O essencial é simples Por: ABEL DIAS, Professor (http://audacia.org/) Vivemos num tempo complexo e cheio de contrastes. Contudo, acredito que existe uma beleza infinita no valor da simplicidade. Hoje em dia, sofisticamos relacionamentos e criamos etiquetas para viver em sociedade. Gastamos horrores em celebrações vazias e extravagantes, estragando comida e gastamos rios de dinheiro para adquirir bens supérfluos. Buscamos intensamente uma vida requintada que nos proporcione imenso prazer. Queremos estar no topo e buscar intensamente o prazer pelo prazer. Pagamos qualquer preço para sermos famosos e para curtir a vida. Paralelamente, a simplicidade de vida atrai-nos e cativa-nos, deixando em nós o desejo de a vivermos dia a dia. Palavras e acções A palavra «simplicidade» é formada por duas outras de origem latina: sin, que significa «um só», e plex, que quer dizer «dobra». Ser simples significa ter uma só dobra, ao contrário do complexo, que tem várias. Simples é o que se dobra só uma vez. Simplificar significa, então, facilitar o acesso ao que interessa, ao essencial, ao importante. Da etimologia vem-nos o desafio e a tarefa de buscar a simplicidade comprovando que a nossa felicidade está, no essencial, nos acontecimentos simples. És simples? Uma pessoa simples é aquela que não simula, que não aparenta (em si, na sua imagem, na sua reputação), que não calcula, que não tem artimanhas nem segredos, que não tem segundas intenções, programas ou projetos escondidos. Viver a simplicidade é o esquecimento de nós, do nosso orgulho e do nosso medo: é quietude contra inquietude, alegria contra preocupação, ligeireza contra seriedade, espontaneidade contra reflexão, verdade contra pretensão. O simples não se louva nem se despreza. Ele é o que é, simplesmente, sem desvios, sem falsidade. O simples vive como respira, sem maiores esforços nem glória, sem maiores efeitos nem vergonha. A simplicidade não é uma virtude que se some à existência. É a própria existência, enquanto nada a ela se soma. Por isso é a mais leve das virtudes, a mais transparente e a mais rara. A simplicidade é o contrário da duplicidade, da complexidade, da pretensão. A pessoa simples segue o seu caminho, de coração leve e com a alma em paz. O presente é sua eternidade, e isso o satisfaz. Nada tem a provar, pois não quer parecer nada; nada tem a buscar, pois tudo está ali. Simples e não simplório Os simples resolvem a complexidade, os simplórios evitam-na. Conheço pessoas altamente qualificadas, inteligentes, importantes, mas que são pessoas descomplicadas. Conheço também pessoas simplórias, com pouca profundidade, com poucas ambições, mas que são pessoas complicadas, para elas tudo é muito difícil, em geral impossível. Ser simples não significa evitar o complexo, abrir mão da sofisticação, negar a profundidade e contentar-se com o trivial. Ser simples, pelo contrário, significa olhar com olhos limpos o enigma da complexidade e decifrá-lo muito antes de correr o risco de ser por ele devorado. A simplicidade de Jesus Jesus foi uma pessoa simples, falou da simplicidade e viveu-a. Completamente diferente dos líderes religiosos de sua época, Jesus andava no meio do povo, sentia o que o povo sentia, não falava o nobre grego, ou o colonial latim, nem tampouco o patriótico hebreu. Ele falava a língua do povo, o desprezado aramaico. A simplicidade de Jesus era tão marcante que cativava gentes de todas as classes sociais. Nós precisamos de aprender com Jesus a ser humildes e mansos de coração; a chorar com os que choram; a levar as cargas e não os cargos uns dos outros; a abençoar os que nos amaldiçoam; a amar os que nos odeiam; a repartir o pão, o espaço, a fé, a alegria com os mais necessitados, a verdade com os que vivem no erro, a convicção com quem vive de opinião. São Tomás de Aquilo disse que «Deus é infinitamente simples». Acredito, como ele, que a simplicidade não só é uma virtude e um modo de vida, mas, também, uma espiritualidade. A simplicidade é a sabedoria dos santos. Uma espiritualidade da simplicidade A virtude da simplicidade educa-nos na capacidade de vivermos sintonizados com a verdade, a sinceridade e a transparência. Ao longo da História foram várias as pessoas que chegaram à santidade trilhando o caminho da simplicidade. Eis alguns traços dessa espiritualidade: – Ser desapegado, não acumular coisas, fazer uso racional das posses, doar o que não se necessita. – Ser assertivo: ir direto ao assunto com naturalidade, mesmo que seja para dizer não, sem medo de dececionar, não enrolar nem sofisticar o vocabulário desnecessariamente. – Ver a beleza em tudo: numa flor, numa criança, no mar, enfim em toda a criação. – Ter bom humor: ser capaz de rir-se de si próprio e, mesmo diante das dificuldades, fazer comentários engraçados, reduzindo os problemas à dimensão do trivial. – Ser honesto: considerar a verdade acima de tudo, pois ela é sempre simples e, ainda que possa ser dura, é a maneira mais segura de se relacionar com o mundo. – Ser confiante: confiar em si, nas pessoas que o rodeiam e, sobretudo, em Deus.