Maria Cecília Nieves Teixeira Maiorano Residente de Clínica

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Maria Cecília Nieves Teixeira Maiorano
Residente de Clínica Médica da Escola Paulista de Medicina
Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo
A síndrome do desconforto respiratório agudo é uma doença pulmonar
inflamatória grave e freqüentemente fatal, caracterizada por início súbito de
“edema pulmonar” e falência respiratória que ocorre no contexto de outra
condição médica pulmonar ou em outros órgãos à distância. Considerando as
condições pulmonares, as mais freqüentes são a pneumonia e a aspiração de
conteúdo gástrico. Já dentre as condições extra pulmonares, a sepse é a que está
mais freqüentemente envolvida.
Tem uma incidência de 75 casos por 100.000 habitantes nos Estados Unidos
da América e uma mortalidade que gira em torno de 40-60%, embora esteja em
queda devido à melhora do suporte intensivo aos pacientes críticos. Encontram-se
sob maior risco pacientes com doença hepática crônica, disfunção de órgãos, sepse
e idade avançada.
Pelo critério diagnóstico atual (1994) para se caracterizar SDRA, a condição
deve ter início agudo, infiltrados bilaterais no RX de tórax, POAP≤18mmHg ou
ausência de evidência clínica de hipertensão atrial esquerda. A relação PaO2: FiO2
deve ser menor que 300 na lesão pulmonar aguda (LPA) e menor que 200 na
síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA).
Figura 1: Infiltrados pulmonares difusos
O diagnóstico diferencial deve ser realizado com falência de ventrículo
esquerdo, sobrecarga de volume, estenose mitral, doença veno-oclusiva, linfangite
carcinomatosa, pneumonite por hipersensibilidade, pneumonia eosinofílica aguda
e BOOP (Bronquiolite Obliterante com Pneumonia em Organização).
A síndrome do desconforto respiratório agudo é dividida didaticamente em
três fases. A fase aguda ou exsudativa, a fase proliferativa ou fibrótica e a fase de
recuperação.
Devido à presença de inflamação sistêmica ocorre uma lesão da barreira
alvéolo-capilar, com alteração da permeabilidade vascular, levando ao
extravasamento de um líquido proteináceo para dentro dos alvéolos, resultando
em hipoxemia e baixa complacência, devido ao edema alveolar e intersticial.
Ocorre necrose e apoptose dos pneumócitos do tipo II, com conseqüente prejuízo
na produção de surfactante e predisposição ao colapso alveolar. Em uma fase mais
tardia ocorre uma reação de regeneração tecidual com produção de colágeno e
proliferação de fibroblastos sendo que alguns pacientes podem evoluir com fibrose
intensa e comprometimento da troca gasosa a longo prazo.
Figura 2: Patogênese da SDRA
As conseqüências fisiopatológicas incluem alterações nas trocas gasosas, na
mecânica do sistema respiratório e alteração na circulação pulmonar.
Como a esmagadora maioria desses pacientes necessita de ventilação
mecânica deve-se atentar para a possibilidade de complicação do quadro pulmonar
devido à lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica. A lesão pode ocorrer
devido ao barotrauma (gerado pelas altas pressões no sistema), volutrauma (que
ocorre quando o paciente é ventilado com grandes volumes correntes,
atelectotrauma (secundário à abertura e fechamento cíclico dos alvéolos),
biotrauma (devido à lesão mecânica decorrente de grandes volumes, altas
pressões e abertura e fechamento cíclico dos alvéolos ocorre a liberação de
citocinas inflamatórias que irão contribuir para maior dano tecidual e disfunção de
múltiplos órgãos) e devido às altas frações inspiradas de oxigênio, sabidamente
tóxicas aos pulmões.
Figura 3: Lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica em animais
A ventilação mecânica pode complicar com pneumonia associada à ventilação, que
pode resultar em SIRS e sepse. A ventilação pode também predispor à ocorrência
de injúria pulmonar associada à ventilação. Quanto ao sistema cardiovascular, ela
pode atuar diminuindo o retorno venoso e conseqüentemente a perfusão
orgânica. Todos esses fatores em conjunto culminam com o desenvolvimento de
falência de múltiplos órgãos.
Na SDRA as porções póstero-basais (regiões dependentes da gravidade),
estão colapsadas, devido aos mecanismos explicitados anteriormente. Com isso, as
áreas disponíveis para a realização das trocas gasosas estão diminuídas. É isso que
caracteriza o chamado “Baby lung” da SDRA, o que faz com que as áreas não
colapsadas tornem-se mais suscetíveis à lesão induzida pela ventilação mecânica se
volumes correntes menores não forem utilizados. A ventilação mecânica na SDRA
torna-se extremamente difícil, visto que se trata de uma condição extremamente
dinâmica e heterogênea, onde existem áreas colapsadas e áreas com
hiperdistensão. A ventilação com baixos PEEPs e elevados volumes correntes não
consegue abrir os alvéolos colapsados e com isso todo o volume é desviado para
áreas hiperdistendidas gerando mais lesão pulmonar.
Figura 4 : TC Tórax mostrando o predomínio do colapso alveolar em áreas dependentes da gravidade
Sempre que um paciente com SDRA apresenta uma deterioração da função
respiratória, devemos pensar na ocorrência de lesão pulmonar induzida pela
ventilação mecânica, progressão da doença de base, infecção, sobrecarga de
fluidos ou atelectasias (condições muito freqüentes em doentes críticos).
Em pacientes ventilados de forma convencional, utilizavam-se elevados
volumes correntes (10-12ml/kg), e PEEPs baixos, o que sabidamente exacerba ou
perpetua a lesão pulmonar em pacientes com LPA ou SDRA. Por isso, surgiu a
necessidade de uma estratégia ventilatória protetora, conhecida como “Open lung
approach” que visa evitar hiperdistensão, evitar o recrutamento por altos volumes
correntes e evitar o estresse cíclico através da manutenção dos alvéolos abertos,
resultando portanto em uma maior homogeneização pulmonar com distribuição
mais igualitária do volume de ar nos pulmões. Para isso são utilizados volumes
correntes menores (4-6ml/kg) e altos PEEPs (pressão positiva no final da
expiração). Essa estratégia porém, pode resultar em hipoventilação gerando
hipercapnia, apesar da mesma ser bem tolerada até certos níveis. É o que
chamamos de hipercapnia permissiva.
A ventilação mecânica na SDRA é o ponto principal do tratamento e visa
melhorar a troca gasosa, reduzir o trabalho respiratório do paciente, evitar a lesão
pulmonar induzida pela ventilação e evitar o comprometimento hemodinâmico.
Figura 5: Esquema comparativo da ventilação mecânica convencional e da estratégia protetora
Quanto a modo ventilatório a ser utilizado, sabemos que o modo volumecontrolado, garante um volume corrente adequado, embora possa apresentar
grandes variações de pressão. Já o modo pressão-controlado prioriza o controle
das pressões inspiratórias mas não garante o volume corrente. Ambos os métodos
possuem vantagens e desvantagens, não havendo estudos que comprovem
superioridade de um sobre o outro na SDRA, portanto podemos utilizar qualquer
um deles. O mais importante é fornecer um baixo volume corrente (≤6ml/kg de
peso corporal predito). Essa é a única medida que comprovadamente altera
mortalidade na SDRA. Devemos também manter a pressão de platô sempre menor
que 30cmH2O.
Um estudo brasileiro publicado em 1998 comprovou que a ventilação
mecânica protetora reduzia a mortalidade. Um estudo maior publicado em 2000
corroborou o fato. A partir de então a estratégia protetora passou a ser fortemente
recomendada.
Figura 6: Curva de Kaplan Meyer demonstrando diferença estatisticamente significante em termos de mortalidade
comparando-se a estratégia convencional com a estratégia protetora.
Como sabemos, a estratégia protetora pode levar à hipercapnia, e a mesma
pode resultar em aumento da PIC, depressão da contratilidade miocárdica,
hipertensão pulmonar, diminuição do fluxo sangüíneo renal, vasodilatação,
taquicardia e hipotensão. Deve-se estar atento a esses fatos e procurar manter um
pH>7,20-7,25 sendo que PCO2 de até 80mmHg costuma ser bem tolerada. Caso
esses níveis não sejam mantidos pode-se infundir bicarbonato lentamente
(1mEq/kg em 1h). A hipercapnia permissiva está contra-indicada em casos de
hipertensão intracraniana, insuficiência coronariana e arritmias.
Protocolo para ventilação com baixo volume corrente
Protocolo para ventilação com baixo volume corrente
OBJETIVOS: VC=6ml/kg, Pplatô<30cmH2O, pH=7,30-7,45
PRIMEIRO ESTÁGIO
1-) Calcular o peso corporal predito do paciente
2-) Ajustar o VC inicial para 8ml/kg PCP
3-) Adicionar PEEP em 5-7cmH2O
4-) Reduzir VC em 1ml/kg a cada 2h até que VC=6ml/kg PCP
SEGUNDO ESTÁGIO
Quando o VC estiver em 6ml/kg medir a Pplatô:
1-) Pplatô alvo<30cmH2O
2-) Se a Pplatô>30cmH2O, diminuir o VC em 1ml/kg até que a Pplatô
caia abaixo de 30cmH2O ou o VC para abaixo de 4ml/kg
TERCEIRO ESTÁGIO
Monitorizar os gases arteriais para acidose respiratória
1-) pH alvo= 7,30-7,45
2-) Se pH 7,15-7,30, aumentar a FR até que o pH>7,30 ou FR=35
3-) Se pH<7,15, aumentar a FR para 35 ipm. Se pH ainda <7,15,
aumentar o VC em 1ml/kg até que pH>7,15
Com o advento da estratégia protetora especulou-se que esses pacientes
necessitariam de um maior uso de sedativos devido aos baixos volumes correntes
utilizados, porém foi realizado um estudo que não comprovou tal fato.
Pressão expiratória positiva no final da expiração (PEEP) deve ser sempre
utilizada em pacientes com LPA e SDRA embora o nível de PEEP que leve ao
máximo benefício com o mínimo de complicações não esteja bem estabelecido. Já
foram realizados vários estudos, sendo que houve melhora da oxigenação,
aumento da complacência e menor uso de terapias de resgate com níveis mais
altos de PEEP. No entanto, não se conseguiu determinar qual o nível de PEEP, nem
a maneira mais adequada de determiná-lo. Nenhum desses estudos conseguiu
demonstrar redução da mortalidade. Deve-se buscar um nível de PEEP que garanta
a melhor oxigenação e promova homogeneização pulmonar sem levar à depressão
circulatória e hiperdistensão de áreas sadias do pulmão. Existem várias formas
para se tentar achar o melhor nível de PEEP, embora não se saiba ainda qual delas
é melhor. Pode-se titular o PEEP pela curva pressão-volume, através da pressão de
platô, através da titulação de acordo com a melhor FIO2 atingida e até mesmo com
a realização de tomografia computadorizada, avaliando áreas de colapso e
hiperdistensão.
Utilizar níveis elevados de PEEP é uma maneira de recrutar alvéolos, ou seja,
abrir os alvéolos e mantê-los abertos, evitando com isso atelectotrauma e visando
também promover a homogeneização pulmonar.
Figura 7: Ponto de inflexão inferior da curva PxV. Com esse nível de PEEP o alvéolo permanece aberto, sem ocorrer colapso
ou hiperdistensão
A porcentagem de pulmão potencialmente recrutável é extremamente variável
e está fortemente associada com a resposta à PEEP. Não há evidências de que o
benefício nas trocas gasosas promovido pelo recrutamento alveolar se traduza em
desfecho clínico, portanto, a realização dessas manobras é controversa, podendo ser
utilizadas como terapia de resgate, em pacientes com hipoxemia refratária.
Proposta de recrutamento e titulação da PEEP pela curva PEEP x complacência
1-) Manobra de recrutamento alveolar. Ex: Aplicar 1-2min de ventilação pressão- controlada,
rel I:E=1:1, PEEP=25cm H2O, PI=40-45CmH2O, F=10/min
2-) Mudar para volume-controlado, ajustar VC para 5ml/kg
3-) Fluxo = 60L/min, onda de fluxo quadrada
4-) Pausa inspiratória entre 0,5 e 1s
5-) FR=12-14/min e FiO2=100%
6-) Iniciar com PEEP=25cmH2O, com decrementos de 2cmH2O, mantendo por ± 10 ciclos
7-) Calcular a complacência estática para cada valor de PEEP (Cest=VC/Ppl-PEEP)
8-) Diminuir a PEEP até que a complacência comece a diminuir
9-) Identificar a PEEP em que a Cest alcançou valor máximo
10-) PEEP ideal = + 2 a 3cmH20
11-) Realizar novo recrutamento e retornar ao valor de PEEP considerado ótimo
Figura 8: Abertura dos alvéolos após manobra de recrutamento
A posição prona elimina a compressão do coração sobre os pulmões; promove
uma homogeneização da distribuição do volume corrente, e com isso leva à melhora
da oxigenação, melhor expansão das regiões posteriores e melhora da relação V/Q.
Por outro lado pode levar à extubação, remoção acidental de cateteres, intubação
seletiva, obstrução do tubo endotraqueal, instabilidade hemodinâmica e necrose de
áreas de pressão. Portanto, não deve ser utilizada de rotina. Está indicada quando são
necessários níveis elevados de PEEP e FiO2 para manter SaO2>90% (PEEP>10cmH2O,
FiO2>60%)ou pacientes com LPA-SDRA grave (Complacência estática menor que
40ml/cmH2O), ou seja, é uma terapia de resgate.
Acredidava-se que os corticóides pudessem ter benefício na SDRA, diminuindo a
resposta inflamatória, porém vários estudos foram realizados, e até o momento não
há benefício em utilizar essa medicação.
Quanto à monitorização desses pacientes, não é necessário o uso do cateter de
artéria pulmonar, pois não houve diferença nos desfechos de pacientes monitorizados
com cateter de artéria pulmonar, quando comparados com aqueles monitorizados
com cateter venoso central, exceto pela maior ocorrência de arritmias no grupo do
cateter de artéria pulmonar, em um importante estudo publicado no The New England
Journal of Medicine.
Figura 9: Curva de Kaplan-Meier mostrando desfechos iguais do CVC e do CAP quanto à sobrevida e respiração espontânea
Os pacientes com SDRA devem receber ressucitação volêmica agressiva nas
fases iniciais (nas primeiras 6 horas do choque) como qualquer doente crítico. Após
essa fase inicial esses pacientes devem ter seu balanço hídrico zerado ou negativo, pois
com isso consegue-se agilizar o desmame. Nos pulmões com permeabilidade
aumentada, como ocorre na SDRA, o mesmo aporte de líquido provoca a formação de
edema muito mais proeminente se comparado a um pulmão normal. O edema
pulmonar acaba dificultando muito o desmame, prolongando o tempo de permanência
na unidade de terapia intensiva.
Figura 10: Esquema comparativo mostrando a importante formação de edema em pulmões com aumento da permeabilidade
vascular
Existem alguns estudos que demonstram benefício com uma terapia nutricional
contendo ácidos graxos poliinsaturados, ômega-3 e antioxidantes em sua composição,
sendo que um grande estudo para avaliar essa questão está em andamento. Já foram
testados diversos tipos de tratamentos medicamentosos e ventilatórios para os
pacientes com síndrome do desconforto respiratório agudo mas nenhum deles se
mostrou efetivo.
Portanto, o mais importante para esses pacientes é aplicar uma estratégia
protetora de ventilação mecânica, tratar corretamente a causa de base, garantir o
suporte intensivo adequado e prevenir novas complicações. Deve-se então estar
atento aos itens básicos no cuidado de um paciente em terapia intensiva, ou seja,
alimentação adequada, analgesia e sedação parcimoniosa, profilaxia de
tromboembolismo venoso, elevação da cabeceira, profilaxia de úlceras de estresse e
pressão, controle glicêmico, evitar sondas e cateteres desnecessários e corrigir
medicamentos utilizados para função hepática e renal.
Referências:
www.ardsnet.org
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