MORFOSSINTAXE DA LÍNGUA PORTUGUESA E A GÊNESE DA NORMA GRAMATICAL FREIRES, Lizandra da Costa.¹ CAMARA JR, Joaquim Mattoso. A classificação dos vocábulos formais, In: Estrutura da língua portuguesa. 44 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. GURPLILHARES, Marlene Silva Sardinha. As bases filosóficas da gramatica normativa: uma abordagem histórica, In: janus, lorena, ano 1, nº 1, 2º semestre de 2004. MACAMBIRA, José Rebouças. A estrutura morfo-sintática do português. 7 ed. São Paulo: Pioneira, 1993. Linguista brasileiro, Joaquim Mattoso Câmara Júnior, nasceu a 13 de abril de 1904, no Rio de Janeiro, e faleceu a 05 de fevereiro de 1970, na mesma cidade. Formou-se em Arquitetura, pela Escola Nacional de Belas Artes, em 1927, e mais tarde, por desejo do pai, em Direito, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Seu percurso como professor de Linguística só veio a se consubstanciar, em 1937, quando completou a Licenciatura em Filosofia Latina e Neolatina, pela antiga Universidade do Distrito Federal. Marlene Silva Sardinha Gurpilhares possui graduação em Língua Portuguesa pelas Faculdades Salesianas de Filosofia, Ciência e Letras de Lorena (1966), mestrado em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1984) e doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1992). Atualmente é professora titular e orientadora de trabalhos de iniciação científica e de conclusão de curso nas Faculdades Integradas Teresa D’Ávila – Lorena/SP. Possui várias publicações e tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Ensino de Línguas. José Rebouças Macambira nasceu na cidade de Palmácia, Ceará, em 17 de novembro de 1917 e faleceu em Fortaleza no dia 17 de janeiro de 1992. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará e bacharel, com licenciatura em Letras Neolatinas, pela Faculdade Católica de Filosofia do Ceará. Fez cursos intensivos de Linguística e Fonética Experimental na Faculdade Católica de Filosofia _________ ¹Graduanda do Curso de Letras – Língua Portuguesa, na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). e participou de seminários da especialidade no Brasil e na Alemanha e foi professor de Linguística da UFC. Também foi membro da Academia Cearense da Língua Portuguesa. A gramática ocidental tradicional tem suas raízes no pensamento grego a partir de uma perspectiva filosófica. Segundo Gurpilhares (2004), tal estudo gramatical pode ser visto como constituído de três períodos principais: o que se iniciou com os filósofos pré-socráticos e os primeiros retóricos, e continuou com Sócrates, Platão e Aristóteles; o período dos estoicos; e o período dos alexandrinos. Ela afirma que, inicialmente, a língua ainda não era uma preocupação independente, encontrando-se dispersa na obra dos pensadores desse período. A informação que se tem dos filósofos pré-socráticos, os primeiros retóricos e Sócrates, é indireta. Quanto a Platão, escreveu um diálogo (Crátilo) todo direcionado às questões linguísticas. Este, mesmo referenciando essas questões, não escreveu nenhum tratado gramatical. Coube também a Platão a distinção clara entre “substantivos e verbos”. Para ele, os substantivos funcionavam como sujeitos de um predicado, e os verbos como termos que expressam a ação ou afirmam a qualidade. Aristóteles, também não escreveu um legado sobre a língua, o tratamento que deu ao campo linguístico está espalhado em sua obra retórica e lógica. A autora ainda considera que, por séculos, houve uma discussão sobre até que ponto a língua é regular; sendo que, a palavra grega para regularidade era “analogia”, e para irregularidade, “anomalia”. Assim, gerou uma nova disputa entre analogistas x anomalistas. Gurpilhares (2004) aponta que só a partir dos estoicos é que a língua passou a ser estudada em obras independentes. Esses pensavam os estudos linguísticos como partes da filosofia. O espírito do homem seria uma tábula rasa, ou seja, uma espécie de página em branco; a qual seria “escrita” pelas experiências sensoriais e intelectuais do homem a partir de seu nascimento; e a língua seria a expressão dessas experiências, isto é, dos pensamentos, e o veículo dessa expressão seria a voz (phone). Eles trataram da pronúncia, da etimologia e da gramática (classes de palavras e paradigmas flexionais), separadamente, privilegiando o estudo gramatical, na perspectiva de que a língua, antes de tudo, é a expressão do pensamento e dos sentimentos. Distinguindo-se dos períodos anteriores, a preocupação dos alexandrinos com a língua era literária, e não filosófica ou lógica, e seu estudo linguístico era parte de seu estudo literário. No que tange às classes de palavras, vê-se que foram criadas lentamente são o resultado de estudos de vários pensadores em diferentes épocas. Para a conceituação das classes de palavras, os gregos utilizavam uma mistura de critérios: semânticos, sintáticos e morfológicos, o que ainda caracteriza nossas gramáticas. Assim, a autora destaca que há uma relação íntima entre a gramática ocidental e as gramáticas atuais, tanto no que diz respeito à organização e estrutura – morfologia, sintaxe – como no que se refere à influência da filosofia. Já na obra de Macambira (1993), o referido autor afirma que as palavras existentes em qualquer língua distribuem-se em várias classes, de acordo com as formas que adotam ou as funções que exercem e de acordo com o sentido que expressam. Sendo que, a forma seria um ou mais fonemas providos de significação. Para o autor, as palavras devem ser classificadas de acordo com as posições formais ou mórficas que podem assumir para manifestar certas categorias gramaticais (flexão) ou para criação de novas formas (derivação). Sendo que, quando se esgotam as indicações formais, a classificação deve dirigir-se para o critério sintático. Este é basicamente um critério grupal, ou seja, a palavra é estudada de acordo com os contatos com outras formas linguísticas dentro da sociedade. Para o autor, quem diz sintático está dizendo funcional, uma vez que a sintaxe atenta para a função das palavras organizadas em grupo. As palavras devem ser vistas também de acordo com o critério semântico, que quer dizer significativo, ou seja, a classificação também deve atentar para o sentido que essas expressam. Macambira (1993), também considera que a classificação tradicional das palavras em classes, desenvolvida pelos gregos e latinos, ancora-se nos critérios mórfico, sintático e semântico. Porém, não há hierarquia entre os critérios, ora prevalece o mórfico, ora o sintático, ora o semântico. Para o autor, o vocabulário de uma língua distribui-se em duas partes: o sistema aberto e o sistema fechado. Atende pelo nome de aberto, porque a quantidade de palavras é ilimitada e tende a aumentar no decorrer do tempo. A esse sistema pertencem o substantivo, o adjetivo, o verbo e o adverbio nominal. Nomeia-se fechado, porque a quantidade de palavras é limitada e não tende a aumentar e sim a se conservar no decorrer do tempo. A esse sistema pertencem o artigo, o numeral, o pronome, o adverbio pronominal, a preposição, a conjunção e a interjeição. O vocabulário de uma língua também se divide em forma livre – aquela que pode aparecer sozinha no discurso, especialmente numa pergunta ou numa resposta – e forma presa - aquela que não pode aparecer sozinha no discurso, especialmente numa pergunta ou numa resposta. Mattoso Câmara (2011), também aponta os três critérios (mórfico, sintático e semântico) para a classificação dos vocábulos formais. Para ele, o critério semântico e o mórfico estão intimamente associados, sendo que, esse critério compósito, que podemos chamar de morfo-semântico, pode ser o fundamento primário da classificação. Através dele temos uma divisão dos vocábulos formais em nomes, verbos e pronomes. O autor, em comunhão com a forma de Meillet, afirma que, semanticamente, os nomes representam coisas ou seres e os verbos processos. Por outro lado, a oposição de forma separa nitidamente, em português, o nome e o verbo. Ele considera que, o nome se pode objetivar por meio do artigo (forma dependente) e é passível de plural e distinção de gênero; enquanto que o verbo apresenta noções gramaticais, e morfemas gramaticais correspondentes de tempo e modo, número e pessoa. Quanto ao pronome, o que o caracteriza semanticamente, é que, ao contrario do nome, ele nada sugere sobre as propriedades por nós sentidas como intrínsecas. Esse limitase a mostrar o ser no espaço em função do falante (eu, mim, me – o falante qualquer que seja – este, isto – o que está perto do falante). Assim, Mattoso (2011) propõe um quadro, jogando com os critérios morfo-semântico e sintático: (a) nomes – substantivos (termo determinado), adjetivo (termo determinante de outro nome), e o adverbio (termo determinante de um verbo); (b) verbo; (c) pronomes – substantivo (termo determinado), adjetivo (termo determinante de outro nome), e o adverbio (termo determinante de um verbo). Por fim, restam ainda alguns vocábulos cuja função é relacionar uns com os outros, ou entre si, os nomes, o verbo e os pronomes; e estabelecem uma conexão entre um ou dois termos. Esses são chamados de vocábulos conectivos, que podem ser subordinativos (preposições e conjunções) ou coordenativos. Portanto, os três autores comungam da mesma visão quanto à classificação dos vocábulos e quanto ao surgimento da gramatica tradicional, sendo que, eles nos oferecem um sólido aparato teórico para respondermos diversas questões que surgem quando somos interrogados a cerca do porque de a gramatica, ainda hoje, ser tão rígida.