http://acd.ufrj.br/~pead/tema13/criterios.html Os vocábulos de uma língua constituem um conjunto ordenado, e o que concorre para essa ordenação é o fato de apresentarem semelhanças de forma, de sentido e de função, como vimos na introdução. Daí poderem ser agrupados ou classificados levando em conta três critérios: o formal ou mórfico, o semântico e o funcional. O critério formal ou mórfico baseia-se nas características da estrutura do vocábulo; o semântico baseia-se no seu modo de significação (extralingüístico e intralingüístico), e o funcional baseia-se na função ou papel que ele desempenha na oração. A aplicação desses critérios nos conduzirá às classes de vocábulos, ou seja, aos conjuntos "das unidades que têm as mesmas possibilidades de aparecer num dado enunciado" (Dubois, 1973, p.108). Para reforçar a opção por esses critérios, convém lembrar que a língua é um sistema de elementos e de relações; esse sistema, formado de subsistemas, se organiza nos níveis fonológico, morfo-sintático e semântico. Segundo Mattoso Câmara, o critério semântico não deve ser observado isoladamente, como acontece comumente na Gramática Tradicional. Para ele, o critério semântico e o critério mórfico se associam de forma muito estreita, pois o vocábulo é uma unidade de forma e de sentido. "O sentido não é qualquer coisa de independente, ou, mais particularmente, não é apenas um conceito; conjuga-se a uma forma. O termo ´sentido´ só pode ser entendido com o auxílio do conceito de ´forma´." (Mattoso Câmara, 1970). De acordo com o critério morfo-semântico, os vocábulos do português se agrupam em nomes, verbos, pronomes, advérbios e conectivos, constituindo-se as três primeiras classes, de vocábulos variáveis, e as duas últimas, de vocábulos invariáveis. A diferença entre essas classes está no modo de significação e nas categorias gramaticais que cada uma delas expressa, ou seja, na sua flexão. o nome, por nomear os seres, expressa as categorias de gênero e número; o pronome faz uma referência ao nome dentro de um contexto e por isso expressa também as categorias de gênero e número, além de possuir formas diferentes para pessoas e funções sintáticas; o verbo, que expressa um processo, se distingue das outras classes do grupo porque apresenta variação de modo, tempo (aspecto) e pessoa (número); o advérbio especifica a significação de um processo verbal e é invariável; os conectores estabelecem relações de sentido entre os elementos da frase e são invariáveis. Por outro lado, os critérios mórfico e funcional estão também intimamente relacionados, pois a forma depende da função que o vocábulo desempenha na frase, das relações de regência e concordância que se estabelecem. Do ponto de vista funcional, as classes de vocábulos podem ser diferenciadas de acordo com características sintáticas. O nome substantivo funciona como núcleo do sintagma nominal, acompanhado por determinantes e modificadores. O verbo funciona como núcleo do sintagma verbal, acompanhado por complementos e modificadores. Retomando o conceito de função como um princípio da organização da oração, devemos entender que "determinar a função de um constituinte é formular sua relação com os demais constituintes da unidade de que ambos fazem parte" (Perini, 1995). Para Perini (1995), "classificar as palavras implica elaborar uma classificação sobre critérios formais (sem excluir da descrição a classificação semântica, mas separando-se nitidamente dela)". Afirma que "é necessário classificar as palavras quanto a seus traços formais, isto é, quanto ao seu comportamento sintático e morfológico; e também é necessário classificá-las quanto a seus traços de significado". Segundo ele, é preciso estar atento à coerência que deve haver dentro de cada classe, isto é, a definição que se dá dessa classe deve se adequar ao conjunto de vocábulos nela incluído; deve haver também uma relativa homogeneidade entre os componentes da classe quanto ao comportamento gramatical. Assim, a tradicional definição da classe dos verbos sob o ponto de vista basicamente semântico ("palavra que exprime uma ação") é inadequada, já que vocábulos de outras classes também podem conter esse traço de sentido. Por exemplo, corrida e construção http://acd.ufrj.br/~pead/tema13/criterios.html são nomes que contêm a idéia de processo. Por isso, o critério morfológico e o funcional, juntos, permitem uma definição mais coerente desta classe de vocábulos: a)verbos são vocábulos que variam em tempo (+aspecto), modo e pessoa (+ número); b)somente os verbos podem desempenhar a função de núcleo do predicado. Embora esses conjuntos de vocábulos possam ser estabelecidos com base em semelhanças de comportamento gramatical, a função que eles desempenham é fundamental para determinar suas características semânticas e morfológicas. Por isso, a separação entre as classes não é estanque. O verbo, por exemplo, pode funcionar como nome ao ocupar o núcleo do sintagma nominal, antecedido por um determinante ( artigo ou pronome). Esse processo de nominalização é muito produtivo na língua, sendo, inclusive, a origem da formação de inúmeros vocábulos. Exemplos: Viver é muito perigoso.(Guimarães Rosa) Não desejo outro viver. O ir e vir das pessoas me incomodava. O vai e vem dos carros diminuía à medida que a noite avançava. Essa mobilidade dos vocábulos é um forte argumento para que eles sejam observados sob diferentes aspectos -- morfológico, funcional e semântico. O problema com os livros de gramática e os livros didáticos é que, em geral, a definição de cada classe não leva em conta os mesmos critérios, o que resulta em definições confusas, privilegiando ora um, ora outro critério. De uma forma geral, a classificação se apóia basicamente no critério semântico, complementado às vezes pelo morfológico. Essa posição tem origens históricas. Os antigos gramáticos gregos e latinos já se preocupavam com o estudo das diferentes classes, estabelecendo, com base em uma perspectiva morfológica, distinções basadas nas flexões a que cada tipo de vocábulo se submetia. Por exemplo, o substantivo era diferenciado do verbo por apresentar flexão de gênero e número, e não de pessoa, tempo e modo. Seguindo esse modelo, as gramáticas normativas também privilegiam o critério morfológico, aliando-o, agora, ao critério semântico. Já nos estudos lingüísticos mais recentes, fica evidente a necessidade de basear a classificação dos vocábulos no critério funcional. Em português, distinguem-se, tradicionalmente, dez classes de vocábulos. Vejamos as definições normalmente encontradas nos compêndios gramaticais. Elas devem ser analisadas e comparadas com a concepção defendida por Mattoso Câmara e apresentada no corpo deste estudo. Substantivo - é o nome de todos os seres (critério semântico) que existem ou que imaginamos existir. Adjetivo - é toda e qualquer palavra que, junto de um substantivo, (critério funcional) indica uma qualidade, estado, defeito ou condição (critério semântico). Numeral - é a palavra que dá idéia de número (critério semântico). Artigo - é a palavra que antecede o substantivo (critério funcional) e indica o seu gênero e número, (critério morfológico) individualizando-o ou generalizando-o (critério semântico). http://acd.ufrj.br/~pead/tema13/criterios.html Pronome - é a palavra que substitui ou acompanha um substantivo (nome), (critério funcional) em relação às pessoas do discurso (critério morfo-semântico). Verbo - é a palavra que pode sofrer as flexões de tempo, pessoa, número e modo. (critério morfológico) (...) é a palavra que pode ser conjugada; indica essencialmente um desenvolvimento, um processo (ação, estado ou fenômeno) (critério semântico). Advérbio - é a palavra invariável, (critério morfológico) que modifica essencialmente o verbo (critério funcional), exprimindo uma circunstância (tempo, modo, lugar etc.)(critério funcional). Preposição - é a palavra invariável (critério morfológico) que liga duas outras palavras entre si (critério funcional), estabelecendo entre elas certas relações (critério semântico). Conjunção - é a palavra invariável (critério morfológico) que liga orações, ou, ainda, termos de uma mesma função sintática (critério funcional). Interjeição - é a palavra invariável (critério morfológico) que exprime emoção ou sentimento repentino (critério semântico). ATENÇÃO Essas definições são incompletas e devem ser revistas, porque privilegiam, seguindo a tradição gramatical, quase que exclusivamente o critério semântico. Em um dos compêndios analisados, encontra-se, inclusive, a seguinte afirmação sobre as interjeições: "As interjeições são, na verdade, frases implícitas, e não palavras invariáveis. Comprova-o o fato de a interjeição não exercer nenhuma função na oração." Esse tipo de definição é contraditório porque, apesar de encaminhar a argumentação com base em um critério funcional ("a interjeição é uma frase implícita"), conclui o raciocínio com base em um critério morfo-semântico ("palavra invariável que exprime noção ou sentimento repentino"). Tendo em vista esse problema, vamos procurar trabalhar, nesta unidade, com uma classificação que tenha uma coerência maior, levando em conta as considerações anteriormente feitas. Elizabeth B. R. Oliveira, José Luiz C. Negrini e Nina R. P. Lourenço (1977), na série "Encontro com a linguagem", publicação destinada ao ensino de língua e literatura no Ensino Médio, apresentam um estudo muito coerente das classes de vocábulos, seguindo a linha proposta por Mattoso Câmara. Três critérios, portanto, orientam o estudo de cada uma das classes: o funcional, o mórfico e o semântico, coerentemente com o que foi discutido antes. Essa orientação, ao lado da de Perini, é a que seguiremos na abordagem de cada classe em particular.