Publicar ou depositar a patente? Por: Sonia Regina Federman "O pesquisador não deve se considerar entre a cruz e a espada, entre publicar e depositar. Ele pode e deve fazer as duas coisas”. Sonia Regina Federman é engenheira química, doutora em Engenharia Metalúrgica e de Minas na área de Materiais pela UFMG e examinadora de patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Artigo enviado pela autora ao "JC e-mail": O prazer dos pais ao nascer o herdeiro é mostrá-lo ao mundo. O mesmo prazer e ansiedade tem o inventor quando soluciona um problema técnico ou desenvolve um medicamento para a cura do câncer etc. No afã de conseguir parceiros interessados na sua invenção, ele a divulga sem nenhum critério. Enquanto os pais se preocupam com a segurança da criança, o inventor deve se preocupar com a proteção de sua invenção, sob pena de ser copiado ou até mesmo impedido de exercer seu direito de produzir sua própria criação. O que o inventor deve fazer? Mais especificamente, o que o pesquisador de centros de pesquisa e universidades deve fazer? Publicar artigos? Depositar a patente? São questões que devem ser consideradas com muito bom senso. É notório que o cientista é avaliado pelo número de suas publicações. Quanto mais publicações, mais ele é reconhecido, mais facilmente conseguirá aprovar seus projetos em órgãos de fomento. Uma vez que o assunto patente ainda é uma espécie de tabu para alguns pesquisadores, eles se desculpam alegando que patente é muito complicada e demorada, além de ser cara. Por outro lado, a publicação de artigos científicos é gratuita e rápida. Enquanto a publicação do artigo leva no máximo um ano para sair, a concessão da patente leva cerca cinco a seis anos, dependendo da área tecnológica. Se, depois de todo esforço aplicado na pesquisa, for alcançado um resultado com potencial tecnológico, duas coisas podem acontecer: o pesquisador depositar a patente e uma empresa se interessar em implementá-la ou, se ele não depositar a patente, alguma empresa se aproveitar da sua pesquisa e redigir o pedido de patente e ser sua detentora. Ou seja, o pesquisador pode escolher o lugar que ele ocupará; no céu, com a patente sendo utilizada e seus direitos preservados, ou no inferno da decepção, se ela for implementada por outro. Um caso que ilustra essa situação é o do remédio Capoten, utilizado por pessoas que sofrem de pressão alta. Esse medicamento foi desenvolvido por um médico paulista que decidiu expor os resultados do estudo em artigo publicado em periódico internacional. Resultado: ao ler o artigo, um laboratório viu seu potencial e transformou todas as informações em uma patente que foi depositada, claro, no seu nome. O que sobrou para o pesquisador além da decepção? Ele não tinha como contestar o laboratório, uma vez que seu artigo focava uma pesquisa científica, porém, com informações importantíssimas que possibilitaram ao laboratório - que não gastou dinheiro nem tempo na pesquisa transformá-la em patente de um medicamento já em condições de ser disponibilizado aos pacientes. Todos sabem que esse remédio é um dos mais vendidos no mundo. Outra preocupação do pesquisador é com os custos de seu depósito no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A princípio, ele imagina uma soma R$ 2 mil, R$ 3 mil ou até mais. Depois, custa a acreditar quando recebe a informação de que, para o depósito do pedido de patente, a taxa de retribuição cobrada pelo órgão é de R$ 80 - para pessoa física - ou R$ 200 - para empresa. É preciso ter em mente que o depósito do pedido de patente já garante uma expectativa de direito (o direito consumado vem com a concessão da patente), enquanto a publicação do artigo garante o direito autoral. Nenhuma empresa vai se aventurar em um desenvolvimento que não esteja protegido, sob pena de ser responsabilizada de infringir direitos de terceiros e manchar seu nome. Não é que se vá depositar uma patente para tudo o que se desenvolve, mas o que for realmente importante merece que sua proteção seja considerada. É notório no mundo científico o nível da pesquisa brasileira e, conseqüentemente, de seus pesquisadores. Os papers em língua inglesa já são consultados, porém, artigos em português eram mais difíceis de ser compreendidos. Todavia, informações dão conta de que brasileiros residentes no exterior estão sendo contratados para lerem esses artigos em nosso idioma. Portanto, é necessário bastante cuidado e cautela na proteção da pesquisa nacional. Outro fato a ser considerado é relativo ao dinheiro liberado pelo governo para a concretização das pesquisas. No Brasil, quem mais investe em pesquisa e desenvolvimento é o Estado, por meio do CNPq, da CAPES, e não as empresas privadas. Uma das obrigações do servidor público, no caso do pesquisador de centros de pesquisa e universidades, é zelar pelo bem público que não se restringe apenas aos equipamentos e materiais mas, também, inclui dinheiro público direcionado às pesquisas. O pesquisador não deve se considerar entre a cruz e a espada, entre publicar e depositar. Ele pode e deve fazer as duas coisas. Deve publicar para liberar o conhecimento para a sociedade e deve depositar a patente para garantir a proteção da pesquisa e do dinheiro público, evitando que outros que não investiram tempo, pessoal e recursos financeiros se aproveitem graciosamente desse esforço. Primeiro, deve-se depositar o pedido de patente para garanti-la. Depois, sim, podem publicar todos e quantos artigos quiserem.