que propõem a contratação de planos coletivos de previdência e que participam total,
ou parcialmente, do custeio das contribuições ao plano. Segundo a Superintendência
Nacional de Previdência Complementar (2010), em 2001, eram 2.113 organizações
com esta função e, no final do primeiro semestre de 2010, este número subiu para
2.804.
De forma direta e precisa, Canuto et al (2009) apontam os principais motivos
que levaram ao crescimento do número de entidades de previdência complementar e
de pessoas interessadas em investir nos planos privados de previdência: a
preocupação com o futuro, a falta de credibilidade na previdência social, o teto da
10
O valor mínimo de contribuição é a aplicação da alíquota de 8% (oito por cento) sobre o valor de
salário mínimo, conforme determinado na Portaria 568, de 2010. Atualmente essa contribuição é de R$
43,60 (quarenta e três reais e sessenta centavos).
11
Caso de planos criados a partir de um vínculo associativo, por exemplo, para profissionais ligados a
93
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aposentadoria, a facilidade e os incentivos fiscais, estabilidade econômica e, com
menor expressão, o crescimento do trabalho informal.
Portanto, a falência do Estado-providência e o surgimento do Estado regulador
fez que fosse repensada a ordem econômica social e diretamente a prestação dos
serviços e benefícios sociais. É diante desse cenário que será analisada a tributação
sobre as entidades de previdência complementar, levando em conta a criação da
poupança interna e sua utilização em investimentos produtivos como forma de
fomentar o desenvolvimento econômico.
A relação dos motivos causadores da crise previdenciária como as
consequências econômicas decorrente da supressão dos direitos social serão objeto
do item seguinte.
6.
I
A análise econômica na garantia dos direitos sociais
nicialmente torna-se necessário uma explicação sobre a teoria da Escola de
Chicago quanto à análise econômica do direito, especialmente as considerações
do seu expoente máximo, o jurista americano Richard Allen Posner (2007). De
forma concisa, Salama define a “teoria eficientista” de Posner como:
Em síntese, a teoria da justiça “eficientista” de Posner se resume à
idéia de que o critério para avaliar se os atos e as instituições são
justas, boas ou desejáveis é a maximização de riqueza da sociedade.
sindicatos, associações de classe, conselhos de profissionais ou cooperativas.
94
Revista da Associação Mineira de Direito e Economia
Esta concepção, diz Posner, “permite uma reconciliação ante a
utilidade, liberdade, e até mesmo igualdade, como princípios éticos
que [tradicionalmente] competem entre si. O que Posner propôs,
12
portanto, é que as instituições jurídico-políticas , inclusive as regras
jurídicas individualmente tomadas, devam ser avaliadas em função
do paradigma de maximização da riqueza. Em síntese, a teoria é a
seguinte: regras jurídicas e interpretações do direito que promovam
a maximização da riqueza (i.e. eficiência) são justas; regras
interpretações que não a promovam são injustas. Isto leva à noção
de que a maximização de riqueza (ou a “eficiência”, já que Posner
utiliza as duas expressões indistintamente) seja fundacional ao
direito, no sentido de que proveja um critério ético decisivo.
(SALAMA, 2009, p. 8).
Sobre este enfoque, a análise econômica do direito caracteriza-se pela
aplicação da teoria econômica na explicação do direito, tendo início nos trabalhos de
Ronald Coase (1960), ao analisar o problema de custo social ou efeitos externos
produzidos pelas atividades econômicas com críticas ao papel intervencionista do
Estado e ênfase na inconsistência da economia do bem-estar (ALVAREZ, 2006).
Por sua vez, a hermenêutica jurídica se ocupa da utilização de formas de
interpretação para dizer o que é o direto, mas em nenhum momento determina qual
forma deve ser aplicada em um determinado caso. A análise econômica do direito é a
ferramenta utilizada para que se possa escolher a forma de interpretação a ser
aplicada, determinar a maneira que será melhor para a sociedade. A economia tenta
12
Aqui o termo “instituição” é aplicado no sentido empregado por Douglass North, segundo o qual as
instituições são regras do jogo em uma sociedade, ou, mais precisamente, são restrições que moldam as
interações humanas (SALAMA, 2010).
95
Revista da Associação Mineira de Direito e Economia
verificar como o comportamento “é”, quais as leis que regem o comportamento
humano e o direito busca mudar esse comportamento definindo como “deve ser”, no
intuito de adequar esse comportamento aos padrões sociais (GICO JÚNIOR, 2010).
A utilização da economia para compreensão do direito, não se restringe apenas
à sua definição clássica como sendo aquela que estuda se os recursos escassos são ou
deveriam ser alocados, mas uma concepção moderna e muito mais rica que se utiliza
de instrumentos teóricos e empíricos relacionados com a escolha humana.
O eficientismo de Posner se adequa, perfeitamente, como espécie do gênero
das teorias consequencialistas e possui ramificações na tradição utilitarista de Jeremy
Bentham, Stuart e James Mill. Essas teorias serviram de inspiração para a formação da
análise econômica sob a ótica de Posner, onde o estudo da consequência de uma
norma é o que impulsiona a maximização da riqueza da sociedade (SALAMA, 2009).
Do utilitarismo, Posner analisou a idéia de Bentham (1979, p. 16) que tratava
da maximização de felicidade. Posner adaptou parte dessa teoria para analisar
economicamente o direito. Como, para o direito, são necessários valores, Posner
substituiu a felicidade, que não era possível se mensurar, por riqueza, concebendo a
sua teoria melhor adequação para analisar e interpretar o direito.
Sobre a metodologia de interpretação do direito sob a ótica econômica de
Posner, Godoy explica:
O pragmatismo de Posner, a partir de Kuhn, suscitaria uma ética na
pesquisa cientifica, orientada para resultados. Direito, religião e
ciência se aproximam, dado que vinculado pela interessante busca
96
Revista da Associação Mineira de Direito e Economia
de fins práticos. Eficiência, salvação e progresso seriam os êmulos
dessa tríade cultural. Fins práticos caracterizam o direito, de tal
modo, para Posner, o direito precisaria respeitar os fatos, aceitar as
mudanças e reconhecer quando é falível e não factível. O direito,
para Posner, não é texto sagrado, é texto de prática social.
Verborrágico e preocupado com discussões efêmeras o direito
parece rondado por uma falsidade. Para Posner, a importância da
toga, se não utilizada para realizar os objetivos econômicos da
sociedade, reveste-se de um nada absoluto, isso é muito mais do
que mero oximoro. (GODOY, 2005).
A relação da análise econômica com a previdência social, tem como ponto de
partida o papel constitucional do Estado na garantia dos direitos sociais e do bemestar das pessoas. Antes da análise mais detalhada da eficiência da tributação sobre as
entidades de previdência privada, o estudo do eficientismo proposto por Posner
(2007) deve ser conceituado e relacionado com a garantia dos direitos sociais
assegurados pelo Estado.
Os direitos inerentes à Previdência Social concretizam-se por intermédio de
prestações, seu objeto precípuo exige condutas positivas do Estado, surgindo uma
dimensão econômica extremamente relevante e aqui cabe lembrar a antinomia da
concreção dos instrumentos de proteção social, pois quanto mais o Estado for
subdesenvolvido economicamente, mais abundantes serão as necessidades sociais.
A busca pela eficiência dos direitos sociais passa pela análise de critérios
econômicos e numa sociedade constantemente abalada por crises, a relação custo
beneficio passa a ser importante no cenário atual.
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Revista da Associação Mineira de Direito e Economia
Observa-se que o aumento dos desvios dos recursos destinados ao
financiamento da seguridade social, a falta de reserva para o pagamento de
benefícios, somada ao crescimento da expectativa de vida do brasileiro e à
instabilidade gerada por reformas previdenciárias o impede de prover, de forma direta
e ampla, os direitos sociais, daí a importância do Estado em apoiar e incentivar a
previdência complementar (ARAÚJO NETO, 2011).
A análise econômica se comunica com o tema proposto no ponto em que o
incentivo do Estado na criação das entidades de previdência complementar, estaria,
portanto, agindo de forma a encorajar as pessoas a se reunirem por meio de
organizações que não visam a lucros ou remunerações para poupar o suficiente e
manter o padrão de vida na velhice.
É por conta disso que a efetivação de certas prestações decorrentes de direitos
sociais, incluídas as de natureza previdenciária, está submetida, dentre outras
condicionantes, à reserva do financeiramente possível, justificando, no entanto, sua
relação com a economia.
Frise-se, por oportuno, que não se está a defender que os poderes públicos
possam furtar-se do cumprimento de suas obrigações, sempre que houver deficiência
ou falta de recursos disponíveis, simplesmente se sustenta que há limites para a
implementação das prestações oriundas dos direitos sociais, ou seja, o ideal
disciplinado pelas normas constitucionais, sobretudo pelas programáticas, embora
dotadas de um conteúdo mínimo de eficácia, não pode conduzir ao cumprimento de
uma pretensão do que seja o ideal, sem a presença dos pressupostos fáticos.
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Revista da Associação Mineira de Direito e Economia
No entanto, para que o poder público possa garantir o cumprimento das
obrigações sociais é necessário tributar e a finalidade primordial da tributação é o
financiamento do Estado, pois sem recursos o Estado não pode exercer suas
atribuições mínimas. É nesse sentido que ela dá vida ao ente público e estabelece uma
relação clara entre governante e governados.
Assim, segundo Viol (2005), a tributação exerce influência direta e indireta
sobre a alocação de recursos na economia, podendo ser importante instrumento
incentivador do crescimento econômico, caso utilizado corretamente. Porém, se for
mal utilizada, também tem o poder de influenciar negativamente a competitividade
das empresas e a alocação de recursos.
Em muitos casos, como na atual competição tributária por atração de
investimentos estrangeiros diretos, a finalidade alocativa da tributação inclusive
prevalece sobre a finalidade arrecadatória, conforme demonstrado no capítulo
seguinte, que trata do papel do imposto de renda incidente sobre os investimentos
em previdência complementar.
7. CONCLUSÕES
A
ineficiência do Estado em garantir o bem estar e os direitos sociais da
população, fez com que surgisse um grupo de pessoas excluídas da
proteção securitária e outro que não mais confiavam no papel do Estado99
Revista da Associação Mineira de Direito e Economia
Pai. A falência do Estado providência e o surgimento do Estado regulador fez com que
fosse repensada a ordem econômica social e diretamente a prestação dos serviços e
benefícios sociais.
Essa mudança na ordem social trouxe reflexos para previdência social
brasileira, causando um crise no sistema protetivo. Contudo é possível apontar quais
os fatores que ocasionaram o esgotamento econômico e a crise da previdência que
comprometeram a prestação dos direitos sociais pelo Estado:
a) envelhecimento gradual da população;
b) baixa natalidade;
c) fragilidade da organização administrativa do Ministério da Previdência
Social;
d) aumento dos desvios dos recursos destinados ao financiamento da
seguridade social.
Diante da crise a população passou a não mais acreditar no papel do Estado
como provedor, preferindo gerir seus próprios investimentos e porque não garantir o
próprio bem estar social, surgindo o interesse pela previdência complementar.
É por conta disso, que a efetivação de certas prestações decorrentes de
direitos sociais, incluídos as de natureza previdenciária, estão submetidas, dentre
outras condicionantes, à reserva do financeiramente possível, justificando, no
entanto, sua relação com a economia.
É oportuno lembrar que não se está a defender que os poderes públicos
possam furtar-se do cumprimento de suas obrigações, sempre que houver deficiência
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Revista da Associação Mineira de Direito e Economia
ou falta de recursos disponíveis, simplesmente sustenta-se que há limites para a
implementação das prestações oriundas dos direitos sociais, ou seja, o ideal
disciplinado pelas normas constitucionais, sobretudo das programáticas, embora
dotadas de um conteúdo mínimo de eficácia, não podem conduzir ao cumprimento de
uma pretensão do que seja o ideal, sem a presença dos pressupostos fáticos.
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