Artigo - Rede de Estudos do Trabalho

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A RAZOABILIDADE NAS RELAÇÕES DE TRABALHO: ALCANCE E
LIMITAÇÕES DO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR
Elizabeth Alana Pereira Roma
Taciana Cecília Ramos 1
Resumo
Do conceito de empregador (art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho), infere-se que este
detém o controle da relação de emprego, sendo também o responsável em arcar com os
encargos da produção e a organização da atividade econômica realizada. Ele possui o poder
hierárquico ou diretivo, que consiste na capacidade e dever daquele que contrata de fiscalizar
e organizar a prestação de serviço pelo contratado. A partir de pesquisa descritiva e
bibliográfica, e atentando-se à ideia de “emprego decente” da Recomendação 193 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), defende-se a limitação do poder diretivo do
empregador por princípios como a dignidade da pessoa humana e a razoabilidade. A proposta
é estabelecer limites à aplicação de penalidades no âmbito do trabalho, dadas as mudanças nas
relações de emprego verificadas das últimas décadas, visto que o abuso na aplicação do poder
diretivo pode atentar contra os direitos de personalidade do trabalhador e configurar danos de
ordem material e moral.
Palavras-chave: poder diretivo; dignidade da pessoa humana; empregado.
DELIMITAÇÃO DO TEMA: Do conceito de empregador (art. 2º da Consolidação das Leis
do Trabalho), infere-se que este detém o controle da relação de emprego, sendo também o
responsável em arcar com os encargos da produção e a organização da atividade econômica
realizada. Ele possui o poder hierárquico ou diretivo, que consiste na capacidade e dever
daquele que contrata de fiscalizar e organizar a prestação de serviço pelo contratado.
OBJETIVOS: Atentando-se à ideia de “emprego decente” da Recomendação 193 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), defende-se a limitação do poder diretivo do
empregador por princípios como a dignidade da pessoa humana e a razoabilidade.
MÉTODO: A metodologia da pesquisa pode ser classificada de acordo com os seus objetivos
e conforme os procedimentos técnicos adotados; neste trabalho empregou-se a pesquisa
descritiva e a pesquisa bibliográfica, respectivamente, para confrontar a teoria jurídica com o
que é observado no cotidiano.
RESULTADOS DO TRABALHO: Estabelecer limites à aplicação de penalidades no âmbito
do trabalho é extremamente necessário com as mudanças nas relações de emprego verificadas
1
Graduanda do 4º ano de Direito da Faculdade de Direito Prof. Jacy de Assis – Universidade Federal de
Uberlândia (UFU/MG). E-mail: [email protected].
das últimas décadas. O abuso na aplicação do poder diretivo pode atentar contra os direitos de
personalidade do trabalhador e configurar dano moral.
1- INTRODUÇÃO
Segundo a etimologia, o vocábulo “trabalho” deriva do latim “tripallium”, que era um
instrumento feito de três paus aguçados, geralmente munidos de pontas de ferro, com o qual
os agricultores rasgavam o trigo ou as espigas de milho. Comum é a associação do
“tripallium” à figura do instrumento romano de tortura, uma espécie de tripé formado por três
estacas cravadas no chão na forma de uma pirâmide, no qual eram supliciados os escravos.
A evolução histórica-social das relações de trabalho, a insurgência de diplomas legais
protetivos do direito do trabalhador – e, neste item, a elevação dos princípios jurídicos à
categoria de norma e o papel de “supradireito” da dignidade da pessoa humana-, entre outros
fatores, favoreceram uma nova visão do trabalho, agora concebido como elemento de
dignificação do homem e meio pelo qual este cria condições de se relacionar social e
economicamente no grupo em que vive.
Esta perspectiva “otimista”, todavia, não oculta o fato de a relação de trabalho
representar uma relação de poder, havendo, naturalmente, conflitos de interesses entre
“dominadores” e “dominados”. Ainda maior que isto é o nosso atual sistema ecônomico, o
capitalismo, que serve como modelo provocador para que as empresas busquem maior
competitividade nos mercados, conduzindo, ainda que indiretamente, à desregulamentação da
atividade laboral.
Este trabalho almeja, então, analisar uma das manifestações do poder do empregador,
o poder diretivo, problematizando sobretudo o alcance de suas prerrogativas (até onde o
encargo do risco econômico da atividade justifica a ação de controle do empregador?). Além
de questionar os limites do poder de direção à luz de manifestações concretas (verificação de
e-mails pelo empregado e revista pessoal), a proposta é ponderar, com o crivo da
razoabilidade, a colisão entre o direito à propriedade que o empregador ostenta (art. 5º, inciso
XII, da Constituição Federal de 1988) e os direitos personalíssimos e a dignidade da pessoa
humana do empregado.
2- PODERES DO EMPREGADOR: CONCEITOS E FUNDAMENTOS
No momento em que é celebrado o contrato de trabalho, já ficam estabelecidas as
regras para sua execução. Há características inerentes a este acordo, como a prestação de
trabalho não eventual mediante contraprestação e também a subordinação jurídica do
empregado a seu empregador, visando atender as necessidades do ramo de atividade ou
estabelecimento.
Sendo a subordinação inerente às relações de emprego, o empregador tem o direito –
função de estabelecer as normas que devem ser obedecidas durante a realização do trabalho.
Ademais, o empregador detém o controle da prestação dos serviços, sendo também
responsável em arcar com os encargos da produção e organização da atividade econômica
realizada.
Dentre os poderes deste sujeito da relação de trabalho, pode-se ressaltar o diretivo,
cujo conceito está expresso na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) em seu artigo 2º,
caput: “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos
da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço” (BRASIL,
2012, grifo nosso).
O poder de direção, também chamado de poder diretivo ou hierárquico, abrange a
prerrogativa do empregador de controlar as atividades realizadas pelo empregado e, caso as
normas previamente estabelecidas não estejam sendo cumpridas, aquele se vale do poder
disciplinar. No exercício deste poder, o empregador pode advertir e suspender seus
empregados em virtude de transgressão, e até mesmo pode aplicar a demissão por justa causa,
caso o fato punível estiver no rol do artigo 482 da CLT, com a ressalva de sempre se observar
o critério da ponderação.
No que concerne aos fundamentos do poder de direção, Gustavo Filipe Barbosa Garcia
(2011) apresenta quatro teorias principais. A primeira é a teoria da instituição, que sustenta
que o espaço de exercício do poder diretivo é a empresa, isto é, a atividade do empregador (ou
com ele se confundindo) e na qual estão os empregados, de modo organizado e hierarquizado.
O fundamento desse poder do empregador, portanto, é a empresa (instituição), com o objetivo
de manter a atividade empresarial.
Outra teoria proposta é a do poder diretivo como direito potestativo: o empregador
exerce o referido poder de forma unilateral, prescindindo da anuência do empregado. Tal
proposição teórica é problemática, visto que o poder diretivo é limitado, ou seja, não podem
ser impostas ordens ilegais ou abusivas contra o trabalhador.
Uma terceira corrente indica que o poder diretivo está fundamentado no direito de
propriedade, posto que o empregador, titular do empreendimento empresarial, pode organizar,
controlar e disciplinar os fatores de produção – aqui, o trabalho prestado pelos empregados.
Mesmo que seja lei entre as partes, o contrato de trabalho, assim como os demais acordos,
deve respeitar princípios como o da boa – fé e da função social. Esses princípios do Direito
Civil são aplicados no Direito do Trabalho por força do art. 8° da CLT, que admite a
aplicação subsidiária do direito comum. Com a interferência da função social dos contratos e
da boa-fé, estas normas passam a ser limites internos à aplicação do poder diretivo do
empregador.
O último e mais adequado entendimento consiste na tese de que o fundamento do
poder diretivo está no contrato de trabalho, ou seja, é uma base de ordem jurídica. A própria
existência do contrato de emprego autoriza o empregador a exercer o poder hierárquico,
subordinando o trabalho de empregado.
3- PODER DIRETIVO – CONCEITO, ALCANCE E LIMITAÇÕES
Preleciona Alice Monteiro de Barros (2006) que o poder diretivo apresenta três
funções. A primeira delas é exteriorizada pelas decisões executivas que são tomadas pelo
empregador para a melhor organização do trabalho, não alcançando os trabalhadores. A
segunda função é a instrução. Esta atinge os empregados, pois eles devem respeitar as ordens
repassadas pelo empregador, e tais regras devem ser lícitas; por conseguinte, as normas não
podem causar lesões aos direitos dos contratados. Infere-se, assim, que o empregador deve
exercer sua autoridade exclusivamente para o bem da empresa, sob pena de ser caracterizada
prática abusiva.
Além das funções supracitadas, cabe também ao empregador o controle da relação de
emprego, das atividades exercidas pelos funcionários, sendo também responsável em arcar
com os encargos da produção e organização da atividade econômica realizada. Em
decorrência deste risco assumido (art. 2º, caput, da CLT), autoriza-se que o empregador
gerencie a atividade laboral dos empregados na prestação de serviço, controlando se estes
estão respeitando, entre outros pontos, o horário de trabalho estipulado (art. 74 da CLT),
como exemplifica Garcia Barbosa (2011).
O mesmo autor destaca que o poder de controle não pode ferir a intimidade dos
empregados, entre outros direitos de ordem fundamental, residindo aqui sua limitação. São
proibidas, por exemplo, a revista íntima (art. 373-A, inciso VI, da CLT) e a violação do sigilo
de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas
(neste caso, a exceção à regra é a ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei
estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal) dos empregados
(art. 5º, inciso XII, da CR/88).
Outro aspecto relevante do conteúdo do poder diretivo do empregador é o poder
disciplinar. Esta prerrogativa permite que o empregador aplique penalidades ao empregador
quando do descumprimento das ordens e regras na atividade laboral. A punição, retirada do
Direito do Trabalho e não da área criminal (cujo titular é o Estado), consiste na advertência do
trabalhador, de forma verbal ou escrita, sua suspensão (até trinta dias consecutivos, conforme
art. 474 da CLT) ou a dispensa por justa causa (art. 482 da CLT).
Estas penalidades não precisam ser aplicadas gradualmente, uma vez que “uma falta
de elevada gravidade pode, por si só, conforme as circunstâncias, justificar a imposição de
pena mais drástica” (GARCIA, 2011, p. 340). Cumpre lembrar que a punição abusiva ou
excessiva pode ser questionada pelo empregado, e a ilicitude pode acarretar ao empregador o
dever de reparação de lesão a direito do trabalhador. Um exemplo seria a advertência dada de
forma a humilhar o empregado, o que deflagra contra os seus direitos de personalidade e
enseja indenização por danos morais.
Entende-se, desta forma, que o Poder Judiciário pode apreciar a regularidade e licitude
da pena se houver provocação pelo interessado. No entanto, cabe ao juiz decretar apenas a
nulidade da sanção, não podendo substituí-la, aumentá-la ou diminuí-la, posto que o poder
disciplinar pertence só ao empregador. Cabe citar, neste ínterim, o teor da Súmula n. 77 do
Tribunal Superior do Trabalho: se a empresa se obrigou, por norma regulamentar, a só aplicar
punição ao empregado depois de apurada a falta em inquérito ou sindicância internos, sem
estes procedimentos a penalidade é nula (BARROS, 2006, p. 583).
Insta salientar que a pena pecuniária (“multa”), em regra, é vedada como medida
disciplinar válida na seara trabalhista brasileira, até porque contraria o princípio da
intangibilidade salarial (art. 462 da CLT). Excepciona esta regra, segundo Garcia (2011), a
previsão do art. 15, §1º, da Lei n. 6.354/1976, que autoriza a aplicação da referida penalidade
ao atleta profissional de futebol, não podendo ser superior a 40% do salário percebido por ele.
4- MANIFESTAÇÕES
DA
FISCALIZAÇÃO
DO
EMPREGADOR:
REGULAMENTO DE EMPRESA, VERIFICAÇÃO DE E-MAIL E REVISTAS
PESSOAIS
Como manifestação primeva do denominado poder regulamentar do empregador, que
compõe o seu poder diretivo, está o regulamento da empresa. Este é um documento onde
constam os direitos e deveres dos empregados e do empregador, assim como o modo de seu
exercício. Se for estabelecido por esta parte da relação de emprego, será um regulamento
unilateral; caso seja elaborado em conjunto com aqueles, tratar-se á de um regulamento
bilateral.
Garcia (2011) salienta que os direitos trabalhistas previstos no regulamento de
empresa incorporam-se aos contratos de trabalho de cada empregado, e que estes direitos
devem atender aos preceitos mínimos constantes na legislação trabalhista e demais
instrumentos normativos, bem como normas de ordem pública, tais como são as ditadas pela
Constituição Federal.
Uma segunda manifestação, bastante controversa, é a relacionada à verificação de email pelo empregador por força de seu poder de controle. O e-mail privativo (particular) do
empregado é agasalhado pela jusgarantia de proibição de violação do sigilo das comunicações
e de dados, mesmo que não constitua correspondência em sentido tradicional. Já sobre o email corporativo, fornecido pelo empregador para dinamizar as comunicações no ambiente de
trabalho e efetivar a consecução do serviço, entende-se que:
[…] se o empregador avisou, previamente, quanto à possibilidade de seu
controle, de forma impessoal, na esfera da empresa, e estando em jogo
algum outro valor de ordem fundamental – como o dever de não enviar
mensagens em tom criminoso, ilegal ou desrespeitoso a terceiros -, pode-se
autorizar a referida verificação, pela empresa, no seu equipamento de
informática, resguardando a sua eventual responsabilidade, o que não se
confunde com interceptação da mensagem quando em seu caminho de
destino. (GARCIA, 2011, p. 341-342, grifo nosso)
Neste cenário, urge a aplicação do princípio da proporcionalidade, ou da
razoabilidade, para apurar o caso concreto. Porém, no sopesamento de valores, não se pode
ignorar que, antes de qualquer realidade, está o exercício do direito de propriedade do
empregador sobre o computador com acesso à Internet e sobre o provedor. Desta feita, o
poder diretivo do empregador não alcança o e-mail particular do trabalhador, mas tal poder
tem aplicação plenamente válida no tocante ao e-mail corporativo.
A favor deste argumento estão a responsabilidade do empregador perante terceiros dos
atos de seus empregados em serviço (Código Civil, art. 932, inciso III) e o direito à imagem
daquele que contrata, também resguardado constitucionalmente. Neste sentido, convém
transcrever um trecho da ementa de um julgado do Tribunal Superior do Trabalho (TST):
[…] 5. Pode o empregador monitorar e rastrear a atividade do empregado no
ambiente de trabalho, em ‘e-mail’ corporativo, isto é, checar suas
mensagens, tanto do ponto de vista formal quanto sob o ângulo material ou
de conteúdo. Não é ilícita a prova assim obtida, visando a demonstrar justa
causa para a despedida decorrente do envio de material pornográfico a
colega de trabalho. Inexistência de afronta ao art. 5º, incisos X, XII e LVI,
da Constituição Federal.
6. Agravo de instrumento do reclamante a que se nega provimento (TST, 1ª
T., RR 613/2000-013-10-00.7, Rel. Min. João Oreste Dalazen, DJ
10.06.2005). (GARCIA, 2011, p. 343)
As polêmicas não cessam na questão dos e-mails. Outro ponto repleto de divergências
refere-se à possibilidade de o empregador empreender revistas pessoais em seus empregadossejam estas revistas físicas ou de pertences e objetos. O art. 373-A, inciso VI, da CLT
(acrescentado pela Lei n. 9.799/1999) veda as “revistas íntimas nas empregadas ou
funcionárias”, o que se estende aos empregados do sexo masculino, por causa do princípio da
igualdade (art. 5º, inciso I, da CR/88).
A revista íntima, totalmente invasiva e atentatória à integridade física, psíquica e
moral do empregado, é proibida por lei (transgride o art. 5º, inciso X da Carta Magna). A
revista pessoal, a seu turno, é admitida em nome do poder diretivo e da proteção do
patrimônio empresarial, desde que não seja feita de maneira abusiva, que lesione a intimidade
do empregado ou que corresponda a uma perseguição (ou discriminação) contra ele.
Majoritariamente, a revista pessoal é tolerada nas atividades que justifiquem a medida,
devendo ser feita de forma aleatória, “moderada, respeitosa, por pessoa do mesmo sexo, sem
exposição desnecessária ou abusiva do empregado revistado” (GARCIA, 2011, p. 344). A
ementa a seguir, extraída de um julgado de março do corrente ano, demonstra a linha de
decisões tomadas no TST indicando que as revistas em pertences de empregados, do modo
explanado acima, não violam a intimidade do trabalhador, não gerando, assim, direito à
indenização por danos morais:
Dano moral. Indenização indevida. Revista visual de bolsas, sacolas ou
mochilas. Inexistência de ofensa à honra e à dignidade do empregado.
Poder diretivo e de fiscalização do empregador.
A revista visual em bolsas, sacolas ou mochilas, realizada de modo
impessoal e indiscriminado, sem contato físico ou exposição do trabalhador
a situação constrangedora, decorre do poder diretivo e fiscalizador do
empregador e, por isso, não possui caráter ilícito e não gera, por si só,
violação à intimidade, à dignidade e à honra, a ponto de ensejar o pagamento
de indenização a título de dano moral ao empregado. Com base nessa
premissa, a SBDI-I, por unanimidade, conheceu do recurso de embargos, por
divergência jurisprudencial, e, no mérito, por maioria, negou-lhe
provimento. Vencidos os Ministros Delaíde Miranda Arantes e Augusto
César Leite de Carvalho. (TST-E-RR-306140-53.2003.5.09.0015, SBDI-I,
rel. Min. Brito Pereira, 22.3.2012) (BRASIL, 2012).
Obtempera-se, contudo, que o entendimento mais razoável é aquele que preza pelos
direitos de personalidade e da dignidade da pessoa humana do obreiro. Os direitos à
intimidade e à privacidade deste devem se sobrepor ao direito de propriedade do empregador
no caso de revista pessoal. Este procedimento deve ser realizado em última instância, pois
hoje conta-se com meios tecnológicos para a vigilância dos bens da empresa. Se for possível a
colocação de etiquetas magnéticas em livros e roupas, por exemplo, a inspeção em bolsas e
sacolas nos estabelecimentos comerciais é prescindível (BARROS, 2006, p. 560).
Garcia (2011) alerta que, quanto aos objetos, bens e locais reservados ao empregado,
pelo empregador, estes são abarcados pelo conceito constitucional de “domicílio”, incidindo,
então, o preceito do art. 5º, inciso XI, da CF/1988. Destarte, só poderão sofrer revista no caso
de flagrante delito ou por determinação judicial.
Sugere-se, por fim, que, além de assumir um caráter geral, impessoal (portanto,
adotando critérios objetivos não seletivos, como o sorteio), a revista seja feita “mediante
ajuste prévio com a entidade sindical ou com o próprio empregado, na falta daquela,
respeitando-se, ao máximo, os direitos de personalidade” do trabalhador (BARROS, 2006, p.
560). Recomenda-se ainda que a revista ocorra preferencialmente na saída do trabalho, com a
presença de um representante dos empregados ou de um colega de trabalho, para evitar
constrangimentos.
5- A RAZOABILIDADE E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO
NÚCLEOS DOS DIREITOS DOS TRABALHADORES
Logo no estudo inicial da dogmática jurídica, busca-se a definição de norma de direito,
regras e princípios. Para o presente trabalho, é fundamental a apresentação, ainda que sucinta,
de tais conceitos, sobretudo sobre o de princípios, dando ênfase ao da proporcionalidade ou
razoabilidade.
A norma jurídica, ou regra jurídica (tais temos são idênticos para o positivismo), é, de
acordo com Dimitri Dimoulis (2007), “uma proposição de linguagem (texto de norma)
incluída nas fontes de direito válidas em determinado país e lugar”. O escopo da norma é
regular o comportamento social de forma imperativa, estabelecendo proibições, obrigações e
permissões. Normalmente, o descumprimento da norma está vinculado a sanções negativas.
As regras e princípios são normas jurídicas exigíveis; ambos possuem a mesma
importância normativa e hierarquia. Mesmo os defensores da teoria gradualista, ou
quantitativa, de forte inspiração no positivismo do século XIX, não acreditavam na diferença
entre regras e princípios, pelo menos em sua natureza jurídica. A distinção entre eles seria
quanto ao grau de indeterminação e generalidade dos princípios, que é maior se comparado ao
das regras. Entendimento diverso foi elaborado pelos pós-positivistas, que militam pela teoria
estrutural (ou qualitativa). Tal linha de pensamento, sustentada hodiernamente por Ronald
Dworkin, Robert Alexy e, no Brasil, pelo professor Luís Roberto Barroso (entre outros),
acredita que a norma jurídica é um gênero amplo que engloba tanto regras quanto princípios.
Ronald Dworkin afirma que, nos casos difíceis, não se têm regras, mas princípios, e
que estes estão implícitos, sendo construídos a partir da moralidade política de uma
determinada comunidade. A função do juiz é tornar explícitos tais princípios, que são morais
e consagradores dos direitos individuais. Para este autor, as regras são sempre positivadas,
enquanto os princípios podem estar claramente expostos (como no caso brasileiro, o princípio
da dignidade da pessoa humana, na Constituição Federal de 1988), ou não (hipótese em que se
enquadra a razoabilidade).
Robert Alexy aponta regras e princípios como destoantes quando sentencia que estes
são “comandos de otimização”, ou seja, os princípios determinam que um bem jurídico deve
ser promovido na maior extensão ou intensidade possível, tendo em vista outros princípios
jurídicos e a realidade fática. Luís Roberto Barroso, compartilhando do mesmo raciocínio,
elenca três critérios distintivos entre regras e princípios: conteúdo, estrutura normativa e modo
de aplicação.
Sobre o conteúdo, Barroso escreve que os princípios são fortemente valorativos,
finalísticos, enquanto as regras têm conteúdo variado e descritivo. Há três pontos relevantes
para a caracterização de princípios: (i) eles consagram os valores éticos fundamentais de uma
sociedade; (ii) são norte que estruturam o Estado e o governo; (iii) os princípios estipulam
metas a serem alcançadas no futuro (neste aspecto, aproximam-se das normas programáticas).
O exposto no primeiro ponto – consagração de valores sociais pelos princípios - enseja
uma diferenciação do que são estes e os valores. Os princípios são normas jurídicas,
fortemente deontológicas, que expressam juízos de dever ser. Já os valores são, na definição
de Miguel Reale (1986), “objetos que são enquanto devem ser”: eles constituem um
metassistema que fundamenta a obrigatoriedade de um sistema normativo, ou, ainda, são
dotados de uma finalidade crítica e orientadora da produção jurídica ao indicar seus escopos
fundamentais. Poder-se-ia afirmar que os princípios estão em um grau de concretização maior
do que o valor, pois eles já englobam a previsão e a conseqüência no Direito, enquanto o valor
traz a noção do que deve ser valorado no âmbito jurídico.
No que tange a estrutura normativa, diz-se que os princípios definem um fim, sem
determinar os meios para alcançá-lo. Já a estrutura das regras é de mandados definitivos, e
elas são feitas para “resolverem sozinhas” um caso específico. Enquanto os princípios têm
significado visto somente diante do caso concreto, a regra apresenta as razões para a solução
dos casos. Portanto, é mais comum a colisão entre princípios do que o conflito entre regras.
A distinção entre regras e princípios continua no modo de aplicá-los, segundo Barroso.
Os princípios são aplicados de acordo com a ponderação. Esta obedece três etapas: na
apreciação do casuísmo, identificam-se os princípios em colisão; depois, observam-se os
elementos concretos para julgar quais fatos são mais importantes para a decisão. A atribuição
de pesos aos fatos relevantes para a decisão judicial seria o próximo passo desse processo tão
subjetivo. A aplicação das regras, entretanto, segue uma prática mais objetiva: enquadra-se
esta espécie de norma jurídica a um fato na hipótese prevista em lei. Um claro exemplo desta
situação é a tipificação penal.
A ponderação supramencionada, assim como a proporcionalidade e a razoabilidade, é
tratada como postulado normativo aplicativo, em nomenclatura dada por Humberto Ávila,
sendo invocados também como “princípios instrumentais” (expressão de Luís Roberto
Barroso). Tais postulados são, igualmente, normas jurídicas, e instrumentalizam a aplicação
dos princípios e das regras. São considerados metanormas ou normas de segundo grau
(“normas dentro de normas”), e são úteis para justificar os atos estatais.
Nessa linha de raciocínio, o princípio da razoabilidade apresenta-se como o mais hábil
para dirimir os conflitos trabalhistas de forma coerente – bem como para limitar poder
diretivo -, posto que serve tanto para aferir a legitimidade das restrições de direitos, como o
equilíbrio na concessão de poderes, privilégios ou benefícios, segundo Inocêncio Mártires
Coelho (2009). Prossegue este autor:
[…] o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, em essência,
consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das
ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida,
proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a
positivação jurídica, inclusive a de nível constitucional; e, ainda, enquanto
princípio geral de direito, serve de regra de interpretação para todo o
ordenamento jurídico. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 142-143).
Coelho (2009) afirma acertadamente que o princípio em comento tornou-se
consubstancial à ideia de Estado de Direito devida à sua íntima ligação com os direitos
fundamentais, que o sustentam e, concomitantemente, dele dependem para se realizar. No
caso de conflitos de bens ou valores igualmente abrigados no texto constitucional, tais como o
direito à propriedade do empregador e os direitos de personalidade do empregado, o princípio
da razoabilidade pode ser aplicado, bem como o subprincípio da proporcionalidade em
sentido estrito (ponderação de bens), que, em conjunto com a necessidade e a adequação,
formam a proporcionalidade em sentido amplo (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p.
143).
A Constituição Federal de 1988 apresenta, em seu Título II, os direitos e garantias
fundamentais. Dentre eles estão os direitos sociais, que envolvem o direito ao trabalho, os
direitos do trabalhador assalariado, o direito à seguridade social e à educação. Com exceção
do disposto no art. 7º, incisos VI, XIII e XIV da Carta de 1988, que podem ser submetidos à
negociação coletiva, grande parte dos direitos sociais constitui cláusulas pétreas
intransacionáveis.
Sob um viés internacional dos direitos fundamentais do trabalho, Alice Monteiro de
Barros (2006) explica que o empregado detém direitos sociais fundamentais vinculados à
dignidade humana, sendo eles, de acordo com o disposto pela Organização Internacional do
Trabalho (OIT), a liberdade sindical, a abolição do trabalho forçado, a eliminação da
discriminação e do trabalho infantil. A Declaração da OIT de 1998 dispõe sobre os princípios
e os direitos fundamentais do trabalho, e a Carta de Direitos Fundamentais da União
Européia, em 2000, sublinha como fundamentos do bloco a indivisibilidade e a universalidade
dos valores da dignidade humana.
Os tribunais brasileiros têm valorizado os direitos fundamentais nas relações
trabalhistas ao reconhecerem a igualdade, o segredo da vida privada e o respeito à honra e à
liberdade dos empregados na execução de sua atividade profissional (art. 5º, incisos I, VIII,
IX, X, XII, XIII, XIV, XV e XVII, art. 7º incisos XXX e XXXI, da CF/88). Aliado a este
posicionamento renovado está o já citado ordenamento internacional sobre direitos humanos
(BARROS, 2006, p. 595).
Prezando por estas considerações, nota-se que o direito do trabalho brasileiro tende a
proteger, com base nas jusgarantias fundamentais, os direitos de personalidade do trabalhador.
Tais direitos, construídos a partir do século XIX com influências cristãs, jusnaturalistas e
iluministas, possuem como características serem inatos, extrapatrimoniais, intransmissíveis,
imprescritíveis, impenhoráveis, vitalícios, necessários e oponíveis “erga omnes” (no caso
deste estudo, oponíveis contra o empregador). Assim anota Barros:
Os direitos de personalidade são classificados como direito à integridade
física (direito à vida, à higidez corpórea, às partes do corpo, ao cadáver,
etc.), à integridade intelectual (direito à liberdade de pensamento, autoria
artística e científica e invenção) e à integridade moral (direito à imagem ao
segredo, à boa fama, direito à honra, direito à intimidade, à privacidade, à
liberdade civil, política e religiosa etc.). [...] Já se sugere seja acrescida aos
direitos de personalidade a proteção da pessoa, em face do uso de fichários e
tratamentos informáticos de dados pessoais. (BARROS, 2006, p.596).
Tanto os direitos de personalidade quanto os fundamentais, assim como os princípios
constitucionais, têm como matriz axiológica a dignidade da pessoa humana. O art. 1º da
Constituição Federal de 1988, em seu inciso III, eleva a dignidade da pessoa humana a um
dos fundamentos da República Federativa do Brasil, o que é inovador no ordenamento pátrio.
O artigo 170 da mesma Carta dispõe que a ordem econômica tem por objetivo assegurar a
todos a existência digna, em nome da justiça social. O artigo 193 afirma a dimensão social da
dignidade da pessoa humana. Logo, não se pode olvidar que o papel fundamental deste
princípio está atrelado ao dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, constante no
inciso IV do mencionado art. 1º.
Em âmbito internacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)
também enunciou a dignidade da pessoa humana no seu primeiro artigo. Seguindo a mesma
tendência, no período pós- Segunda Guerra Mundial, outras Leis Maiores a estatuíram como
garantia fundamental: a Constituição italiana (1947), a portuguesa (1976), a da Espanha
(1978) e, pioneiramente, a Lei Fundamental de Bonn, em 1949.
É notória, assim, a irradiação deste verdadeiro “supradireito” por todo o nosso sistema
normativo, inclusive na área trabalhista. Os controles pessoais no emprego, tais como a
revista pessoal, podem ser feitos reverenciando a dignidade de quem a eles se submeter; as
opiniões políticas, sindicais e religiosas também devem ser respeitadas, para coibir qualquer
tipo de prática discriminatória (BARROS, 2006, p. 178).
6- NOTAS CONCLUSIVAS
Os apontamentos acima deixaram clara a existência da subordinação jurídica do
empregado ao poder do empregador como característica inerente ao contrato de trabalho. Esta
prerrogativa, porém, deve ser exercida com respeito às garantias constitucionais que o cidadão
possui. Atentando-se à ideia de “emprego decente” da Recomendação 193 da OIT, defende-se
a limitação do poder diretivo do empregador (controle, organização e disciplina) por
princípios como a dignidade da pessoa humana e a razoabilidade.
O art. 6º da Constituição Federal de 1988 não trata, deste modo, meramente do direito
social a ter trabalho, mas de se ter um trabalho com condições dignas para seu exercício.
Constata-se, assim, que o poder diretivo do empregador não é ilimitado: sua aplicação é
regulada pela lei e pelo sistema jurídico, coadunando com os direitos e garantias dos
empregados previstos tanto na CLT quanto na Carta Maior de 1988 e, ainda, com as normas
de direito internacional. O abuso no poder de direção, aliás, enseja reparação da lesão na
esfera material e moral, conforme expôs Barbosa Garcia.
Não é permitido ao empregador desconsiderar os direitos de seu empregado e nem
ultrapassar os limites impostos pelo contrato de trabalho. Quando o empregador fizer uso de
suas prerrogativas, deve visar somente o essencial para sua atividade comercial, sob pena de
incidir em práticas abusivas já reconhecidas pela jurisprudência e legislação trabalhistas.
Mais que uma relação jurídica privada, a relação de emprego é um vínculo
estabelecido entre dois sujeitos titulares de direitos e obrigações, e equilibrar os interesses e os
deveres de um e os direitos personalíssimos de outro deve ser uma tarefa cuidadosa que não
despreze a histórica luta pela consolidação dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa
humana.
REFERÊNCIAS
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