Economia da inutilidade Felipe Scovino

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 Exposição kms5n6j6jw6EHkuhuf7ytgEQg4jk46a45h [Galeria Laura Marsiaj, RJ] 2011 Economia da inutilidade Felipe Scovino Estamos cercados nessa exposição por objetos que constituem um campo de erros. Assim os denomino por fugirem a uma compreensão do que se espera dos objetos de arte e por audaciosamente se imporem como tal. São objetos inúteis mas que ao mesmo tempo não mentem sobre sua aparência e função. São exatamente aquilo que estamos vendo: frágeis, não primam por uma execução audaciosa, passam ao largo de serem espetáculo, mas ironicamente fazem parte da sua estrutura formal placas de mármore (ou pedestais) que os ofertam como pequenas jóias. São imagens que ganham notoriedade exatamente pela sua petulância em se oferecer como arte. Contudo, lembremos que Vivacqua tem tido um reconhecimento no meio artístico por conta de sua pesquisa em arte sonora, e aqui estamos cercados por objetos que, em grande parte, não emitem som. Apesar da presença de fios e alto-­falantes, elementos usuais na pesquisa do artista, grande parte dessas obras estabelecem uma contradição entre o que são e o que se espera delas. Eis aqui a primazia da inutilidade. Em um primeiro instante, podem ser nomeados como objetos mudos, silenciosos, vazios, mas logo depois percebemos os seus “ruídos”, na escolha dos títulos: Fios Falantes, Wireless, Speakless. Como escreve Foucault em A Palavra e as Coisas, “[há um desaparecimento dessa] camada uniforme onde se entrecruzavam indefinidamente o visto e o lido, o visível e o enunciável.” Esta aproximação do texto, com algumas obras de Vivacqua, cria uma terceira obra, que é a paródia das duas. Ademais, um dos desafios do trabalho de Vivacqua começa na busca por articular dois domínios distintos, o sonoro e o visual. Nessa sinestesia, imagens e situações são formadas revelando paisagens sonoras. Um estranho zumbido, veloz, volátil e circular atravessa o espaço da galeria, mesmo que ele opere apenas no plano da virtualidade. A obra é suficientemente clara e chama a atenção por sua simplicidade extrema. Mas é nesta mesma simplicidade (enganadora como toda simplicidade) que reside toda a tensão que ela tem a oferecer: são obras que pretendem ser elegantes e atraentes (muito por conta da presença de “altares” ou caixas de acrílico), mas são concomitantemente indiferentes ao belo e singularmente inoperantes. Nada as impede de serem analisadas formalmente mas a sua potencialidade se exacerba quando o deboche é convocado para esse discurso. Entre uma forma que se confunde entre ser etérea e ser superfície lunar, ou uma figura formada por fios ou dispositivos sonoros na qual toda e qualquer similitude com um corpo vibrátil não é mera imparcialidade. É no exercício de se colocarem à venda que reside o deboche: o inútil sendo valorado, comercializado e adquirido. Essa exposição fala à economia da arte: é uma operação que ironicamente comenta sobre o quanto é frágil esse discurso da desfechitização do objeto ao mesmo tempo em que não nega a sua natureza capitalista de mercadoria. Nesse território de ambiguidades, o fato desses objetos serem cooptados pelo mercado aumenta, de forma bastante significativa, sua potência subversiva. A compra das obras é parte do discurso dessas obras. É nesse fator transitivo/especulativo que a obra aumenta sua potência, seu índice transgressivo. O que o artista nos apresenta é propor a teoria de outro modo: falar uma língua da ficção para falar de arte. Com ecos originados em Duchamp e posteriormente reprocessados por Cildo Meireles, para citar alguns exemplos, a economia da inutilidade de Vivacqua é materializada não por meio de objetos serializados e posteriormente deslocados de sua função de uso, mas por objetos executados de forma exclusiva e singular, numa fronteira entre a audácia e o nada. Em kms5n6j6jw6EHkuhuf7ytgEQg4jk46a45h, a ironia é trazida como elemento satírico ao senso comum, intervém sobre o significado original do objeto e enxerta outro, por um movimento imprevisto, um desconcerto, quase piada. Esse vazio, na estratégia de Vivacqua, pode ser traduzido como a própria noção de lugar e função que a obra de arte teria no circuito. Para quem ela fala? O que se quer dela? Apesar da possibilidade de haver uma pretensa banalidade e esvaziamento da condição de permanência do objeto, estamos diante de um discurso original e corrosivo que questiona as engrenagens desse circuito estando dentro dele. 
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