as bases teóricas e legais da gestão democrática da

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 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5
AS BASES TEÓRICAS E LEGAIS DA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA ESCOLA PÚBLICA NO BRASIL PÓS‐1990 Paula Roberta Miranda (Colégio Estadual Rodrigues Alves) [email protected] Adriana Pasquini [email protected] (NRE‐ MGA) Resumo As discussões sobre a gestão democrática da escola pública remontam à década de 1980, período em que o país saía de um regime ditatorial. No entanto, só foi reconhecida legalmente a partir de sua implementação na Constituição Federal de 1988. Para se compreender as bases teóricas e legais da gestão democrática da educação e da escola pública, é necessário um olhar histórico das condições, políticas e econômicas que determinaram sua implementação. Este trabalho tem como objetivo analisar as bases teóricas e legais da gestão democrática da escola pública no Brasil, propondo uma reflexão crítica do processo de ressignificação que termos tais como autonomia, participação e descentralização, que outrora compuseram as bandeiras de luta e os princípios norteadores da gestão democrática, assumiram no contexto em que se efetivaram as políticas neoliberais a partir de 1990 bem como da influência e o impacto das agências internacionais na educação brasileira. Para tal discussão, tomaremos como recorte histórico o contexto social, político, econômico e educacional da década de 1970 até os dias atuais, explicitando o novo modelo de gestão, adotado, sobretudo, com a reforma do Estado. Os procedimentos utilizados envolveram a análise e leitura de importantes autores que têm, em seus trabalhos acadêmicos, valiosas contribuições acerca da história da educação brasileira, em destaque para os documentos oficiais tais como a Constituição Federal de 1988, e a Lei de Diretrizes de Bases da Educação nacional de 1996 que inauguraram as discussões da Gestão Democrática no Brasil na elaboração de políticas públicas voltadas à gestão escolar democrática nesse novo cenário. As análises permitem compreender que a gestão democrática e as políticas públicas propagada nesse novo cenário estão em articulação com os interesses e princípios neoliberais e não com a perspectiva de transformação oriunda das lutas populares que compuseram o cenário sócio‐econômico brasileiro de 1980. Consideramos a ressignificação dos conceitos de participação, autonomia e descentralização como um importante mecanismo de manobra das elites dominantes ao processo de “democratização” do Estado Brasileiro, em detrimento da valorização dos embates patrocinados pelos grupos defensores da democratização do acesso à educação. Concluiremos esse artigo, enfatizando que a luta pela gestão democrática na educação está na arena de luta das classes sociais, uma vez que, ao estabelecer uma relação dialética com a realidade, compreende o homem como ser histórico, que sofre os condicionantes da realidade, mas que traz consigo a capacidade histórica de nela intervir. A escola, como lócus privilegiado de aprendizagem, deve garantir a viabilização de mais esse espaço de aprendizagem, ou seja, a gestão democrática deve buscar meios de efetiva participação com todos os limites que a sociedade complexa e neoliberal impõe. Palavras‐Chave: Educação. Política Pública. Gestão Democrática. Introdução A sociedade contemporânea tem passado por profundas transformações de caráter social, político, econômico e cultural. Essas transformações são oriundas das mudanças que ocorrem no mundo do trabalho e tem norteado a elaboração e a execução das políticas públicas sociais, especialmente a educação. 1418 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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A Gestão Democrática, como princípio norteador da educação nacional, por estar no interior desse contexto também está afeta a todas essas mudanças. Isto porque, como política pública social não está dissociada do contexto mais amplo da qual se inserem. As discussões que envolvem a problemática da gestão democrática da escola pública remontam à década de 1980, período em que o país saía de um regime ditatorial (1964‐1985), reclamando por relações mais democráticas. No entanto, só foi reconhecida legalmente a partir de sua implementação na Constituição Federal de 1988. Para se compreender as bases teóricas e legais da gestão democrática da educação e da escola pública, é necessário um olhar histórico das condições, políticas e econômicas que determinaram sua implementação. No contexto político‐econômico de sua elaboração, a CF/88 expressou uma bandeira de luta que já vinha sendo empunhada desde o início da década 1980, o qual tinha como princípios fundamentais a autonomia, a descentralização e a participação da comunidade escolar, inclusive nos processos decisórios e na elaboração das políticas educacionais. No entanto, nota‐se no contexto da prática atual que tais conceitos foram ressignificados a partir da consolidação dos ideais neoliberais fundamentados nas agências internacionais, estando as políticas educacionais geradas a partir desse movimento em consonância com as diretrizes dos organismos internacionais, como o Banco Mundial e FMI, balizadores dessa nova organização social. Intentamos nesse trabalho, realizar uma análise crítica dos processos de ressignificação que a autonomia, participação e descentralização, conceitos que outrora compuseram as bandeiras de luta do processo de redemocratização, e os princípios norteadores da gestão democrática, assumiram no contexto em que se efetivaram as políticas neoliberais a partir de 1990, bem como da influência e o impacto das agências internacionais na educação brasileira. Nossas análises permitem compreender que as políticas públicas propagadas nesse novo discurso estão em articulação com os interesses e princípios neoliberais e não com a perspectiva de transformação oriunda das lutas populares, que compuseram o cenário sócio‐econômico brasileiro de 1980. Não obstante, a natureza desse trabalho impôs a delimitação do período. Optamos pelas décadas de 1970 até os dias atuais, explicitando o novo modelo de gestão em que se inserem tais conceitos, sobretudo, a partir de 1990, pois foram anos de intensas transformações nos âmbitos 1419 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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econômicos, políticos, sociais e culturais. Finalizaremos esse trabalho, enfatizando os enfrentamentos que devem ser realizados na escola pública, quando se prima pela formação humana emancipadora. Contexto internacional, redemocratização brasileira e a gestão democrática As propostas do capitalismo internacional têm sido efetivadas nos países em desenvolvimento com o mesmo rigor com que, outrora, a colonização impingiu aos povos dominados suas características políticas, culturais e sociais. A crise estrutural do capitalismo, no final da década de 1960, marcou o fim da chamada era do Ouro do capital e o declínio do chamado socialismo real. O modelo que se firmava na intervenção maciça do Estado na economia, tal qual expõe Minto (2006), desgastou‐se frente aos avanços tecnológicos que fizeram sucumbir à necessidade de grande contingente de trabalhadores, agravando sobremaneira os índices de desemprego. A lógica perversa do mercado que, até então, sustentara as nações capitalistas já não contemplava a grande massa populacional, causando estragos no orçamento estatal. No entanto, longe de significar o fracasso do modelo capitalista, o desequilíbrio que se seguiu fez surgir um novo modelo político‐econômico, originando as condições subjetivas para que o projeto do neoliberalismo se firmasse. Os países ricos, que sempre comandaram a economia internacional, por meio do FMI e do Banco Mundial, recorreram às reformas propugnadas por esta ideologia sob o argumento de que assim se consolidaria a democracia e retomaria a capacidade de crescimento do capital. Propagaram‐se as propostas neoliberais: a privatização (transferência de patrimônio e ativos públicos produzidos pelo Estado para empresas); a liberalização das economias; a elevação das taxas de juros; o rebaixamento de impostos sobre rendimentos altos; a flexibilização dos mercados com abertura ao capital estrangeiro e internacionalização do mercado interno; a criação de maciças taxas de desemprego e ataque às legislações trabalhistas para rebaixar os salários, a fim de enfraquecer as organizações sindicais e diminuir as responsabilidades do Estado no que concerne às questões sociais. Com o fim da Ditadura Militar no Brasil, tal modelo encontrou um espaço favorável, especialmente a partir de 1990, uma vez que os discursos neoliberais fizeram ecoar os princípios 1420 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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da democracia e do acesso aos direitos sociais universais, sobretudo no que diz respeito ao discurso da universalização do ensino, já que a dinâmica da produção capitalista necessitava de trabalhadores capacitados. Obviamente, as contradições que se avizinham a esse modelo econômico só se tornaram conhecidas após a implementação de suas propostas privatistas. Em meio à reestruturação que se firmava na Europa e nos Estados Unidos, os países em desenvolvimento tiveram sua economia devastada pelo financiamento do capital externo. Longe de promover e assegurar os direitos fundamentais aos “cidadãos”, a política neoliberal agravou intensamente os problemas sociais brasileiros. Segundo Minto (2006), a década de 1980 ficou conhecida como “década perdida”, em comparação ao período denominado “milagre brasileiro”, um período em que se acreditava ter sido marcado por intenso crescimento econômico, uma negativa, contudo, dos transtornos sociais causados pelo militarismo. A semente do engajamento social, contudo, germinara entre os movimentos sociais que visavam o aumento do controle público sobre o Estado e, mesmo que tais anseios não tenham sido alcançados, é mister lembrar que a gestão democrática nos mais diversos níveis e sistemas de ensino tornou‐se a principal “bandeira” na luta dos movimentos educacionais, inaugurando um novo ciclo de discussões e propostas acerca dos encaminhamentos administrativos das escolas e universidades brasileiras. Ao longo dos anos, entretanto, conforme ressalta Oliveira (2006), as reflexões sobre a gestão democrática no ensino superior ficaram à margem das lutas concernentes à educação básica. Todavia, a importância desse momento histórico ainda reside no resgate da participação popular conforme evidenciam as principais reivindicações dos movimentos em prol da educação, destacadas por Minto (2006): a constituição orgânica de um efetivo sistema nacional de educação; a concepção de educação pública e gratuita; a educação como um direito público subjetivo, assegurado pelo Estado. Da mesma forma, em se tratando de gestão e administração escolar, as reivindicações mais importantes podem ser resumidas em: descentralização administrativa e pedagógica; gestão participativa na educação; eleições diretas (com voto secreto) para dirigentes de instituições de ensino; constituição de comissões municipais e estaduais de educação autônomas e amplamente 1421 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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compostas para acompanhamento e atuação nas políticas educativas, supressão do Conselho Federal de Educação, de cunho marcadamente privatista, colegiados escolares eleitos pela comunidade, com o intuito de frear as arbitrariedades perpetradas pela administração do sistema e da escola. No plano das reformas democráticas do Estado Brasileiro, pode‐se destacar a esfera Legislativa, no qual imbuído dos ideais democráticos, José Sarney inicia o processo de redemocratização do país pela esfera do Legislativo, uma vez que a forma de se garantir mecanismos e conteúdos democráticos e na forma da lei. Em outubro de 1988, promulga‐se a Carta Magna, consolidada no âmbito dos direitos civis e sociais. No entanto, cabe esclarecer que a promulgação da Constituição de 1988 foi delineada em meio aos profundos debates correntes que buscavam mudanças mais efetivas no campo educacional. Desses grupos distintos, destacam‐se dois: os que defendiam a priorização da qualidade do ensino público e o setor das instituições privadas, que buscavam garantias constitucionais de manutenção e apoio financeiro. No bojo das discussões entre os grupos referidos acima estão ainda, os princípios fundamentais da gestão democrática, uma vez que os defensores da escola pública defendiam a participação de toda a comunidade escolar na administração da instituição de ensino, em contraposição aos interesses das escolas privadas que pretendiam minimizar tais espaços de participação. O fato é que a gestão democrática está contemplada na Constituição Federal de 1988, embora tal conceito ainda se configure uma teoria abstrata no contexto das ações educacionais, especialmente porque não define, nem estabelece critérios para o modo como se aplicaria tal prerrogativa. Além disso, absteve as instituições privadas da adequação à gestão participativa. Nesse contexto, há que se lembrar que todo processo legislativo apresenta‐se num espaço de disputa e interesses antagônicos, portanto, a lei expressa a síntese dessas disputas. Contudo, é importante ter presente que as políticas educacionais na década de 1980 foram traçadas segundo as concepções e entraves oriundos dos interesses e das necessidades das escolas públicas e privadas do país que buscavam cada grupo a seu modo, estabelecer novas relações com o poder público. 1422 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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Reforma do Estado e a influência dos organismos internacionais na educação brasileira: uma pseudo gestão democrática Porém, passado o momento de efervescência política, os governos da nova democracia – Collor de Mello e Itamar Franco (90‐94) iniciam o processo de inserção da economia brasileira na economia mundial e globalizada, aderindo às novas estratégias econômicas baseadas no modelo Tatcher (Inglaterra), cujas orientações econômicas foram a liberalização da economia, abertura econômica internacional, políticas de privatização e austeridade fiscal. No entanto, é no governo de Fernando Henrique Cardoso que esse processo tem sua total consolidação a partir do fortalecimento de alianças com gestores internacionais já firmadas desde 1980, com o Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional. A partir de então, os organismos internacionais passam a intervir diretamente na economia e na educação brasileira levando o Brasil a compartilhar das novas estratégias econômicas e políticas traçadas pelos países centrais por meio de acordos técnicos e financeiros. Os organismos internacionais e multilaterais são organizações fundadas a partir da noção de interdependência e de cooperação internacional. Muitos desses órgãos são de caráter financeiro e concedem empréstimos aos países em desenvolvimento à custa de significativas influências na economia e nas políticas sociais desses países (Ex. FMI, BIRD). Outros desses órgãos apresentam características peculiares e mantém suas influências por meio de normas e pareceres que devem ser seguidos por todos os países que formam a organização. Essas agências de regulação são diretamente filiadas a Organização das Nações Unidas (ONU) e foram criadas para a promoção do desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos, no sentido de contribuir para a superação de sua condição de país capitalista retardatário (NOGUEIRA, 1999). A expressão interna para atender as recomendações das políticas neoliberais foi a criação do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), criado em 1995, tendo como ministro Bresser Pereira. O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado caracterizou‐se por uma redefinição do papel do Estado e nas suas modalidades de intervenção, enquanto agente provedor das políticas públicas sociais. A reforma, segundo Lima (2004) foi realizada em todas as esferas da sociedade instaurando um novo modo de administração pública e gestão da educação. 1423 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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É importante destacar que num contexto global, as reformas significaram um conjunto de medidas corretivas com plano de ajuste estrutural orientado por vários gestores internacionais, como a ONU, UNESCO, CEPAL e BM, que se organizaram em reuniões e conferências para discutir a situação dos países do terceiro mundo, sobretudo, os prejudicados pela Guerra. O Brasil, enquanto país signatário dessas conferências adota tais medidas sob a justificativa de que o não desenvolvimento do país estaria no alto índice de analfabetismo e administração do país. Nesse sentido, é salutar a compreensão do papel que certos organismos internacionais têm no desenvolvimento dos países pobres e sua influência sobre suas políticas. Dentre eles podemos destacar a participação da UNESCO, UNICEF e BM no desenvolvimento de diretrizes da educação (EVANGELISTA, SHIROMA e MORAES, 2001). No Brasil, simultaneamente a reforma do Estado, é implementada a reforma educacional que teve início com Itamar Franco com a elaboração do Plano Decenal de Educação e efetivamente implementado a partir do governo FHC. A reforma estava em consonância com os acordos firmados na Conferência de Ministros da Educação e Planejamento Econômico, ocorrida no México em 1979 e na Conferência de Jomtien, em 1990, na Tailândia – Conferência Mundial de Educação para Todos, na qual 155 governos assumiram o compromisso de assegurar a educação básica de qualidade para crianças, jovens e adultos. Para Evangelista, Shiroma e Moraes (2001), a Declaração Mundial de Educação para Todos, aprovada no final da Conferência, foi o marco a partir do qual os nove países com maior índice de analfabetismo do mundo foram levados e desencadear ações para a consolidação dos princípios acordados na Declaração de Jomtien. A conferência funcionou como espaço de difusão das políticas internacionais para a educação. O Brasil buscou cumprir os compromissos firmados em Jomtien por meio do Plano Decenal de Educação. Nesses termos, o Plano Decenal de Educação é a expressão brasileira do movimento mundial organizado pela UNESCO, BIRD e BM e assumido pelo Brasil como orientador das políticas públicas para a educação resultando na reforma educacional dos anos 90, realizada em todos os níveis e modalidades, produzidos por especialistas e pesquisadores afinados com o compromisso assumido pelas autoridades políticas brasileiras em todas as áreas de ação do Estado. 1424 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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A educação, enquanto fenômeno social não ficou de fora das mudanças do contexto social e econômico mundial, passando a ser considerada o ponto fulcral para a inserção dos países em desenvolvimento na atual conjuntura produtiva e competitiva. Assim, o papel e a função da educação assumem novos contornos exigidos pelo atual momento político e econômico ocasionando uma onda de reformas em todos os níveis de ensino com o objetivo de ajustá‐las às novas exigências do mercado. Apesar de o Brasil não ter tido as políticas de Bem Estar Social1, ficaram claras, no plano da reforma, as intenções do presidente em consolidar um Estado Mínimo2, por meio da racionalização do gasto público e a ascensão da educação como mola‐mestra para o desenvolvimento sustentável, mostrando, com isso, que não ficou de fora das orientações e estratégias traçadas pelos organismos internacionais, que, por meio dos ajustes estruturais orientam a elaboração das políticas públicas. O plano diretor foi caracterizado pela descentralização administrativa, pedagógica e financeira. Para Lima (2004), descentralização significa a transferência do poder central para outras esferas governamentais e setores da sociedade. Isso significou a transferência de responsabilidades da União aos estados e municípios pela oferta e manutenção da educação em regime de colaboração. Sobre esse aspecto, o autor diz que se trata de uma democracia delegativa, uma vez que o Estado delega para outros entes federados e setores da sociedade a incumbência de oferecer e manter serviços sociais básicos como saúde, educação, aposentadoria, 1
Estado de bem‐estar social ( Welfare State), também conhecido como Estado‐providência, é um tipo de organização política e econômica que coloca o Estado (nação) como agente da promoção (protetor e defensor) social e organizador da economia. Nesta orientação, o Estado é o agente regulamentador de toda vida e saúde social, política e econômica do país em parceria com sindicatos e empresas privadas, em níveis diferentes, de acordo com a nação em questão. Cabe ao Estado do bem‐estar social garantir serviços públicos e proteção à população. 2
O Estado mínimo é um termo derivado das consequências do pensamento oriundo da Revolução Francesa e Revolução Americana, que prega o liberalismo. A burguesia consegue após essas revoluções alcançar esse patamar e fazer com que o Estado interferisse minimamente. O Estado de intervenção mínima cuidava apenas da segurança interna e externa. Vários problemas começaram a surgir em razão desse Estado, principalmente após a Revolução industrial, que a burguesia passa a deter além do poder econômico, os meios de produção. Só então, começam os primeiros rumores, de que o Estado deveria também interferir no social. Disponível em: http://pt.wikipédia.com 1425 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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etc. Neste momento, abrem‐se espaço para as Ongs, entidades, voluntários, Terceiro Setor 3 e a iniciativa privada, que se encarregam de oferecer e manter esses serviços. Notamos claramente a consolidação de um projeto neoliberal para a sociedade brasileira, especialmente a educação que, sob esses pressupostos é obrigada a buscar novas fontes de financiamento e parcerias. Vale destacar que o enfoque colocado na responsabilidade por seus aspectos financeiros, prevê que as instituições devam se auto‐sustentar, ou ter na melhor das hipóteses grande esforço para buscar recursos junto à comunidade ou junto à empresas. Esses novos atores, ao co‐financiarem a educação passam a exigir dela sua prestação de serviços, numa relação entre mercado e consumidores. Essa relação também se fortalece por meio da abertura de múltiplas instâncias de coordenação e debate dentro das instituições, passando então o gestor a ser um mero articulador dos vários atores dentro da instituição escolar, pois a “autonomia das instituições, responsabilidade pelos resultados, dinamismo dos atores, são questões cruciais na concepção de novas modalidades de ação educacional” (CEPAL & UNESCO, 1995 p. 135). Essa é uma condição, e salientam que: [...] para avançar na direção indicada é preciso, em primeiro lugar, garantir maior autonomia às unidades dos sistemas em causa, em seguida geram mecanismos flexíveis de controle e, finalmente, incentivar o estabelecimento de múltiplas instâncias de coordenação e debate. (CEPAL & UNESCO, 1995 p. 223) Assim, a gestão democrática da educação passa pela estratégia da eficácia e da eficiência, uma vez que o governo apoia e promove a participação do Terceiro Setor na educação. Pablo Gentilli (2002) reafirma que a eficácia e a eficiência impingida na educação trata‐se de uma visão mercadológica da educação, transferindo‐a da esfera política para a esfera do mercado, negando sua condição de direito social e transformando‐a em possibilidade de consumo individual, submetendo‐as às regras do mercado. A partir da elaboração do Plano Decenal de Educação, o Legislativo iniciou o processo de reforma para a educação, cujas propostas foram desencadeadas pelos ajustes estruturais, por meio de políticas de focalização, descentralização e equidade. 3
é uma terminologia sociológica que dá significado a todas as iniciativas privadas de utilidade pública com origem na sociedade civil. A palavra é uma tradução de Third Sector, um vocábulo muito utilizado nos Estados Unidos para definir as diversas organizações sêm vínculos diretos com o Primeiro setor (Público, o Estado) e o Segundo setor (Privado, o Mercado). Disponível em: http://pt.wikipédia.com 1426 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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Na educação, as políticas de focalização significam a substituição do acesso universal aos direitos sociais públicos, para um processo seletivo, reduzindo as políticas sociais a programas emergenciais de combate à pobreza, aumentando cada vez mais a segregação social. A política pública que deveria emanar necessariamente do Estado, perde totalmente essa característica, ou seja, se reveste de intencionalidades que de modo geral tem como princípios a coesão das desigualdades geradas pelo próprio sistema capitalista de produção. Buscam estabelecer os princípios da equidade, e não da igualdade, contribuindo apenas para diminuir as tensões entre os grupos e as classes sociais. Embora as políticas públicas devam ser o resultado das demandas sociais, é fato observar que elas têm exercido o papel de atenuar as desigualdades sociais, mantendo o caráter da exploração dos trabalhadores, não rompendo com a lógica capitalista. Ao se considerar esse princípio, enfatiza‐se o ensino fundamental que se circunscreve ao básico (ler, escrever e contar), cujo objetivo está em oferecer um ensino para nivelação das massas. Estimula‐se a conclusão desse nível de ensino com o objetivo de “capacitar” essa população, sobretudo a jovem, com as competências e habilidades necessárias para sua inserção no mercado produtivo e competitivo. Nesse sentido as reformas são implementadas com objetivos determinados pelos organismos internacionais, que tem como prioridade o crescimento econômico. Para isso, elaboram documentos que traçam as metas e estratégias as quais os países em desenvolvimento devem alcançar alinhando a escola à empresa. Seguindo essa lógica, a organização da escola foi‐se adaptando à flexibilização, à criatividade, à racionalidade, ao reflexo e impacto da empresa, adequando‐se, como pôde à lógica do mercado, aproximando‐se cada vez mais a um ritmo empresarial, pois essa já era uma das diretrizes nos documentos: “finalmente, cabe considerar que muitos países estão procurando aproximar a educação da economia e o sistema educacional das empresas” (CEPAL & UNESCO, 1995 p. 127). Trata‐se de ter como princípio a estreita vinculação entre sistema de ensino e empresa, como podemos observar: [...] infere‐se que os princípios básicos que orientam uma política educacional bem‐sucedida parecem ser comuns nos diferentes casos nacionais: altos níveis de qualidade, respeito e valorização dos professores e estreita articulação entre sistemas de ensino e empresa. (CEPAL & UNESCO, 1995 p.175). 1427 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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Nessa perspectiva, a gestão democrática da educação assume os contornos da gestão empresarial. No Plano Nacional, a LDB/96 prevê mecanismos de gestão democrática para a escola pública, por meio da descentralização pedagógica, administrativa e financeira. No plano pedagógico, a lei prevê em seu Art. 3º, inciso VII que as escolas devem ser geridas e administradas na forma da gestão democrática. Institucionaliza também a gestão democrática por meio da participação da comunidade escolar conferindo‐lhe autonomia para elaborar sua proposta pedagógica, calendário escolar, bem como conferindo‐lhe progressivos graus de autonomia pedagógica e financeira. Para Vitor Paro (2007), a LDB/96 pouco avançou nos princípios da gestão democrática. O autor questiona a obviedade da lei, dizendo que a proposta pedagógica não poderia mesmo ser escrita por outros profissionais que não fossem a comunidade escolar. Afirma que a conquista da democracia no âmbito escolar foi parcial, pois se por um lado favoreceu a participação de professores, pais, alunos, comunidade na gestão escolar por meio de APMF, conselhos escolares, Grêmios estudantis, por outro, a gestão democrática ficou à mercê de diferentes interpretações e concepções de gestão democrática. No campo do financiamento, as políticas de descentralização instituíram a Emenda Constitucional 14/96 – FUNDEF, o qual prevê ao governo federal a redução de sua participação com a educação. Esse fundo, enquanto política educacional que à época foi considerada como a salvadora de todos os problemas da educação mostra as suas fragilidades. A ínfima valorização de recursos destinados para o ensino fundamental (1ª a 8ª séries), escolas especiais e rurais de acordo com o número de matrículas não superou as necessidades educacionais em termos locais e regionais, bem como de acesso e permanência e manutenção do ensino. Ademais, deixou de fora outros níveis de ensino, como o ensino médio e profissionalizante. Quanto à formação de professores, os recursos foram insuficientes para a capacitação dos docentes em serviço, evidenciando que a formação de professores fica a patamares inferiores e que está à margem das prioridades governamentais, o qual o governo deixou de ser o provedor passando a exercer ação supletiva. A política de descentralização contida na EC14/96 prevê a transferência de responsabilidade pelo governo federal, a qual reduz sua responsabilidade com a educação, tendo 1428 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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em vista que este passa a aplicar apenas 30% dos recursos na manutenção e desenvolvimento do ensino. Antes da emenda, a União, Estados e Municípios estavam obrigados a aplicar igualmente 50%; com a promulgação da emenda, Estados e Municípios foram obrigados a aplicar 60%. Com isto, se antes da emenda, a situação do ensino fundamental encontrava‐se precarizada, agora ficou pior. A partir de 1988, Estados e Municípios são obrigados a criar fundos, bem como aplicar projetos para sanar as “diferenças” e dificuldades no setor, recorrendo à sistematização de contribuições pela comunidade para co‐manutenção do ensino fundamental. As debilidades desse fundo foram expressas na elaboração do Plano Nacional de Educação (2001), que acabou por não contemplar as reivindicações da sociedade, que lutavam pelo fortalecimento da escola pública estatal e a plena democratização da gestão da educação. Isso implicaria na ampliação dos gastos públicos total para a manutenção e o desenvolvimento do ensino. Porém, a proposta aprovada pelo projeto do Ministério da Educação e Cultura (MEC) que, sob orientação do Banco Mundial, insistiu na permanência da atual política educacional e nos seus dois pilares: máxima centralização, particularmente na esfera federal e o progressivo abandono, pelo Estado, de manter e desenvolver o ensino, transferindo‐o para a sociedade. O princípio da descentralização deve ser compreendido dentro da lógica de universalização do capitalismo. Trata‐se de uma concepção que tem como modelo o próprio mercado, e isso passa a ser o parâmetro de organização que levará os países periféricos à “modernização”, pois é estabelecido como meta, uma maior produção com menores custos possíveis, “equalizando” as diferenças e levando a todos à moderna cidadania: [...] a descentralização deve ser concebida e praticada de maneira que contribua para melhorar, e não, piorar, a equidade do sistema, única maneira de garantir sua efetiva contribuição para a formação de uma cultura comum da moderna cidadania (CEPAL & UNESCO, 1995 p. 211). Visa‐se buscar soluções a partir da descentralização, nas relações de competitividade, e no esforço em angariar recursos da realidade circundante para auto‐manter‐se, o que, segundo Oliveira (2001), estas formas de organização seriam as únicas capazes de instaurar a excelência em espaços antes dominados pelo paternalismo ineficiente do Estado. Seguindo a lógica da descentralização e cumprindo as determinações do Plano Nacional de Educação, ainda que, sob pressões, inclusive populares, Luís Inácio Lula da Silva promulga a 1429 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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Emenda Constitucional 53/2006 – FUNDEB que, apesar de contemplar a toda a educação básica, também apresentou suas fragilidades. Seus avanços podem ser notados no fato de que foram incorporadas a educação infantil e educação de jovens e adultos, todavia, continuou excluindo a educação profissional, pois a mesma só é atendida se estiver vinculada ao ensino médio. Oliveira (2009) ressalta que os recursos destinados à educação básica continuam sendo insuficientes para atender toda a especificidade da escola pública. Uma de suas fragilidades está no fato de que traz poucos recursos novos à educação, uma vez que apenas redistribui os recursos que já são constitucionalmente vinculados à educação, com base no número de matrículas da educação básica, o que significa que uns municípios ganharão e outros perderão, na mesma proporção. Diante disso, podemos depreender que as reformas educacionais expressas nos documentos legais como a CF/88, LDB, Fundef, PNE e Fundeb estão articulados com os interesses e diretrizes internacionais, preocupados mais com o imediatismo custo/benefício em detrimento da qualidade da educação e de se investir consistentemente na educação básica, logo, promovem a redução das garantias da qualidade na educação expressa na Carta Magna. Algumas considerações Em face do que discutimos até aqui, depreendemos que década de 1990 vivenciou um período de reformas e ajustes estruturais que significou um processo de desconstrução das conquistas sociais garantidas na CF/88, buscando o Estado se desvencilhar dos compromissos ali firmados, bem como engajar o país na ordem mundial, tornando‐o capaz de competir no mundo do mercado livre, adotando políticas neoliberais. Nesse contexto, Lima (2004) afirma que atravessamos a década de 1990 sem resolver os problemas educacionais, ao contrário, gerando‐se outros mais graves, como a violência e o descrédito da população no ensino público. Adentramos o século XXI sem uma política educacional que promovesse a qualidade do ensino com igualdade para todos, mas com um profundo retrocesso dos direitos fundamentais. É fundamental termos a clareza do que apresentam as receitas prontas vindas de cima para baixo propostas pelos organismos internacionais. A forte influência desses organismos na educação 1430 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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brasileira, sendo maior influente o BM, que funciona como instituição técnica e financeira tem sido o principal articulador dos pacotes educacionais. O governo brasileiro tem sido um seguidor sistemático dos pacotes importados, os quais estabelecem diretrizes para as políticas públicas na área educacional, que nem sempre respondem com sucesso às metas estabelecidas por estes pacotes, culminando nos altos índices de analfabetismo e exclusão social. Diante das questões aqui explicitadas, podemos depreender que a gestão democrática, tão propalada na década de 1980 está longe de se consolidar, isso porque, os conceitos como autonomia, participação, descentralização foram ressignificados em nome de um projeto de sociedade excludente e discriminatórias. Esses conceitos foram incorporados ao capitalismo e o que antes tinha caráter progressista, se torna conservador, neoliberal. Logo, a democracia que se busca é uma democracia burguesa, neoliberal. A descentralização, a participação se configura como a desresponsabilização do Estado com as políticas públicas e a autonomia, é uma autonomia decretada, relativa, uma vez que se limita às imposições do capital. Considerando, pois, todas as discussões acerca do papel da escola na vida social brasileira notam‐se a prerrogativa política que foi auferida à participação popular, todavia, avaliamos a ressignificação dos conceitos de participação, autonomia e descentralização como um importante mecanismo de manobra das elites dominantes ao longo do processo de “democratização” do Estado Brasileiro, em detrimento da valorização dos embates patrocinados pelos grupos defensores da democratização do acesso à educação. Sabemos que na sociedade de classes, o conceito de democracia nem sempre foi o mesmo, mas acompanha os contornos exigidos pela sociedade em determinado momento histórico. O conceito de democracia cunhado pelo capitalismo se configura numa pseudo‐democracia, uma vez que não se aplica a todos, se apresentando apenas no campo das legislações, na letra da lei e não no contexto da prática social onde as políticas públicas são elaboradas, vivenciadas, experenciadas e interpretadas. As políticas públicas, bem como as leis que as precedem são elaboradas num campo conflituoso, de disputas e embates sociais que se efetivam entre grupos sociais com interesses antagônicos e que, portanto, a elaboração dessas políticas são sínteses desses embates sociais que 1431 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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trazem consigo, em maior ou em menor grau, os anseios e os interesses de uma classe, que nem sempre é o da maioria. Sendo isso verdadeiro, é possível afirmar que a luta pela gestão democrática na educação também está nessa arena de luta das classes sociais, ou seja, para se tornar um projeto social hegemônico, precisa ter como base uma concepção dialética da realidade, aquela que considera a relação intersubjetiva entre o homem e o objeto de conhecimento e que compreende o homem como ser histórico, que sofre os condicionantes da realidade, mas que traz consigo a capacidade histórica de nela intervir. E, sendo a escola um lócus privilegiado de aprendizagem, ela deve garantir a viabilização de mais esse espaço de aprendizagem, ou seja, a gestão democrática deve buscar meios de efetiva participação e o envolvimento de toda comunidade e da sociedade no processo educativo, com todos os limites que a sociedade complexa e neoliberal impõe. Assim, a gestão democrática, a exemplo de outros modos de gestão encontra limites e condicionantes políticos que interferem diretamente na consolidação de um projeto social de educação que leve em consideração os interesses da maioria e não da minoria, mas que, igualmente, podem ser recriados na prática social. O que percebemos, entretanto, pelas políticas educacionais de descentralização, das quais se destacam a criação dos “fundos” de financiamento, a propagação do ideário em torno da gestão participativa e as propostas de municipalização do ensino, é que a autonomização da escola significa, ainda, uma tentativa de desresponsabilização do Estado. É importante, então vislumbrar com maior criticidade os aparentes progressos dos processos inaugurados no seio da política capitalista. Tais propostas firmaram‐se por meio de conferências, publicações, financiamentos de projetos que se configuraram por Lei de Diretrizes, Diretrizes Curriculares, Referenciais, Planos de Educação, reestruturação dos livros didáticos e inúmeras outras ações que promovem a internalização desses valores, restando pouco espaço para a crítica e a construção de alternativas coletivas capazes de subjugarem tal projeto. Porquanto, é correto afirmar, como já diziam os estudos de Marx e Engels no século XIX, que não é possível desvincular a economia da educação, porém, o foco deve ser outro: 1432 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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compreender como a economia interfere em todos os setores da vida exigindo de todos os sujeitos históricos um posicionamento e uma ação para a transformação, uma vez que, estando mantida a mesma lógica do sistema capitalista, ou seja, exploração, acumulação, concentração do lucro, exclusão social, faz‐se necessário uma ação coletiva em prol da mudança profunda na estrutura da sociedade. Nesses termos, é imprescindível que todos saibam discernir os mecanismos pelos quais a prática neoliberal tem se mantido, perpetuando os ciclos de miséria e desigualdade social, a fim de que as “bandeiras” de luta defendidas pelos movimentos sociais não sejam violadas por um sistema que nos tem ludibriado a bel prazer. Decorre daí a importância de se desvelar o caráter ideológico implícito na elaboração de políticas públicas, a fim de não cairmos no engodo de que democratização, cidadania, autonomia e descentralização estejam sendo efetivadas em nossas instituições. Rossler (2004) colabora nessa discussão, ao argumentar acerca da relação entre educação e sociedade. Afirma que a educação pode cumprir dupla função na sociedade capitalista: reproduzir as relações existentes, ou seja, atender aos objetivos da classe dominante, ou servir de instrumento de luta para os dominados, configurando seu caráter transformador: A educação deve ser vista como “produção ideológica”. E, assim, deve estar filiada a um movimento específico: ou se filia ao movimento de manutenção do status quo, a conservação da sociedade vigente, ou se filia ao movimento revolucionário de transformação e superação do atual estado de coisas, do quadro social. E isto posto que pode desempenhar dois papéis: ser arma de luta e instrumento de adaptação às relações vigentes ou de sua transformação (ROSSLER, 2004, p. 86‐
87). Compreendemos que além da função de possibilitar ao homem a humanização, por meio da transmissão dos conceitos científicos, a escola configura‐se como um local em que o processo de alienação, erigido por uma sociedade cindida em classes antagônicas, que se caracteriza na exploração do homem pelo homem e pelo lucro desmedido, pode ser desmobilizado e transformado. Para que isso se efetive, é preciso que nós, professores, tenhamos clareza da concepção de educação que perpassa esse tipo de estrutura societal, qual seja a educação direcionada para as exigências do mercado. Seguindo o fio condutor dessa discussão, compreendemos que o trabalho realizado na escola confere aos seus principais atores ‐ professores, alunos, gestores, funcionários da 1433 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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instituição escolar, a possibilidade de desenvolvimento da consciência humana, bem como da luta contra a alienação que perpassa a vida dos homens e mina a consciência da concretude e a acepção de serem sujeitos da história, responsáveis por seus atos e pela transformação do que está posto como algo imutável e eterno – a sociedade capitalista. Em face às questões aqui explicitadas, é evidente o processo de ressignificação que a autonomia, participação e descentralização na perspectiva da gestão democrática assumiram na atual conjuntura sócio‐econômica, se distanciando em muito, dos horizontes almejados pelas mais variados movimentos e organizações sociais da década de 1980. Atualmente, a busca pela superação dessa realidade se esbarra nessas novas concepções e diretrizes neoliberais que infelizmente comandam os ideais de muitos dos educadores. Retomando a dupla função exercida pela instituição escolar, como já citada por Rossler (2004), ao mesmo tempo em que ela é disseminadora de idéias, de grande valor para a manutenção das relações sociais de produção capitalista, ela representa, junto a outros mecanismos, uma fonte de superação dessa sociedade, uma vez que, pautando‐se pelo viés crítico se debruça na historicidade e na materialidade abrindo a possibilidade de realizar a transformação objetiva na realidade concreta e nos homens que dela participam. Referências BOITO JUNIOR, A. Neoliberalismo e Burguesia. São Paulo: Xamã, 1999. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal. BRASIL. Lei 9394/96. Brasília, 1996. BRASIL/ MARE. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília, 1995. (http://www.bresserpereira.org.br/Documents/MARE/PlanoDiretor/planodiretor.pdf) Acesso em 14 jun 2010. CEPAL; UNESCO. Educação e conhecimento: eixo da transformação produtiva com equidade. Brasília: IPEA/CEPAL/INEP, 1995. LIMA, A. B. Estado, políticas educacionais e gestão compartilhada. São Paulo:Xamã, 2004. MINTO, L. W. Administração escolar no contexto da nova república (1984...). Revista HISTEDBR On‐line. Campinas, ago/2006, p. 140‐165. MORAES, R. Neoliberalismo: de onde vem, para onde vai? São Paulo, Senac, 2001. 1434 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
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