CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL MARIA MAYARA RODRIGUES CONTRIBUIÇÕES DAS POLITICAS DE COMBATE À POBREZA NA VIDA DE MULHERES: REFLEXÕES A PARTIR DA FALA DAS USUÁRIAS DO PROJETO ESTAÇÃO FAMILIA EM CAPISTRANO/CE. FORTALEZA 2013 MARIA MAYARA RODRIGUES CONTRIBUIÇÕES DAS POLITICAS DE COMBATE À POBREZA NA VIDA DE MULHERES: REFLEXÕES A PARTIR DA FALA DAS USUÁRIAS DO PROJETO ESTAÇÃO FAMILIA EM CAPISTRANO/CE. Monografia submetida à aprovação Coordenação do Curso de Serviço Social do Centro de Ensino Superior do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Graduação. Orientação: Profª. Fernandes Peixoto. FORTALEZA 2013 Ms. Socorro Letícia MARIA MAYARA RODRIGUES CONTRIBUIÇÕES DAS POLITICAS DE COMBATE À POBREZA NA VIDA DE MULHERES: REFLEXÕES A PARTIR DA FALA DAS USUÁRIAS DO PROJETO ESTAÇÃO FAMILIA EM CAPISTRANO/CE. Monografia como pré-requisito para obtenção do titulo de Bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense – FAC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data da Aprovação: ____/_____/____ BANCA EXAMINADORA _________________________________________________________ Profª. Ms. Socorro Letícia Fernandes Peixoto (Orientadora) Faculdade Cearense _________________________________________________________ Profª. Ms. Eveline Alves Ribeiro Faculdade Cearense ________________________________________________________ Profª. Esp. Talitta Cavalcante Albuquerque Vasconcelos Faculdade Cearense Á minha mãe, mulher exemplo de luta, meu porto seguro. AGRADECIMENTOS A Deus, que me iluminou e guiou meus passos durante essa jornada e possibilitou-me mais uma vitória, de muitas que virão. À minha mãe, que sempre me apoiou e se fez presente em todos os momentos. A todos meus familiares que sempre torceram por meu sucesso e compreenderam minha ausência, em alguns momentos. As minhas fiéis companheiras que durante esses quatro anos de dedicação, sempre estiveram comigo, nas dificuldades e conquistas em especial à Angélica Braga, Marisa Albuquerque, Jamylly Maciel, Evilene Negreiros e Raquel Machado. A todos os colegas de sala, pelo compartilhamento de literaturas, ideias e debates que agregaram elementos á esse trabalho. À minha orientadora Profª. Ms. Letícia Peixoto, pela dedicação e paciência na construção desse trabalho. E por ter se tornado referência em minha vida acadêmica, fazendo-me despertar a esse objeto de estudo. À Profª. Ms. Eveline Ribeiro que me acompanhou por um período no despertar para pesquisa científica, suas observações foram fundamentais ao meu amadurecimento teórico. À Prof.ª Esp. Talitta Albuquerque por de prontidão ter aceitado fazer parte dessa banca. A todos os técnicos da Política de Assistência Social do município de Capistrano, cujo apoio foi fundamental para chegar até os sujeitos dessa pesquisa, em especial nas pessoas de Erika Medeiros, Isabel Fernandes e Weyber Queiroz. Às mulheres que aceitaram participar da pesquisa, que as denominei com nome de flores, pois são exemplo de luta em meio a uma sociedade permeada de desigualdades. Sem vocês esse trabalho não teria alcançado seu objetivo. Muito grata á vocês que me despertaram varias reflexões. À Coordenação do Curso de Serviço Social e todo o corpo docente da Faculdade Cearense que sempre se empenharam em garantir uma formação profissional de qualidade aos seus discentes. A todos que de alguma forma contribuíram para realização desse trabalho. “Todas as vitórias ocultam uma abdicação.” (Simone de Beauvoir). “Não é a consciência do homem que lhe determina o ser, mas, ao contrário, o seu ser social que lhe determina a consciência.” (Karl Marx). RESUMO A operacionalização das políticas públicas na contemporaneidade tem como traço marcante a centralidade da família, como lugar de cuidado e proteção social, especialmente nas políticas de combate à pobreza como o Programa Bolsa Família e Projeto Estação Família – PEF. Acrescenta-se a isso, a responsabilização das mulheres como gestoras dos recursos e participantes ativas das ações desenvolvidas no âmbito dessas políticas. Problematiza-se, portanto, as contribuições dessas políticas na vida de mulheres chefes de famílias. Nessa perspectiva, objetiva-se conhecer as mulheres pobres e chefes de família, residentes no campo, beneficiárias do Programa Bolsa Família do Projeto Estação Família; entender como estas se enxergam no papel de chefe de família, bem como os rebatimentos do PEF em suas vidas cotidiana. Dialoga-se com as categorias analíticas: pobreza, transferência de renda, família e gênero. A metodologia utilizada pautou-se em pesquisa qualitativa, utilizando-se como principal técnica de coleta de informações, a entrevista semiestruturada com seis mulheres residentes na Sede e na localidade de Carqueja dos Alves, no município de Capistrano, principais sujeitos desta pesquisa. Como fonte secundária, fez-se uso também de dados acerca da composição familiar, da renda e das condições de moradia, constantes na Ficha de Cadastro do Projeto Estação Família, utilizou-se ainda a pesquisa bibliográfica e documental. Dentre os resultados alcançados, destaca-se que o Projeto Estação Família é encarado pelas mulheres como uma forma de aprendizagem e interação social com a comunidade. Conclui-se que o Projeto Estação Família tem contribuído na vida das mulheres como oportunidade de conhecimento. Contudo acaba por reforçar atribuições e ocupações tradicionalmente femininas que sobrecarregam a vida das mulheres. Palavras-chaves: Pobreza, Programa Bolsa Família, Projeto Estação Família, Chefe de Família. ABSTRACT The implementation of public policies in contemporary has the striking feature of the centrality of the family as a place of care and social protection, especially in policies to combat poverty as the Bolsa Família Program and Project Station Family - PEF. Added to this, the empowerment of women as managers of resources and active participants of the actions taken under such policies. Discusses, therefore, the contribution of these policies on women heads of families. In this perspective, the objective is to meet poor women and householders, residents in the field, beneficiaries of Bolsa Família Project Station Family; understand how they see themselves in the role of head of household, as well as the repercussions of the PEF in their lives everyday. Dialogues with the analytical categories: poverty, income transfers, family and gender. The methodology used was based on qualitative research, using as the main technique of gathering information, the semi-structured interview with six women living in the headquarters and in the locality of the Carqueja Alves, in the municipality of Capistrano, the main subject of this research. As a secondary source, also made use of data on household composition, income and living conditions, contained in the Registration Form Project Station Family, is also used to literature and documents. Among the results, it is noteworthy that the Station Family Project is seen by women as a form of learning and social interaction with the community. It is concluded that the Project Station Family has contributed to the lives of women as an opportunity for knowledge. However, end up reinforcing functions and traditionally female occupations that burden the lives of women. Keywords: Poverty, Family Grant Program, Project Station Family, Family Head. LISTA DE SIGLAS APDMCE - Associação para o Desenvolvimento dos Municípios do Ceará BPC – Beneficio de Prestação Continuada BSM – Plano Brasil sem Miséria BSP - Benefício para Superação da Extrema Pobreza na Primeira Infância BVCE - Benefício Variável de Caráter Extraordinário BVJ - Benefício Variável Vinculado ao Adolescente CADÚNICO – Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal CAP - Caixa de Aposentadorias e Pensões CF - Constituição Federal CRAS – Centro de Referencia da Assistência Social CREAS - Centro de Referencia Especializado da Assistência Social DATAPREV - Empresa de Processamento de Dados EDISCA - Escola de Dança FHC – Fernando Henrique Cardoso FUNABEM - Fundação Nacional para o Bem-estar do Menor GAIS - Grupo de Apoio ao Investimento Social IAPAS - Instituto Nacional de Administração da Previdência Social IAP - Instituto de Aposentadorias e Pensões IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDF – Índice de Desenvolvimento Familiar IDH - Índice de Desenvolvimento Humano IDM - Índice de Desenvolvimento Municipal INANPS - Instituto Nacional de Assistência Médica INPS - Instituto Nacional de Previdência Social IPECE - Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará LBA - Legião Brasileira de Assistência LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MECE - Central de Medicamentos MPC – Modo de Produção Capitalista NOB/SUAS - Norma Operacional Básica NOB/RH/SUAS - Norma Operacional Básica de Recursos Humanos PAIF - Programa de Atenção Integral à Família PBF – Programa Bolsa Família PEF - Projeto Estação Família PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil PGRM – Programa Geral de Renda Mínima PIB – Produto Interno Bruto PNAS – Política Nacional da Assistência Social PSB – Proteção Social Básica PSE – Proteção Social Especial SCFV - Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos SINPAS - Sistema Nacional de Assistência e Previdência Social STDS – Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social SUAS – Sistema Único de Assistência Social SUS – Sistema Único de Saúde UNICEF - Fundo das Nações Unidas para á Infância SUMÁRIO LISTA DE SIGLAS........................................................................................... 10 INTRODUÇÃO.................................................................................................. 13 CAPITULO I - A POBREZA COMO UMA DAS EXPRESSÕES DA QUESTÃO SOCIAL: A REALIDADE BRASILEIRA 1.1 As expressões da Questão Social no Brasil............................................... 16 1.2 Debate teórico-conceitual acerca da pobreza no Brasil............................. 26 1.3 As trajetórias da pobreza brasileira............................................................. 35 CAPITULO II – OS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA E A REALIDADE DAS MULHERES NO BRASIL: INTERFACES DA REALIDADE 2.1 A política de proteção social e a assistência social no Brasil..................... 47 2.2 Os caminhos dos Programas de Transferência de Renda e a emergência do Programa Bolsa Família.............................................................................. 53 2.3 A centralidade da família no Programa Bolsa Família................................ 63 2.4 As mulheres no Programa Bolsa Família: um olhar a partir da perspectiva de gênero.................................................................................................... 72 CAPITULO III – AS MULHERES CHEFES DE FAMILIAS QUE PARTICIPAM DO PROJETO ESTAÇÃO FAMÍLIA EM CAPISTRANO/CE 3.1. Trajetórias metodológicas da pesquisa..................................................... 78 3.2. Objeto e o Lugar da Pesquisa: o Projeto Estação Família em Capistrano .......................................................................................................................... 82 3.3. Os sujeitos da pesquisa: mulheres chefes de família .............................. 85 3.4. A relação entre as mulheres chefes de família e o Projeto Estação Família: transformações e permanências?..................................................................... 88 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 96 REFERÊNCIAS ............................................................................................... 99 ANEXOS......................................................................................................... 106 13 INTRODUÇÃO O presente estudo tem como objetivo, analisar as contribuições dos projetos de combate à pobreza na vida das mulheres. O campo da pesquisa foi o Projeto Estação Família – PEF no município de Capistrano-CE, sendo os sujeitos da pesquisa, mulheres chefes de família atendidas por este Projeto e pelo Programa Bolsa Família – PBF. O interesse pelo assunto surgiu durante o quarto semestre (2011.1) de minha vida acadêmica, mais especificamente na disciplina de Políticas Sociais Setoriais, momento em que me aproximei um pouco mais da Política de Assistência Social. Nesse sentido, optei em falar dos programas de enfretamento a pobreza numa perspectiva que o PBF e o PEF. O primeiro por se tratar de um dos programas do governo de maior abrangência e o segundo pela dimensão de inclusão produtiva atribuída ao projeto, sendo esta uma estratégia predominante do Estado no combate à pobreza. Em um mês de experiência de estágio no Centro de Referência da Assistência Social - CRAS do município de Capistrano, tive um pouco de contato com o Projeto Estação Família, ainda em fase de planejamento. A opção por um grupo de inclusão produtiva para delimitação deste tema, também se deu por inquietações pessoais, em perceber e compreender essas ações como pontuais, considerando importantes discussões acerca do assunto. Dessa forma busco compreender quais as contribuições do Projeto Estação Família na vida das mulheres chefes de família. A pesquisa contribuirá para a construção de um debate acerca das mudanças sociais e políticas ocorridas na sociedade, considerando as possibilidades de contribuição do Serviço Social na reflexão critica dos processos sociais que perpassam a realidade de sua inserção. Pressupõem se também que o Assistente Social deva estar cotidianamente refletindo criticamente sobre os impactos de suas ações na vida dos usuários. Gostaria que os resultados desse estudo tornassem-se importantes e necessários para que as gestões possam visualizar, mesmo que em pequena 14 escala, os impactos que as políticas públicas têm na vida das pessoas, identificando os pontos que precisam ser melhorados e visando ampliar a qualidade de vida da população. As categorias centrais desse debate são pobreza, transferência de renda, família e gênero. Estas servem de embasamento teórico para compreensão da realidade das mulheres atendidas pelo PEF, que é permeada de contradições. Desenvolvo, em cada capítulo, categorias e conceitos teóricos intercalando com as falas das mulheres participantes do Projeto Estação Família e chefes de família do município de Capistrano. Com o intuito de preservar a identidade e garantir o anonimato dessas mulheres, através de suas narrativas, substitui seus nomes verdadeiros por nomes de flores. Nesse sentido, no capitulo I, intitulado: A Pobreza como uma das Expressões da Questão Social: a Realidade Brasileira traz uma discussão inicialmente sobre as expressões da questão social no Brasil, enquanto resultante da exploração gerada pelo modo capitalista de produzir, em seguida faz-se uma reflexão do debate teórico e conceitual da pobreza e por fim retrata se as trajetórias da pobreza na sociedade brasileira, sempre entendendo esta enquanto uma das expressões da questão social. Nesse capitulo trago também o entendimento de pobreza das mulheres entrevistas e o reconhecimento e não reconhecimento desta enquanto pessoas pobres. No capitulo II: Os Programas de Transferência de Renda e a Realidade das Mulheres no Brasil: Interfaces da Realidade, abordo o desenvolvimento das políticas de Proteção Social no Brasil até a consolidação do PBF. Destaco o significado e as mudanças que o Programa Bolsa Família trouxe para a vida das mulheres, a partir das falas das entrevistadas. Em seguida retrato as mudanças nas configurações da família, bem como o lugar reservado as mulheres historicamente, numa perspectiva de gênero. O capitulo III, cujo titulo é: As Mulheres Chefes de Famílias que Participam do Projeto Estação Família em Capistrano/CE, retrata inicialmente o percurso metodológico da pesquisa, tentando explicitar a aproximação com o objeto de estudo. Em seguida apresento o município de Capistrano e o Projeto Estação Família, em forma descritiva. Posteriormente faço considerações algumas questões sobre as mulheres chefes de famílias, caracterizo no geral 15 as mulheres participantes do Projeto Estação Família e apresento as seis mulheres que se constituíram em principais interlocutoras desta pesquisa. Por fim faço algumas reflexões sobre a relação das mulheres com o PEF, enfatizando as mudanças e continuidades desse processo. Nas considerações finais, tento realizar sínteses das questões expostas, destacando que essa foi uma tarefa árdua. As inúmeras questões percebidas durante este trabalho apontam alguns desafios contemporâneos para os operadores das políticas públicas, para os estudiosos do tema, e para toda sociedade. 16 CAPITULO I - A POBREZA COMO UMA DAS EXPRESSÕES DA QUESTÃO SOCIAL: A REALIDADE BRASILEIRA Neste primeiro capitulo trataremos da categoria pobreza, como uma expressão das múltiplas faces da questão social. O mesmo divide-se em três tópicos. O primeiro trata das expressões da questão social no Brasil, o qual explanaremos acerca do desenvolvimento da questão social na sociedade brasileira, destacando os principais elementos deste processo. No item 1.2 realizaremos um debate teórico-conceitual acerca da pobreza. Aqui destacaremos as diversas concepções que norteiam o entendimento deste fenômeno. Por fim, o terceiro ponto trará reflexões sobre os percursos da pobreza na sociedade brasileira, sendo esta um fenômeno multidimensional, que no decorrer da história assume novas formas e roupagens. 1.1 EXPRESSÕES DA QUESTÃO SOCIAL NO BRASIL As primeiras reflexões acerca da questão social surgem durante o século XIX, sendo utilizada para referir-se a fenômenos relacionados ao pauperismo. Assim, entendemos a questão social como fenômeno inerente ao desenvolvimento da base urbano-industrial capitalista. Como afirma Santos, “compreender a “questão social” como expressão das desigualdades sociais oriundas do modo de produção capitalista é uma clara inflexão nos fundamentos do debate instaurado pelas ciências sociais “(SANTOS, 2008, p. 28). Ao considerarmos a sociedade ocidental, cujo modo de produção predominante é o capitalista, percebemos uma acentuada divisão no processo de trabalho entre, os detentores dos meios de produção e os trabalhadores que vendem sua força de trabalho que passa a ser explorada. O processo de exploração da força de trabalho desencadeia-se mediante a apropriação da riqueza produzida coletivamente por um grupo minoritário da sociedade – a burguesia. Como afirmam Netto e Braz “Assim, parte da produção não pode ser consumida pelos membros da sociedade, mas deve ser retransformada em meios de produção (...)” (BRAZ; NETTO, 2006, p.124). E é justamente aí que se encontra o segredo da produção capitalista: o capitalista paga ao trabalhador o equivalente ao valor de troca 17 da sua força de trabalho e não o valor criado por ela na sua utilização (uso) – e este último é maior que o primeiro. O capitalista compra a força de trabalho pelo seu valor de troca e se apropria de todo o seu valor de uso. (BRAZ; NETTO, 2006, p. 100). A exploração da força de trabalho do proletariado pela burguesia, se expressa inicialmente na constituição da mais valia, que tem por principio básico elevar o valor da produção em relação ao pago pelo dispêndio da mão de obra e viabilizar o funcionamento da força de trabalho por mais tempo que o necessário, ou seja, a força de trabalho produz mais valor do que o necessário para sua reprodução, através do tempo de trabalho excedente que é apropriado pelo capitalista. Nesse contexto, existem dois tipos de mais valia, a absoluta e a relativa; sendo a primeira expressa no prolongamento da jornada de trabalho sem o aumento da remuneração e, a segunda na otimização do trabalho por meio do incremento tecnológico e das conquistas cientificas , fazendo com que a produção se eleve sem reposição no salário. Nesse sentido o lucro gerado pela mais valia é utilizado para aumentar a escala de produção, nesse processo se sustenta a acumulação, a produção e reprodução do sistema capitalista, havendo uma subsunção do trabalho ao capital. Os impactos da acumulação capitalista na vida dos trabalhadores podem se expressar primeiramente na formação do chamado exército industrial de reserva, sendo este elemento constitutivo da dinâmica do capital. O exército industrial de reserva constituí-se por um enorme contingente de trabalhadores que não conseguem se inserir no mercado de trabalho, transformando-se assim em superpopulação relativa/sobrante. E esta “reserva” de força de trabalho é a principal responsável pelos baixos salários ofertados aos trabalhadores ativos pelos capitalistas. Nesse sentido afirmam Netto e Braz, “Assim, se esse exército industrial de reserva inicialmente resulta da acumulação capitalista, torna-se em seguida indispensável ao prosseguimento dela; por isso mesmo, constitui um componente ineliminável da dinâmica capitalista” (BRAZ; NETTO, 2006, p.135). Ainda de acordo com Netto e Braz (2006) apud Marx (1984), a superpopulação relativa se desdobra em três principais expressões: a flutuante, 18 que representa a oscilação na inserção no mercado de trabalho, a latente, que se concentram nas regiões rurais e com o desenvolvimento de relações capitalistas e os surgimentos das oportunidades migram para os centros urbanos, e a terceira expressão é a estagnada, composta por trabalhadores que jamais se inserem fixamente no mercado de trabalho. Na base dessa pirâmide encontram-se os trabalhadores que vivem no pauperismo, que estão aptos para o mercado, mas não conseguem emprego a tempos, sendo estes o “lupemproletariado”. O pauperismo é a consequência fatal do sistema capitalista – O pauperismo é o quartel dos inválidos no exército de trabalho. A sua produção está compreendida na do excesso relativo da população, na sua necessidade deste, e forma com ele uma condição de existência da riqueza capitalista. (BRAZ; NETTO, 2008, p.208). Assim entende-se; o contingente populacional da reserva que sustenta a acumulação da riqueza capitalista é a mesma população que se encontra em “estado de degradação”, sendo esta a expressão da lei geral do capitalismo. Nesse sentido quanto mais riqueza produzida, maior será o número da superpopulação sobrante (os pobres) ou nas palavras de Marx “(...) acumulação de riqueza por um lado significa acumulação igual de pobreza (...)” (BRAZ; NETTO, 2008, p.208). Já para Robert Castel a questão social “é uma aporia fundamental sobre a qual uma sociedade experimenta o enigma de sua coesão e tenta conjurar o risco de sua fratura” (CASTEL, 2010, p. 30). Desse modo, a sociedade liberal encontra-se ameaçada pelas tensões advindas da industrialização exacerbada. O autor citado destaca a sociedade salarial, como principal responsável pelo acesso dos trabalhadores aos direitos básicos de sobrevivência, como habitação, alimentação, saúde, educação, lazer e a participação no meio social, mesmo que de forma inferior em relação à burguesia. Entende a sociedade como o lugar onde a população é majoritariamente assalariada e que tem sua identidade diretamente relacionada à posição que ocupam no salariado, sendo a degradação desta realidade responsável pelo surgimento da questão social, pois sem o acesso ao salário, 19 os trabalhadores passam a ocupar o lugar de dessocialização na sociedade industrial. Castel (2010) ainda considera que as transformações societárias ocorridas nos anos 1970 trazem à tona o surgimento de uma “nova” questão social, expressa no aprofundamento do desemprego e na precarização do trabalho. A desestabilização gerada pela reestruturação do capital contribui fortemente para o aprofundamento da vulnerabilidade social. O autor entende, que a questão agora seria a precarização e não o pauperismo, enfatizando que se a precarização e fragilidade do trabalho e das relações sociais, respectivamente, não foram freadas, a coesão social estará em estado de risco. O autor utiliza o termo desfiliação, pois, constitui-se como o percurso, relacionado aos déficits de trajetória dos indivíduos. O autor francês parte do princípio que existe um elo entre incorporação por meio do trabalho e envolvimento na vida social, sendo esses dois eixos recortados por quatro zonas: 1) integração representada pelo trabalho; 2) vulnerabilidade expressa na precariedade do trabalho; 3) desfiliação que trata da ausência de trabalho e 4) assistência entendida como o não acesso ao trabalho. O equilíbrio entre essas zonas determinam o nível de coesão, porém a zona de vulnerabilidade ganha destaque indicando a degradação da sociedade salarial. A consequência desse fato pode ser expressa na crescente pobreza, desproteção social e baixo nível nas condições de trabalho. Essas são as demarcações do surgimento de uma ”nova” questão social, expressa pelo autor. Em oposição à ideia acima citada, autores de base marxista defendem que não experimentamos uma “nova” questão social, apenas o fenômeno vai ganhando novas roupagens e atingindo novas proporções, concomitante às transformações e ao aprofundamento do sistema capitalista. Como destacam Netto e Braz (2010), Ora, a “questão social” é determinada por essa lei; tal “questão”, obviamente, ganha novas dimensões e expressões á medida que avança a acumulação e o próprio capitalismo experimenta mudanças. 20 Mas ela é insuprimível nos marcos da sociedade onde domina o 1 MPC . “Imaginar a “solução” da “questão social” mantendo-se e reproduzindo-se o MPC é o mesmo que imaginar que o MPC pode se manter e se reproduzir sem a acumulação capitalista” (BRAZ; NETTO, 2010, p.139). Nessa perspectiva, entendemos a questão social e suas múltiplas expressões, como oriundas da relação de exploração estabelecida dentro do sistema capitalista. A partir daqui, explanaremos brevemente as particularidades da consolidação do capitalismo e consequentemente o aparecimento da questão social no contexto brasileiro. De acordo com Iamamoto (2008), A revolução burguesa no País nasce marcada com o selo do mundo rural, sendo a classe dos proprietários de terra um de seus protagonistas. Foi a agricultura que viabilizou historicamente a acumulação de capital de âmbito do comercio e da industria. Aos fazendeiros, juntaram-se os imigrantes que vinham cobrir as necessidades de suprimento de mão-de-obra no campo e na cidade. Uma vez desfeitas as ilusões do enriquecimento rápido e do sonho de retorno ás regiões de origem, os imigrantes deslocam-se do meio rural, mas levam consigo as concepções rurais de organização de vida. Assim, as origens e o desenvolvimento da revolução burguesa explicam a persistência e tenacidade de um horizonte que colide com as formas de concepção do mundo e organização de vida inerentes á uma sociedade capitalista (...) (IAMAMOTO, 2008, p. 136). No Brasil, tem-se o desenvolvimento de uma modernização conservadora, reatualizando traços do patrimonialismo e colonialismo, transformados com as novas marcas da “soberania financeira”, no contexto de ploriferação do capital no mundo moderno. Desse modo, a nova realidade socioeconômica do país é construída por intermédio dos processos arcaicos e conservadores. A inclusão brasileira na divisão internacional do trabalho, tida como uma economia considerada emergente no mercado mundial, leva as marcas históricas de sua construção social, transmitindo particularidades na forma de organização da produção, nas relações entre Estado e sociedade civil e no desenvolvimento da realidade político cultural. De acordo com Iamamoto (2008), os elementos citados, 1 Modo de Produção Capitalista 21 Imprimem um ritmo particular ao processo de mudanças em que tanto o novo quanto o velho alteram-se em direções contrapostas: a modernidade das forças produtivas do trabalho social convive com padrões retrógrados nas relações no trabalho, radicalizando a questão social (IAMAMOTO, 2008, p. 129). A modernidade no país surge como desdobramento do “velho”. Essa premissa torna-se explicativa, para as relações conservadoras e submissas que marcam setores avançados da economia brasileira. A evolução do maquinário e as tecnologias de ponta convergem com a precarização das relações trabalhistas, com formas arcaicas de exploração, como o trabalho escravo. A passagem do capitalismo concorrencial ao monopolista no Brasil tem características também diferentes das que universalmente marcaram essa transição. O citado processo se deu com a implantação das filiais de grandes empresas multinacionais na economia do país, distribuindo partes da acumulação econômica para o exterior, viabilizando o desenvolvimento do capitalismo monopolista nos países centrais. Somente por volta dos anos 1950 que o Brasil deixa de exercer o papel de subalternidade na economia central e aparece como região econômica dinamizada da periferia. O país transitou da “democracia dos oligarcas” á “democracia do grande capital”, com clara dissociação entre desenvolvimento capitalista e regime político democrático. Esse processo manteve e aprofundou os laços de dependência em relação ao exterior e ocorreu sem uma degradação radical da herança colonial na conformação da estrutura agrária brasileira. Dessa herança permanecem tanto a subordinação da produção agrícola aos interesses exportadores, quanto os componentes não-capitalistas nas relações de produção e nas formas de propriedade, que são redimensionadas e incorporadas á expansão do capital (IAMAMOTO, 2008, p.131). Em síntese, o desenvolvimento monopolista na realidade brasileira, deu-se por uma oposição entre soberania do imperialismo e agudas diferenças no desenvolvimento dos países ditos desenvolvidos, em relação aos países periféricos, como o Brasil. Essa disparidade aprofunda as desigualdades econômicas, sociais e regionais, contribuindo com a concentração de renda, e reconhecimento e poder de determinadas regiões, em nível. O Estado teve papel fundamental nesse processo de “modernização “pelo alto” (IAMAMOTO, 2008, p. 132), à medida que se pressões populares 22 foram evitadas, a fim de preservar a ordem das relações sociais e a subordinação ao capital nacional ao capital internacional. Nesta perspectiva, a grande propriedade foi convertida em empresa agrária e a inserção do capital estrangeiro no Brasil deu visibilidade ao país, enquanto sociedade moderna, urbanizada, mas com estrutura social embaraçosa. Desse modo a exclusão das classes populares e os acordos realizados “pelo alto” pelos grupos financeiros dominantes são fatos que caracterizam o desenvolvimento da sociedade brasileira. A instável história da democracia brasileira foi materializada na hegemonia de instrumentos coercitivos do Estado, para restringir a participação política, enquanto prática de cidadania da classe maioritária da população. Resumindo-se no processo de robustecimento do Estado e de fragilidade da sociedade civil. Segundo Iamamoto, A combinação entre o forte teor conservador no plano político cultural das elites dirigentes e a incorporação ornamental do ideário liberal na defesa de suas atividades econômicas passa pelo caráter particular do liberalismo no Brasil (IAMAMOTO, 2008, p. 137). Desta forma, entendemos que o liberalismo e a democracia, no contexto da sociedade brasileira não se construíram com foco na imagem do cidadão. Ao longo da história política do país, os trabalhadores foram excluídos e dominados pela burguesia. Assim “a constante dessa trajetória tem sido a permanente exclusão dos trabalhadores urbanos e rurais das decisões do Estado e do bloco Contraditoriamente ao de poder processo de (...)” (IAMAMOTO, aniquilamento da 2008, p.139). cidadania dos trabalhadores tem-se a súbita manifestação dos movimentos sociais urbanos e rurais, que são originários a gênese da industrialização. Nesse sentido a crise capitalista dos anos 1970 e explosão do ideário neoliberal, vislumbra-se na fragilização do sindicalismo, como meio para o rebaixamento dos salários, intensificação da competição entre os trabalhadores, imposição da política de ajuste monetário, e a reforma fiscal tendo como objetivo final resguardar os rendimentos do capital visando o lucro. Nas palavras de Iamamoto, “O discurso neoliberal tem a espantosa façanha de atribuir titulo de modernidade ao que há de mais conservador e atrasado na 23 sociedade brasileira: fazer do interesse privado a medida de todas as coisas (...)” (IAMAMOTO, 2008, p.142). Na contemporaneidade, a volatilidade do desenvolvimento e a consequente concentração de renda e multiplicação da pobreza, aprofundam a desigualdade distribuída regionalmente, bem como a distância entre o salário dos trabalhadores e o capital produzido. A tendência inesperada de abertura da economia dos países periféricos, sob orientação das instituições financeiras mundiais, resultou no aumento da taxa de juros, fechamento de empresas nacionais, aprofundamento no déficit da balança comercial e na sólida entrada de capital especulativo. A questão social tem no desemprego um de seus elementos agravantes, sendo a raiz da queda no nível de emprego, a subalternidade da produção em relação aos investimentos de caráter especulativos. No âmbito estrutural da produção são agregados elementos tecnológicos e científicos que estabelecem regressões no que diz respeito aos interesses dos trabalhadores, atendendo apenas aos anseios capitalistas de intensificação da produção e por consequência do lucro, sendo o trabalhador excluído da parte que lhe cabe. Nessa lógica, segundo Iamamoto, “A desregulamentação do capital (...) nutre o aumento das taxas de mais-valia absoluta e relativa, presentes e futuras, que o discurso do capital resume na ”flexibilidade”” (IAMAMOTO, 2008, p.143). Nesse sentindo, o capital reduz os custos de investimento no trabalho (ou seja, no trabalhador), influenciando de forma significativa, na organização do movimento sindical e no rebaixamento dos salários e direitos conquistados. As expressões desta redução de custos do capital para com o trabalho são a polivalência, terceirização e no profundo enxugamento das empresas. Implicando também na intensificação da jornada de trabalho e na precarização dos direitos e condições de trabalho. Dentro desse quadro de mudanças no cenário brasileiro, altera-se também a relação entre Estado e sociedade civil guiada pelo ideário neoliberal, através da expressiva intervenção estatal referenciada a atender interesses 24 privativos do bloco de poder, ou seja, o Estado se reduz ao atendimento das necessidades da majoritária população, por meio do corte nos gastos sociais, resultando em um profundo processo de privatização da coisa pública. Nesse contexto, segundo Iamamoto, a antiga questão social, ganha novas dimensões e expressões. Traduzida no distanciamento entre as relações sociais e o progresso da força de trabalho social, sendo a primeira caracterizada como a mola propulsora da segunda. Os efeitos deste processo são evidenciados na vulgarização da vida humana, na violência obscurecida pelo fetiche do dinheiro e na penetração do capital em todas as dimensões da vida. Entendemos assim, que todo esse contexto não atinge apenas as esferas políticas e econômicas do país, mas também suas condições de sociabilidade. Como afirma Iamamoto, As configurações assumidas pela questão social integram tanto determinantes históricos objetivos que condicionam a vida dos indivíduos sociais, quanto dimensões subjetivas, fruto da ação dos sujeitos na construção da historia (IAMAMOTO, 2008, p. 156). Na atualidade a questão social passa por um processo de criminalização, voltando discursos conservadores de classes perigosas e não mais, a classe de trabalhadores vulneráveis a repressão e extinção. Cria-se um processo de naturalização da questão social acompanhado da transformação desta em objeto de intervenções estatais, por meio de programas de enfrentamento á pobreza. Iamamoto (2008) alerta para duas armadilhas que rodeiam a análise da questão social; Primeiro, corre-se o risco de reduzir as múltiplas expressões deste fenômeno em fragmentos, culpabilizando o indivíduo e sua família pelas adversidades vivenciadas, esquecendo-se da dimensão coletiva e de classe imbricadas nesse processo. A segunda armadilha trata do discurso generalista e vago da questão social, esquecendo das particularidades históricas imbricadas no fenômeno. Diante dessa breve contextualização histórica da questão social a partir das particularidades da formação social brasileira, abordaremos agora aspectos desse tema no Brasil contemporâneo, pontuando elementos 25 singulares da “era” Lula. Consideramos, portanto, que novos fatos históricos imprimem mudanças nas configurações da questão social no cenário brasileiro atual, em meio à conjuntura mundial de expansão do capital. Os aspectos da questão social relacionados especificamente a denominação por Santos (2012) da “era” Lula, refere-se a esfera do mercado de trabalho, no que diz respeito à elevação do emprego formal e queda do desemprego. Segundo a autora, esse quadro não modifica a base de exploração do trabalho no Brasil, contrariamente precariza a proteção social, acrescenta ainda que, No Brasil contemporâneo, onde as taxas de desemprego caíram em todas as pesquisas sobre o tema (...) e a economia foi alçada ao sexto lugar no ranking dos países capitalistas, são recorrentes as análises cada vez mais otimistas sobre a “queda” da desigualdade social medida por meio da redução do número de famílias em situação de extrema pobreza (SANTOS, 2012, p. 440). Santos (2012) explicita que a elevação no número de pessoas no mercado formal de trabalho, não expressa precisamente queda nos níveis de desigualdade, já que a taxa de desemprego continua elevada nas classes de baixa renda. Nesse sentido, o processo de pauperização continua acentuado, embora o desemprego tenha decaído, sendo enfrentado especialmente através da Política de Assistência Social, com ênfase na transferência de renda. A autora ainda acrescenta que o setor mais atingindo com o aumento das contratações formais foi o terciário, que apresenta baixos índices de qualidade nas condições de trabalho e elevada rotatividade. “Ou seja, são trabalhadores mal remunerados, expostos a riscos sociais no trabalho sem a devida proteção social e, sobretudo, desorganizados, sem identidade sindical” (SANTOS, 2012, p.442). Considerando assim que por mais que as taxas do emprego formal tenham se elevado e tenha se identificado uma certa mobilidade social, vislumbrando ascensão voltada para o consumo e para “nova classe média”, não se observa alterações estruturais no processo de exploração da mão-deobra do trabalhador brasileiro. Entendemos este fato relacionado à contínua manutenção do sistema capitalista. 26 Assim cabe ao profissional de Serviço Social apreender as várias expressões das desigualdades que se apresentam na atualidade, bem como criar mecanismos que modifiquem a ordem posta. Consideramos, portanto, que seu exercício profissional se materializa mediante a contradição de atendermos as necessidades dos trabalhadores em face à restrição dos recursos voltados para as políticas sociais. Essa discussão acerca da questão social tem sido importante para o entendimento do fenômeno da pobreza a ser discutida posteriormente. 1.2 DEBATE TEÓRICO-CONCEITUAL ACERCA DA POBREZA NO BRASIL Iniciaremos o debate teórico da pobreza discutindo alguns fundamentos utilizados para explicação deste fenômeno que é histórico em nossa sociedade. Ressaltamos que a pobreza é uma categoria que tem sido percebida, a partir de juízos de valor. Segundo Ozanira (2002) apud Altimir (1981), os sistemas valorativos que servem de base para o entendimento da pobreza são dois: o conservador e igualitarista participativo. O primeiro traz uma compreensão da pobreza como um aglomerado de imperfeições recorrentes de determinado modelo de crescimento de um país e do sistema socioeconômico por ele adotado. Nessa concepção, a pobreza é vista como carência de bens materiais, requerendo políticas focadas no enfrentamento deste fenômeno. Desconsidera ainda a exclusão de grande contingente da população de usufruir os bens e a riqueza produzidos socialmente. Já o sistema valorativo igualitarista participativo, segundo o autor (1981), traz como eixo central a satisfação das necessidades humanas, materiais, psicológicas e políticas; compreendendo pobreza como um complexo interligado de privações das necessidades básicas. Nesse sentido, esse sistema propõe mudanças no processo de desenvolvimento, de forma que atendam as necessidades humanas. 27 Na perspectiva desses dois sistemas valorativos – conservador e igualitarista participativo –, classificam-se quatro grupos que trazem diferentes concepções de abordagens para a categoria pobreza: culturalista, estruturais, liberais/neoliberais e multidimensional relativo. A abordagem culturalista enfoca a pobreza, a partir do pobre, esta categoria passa a ser vista como fenômeno endógeno. Nesse sentido, as explicações ganham caráter subjetivo, mesmo em alguns momentos sendo identificadas causas objetivas, as explicações são carregadas de juízos de valor. Aqui, o pobre é considerado o responsável pela reprodução de sua condição, em virtude de suas atitudes, ações e origens. Como podemos observar nas falas de duas entrevistadas, A pobreza no meu modo de ver, é porque, as veze, nem todo mundo tem atitude né, é por conta de atitude, eu acho que a pobreza tá mais por conta de atitude de cada um. Porque as veze a pessoa tem e não sabe utilizar o que tem né (Camélia). Pobreza é preguiça pra mim, é preguiça mesmo. A pessoa não ter coragem de buscar as coisas, pra mim é preguiça mesmo. Num existe emprego bom pra todas as pessoas, mas têm as coisas que a gente pode fazer enquanto aparece. Pobreza mais é preguiça, comodismo mesmo também (Dália). A partir desses relatos, remetemo-nos ao conceito de subcultura da pobreza. Segundo Ozanira (2002) apud Lewis (1951, 1983), este conceito é caracterizado como o modo de vida herdado de forma geracional, ultrapassando as diferenças regionais, rurais, urbanas e nacionais. Para o citado autor, a ausência de inserção do pobre nas importantes organizações políticas da sociedade é a característica central da reprodução da condição de vida, sendo esta subcultura nada mais que a adequação e reação do pobre à sua realidade vulnerável, posição esta que tende a ser geracional, considerando a influência socializadora sob as crianças. A abordagem culturalista serviu de justificativa para utilização de políticas punitivas de enfrentamento a pobreza durante a década de 1970. A abordagem estrutural enfatiza fatores objetivos para explicação da pobreza, se opondo à ideia de uma cultura que elucide a reprodução deste fenômeno por fatores subjetivos. O comportamento do pobre é tido como efeito e não motivação da situação vivenciada, destacando ainda que o pobre é 28 rejeitado parcial ou definitivamente do mercado e das instituições oficiais por conta da fragilidade de renda, poder, instrução, levando-o a uma exclusão social. Essa abordagem se fundamenta no marxismo, tendo como premissa básica que a exploração é inerente ao capitalismo, fundada na divisão entre os trabalhadores e os donos dos meios de produção, surgindo assim a possibilidade de se extrair mais valia, sendo este o fator gerador da concentração de renda. Destarte Ozanira (2002) destaca, (...) a superação da pobreza implica necessariamente na superação dos marcos da sociedade capitalista o que implica num processo revolucionário para estabelecimento de uma sociedade sem classe, portanto, sem exploração. (OZANIRA, 2002, p. 17). A terceira abordagem denomina-se de abordagem liberal. Esta tem assumido diferentes correntes, dentre as quais, ortodoxas, neoclássica, economista contratualista e dualista e liberalismo radical e social. Nas análises ortodoxas, o pobre é tido como individuo com renda inferior a que lhe garanta possibilidades de inclusão no meio social/coletivo, tendo o mercado como ponto central para satisfação das necessidades humanas. A corrente neoclássica propõe que o capital seja empregado no enfrentamento da pobreza, especialmente nas áreas de saúde e educação. A vertente econômica contratualista dualista, explica a pobreza por uma lógica do mercado de trabalho dividido em dois eixos, um do trabalho integral e o outro trabalho precarizado, tendo este uma essência intervencionista. Já os contratualistas radicais entendem que exploração inerente ao sistema capitalista é a principal causa da pobreza, sendo sua essência radical. A via liberal concede ao mercado função de destaque nas determinações das relações sociais, compreende ainda como papel primordial do Estado, a retificação de determinados resultados do mercado, considerando ainda que concomitante ao crescimento econômico se alcançará a superação da pobreza, explicando as disparidades de renda dos indivíduos pelas distinções do esforço de cada indivíduo. No debate liberal, temos ainda a perspectiva neoliberal que trata de uma ideologia reprodutora de conceitos do liberalismo, expressando, contudo, 29 de forma mais acentuada o conservadorismo político. É marcante no neoliberalismo, a minimização do Estado e a prioridade do mercado. Essa matriz aponta como referência para as ações do Estado, os programas assistenciais, com foco na pobreza. Conforme Ozanira (2002), (...) a matriz liberal-neoliberal propõe cortes no gasto social, com desativação dos programas sociais públicos, devendo o Estado restringir sua ação social a programas assistenciais, focalizados na pobreza, em complementação ás ações da comunidade. A satisfação de necessidades econômicas e sociais deve, por conseguinte, ser buscada no mercado livre (OZANIRA, 2002, p. 21). A última abordagem trata a pobreza, como um fenômeno multidimensional e relativo, ou seja, considera na análise desse fenômeno o espaço e o momento histórico de seu desenvolvimento, pois, Cada vez mais é descartada a ideia de que os pobres formam um grupo homogêneo e com fronteiras bem delimitadas, descartando-se as categorizações que são sempre arbitrarias, sem sustentação na realidade empírica (OZANIRA, 2002, p. 24). A abordagem citada acima é a que entendemos como a mais completa para explicação da pobreza, à medida que permite a compreensão de todo o contexto em que o pobre estar inserido, e os determinantes que influenciam sua condição de reprodução. De acordo com Ozanira (2002) apud Salama; Valier (1994), alguns termos, muitas vezes, são utilizados para fazer referência à pobreza. Segundo os autores existem diferenças entre os termos empobrecimento e pobreza, sendo esta uma condição de reprodução social e aquele uma condição de vida. A autora traz ainda a distinção entre pobreza, desigualdade e exclusão social. A primeira trata de privações especialmente materiais e financeiras. Já a desigualdade é uma posição de desvantagem em relação à riqueza socialmente produzida e a exclusão social é um fenômeno tradicional presente em todas as sociedades modernas que produzem o enriquecimento de uns e a exclusão de outros. A pobreza, para a autora (2002), é a maior expressão de desigualdade na contemporaneidade, à medida que a exclusão mais visível está no campo econômico. Contudo, verifica-se implicações da pobreza no 30 campo político, materializando-se na ausência de direitos e, portanto, na negação da cidadania. Conforme exposto, a discussão da pobreza tem trazido à tona diversas tipologias e significados para este fenômeno, como segue. Conforme Ozanira (2002) podem ser destacados os seguintes termos: Pobreza absoluta: renda insuficiente para obtenção de bens essenciais a sobrevivência humana; Pobreza relativa: renda inferior à representada média de determinada população; Pobreza objetiva: essa concepção se refere a recursos concretos da população pobre, a ausência de renda e consumo; Pobreza subjetiva: significa captar como o fenômeno é percebido pelos os pobres e pela sociedade; Pobreza estrutural: representada por aqueles que, ao longo da vida, sobrevivem com renda que atendem suas necessidades; Pobreza conjuntural: representada por pessoas que por determinadas circunstancias tiveram sua renda rebaixada. Segundo a economista Sônia Rocha (2005), compreende-se pobreza enquanto fenômeno que possui vários sentidos, podendo ser conceituado de forma genérica como a situação em que as necessidades básicas de sobrevivência não são atendidas. Nesta perspectiva, torna-se necessário especificar quais necessidades são consideradas básicas, que para a autora podem ser entendidas de acordo com o nível de vida de cada sociedade. Ainda de acordo com Rocha (2005), temos duas subcategorias deste fenômeno, sendo uma absoluta e a outra relativa. A pobreza absoluta trata das questões relacionadas à sobrevivência física e a não satisfação de necessidades vitais. Já a pobreza relativa se insere dentro de uma perspectiva 31 das necessidades a serem satisfeitas de acordo com o modo de vida de cada sociedade. De acordo com Pereira (2008), as necessidades básicas são consideradas como primordiais para manutenção da vida, à medida que servem de pilares para sustentar as outras dimensões da existência humana e expressam condições básicas para o exercício da cidadania. Desse modo, a compreensão de pobreza, especialmente relacionada à economia, está vinculada ao critério da renda. Nesta perspectiva, é estabelecido um valor tomado como necessário para atender as necessidades de uma pessoa dentro de determinada população. Assim, pobres são aqueles com renda se situando abaixo do valor estabelecido como linha de pobreza, incapazes, portanto, de atender ao conjunto de necessidades consideradas mínimas naquela sociedade. Indigentes, um subconjunto dos pobres, são aqueles cuja renda é inferior á necessária para atender apenas as necessidades nutricionais (ROCHA, 2005, p.13). No entanto, esta compreensão não contempla todos os fatores que envolvem a noção deste fenômeno que é multidimensional. Para Yasbek (2009) pobreza pode ser entendida em duas perspectivas, sendo uma econômica que se caracteriza pela carência de bens materiais e, a outra política, que se materializa no não acesso aos direitos. Nesse sentido, condições de habitação, saneamento básico, saúde e educação também influenciam na caracterização de pobreza. Assim, entendemos ser emergente a intervenção estatal, através de políticas sociais que elevem as condições citadas acima, para melhoria de vida população, deixando de tratar a pobreza, apenas com carência material e de renda. Demo (2006) traz outra contribuição para compreendemos esta expressão da questão social, também denominada de pobreza política que pode ser entendida como “a repressão do acesso a oportunidades disponíveis em cada sociedade” (DEMO, 2008, p. 30). Segundo o autor, a dinâmica dos pobres não se resume à coibição do ter, mas também do ser, ou seja, não se tem a consciência de que a riqueza do seu superior também lhe cabe, à medida que esta riqueza é produzida socialmente, porém se concentra nas mãos dos donos dos meios de produção. 32 Osterne (2001) apresenta uma compreensão de pobreza, como um fenômeno inerente a uma sociedade que tem como base de suas relações a exploração de uma classe sob outra. “Dessa forma, a pobreza é algo que não pode ser pensando fora dos limites da estrutura de poder e suas consequentes desigualdades” (OSTERNE, 2001, p. 101). Segundo Ugá (2004) a concepção de pobreza para o Banco Mundial que norteia as intervenções atuais de combate à pobreza, baseia-se na ausência de capacidades dos indivíduos, resultando no achatamento da possibilidade dos sujeitos de auferir renda. Nesse sentido são propostas como forma de combate à pobreza, o desenvolvimento de políticas sociais que ampliem as capacidades dos pobres, exemplo disso são os programas de microcrédito, as oficinas de inclusão produtiva, os programas de alfabetização, dentre outros. Salientamos que nas falas abaixo, as entrevistadas quando tratam do entendimento sobre pobreza, em nenhum momento citam a dimensão política do tema no tocante à ausência de direitos. Os relatos referem-se à pobreza como carência de bens materiais, especialmente de alimentação, além de em algumas falas relacionarem a pobreza a características vinculadas ao caráter e à personalidade dos indivíduos. Pobreza... (silêncio longo) Não, eu acho que pobreza, tem pobreza de varias, tem gente que é pobe de alma, é pobe de espírito, tem gente que é pode de bolso né? (risos). Então assim ser pode de bolso é num ter, num ter, o seu, as suas três refeições diárias, num ter como paga suas conta, fica dependendo de pedir favor de um e outro que vá pagar, né. E (silêncio curto) eu acho que pobe de alma é quem veve sempre de cara fea, num acha graça (risos). E eu até das coisa ruim que acontecer, eu to rindo, vai passar (Açucena – Grifos meus). Pobreza pra mim é quando você entra numa casa e vê que num tem nada né, pra cumer, pra dá os fie, pra você cume também (Flor de Lis – Grifos meus). Pobreza pra mim, eu acho que num é nem a falta de dinheiro, a pobreza pra mim é a pessoa ruim, eu acho uma pessoa pobre porque é pobre de espírito entendeu. A pobreza pra mim é a pessoa pobre de espírito (Gardênia – Grifos meu). Destacamos ainda o não reconhecimento dessas mulheres, como pobres, como observamos a seguir, Não. Hun, hun. Não. Ai porque, eu num, eu num tem dinheiro pra lhe emprestar (risos). Mas todo dia eu merendo, eu almoço, eu janto, eu 33 pago minhas conta eu to rindo de tudo, se eu levar uma topada eu acho graça, então pra mim eu tou muito é rica (risos) (Açucena). Não, eu me considero uma pessoa rica das graças de Deus, apesar de ter a vida pra se manter mais ou menos, eu ainda acho sim, que eu sou rica da graça de Deus (um leve sorriso). Eu agradeço todo dia a Deus tudo o que eu tenho (Camélia – Grifos meus). Não, assim num é pobre em último grau, porque eu tenho coragem de batalhar, de ir atrás das coisas que eu tenho vontade e não choro, não fico me lastimando, vou atrás das coisas (Dália – Grifos meus). Não, porque tem gente bem mais pobre do que eu. Eu me sinto mais ou menos, financeiramente assim, eu já não passo fome, já recebo esse beneficio, eu não me sinto pobre não (Gardênia – Grifos meus) Ressaltamos que duas das entrevistadas se reconheceram como pobres. Contudo, não percebem a pobreza, a partir de uma dimensão de classe e vinculada às desigualdades sociais. Eu ah, só pobe né porque eu num vou dize que eu sou rica, que eu num sou, sou pobe mesmo, mais ta bom, pobe ta bom demais (risos). Ser pobe num é muito bom não, mas se é pra ser, fazer o que (risos). E ser rico, ser mais ou menos assim, pra num ajuda os pobe também, é melhor fica logo pobe mermo (risos) (Amarílis – Grifos meus). Com certeza - se refere que é pobre (risos), por que assim as veize a gente quer cumer uma coisinha melhor. Por exemplo né final de mês que é coisa mais apertada que tem né, a gente procura uma coisa pra dá de cume o fie da gente, não tem ta entendendo, ai a gente é obrigado a compra fiado pra num ver o fie da gente morre de fome (Flor de Lis). Salientamos que ao longo das falas expressam-se nesses depoimentos, sinais de alienação e conformismo, aos quais essas mulheres e grande parcela da sociedade estão submetidas. Percebemos aqui, o conceito de pobreza política, explicitado anteriormente nas palavras de Demo (2008), a qual ressalta que a falta de consciência de que a riqueza da classe burguesa também cabe aos trabalhadores. Atualmente, existe um debate acerca do conceito de nova pobreza, que se refere a uma casualidade de determinada população na participação da vida econômica, pela falta de um salário regular, dificuldade de inserção no mercado de trabalho e incerteza no nível de renda. 34 Ao adentrarmos o campo da nova pobreza, temos o conceito de desqualificação social que permite a compreensão das relações sociais entre os pobres e os serviços de assistência que lhe são prestados. Paugam (2003) estabelece três níveis para a desqualificação social. O primeiro é a fragilidade, uma espécie de estágio inicial, à medida que este nível pode facilmente levar o individuo à dependência, pois a instabilidade profissional incide no achatamento da renda e rebaixamento no atendimento às necessidades de sobrevivência. Essas faltas, porém, são em partes supridas pelos serviços assistenciais. Contudo Paugam (2003) destaca que “o ingresso nas redes de assistência é percebido por eles como uma renúncia a um „verdadeiro‟ status social e como uma perda progressiva da dignidade” (PAUGAM, 2003, p. 35). O segundo nível da desqualificação social é a dependência caracterizada pela freqüência com que os serviços de assistência social são acessados pela população na busca de amenização das dificuldades. De acordo com o autor citado, grande parte da população que chega a esse nível abstém-se do mercado de trabalho, como destaca Paugam (2003) Enquanto consideram a possibilidade de encontrar um emprego adotarão uma atitude de distância em relação aos agentes encarregados de ajudá-los. Após muitas tentativas, que se revelam inúteis, e mesmo de ter seguido sem sucesso vários estágios de formação, essas pessoas constatam que sua esperança de se inserir verdadeiramente no mundo do trabalho é diminuta (PAUGAM, 2003, p.37-38). Como último estágio da desqualificação destaca-se a ruptura ou marginalização que é a fase do bloqueio dos “auxílios”, momento em que as pessoas se deparam com dificuldades aglomeradas (financeiras, de saúde, familiar, de habitação e etc.) e, em que muitos indivíduos se refugiam nos vícios. Para Paugam (2003) Trata-se da última fase do processo, produto de uma soma de fracassos que conduzem a uma acentuada marginalização. Não nutrindo mais nenhuma esperança de sair verdadeiramente dessa situação, essas pessoas se sentem inúteis para a sociedade (PAUGAM, 2003, p. 39). Assim, a pobreza não se configura apenas como a carência material, mas também está intimamente ligada a uma posição social desvalorizada que deixa fortes marcas na identidade de quem a vivencia, transformando-se nas 35 sociedades modernas. Segundo Paugam (2003) “(...) o símbolo do fracasso social e frequentemente se traduz na existência humana por uma degradação moral” (PAUGAM, 2003, p. 46). Diante dessas reflexões, entendemos que as abordagens da pobreza, mediante uma perspectiva bibliográfica e histórica, assumiram fundamentos, ora moralizantes, ora individuais e, ainda, se abriu espaço para dimensões macroestruturais do fenômeno. Compreendemos ainda, este conceito extremamente relativo, historicamente determinado e dependente dos padrões estabelecidos em cada sociedade. Não obstante, Ozanira (2002) destaca, Há que se considerar, todavia que apesar da existência de uma ampla bibliografia sobre a pobreza, evidenciando os aspectos acima, uma avaliação dessa literatura mostra que as abordagens teóricas, conceituais e metodológicas desenvolvidas são inadequadas face á dinâmica dos novos fatos que caracterizam a pobreza recente (...) (OZANIRA, 2002, p. 34). Nesse sentindo são necessários estudos baseados em diversas dimensões e abordagens capazes de abarcar as mudanças societárias ocorridas, numa perspectiva de apontar políticas de intervenção frente a realidade posta. Por fim, destacamos que a pobreza só será superada, quando a riqueza socialmente produzida, for igualmente dividida, não havendo favorecimentos da mínima parcela da sociedade, em detrimento de um grande contingente populacional. Os pobres, por sua vez, enfrentam todos os tipos de privações, seja material, econômica, ausência do acesso aos direitos, faltam condições básicas de sobrevivência e por consequência, o não exercício cidadania. 1.3 AS TRAJETÓRIAS DA POBREZA BRASILEIRA A pobreza se configura como uma expressão da Questão Social. No Brasil de acordo com Silva (2008), esta tem suas raízes na escravidão e no patriarcalismo que se fizeram presentes durante todo o processo de formação 36 da sociedade brasileira e se expressam até a atualidade. Dentro desse contexto, a escravidão teve como características marcantes, o trabalho servil e o patriarcalismo que exerceram forte influência nas relações sociais. Até meados do século XIX, a pobreza se configurava através das longas horas de trabalho as quais os escravos eram submetidos, além das precárias condições de moradia e sobrevivência e dos castigos que sofriam. Em 13 de maio de 1888 foi sancionada a Lei N° 3 353. A partir deste momento o trabalho escravo foi proibido no Brasil. Entretanto, não houve uma preocupação por parte do Estado em oferecer possibilidades de integração no mercado de trabalho para os ex-escravos. Assim, estes encontraram dificuldades em conseguir emprego e prover seu sustento, bem como suas condições de vida continuavam precarizadas. Nesse contexto o misto de pobreza e exclusão social, se faziam ainda presente. Essa característica foi fruto da falta de condições de trabalho próprias do regime econômico mesquinho que a colonização implantou, levando o Brasil a ter um aspecto de estagnação; transformando a Colônia em detentora de um padrão econômico que gerou baixo nível de vida e alto nível de pobreza econômica, social, política e cultural (SILVA, 2008, p. 36). A abolição da escravatura no Brasil foi uma construção de determinado grupo social que estava se sentindo prejudicado por aquele sistema, na esfera política e econômica. O abolicionismo também está relacionado ao desenvolvimento geral da economia, à medida que este processo de libertação dos escravos expôs a incongruência da realidade social e econômica brasileira com a modernidade que se estabelecia. Com o advento da República em 1889, se estabeleceu no Brasil um novo desenho político e administrativo, bem como traços de uma modernidade capitalista e industrial, implicando em condições insalubres de trabalho para a maioria da população. Nesse contexto, a pobreza e a miséria passam a se expressar como produto da acumulação capitalista, tendo em vista que a lógica do capital é gerar riquezas por meio da exploração da mão de obra daqueles que só detém sua força de trabalho como forma de sobrevivência. 37 Parafraseando Martinelli (1991) acumular riquezas de um lado, também significa generalizar pobreza e miséria do outro. Até o final da década de 1920, a pobreza era reconhecida e tratada como questão de polícia. Nesse sentido, o indivíduo era culpabilizado pela situação que vivia. Esse período também é marcado pela forte intervenção da igreja e pela compreensão da pobreza como “vontade divina”. No final da década de 1930, Getúlio Vargas assume o poder no Brasil. Seu governo foi marcado por medidas centralizadoras no âmbito da política e da economia. Entre 1930 e 1937 no âmbito econômico não houve grande expressão de incentivo á indústria. A partir de novembro de 1937 o foco da política econômica se voltou para produção interna ao invés da exportação, estabelecendo assim o inicio da indústria de base. Destacamos como aspecto preponderante do governo Vargas, a política trabalhista adotada, que tinha por objetivo principal, controlar os movimentos da classe trabalhadora urbana e cooptá-los ao apoio difuso do governo. De acordo com Fausto (2008), o (...) pai doava beneficios a sua gente e dela tinha o direito de esperar fidelidade e apoio. Os beneficios não eram fantasia. Mas sua grande rentabilidade política se deve a fatores sociais e a eficácia da construção simbólica da figura de Getulio Vargas que ganhou forma e conteúdo (...) (FAUSTO, 2008, p. 375). Nesse contexto, o Estado brasileiro reconheceu fenômeno da pobreza como expressão da questão social e assumiu a direção de seu enfrentamento, porém, ainda com traços de caridade e benevolência. Contudo, as formas que o Estado tomou para enfrentar a pobreza intensificavam a inferioridade dos trabalhadores, à medida que visavam os interesses burgueses com atendimentos e benefícios que não satisfaziam a real necessidade dos trabalhadores. De acordo com Telles (2006), (...) nos anos 30, a concessão de direitos trabalhistas e a montagem de um formidável sistema de proteção social tiraram a população trabalhadora do arbítrio, até então sem limite, para jogá-la por inteiro sob a tutela estatal. Trata-se de um peculiar modelo de cidadania, dissociado dos direitos políticos e também das regras da equivalência jurídica, tendo sido definida estritamente nos termos da proteção do Estado, através dos direitos sociais, como recompensa ao cumprimento com o dever do trabalho (TELLES, 2006, p. 89-90). 38 Com o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) passou a se discutir algumas questões, dentre elas a indagação: será que algum dia o Brasil chegaria a se tornar uma nação? Esta dúvida estava relacionada a forma como a composição racial do país se apresentava, qualificando assim aqueles que eram apontados, como os verdadeiros problemas. A pobreza “Configurouse antes disso, como um cenário imóvel ou uma eterna coadjuvante, que tinha como função apoiar os grandes atores: raça, povo e organização nacional” (SPRANDEL, 2004, p. 20). De acordo com Sprandel (2004), a pobreza durante um longo período não esteve presente nos expressivos debates dos problemas brasileiros, apesar de fazer parte do cenário nacional, foi esporadicamente discutida, “a pobreza só se tornaria um fato moderno no Brasil no último quartel do século XX” (SPRANDEL, 2004, p. 20). A literatura internacional sobre a pobreza a partir da década de 1980 traz à tona uma realidade diferenciada da passada, ganhando destaque nesse contexto três novos fatos. O primeiro trata da evidência de um progressivo aumento da pobreza, momento posterior ao declínio deste fenômeno, durante os trinta anos de crescimento econômico e elevação da renda dos mais pobres. Nas décadas de 1950, 1960 e 1970, nos países ditos avançados, esse período corresponde a implantação do Estado de Bem Estar Social. Contudo a crescente desigualdade impossibilitou um impacto efetivo na vida das populações mais vulneráveis. O segundo fato se materializa na continuidade e aprofundamento da desigualdade, evidenciando a má distribuição da riqueza socialmente produzida entre regiões, áreas e classes. O terceiro trata do aparecimento nos anos 1980 e 1990 do que se convencionou chamar de “nova pobreza”, caracterizando-se pelo declínio no nível socioeconômico de indivíduos que nunca tinham atingindo estado de pobreza. Nesse sentido, são apontadas determinações explicativas para o aprofundamento da pobreza nos anos 1980, tendo como causas fatores macroeconômicos e sociais. As primeiras se materializam na crise econômica, políticas econômicas sem ênfase no combate à pobreza, elevação da dívida externa, altas taxas para população pobre e profundas alterações no mundo do 39 trabalho. Já as causas sociais são determinadas pelo aumento da população, a exclusão econômica e social e as mudanças no padrão de sociabilidade. No tocante á realidade brasileira, tem-se nos anos 1980 a intensificação dos empecilhos em formular políticas no âmbito da economia capazes de impactar nos investimentos financeiros e na redistribuição de renda. Assim este período é marcado pelo aprofundamento do endividamento externo, culminando numa crise econômica. Segundo Boschetti e Behring (2009) a década de 1980 marcou o estrangulamento da economia, com indicadores econômicos desastrosos como, divida externa elevada, oscilações frequentes da inflação, queda das importações, do investimento interno e por consequência do PIB 2·. Ainda de acordo com as autoras supracitadas, no Brasil estabelece-se um processo contraditório de acúmulo nas receitas da iniciativa privada e profundo endividamento do Estado. De acordo com Boschetti e Behring (2009), vários são os efeitos destas determinações que ultrapassam o âmbito econômico atingindo o social, como citado a seguir, (...) empobrecimento generalizado da América Latina, especialmente no seu país mais rico, o Brasil; crise dos serviços sociais públicos num contexto de aumento da demanda em contraposição à não expansão dos direitos; desemprego; agudização da informalidade da economia; favorecimento da produção para exportação em detrimento das necessidades internas (BOSCHETTI; BEHRING, 2009, p. 139). No contexto social desse período tem-se uma forte influencia dos movimentos sociais que excedeu o controle das elites. Esse fator é responsável pela manutenção da esquerda brasileira, sendo esta década considerada essencial na conquista de direitos da sociedade brasileira, apesar de já se fazer presente na agenda política do país, a expectativa de assumir a direção neoliberal. Contudo, de acordo com Francisco de Oliveira (1995), “(...) a sociedade mostrou uma extraordinária capacidade de responder ao ataque neoliberal, organizando-se” (OLIVEIRA, 1995, p. 25). 2 Produto Interno Bruto. 40 Na tentativa de conter a crise, no final da década de 1980 foram criadas políticas de estabilização da economia. Contudo estas não tiveram a eficácia necessária para combater o processo de hiperinflação desencadeado no Brasil. A derrota da economia brasileira para inflação “será o fermento para a possibilidade histórica da hegemonia neoliberal” (BOSCHETTI; BEHRING, 2009, p. 139). Os anos 1990 no Brasil foram marcados por profundas reformas, á iniciar pela estrutura Estatal, quando este se minimiza para o social e amplia-se para atender as necessidades econômicas do país. Nesse contexto desencadeia-se o processo de privatizações e transferência das responsabilidades do Estado para a sociedade civil. Sendo estes elementos da receita neoliberal. De acordo com Anderson (1995), O remédio, então, era claro: manter um Estado forte (...). A estabilidade monetária deveria ser meta suprema de qualquer governo. Para isso seria necessária uma disciplina orçamentária, com a contenção dos gatos com bem-estar, e a restauração da taxa “natural” de desemprego, ou seja, a criação de um exército de reserva (...). Ademais reformas fiscais eram imprescindíveis, para incentivar os agentes econômicos (ANDERSON, 1995, p. 11). Segundo Oliveira (1995) o neoliberalismo á brasileira surge com o desmantelamento do Estado, forte concentração de renda e sucateamento das políticas sociais no governo Collor. Segundo Peixoto (2010), Desse modo, nos anos 1990, o agravamento da questão social, através da eliminação de postos de trabalho, do aumento da pobreza, do desemprego, do desmantelamento de direitos sociais universais, fez com que se gestassem novas estratégias de enfrentamento (PEIXOTO, 2010, p. 134). O quadro de transformações na realidade da pobreza brasileira está diretamente relacionado com a conjuntura dos anos 1990 de intensificação dos valores neoliberais, especialmente por conta do Consenso de Washington3 que revelou e tornou popular as premissas neoliberais, como o ajuste fiscal, minimização dos investimentos sociais, privatização, dentre outros, essas medidas se ploriferaram por toda a América Latina. 3 O Consenso de Washington foi criado em 1989 pelo economista John Williamson e se materializou como um conjunto de ações para disseminação das normas que deveriam reger o ajuste estrutural político do capitalismo globalizado. 41 A pobreza brasileira tem dimensão abrangente, demonstrando amplitude para políticas públicas de corte social, considerando como particularidade do país, a alta taxa de concentração de renda. Assim, as políticas sociais tendem a se articular com as políticas macroeconômicas visando uma maior efetividade. Nesse sentido desenvolvem-se ações pontuais de geração de emprego, promoção de renda advinda do trabalho e priorizamse a redistribuição de renda. Desta forma pobreza e exclusão social servem de referência para as políticas públicas brasileiras. Contudo Ozanira (2010) considera que a categoria exclusão social não contempla a realidade brasileira, à medida que temos grande contingente de brasileiros que ininterruptamente estiveram à margem da sociedade. Assim, utiliza-se a categoria pobreza para compreensão da realidade social brasileira, entendendo-a aqui como um fenômeno com explicações de várias vertentes e significados, comumente caracterizada como carência de meios básicos de garantia da subsistência e inferioridade ao padrão de vida determinado pela sociedade. Porém, identificando a pobreza no campo teórico percebem-se diversas concepções explicativas e que inspiram as políticas voltadas aos pobres. Nesse sentido, a vertente que mais influencia a explicação da pobreza na contemporaneidade é a liberal, em que o mercado se configura com meio natural de satisfação das necessidades humanas e as políticas se reduzem á ações residuais, visando o alivio imediato da pobreza extrema. Entretanto Ozanira (2010) compreende que a abordagem estrutural explica o fenômeno da pobreza brasileira com mais validade e criticidade. À medida que se entende como fato gerador e reprodutor da pobreza, a exploração da mão de obra do trabalhador e apropriação da riqueza por ele produzida. Assim, entende-se a pobreza como fenômeno estrutural, complexo, multidimensional e não como mera insuficiência de renda. Na contemporaneidade, a pobreza persiste de forma diversificada e se aprofunda com o movimento de redefinição do Estado, gerado em grande parte pela desigualdade social, configura-se como um desconcerto numa 42 sociedade que se diz moderna, e que de certa maneira se modernizou com a industrialização, urbanização e o surgimento de novas classes e grupos sociais “a persistência desconcertante da pobreza parece reativar velhos dualismos nas margens de um atraso que ata o país às raízes de seu passado e resiste, tal como a força da natureza, à potência civilizadora do progresso” (TELLES, 2006, p. 80). A economista Sônia Rocha (2005) estabelece três tipologias gerais da pobreza, para fins comparativos das realidades de cada país, considerando as particularidades sociais, econômicas, culturais e políticas de cada sociedade. Sendo essas tipologias divididas em três grupos. No grupo um, estão os países cujos rendimentos nacionais não são suficientes para suprir as necessidades consideradas indispensáveis à sobrevivência dos cidadãos. O segundo grupo é composto pelas sociedades desenvolvidas que tem nível de renda percapita elevado, capaz de garantir o suprimento das necessidades básicas de seus cidadãos. Nesse caso a desigualdade de renda entre os indivíduos é compensada pela transferência de renda acompanhada do acesso universal aos serviços públicos de qualidade. Por fim, o terceiro grupo abrange os países de situação mediana entre as duas citadas anteriormente; Aqui os rendimentos disponíveis seriam o bastante para atender as necessidades essenciais à sobrevivência humana. Porém a concentração de renda mantém e aprofunda a pobreza absoluta. Segundo a autora citada acima a realidade brasileira se configura na representada pelo grupo três. Nesta perspectiva determina ainda dez pontos de consenso para compreensão da pobreza brasileira. O primeiro ponto trata da associação comum que se estabelece entre pobreza e fome. Não obstante, essa relação quase sempre é falsa, pois, apesar dos pobres serem reconhecidos pela ausência de recursos que garantam o suprimento de suas necessidades de sobrevivência, não implica 43 necessariamente que estes sejam subnutridos, à medida que mensuração desta condição se dar por indicadores físicos. Segundo Rocha (2005), (...) a questão critica da subnutrição se distingue do conceito mais geral de pobreza. Considerando o fato de que, reconhecidamente, amplas parcelas da população brasileira não dispõem dos meios para atender ás suas necessidades básicas, há consenso de que o conceito de pobreza relevante no país ainda é o de pobreza absoluta (ROCHA, 2005, p. 174-175). O segundo ponto trata do declínio a longo prazo da pobreza e de sua recente estabilidade. Neste sentido considera apenas o fator renda, sendo possível identificar quatro períodos que indicam patamares de pobreza no Brasil, como se caracteriza a seguir. Entre 1970 e 1980 percebe-se relevante achatamento dos níveis de pobreza, como efeito do alargamento da renda. De 1980 á 1993 houve uma variação a cada ano na incidência da pobreza. E em 1994 o impacto da redução inflacionária estabilizou a pobreza em novo patamar. Por fim meados dos anos 1999, com os resultados distributivos do Plano Real o percentual da população pobre atingiu 35%. O terceiro ponto associa pobreza e desigualdade de renda, pois a preservação da pobreza absoluta na sociedade brasileira está intimamente relacionada à desigualdade da repartição da renda gerada coletivamente. Rocha (2005) considera que “O atual nível de desigualdade de renda gera tensão social crescente, em especial nas áreas urbanas e modernas, onde os contrastes de renda, riqueza e poder são mais evidentes” (ROCHA, 2005, p. 179). O ponto quatro trata da geografia da pobreza num país de acentuadas diferenças entre o meio urbano e rural. A autora considera que a alteração central nessa geografia trata da diminuição da pobreza rural, com o aceleramento da urbanização concomitantemente a isso, o fenômeno do empobrecimento também se urbanizou. Entretanto o elemento regional da pobreza se conserva, pois as regiões Norte e Nordeste ainda são as mais pobres do país, sem indicarem sinais de rompimento com essa herança. A quinta ponderação refere-se a heterogeneidade da pobreza, considerando as acentuadas distinções regionais que marcam a formação 44 social, cultural, produtivas e físicas do Brasil, explica os elementos que compõem as classes pobres brasileiras. As características da pobreza rural nordestina se constituem em alto número da população, famílias numerosas e elevado número de crianças. A presença de mulheres chefes de família não é alta, e estas na maioria das vezes possuem baixo ou nenhum grau de escolaridade. A atividade exercida não produz nenhum valor sobrante para comercialização, pois a produção agrícola é voltada somente ao autoconsumo. Já nas zonas urbanas do país as famílias pobres são menores em quantidade de membros, existindo maior relação da população pobre com a não-pobre. O índice de mulheres chefes de família é mais elevado, e o baixo nível de escolaridade se mantém. A atividade exercida se concentra nos setores de comércio e serviços. O sexto ponto relaciona-se a articulação entre educação, pobreza e renda, a autora destaca “A esse respeito, cabe observar que educação teve uma contribuição mais importante como determinante da pobreza do que as características de sexo ou cor” (ROCHA, 2005, p. 185), pois a garantia de uma educação de qualidade tem efeito relevante na redução nas disparidades de renda e consequentemente da pobreza absoluta. O ponto sete trata dos aspectos relacionais entre pobreza e mercado de trabalho. A renda que os indivíduos necessitam para driblar a pobreza advém prioritariamente do mercado de trabalho. Entretanto, mesmo os trabalhadores ativos que ganham um salário mínimo podem se encontrar na linha da pobreza, dependendo de sua composição familiar. Um trabalhador que atualmente recebe um salário de R$ 678,00 e tem uma família de cinco membros se situa abaixo da linha da pobreza4, em relação à renda, pois sua renda familiar percapita é de R$ 134,00. Acrescido a este fato, o mercado vem se modernizando e gerando insuficiência dos postos de trabalho, os efeitos disto são a expansão da informalidade e o descarte dos trabalhadores com baixo nível de escolaridade. 4 De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate á Fome – MDS, para uma família ser considerada pobre sua renda percapita mensal deve se situar entre R$ 70,01 e R$ 140,00. 45 O oitavo ponto refere-se às crianças que são mais vulneráveis á pobreza, pois a carência de renda se agrega a instabilidade física e total dependência dos adultos da família. Assim, as políticas de enfrentamento à pobreza priorizam famílias de baixa renda com crianças em idade escolar. No nono ponto pontua-se o “bom desempenho” das políticas antipobreza. A proliferação de ações voltadas ao enfrentamento da pobreza no Brasil resultou no distanciamento dessas iniciativas das intervenções filantrópicas. Conforme Rocha (2005) foram se estabelecendo alguns elementos para definição de políticas antipobreza; institui-se o objetivo e o público alvo para focalização das ações, agregado ao monitoramento contínuo e avaliação dos resultados obtidos. O décimo e ultimo ponto destacado por Rocha (2005) trata do custo em eliminar a pobreza no Brasil, considerando a frequente associação da pobreza ao fator renda, considera-se que o valor de sua erradicação é referente ao necessário para tornar crescente a renda dos pobres. Contudo, como a pobreza não se limita a renda, mas também as condições de acesso aos direitos, a oferta de serviços públicos de qualidade e promovedores de cidadania se tornam elementos indispensáveis a ser considerado nas políticas de enfrentamento a pobreza. Nos anos 2000, a pobreza ganha destaque na agenda política brasileira e passa a ser “enfrentada” através de políticas sociais focalizadas e compensatórias, ou seja, transferência monetária condicionada às famílias. Esse aspecto da política social brasileira será abordado de forma mais densa no próximo capitulo. Agora destacaremos alguns elementos da pobreza rural brasileira, considerando, que a pesquisa de campo deste trabalho será desenvolvida em um município do interior do Ceará. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (2000), as áreas situadas na zona rural do Brasil são as que mais concentram pessoas em situação de pobreza, especialmente na Região Nordeste. A pobreza rural se expressa como resultante da profunda desigualdade na distribuição da terra e da renda, sendo intensificada por uma maior dificuldade no acesso aos direitos sociais básicos, como saúde, 46 educação e habitação. O processo de distribuição desigual da terra no Brasil tem sua origem na política de desenvolvimento do passado - agricultura patronal -, em detrimento da agricultura de base familiar. Nesse sentido de acordo com Endlich (2006), “a vida rural significa uma situação humana em que a sobrevivência só é possível com muito trabalho. O resultado desse trabalho oferece o mínimo necessário para viver” (ENDLICH, 2006, p. 23). Essa ideia esta bem expressa na fala de Amarílis, a saber, Pobreza é duro, mais a gente tem que, se nasce pobe, se num trabalha pra melhora. Acho que sei lá (risos) dinheiro é difícil demais (risos). A pessoa ser pobe é bom e é ruim (risos) (Amarílis – Grifos meus). Nesse contexto entende-se que a pobreza no meio rural tem suas particularidades, tendo como principal estratégia de seu enfrentamento o incentivo á agricultura familiar aliada à transferência de renda as famílias. CAPITULO II – OS PROGRAMAS DE TRANSFERENCIA DE RENDA E A REALIDADE DAS MULHERES NO BRASIL: INTERFACES DA REALIDADE Este capítulo se divide em quatro tópicos, os quais discutiremos questões acerca das políticas sociais brasileiras. O item 2.1 retrata as trajetórias da proteção social e da assistência social no Brasil, já no segundo tópico, discorreremos os percursos dos programas de transferência de renda no Brasil até a consolidação do Programa Bolsa Família (PBF), pontuando as críticas direcionadas ao PBF. No item 2.3, analisaremos as transformações ocorridas nas formas de organização da família na sociedade, destacando a centralidade desta instituição nos programas e projetos da política de assistência social na contemporaneidade. Por fim, na quarta parte deste capítulo falaremos do lugar das mulheres no Programa Bolsa Família, enfocando o papel desempenhado pelas mulheres, responsáveis pelos recursos do Programa Bolsa Família. como principais 47 2.1 A POLÍTICA DE PROTEÇÃO SOCIAL E A ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL O processo de consolidação das políticas sociais foi heterogêneo, considerando o contexto econômico e social das sociedades mundiais. Como destacam Behring e Boschetti, O surgimento das políticas sociais foi gradual e diferenciado entre os países, dependendo dos movimentos de organização e pressão da classe trabalhadora, do grau de desenvolvimento das forças produtivas, e das correlações e composições de força no âmbito do Estado. Os autores são unânimes em situar o final do século XIX como o período em que o Estado capitalista passa a assumir e a realizar ações sociais de forma mais ampla, planejada, sistematizada e com caráter de obrigatoriedade (BEHRING;BOSCHETTI, 2009, p. 64). No Brasil, a política social se constitui com fortes traços das particularidades de um país periférico do mundo capitalista. Um desses traços é a posição subalterna do trabalho nas relações sociais, tendo como elemento definidor a desqualificação social. Outro fator marcante é a falta de compromisso das classes dominantes em defender os direitos dos cidadãos, que se caracteriza em fato primordial para compreendermos a configuração da política social no país. O desenvolvimento das políticas sociais brasileiras foi tardio em relação aos países centrais, não existindo no período escravocrata organizações e lutas operárias de classes para si 5, apesar da questão social já se manifestar na realidade brasileira, a exemplo das barreiras que os escravos libertos encontravam para inserção no mercado de trabalho. As primeiras lutas de trabalhadores no Brasil surgem na primeira década do século XX concomitante às primeiras legislações trabalhistas, como efeito da luta de classes materializada na correlação de forças predominantes na época. Segundo Behring e Boschetti (2009) Por um lado os direitos sociais, sobretudo trabalhistas e previdenciários, são pauta de reivindicação dos movimentos e manifestações da classe trabalhadora. Por outro, representam a busca de legitimidade das classes dominantes em ambiente de 5 A consciência de classe trata da capacidade de mobilização dos sujeitos na sociedade. Ou seja, a partir da tomada de consciência de sua condição os indivíduos se organizam no meio político. Seno esta materializada no movimento ativo das classes (NETTO; BRAZ, 2008). 48 restrição de direitos políticos e civis (...) (BEHRING; BOSCHETTI, 2009, p. 64). No ano de 1923 foi instituída a Lei Eloy Chaves que criou as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP‟s), inicialmente nas empresas ferroviárias, e, posteriormente, foi estendida aos marítimos e portuários. Esse era um sistema de seguro social organizado por empresas. Até 1930 as respostas para as condições subalternas dos indivíduos eram direcionadas para rede de solidariedade da sociedade civil. Os moldes de atendimento da assistência decorriam da compreensão da pobreza, como uma distorção de caráter pessoal. Os indivíduos eram internados ou postos em “asilos”. Nesse contexto, a assistência mesclava-se com as necessidades de saúde. Os organismos que assumiram as ações de assistência a enxergavam como gesto de benevolência e caridade com o próximo. Durante a década de 1930, as CAP‟s foram transformadas nos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP‟s). Nesse momento, os trabalhadores não se organizavam mais por empresa, mas por categoria, centralizando assim os marítimos, ferroviários e portuários em um instituto previdenciário representando cada categoria. Esse sistema se sustentou até 1966, quando se unificou os sistemas de seguro social e concentrou-se- se os benefícios no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Em 1971, a proteção social se alargou aos trabalhadores rurais, em 1972 aos empregados domésticos, em 1973 aos jogadores de futebol e autônomos e em 1978 aos vendedores ambulantes. No ano de 1974 foi criada a Renda Mensal Vitalícia, voltada a idosos em situação de pobreza, a partir desta era garantido meio salário mínimo àqueles que tivessem contribuído ao menos por um ano. No decorrente ano, implantou-se o Ministério da Previdência e Assistência Social, aliado a Legião Brasileira de Assistência – LBA, a Fundação Nacional para o Bem-estar do Menor – Funabem, a Central de Medicamentos – MECE e a Empresa de Processamento de Dados – Dataprev. Esse complexo foi transformado em 1977 no Sistema Nacional de Assistência e Previdência Social – SINPAS, que abrangia também o INPS, o Instituto Nacional de Assistência Médica – INANPS e o Instituto Nacional de Administração da Previdência Social – IAPAS. 49 Além dessa intensa institucionalização da previdência, saúde e com muito menor importância, da assistência social, que era basicamente implementada pela rede conveniada e de serviços prestados pela LBA, a ditadura impulsionou uma política nacional de habitação com a criação do Banco Nacional de Habitação (BNH) (BEHRING; BOSCHETTI, 2009, p. 64). Ao destacar ainda a subalternidade da assistência em relação a outros serviços prestados à população, Boschetti nos acrescenta “a assistência social manteve-se, ao longo da história, como uma ação pública desprovida de reconhecimento legal como direito, mas associada institucionalmente e financeiramente à previdência social” (BOSCHETI, 2009, p. 329). As instituições de assistência na trajetória das políticas sociais brasileiras se configuram como espaços concretos de acesso a bens e serviços pela população pauperizada. Segundo Sposati et al (2010), o final da década de 1970 no Brasil é marcado por movimentos de trabalhadores que lutavam por melhores condições de vida. Assim, o Estado passa a criar mecanismos de incorporação das demandas sociais, via políticas sociais. Contudo, apesar das ações estatais se configurarem como respostas às pressões populares, os serviços e benefícios prestados se materializavam como privilégios, incorporando o caráter de benevolência à assistência social. De acordo com Sposati et al (2010), Ao contrário de caminhar na direção da consolidação de direito, a modalidade que irá conformar as políticas sociais brasileiras será primordialmente o caráter assistencial. (...) Em contraposição à universalização utilizarão, sim, mecanismos seletivos como forma de ingresso das demandas sociais (Sposati et al, 2010, p.23). Apesar desse caráter assistencialista que marca a trajetória da assistência social nas políticas públicas brasileiras, as ações estatais são campo de formação de uma nova cidadania para as classes subalternizadas, à medida que produzem bens e serviços para o atendimento das necessidades básicas de sobrevivências de seus usuários. Nesta perspectiva, a assistência se configura em meio privilegiado de enfrentamento a questão social pelo Estado brasileiro. A década de 1980 é considerada no Brasil como a “década perdida” do ponto de vista econômico. Entretanto, a esfera social foi marcada por conquistas democráticas, como efeito das lutas sociais, tendo culminância com a promulgação da Constituição Federal em 1988. A partir desse momento, 50 foram instituídas as políticas de saúde, previdência e assistência social como o tripé da seguridade social e reorganizada suas diretrizes, tendo como objetivo garantir níveis mínimos de vida da população. Ressaltamos que os princípios estruturantes da seguridade social são dois, o modelo bismarckiano e o beveridgiano. O primeiro trata de um sistema de seguros, pois o acesso é condicionado à contribuição prévia. Já o segundo modelo é baseado na universalidade dos direitos, pois pauta-se na garantia dos mínimos sociais a todos que necessitem. De acordo com Boschetti (2009), Enquanto os benefícios assegurados pelo modelo bismarckiano se destinam a manter a renda dos trabalhadores em momentos de riscos social decorrentes da ausência de trabalho, o modelo beveridgiano tem como principal objetivo a luta contra a pobreza (BOSCHETTI, 2009, p. 325). Na realidade brasileira, o princípio bismarckiano orienta a política de previdência social, e o modelo beveridgiano norteia o Sistema Único de Saúde - SUS. Durante as décadas de 1923-1988, a lógica do seguro era o componente estruturante da seguridade social, pois os indivíduos só tinham acesso aos direitos pela via do trabalho. Porém, a lógica do seguro só universaliza os direitos, se houver uma universalização do acesso ao trabalho. Em alguns países como o Brasil, não se atingiu o patamar de pleno emprego, restringindo assim a universalização da seguridade social. Após a promulgação da Constituição Federal – CF em 1988, esse processo foi interrompido, com a instituição da assistência social com caráter de política social pública, de direito do cidadão e dever do Estado, visando à inserção da população no “sistema de bem estar brasileiro”. Rompe-se assim, na perspectiva legal, com a dimensão de benemerência e caridade atribuídas a assistência ao longo da história. Segundo consta no art. 203 da CF, A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II – o amparo às crianças e adolescentes carentes; III – a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração ao mercado de trabalho; V – a garantia de um salário mínimo de beneficio mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir 51 meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme se dispuser a lei. A política foi regulamentada pela Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS de N° 8.742 em 7 de dezembro de 1993, estabelecendo princípios, diretrizes e o papel das esferas governamentais e não-governamentais. Define ainda o Beneficio de Prestação Continuada – BPC que garante um salário mínimo mensal a idosos e às pessoas com deficiência em situação vulnerabilidade social; os benefícios eventuais em ocasião de morte e natalidade; os serviços assistenciais que se configuram como atividades continuadas para garantia das necessidades básicas e melhoria da vida da população; os programas de assistência social que visam incentivar e melhorar os serviços e benefícios socioassistenciais e, por fim, os projetos de enfrentamento à pobreza que são investimentos econômicos e sociais junto à população em situação de maior vulnerabilidade a fim de apoiar iniciativas que visem à ampliação da capacidade produtiva. Contudo, a assistência social só passa a ter organização independente em 2003 com a criação do Ministério da Assistência e Promoção Social, alterado no mesmo ano para Ministério de Assistência Social, transformado por sua vez, em 2004, no atual Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS. No ano de 2004 foi criado mais um mecanismo de regulamentação da assistência materializada na Política Nacional de Assistência Social – PNAS, que reafirma os princípios, diretrizes e os objetivos da LOAS. De acordo com a PNAS, a assistência social se organiza em dois níveis de proteção social, básica e a especial. A Proteção Social Básica – PSB objetiva prevenir situações de risco, viabilizando o desenvolvimento das potencialidades e fortalecimento dos vínculos familiares dos sujeitos que vivem em situação de vulnerabilidade social. Os serviços ofertados nesse âmbito da proteção social são: Serviço de Atenção Integral à Família – PAIF, Inclusão Produtiva, Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para idosos, serviços para crianças, serviços socieducativos, educação para o trabalho, programas e projetos de enfrentamento da pobreza. O Programa Bolsa Família 52 – PBF e Projeto Estação Família – PEF se enquadram no âmbito do PAIF e nos projetos de enfrentamento à pobreza. A Proteção Social Especial – PSE se destina a atender famílias e indivíduos que estão em situação de risco pessoal e social, por efeito de violação de direitos. Esta se materializa em dois níveis, os serviços de média complexidade, cujos usuários são famílias e indivíduos com direitos violados, porém os vínculos familiares ainda são mantidos e, os serviços de alta complexidade que garantem proteção integral para famílias e indivíduos cujos vínculos familiares foram rompidos ou encontram-se ameaçados. A PNAS conceitua e organiza a gestão do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, cujo modelo de gestão é descentralizado e participativo, ou seja, a operacionalização, monitoramento e financiamento da política são compartilhados pelas três esferas de governo e a sociedade civil deve participar da construção, monitoramento e avaliação da política. São definidos também na PNAS os eixos estruturantes do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, a saber: matricialidade sociofamiliar, descentralização político-administrativa e territorialização, novas bases na relação Estado e sociedade civil, financiamento, controle social, desafio da participação popular, política de recursos humanos, informação, monitoramento e avaliação. Os serviços são organizados tomando por referência a vigilância social, proteção social, defesa social e institucional. Portanto, são também mecanismos de regulamentação e bases de implementação da Política de Assistência Social brasileira, a Norma Operacional Básica – NOB/SUAS (Resolução n° 130 de 15 de julho de 2005), recentemente atualizada pela resolução n° 33 de 12 de dezembro de 2012, a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos - NOB/RH/SUAS (Resolução n° 269 de 13 de dezembro de 2006) e a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (Resolução n° 109 de 11 de novembro de 2009). Contudo, em 2011, a partir do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, a lei nº 8.742 de 1993, é alterada pela lei nº 12.345 de 6 de julho de 2011, ambas dispõem da organização da Assistência Social. Diante desses instrumentos legais, percebemos que a assistência social vem perdendo, no campo jurídico, a dimensão caritativa de sua gênese. 53 Com isso, observamos na contemporaneidade a expansão e centralidade da Política de Assistência na seguridade social, especialmente nos anos 2000. Entretanto, segundo Mota (2010), as políticas que compõem a seguridade social brasileira estão distantes de se configurarem em articulado mecanismos proteção social. Estas materializam-se em campo contraditório, à medida que intensificam-se a privatização e mercantilização da saúde e da previdência social e a assistência social se expande como política não contributiva de enfrentamento às desigualdades sociais, mediante o caráter focalizado dos programas de transferência de renda. De acordo com a autora, Essa nova engenharia da Seguridade Social, ao focalizar os segmentos mais pobres da sociedade, imprime um outro desenho à política de Assistência Social, principalmente porque na expansão tiveram centralidade os programas de transferência de renda (...) (MOTA, 2010, p. 134). Ainda de acordo com Mota (2010) essa lógica, de expansão de um lado e privatização do outro na seguridade social é guiada pelo principio neoliberal de “dar mais a quem tem menos”. Nesta perspectiva, a assistência se configura no principal instrumento de enfrentamento à pobreza e os programas desta política como tentativas de inclusão social e produtiva. Para a autora citada, a Assistência Social se materializa como um mito social, especialmente por sua função ideológica e política, respaldada na oculta precarização e intensificação da superpopulação relativa. Diante dessa reflexão acerca da assistência social, trataremos a seguir de uma das principais estratégias desta política – a transferência de renda. Não obstante, não estamos aqui reduzindo a assistência social ao Programa Bolsa Família. 2.2 OS CAMINHOS DOS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA E A EMERGÊNCIA DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA Segundo Silva, Yazbek e Giovanni (2008) no contexto internacional, o debate sobre Programas de Transferência de Renda ganha destaque a partir da década de 1980, momento em que ocorreram diversas alterações econômicas na sociedade, especialmente no mundo do trabalho, tendo como fatores preponderantes o desemprego e a ampliação dos trabalhos precarizados. 54 Nesse sentido, coloca-se em questão a necessidade de reforma dos programas sociais e, dentro desta lógica, os programas de transferência de renda ganham visibilidade como forma de enfrentar o desemprego e a pobreza. Nesta perspectiva, as matrizes teóricas que norteiam esta discussão são três: 1) de natureza liberal/neoliberal que é a transferência de renda enquanto mecanismo residual, compensatório e eficiente no enfrentamento à pobreza, sendo meio suficiente de substituição dos programas e serviços sociais do Sistema de Proteção Social; 2) matriz de natureza progressista/distributiva que considera a política de transferência de renda, como forma de redistribuir a riqueza socialmente produzida e 3) por fim, o entendimento da transferência monetária como maneira provisória que irá viabilizar a inserção profissional e social dos usuários/cidadãos. No Brasil, a primeira proposta de um programa de transferência de renda surge em 1975, quando o autor Antônio Maria da Silveira publicou um artigo sobre redistribuição de renda na Revista Brasileira de Economia. Este autor enfatiza que a forma de estruturação da economia brasileira não atende as necessidades básicas de sobrevivência das pessoas, inclusive dos que estão inseridos no mercado de trabalho. Considera o autor que para se extinguir a pobreza gradativamente é exigida a intervenção estatal. Assim, é proposto um programa governamental de transferência de renda focado no indivíduo pobre. Seria uma transferência monetária proporcional a diferença entre um nível mínimo de isenção e a renda auferida pelo pobre, tomando por base um nível de subsistência como referência para fixação do nível de isenção (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2008, p. 94). A discussão iniciada em 1975 por Silveira foi seguida em 1978 por Bacha e Unger que também conferiram importância à redistribuição de renda, através da complementação monetária, o que denominaram “(...) de um projeto de democracia para o Brasil” (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2008, p. 94). De acordo com os autores citados acima, o primeiro momento da construção de uma Política de Transferência de Renda no Brasil se inaugurou em 1991, quando foi aprovado o Projeto de Lei n° 80/1991 de autoria do senador Eduardo Suplicy que tinha por objetivo instituir um Programa Nacional de Renda Mínima. A proposta previa uma “complementação em 30% da 55 diferença entre os rendimentos brutos apurados e o limite de um mínimo fixado em lei” (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2008, p. 47-48). Contudo, nessa época, o Brasil passava por uma crise econômica e todos os esforços governamentais estavam voltados para controlar a inflação e o endividamento externo. Somente a partir de 1992 esse contexto começou a se alterar com a criação do Movimento Ética na Política que desencadeou o impeachment do presidente Collor e possibilitou a inserção na agenda governamental da temática da fome e da pobreza. O segundo momento desta construção, de acordo com os autores supracitados, se deu quando Camargo entre os anos de 1991 e 1993 defende a proposta de uma renda mínima articulada com a frequência na escola das crianças. Desse modo, seria garantido à família um salário mínimo independente da renda familiar e em contrapartida os filhos em idade escolar deveriam frequentar a escola pública. A inovação desta discussão foi a articulação da educação com a transferência direta de renda, sendo esta fundamentada em dois argumentos. O primeiro trata do elevado custo da inserção das crianças na escola, inviabilizando essa oportunidade nas famílias pobres, devido o baixo nível de renda e, o segundo argumento se refere a fragilidade educacional que limita a elevação da renda das novas gerações, gerando segundo o autor citado acima um ciclo vicioso da pobreza. O terceiro momento iniciou-se no ano de 1995 com a implantação de algumas experiências em determinados municípios brasileiros – Campinas, Ribeirão Preto, Santos e Brasília -, configurando - se no momento de consolidação das ações de transferência de renda no Brasil. No Programa de Garantia de Renda Familiar – PGRFM desenvolvido pela Prefeitura Municipal de Campinas, em São Paulo, os critérios de participação no programa eram: família com renda per capita de R$35,00, com filhos entre 0-16 anos em condição de risco ou com alguma deficiência e famílias residentes em Campinas há no mínimo quatro anos. A focalização extrema era traço marcante do programa que procurava atender as famílias em piores condições. O valor do beneficio era a complementação da 56 renda para que a família atingisse renda per capita de R$ 35,00, além da transferência monetária eram ofertados cursos profissionalizantes, serviços de saúde, educação e habitação. A participação das famílias no programa estava restrita ao período de dezoito meses. O Programa Bolsa Familiar para Educação (Bolsa Escola) e o Programa Poupança-Escola do governo de Brasília foram programas relacionados que tinham o objetivo de servir de apoio à educação de crianças pobres. Os critérios de participação do Bolsa Escola eram, crianças entre 7-14 anos, oriundos de famílias residentes no Distrito Federal a no mínimo cinco anos e com renda per capita mensal de até meio salário. O valor da transferência era de um salário mínimo. Já o Programa Poupança-Escola garantia a cada aluno beneficiado pelo Bolsa Escola uma poupança, em que a cada final de ano letivo, se o aluno fosse aprovado, era depositado o valor de um salário mínimo, porém não poderia constar no boletim dos estudantes duas reprovações consecutivas. O saque poderia ser feito pela metade ao final da 4° série do primeiro grau, e outra parte na conclusão da 8° série ou o valor poderia ser retirado em sua totalidade ao final do segundo ano. No Programa de Garantia de Renda Familiar – PGRFM desenvolvido pela Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto – SP, os critérios de elegibilidade eram: renda familiar até dois salários mínimos, famílias chefiadas por mulheres, famílias com crianças menores de 14 anos ou com deficiência. Também eram observadas as condições de moradia, saneamento básico e a situação de saúde da família. O valor da transferência variava entre R$ 40,00 a R$ 70,00, determinado pelo resultado da avaliação das crianças e adolescentes. Para receber o benefício, os pais assinavam um termo de responsabilidade, se comprometendo a manter os filhos na escola, apresentando comprovante de matrícula e carteira de saúde que passava por acompanhamento contínuo. Por fim, o Programa Nossa Família, da Prefeitura de Santos, destinava-se a famílias com renda per capita inferior a R$ 50,00, residentes no município pelo menos há um ano e com crianças e adolescentes até 16 anos em situação de risco. O valor do benefício variava entre R$ 50,00 e R$ 80,00, 57 de acordo com o número de filhos. A família atendida tinha o papel de manter as crianças na escola, garantir a efetivação de todos os direitos sociais (alimentação, saúde, proteção e etc.), receber as visitas do Programa e participar das atividades ofertadas. No mandato de Fernando Henrique Cardoso – FHC, em 1995 foi criado o Programa Comunidade Solidária, que tinha como marca a focalização nos municípios considerados mais pobres. No penúltimo ano do mandato de FHC, especialmente a partir de 2001, vivemos o quarto momento no desenvolvimento da política de transferência de renda, sendo este marcado pela proliferação desses programas, tais como: Programa Nacional de Garantia de Renda Mínima – PGRM, Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à educação – Bolsa Escola, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, Benefício de Prestação Continuada – BPC e a criação do Cartão Alimentação. Com o início do Governo Lula, em 2003, podemos identificar o quinto momento da história da política de transferência de renda, com a unificação de todos os programas de iniciativa estatal - Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Vale Gás e o Cartão Alimentação - em apenas um, denominado de Bolsa Família. “Esse momento é marcado por mudanças quantitativas, mas, sobretudo, qualitativas na direção da construção de uma Política de Transferência de Renda, de abrangência nacional” (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2008, p. 94). A demanda de unificação dos programas de transferência de renda no país surge a partir de um relatório elaborado por uma equipe do governo em questão. Os principais argumentos utilizados para a proposta foram os seguintes: a) a concorrência entre alguns programas e a repetição de seus objetivos e público-alvo, como o Bolsa Escola e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI; b) a necessidade de uma coordenação geral para os programas, à medida que essa ausência tinha consequências negativas nas ações implementadas e c) ausência de uma estratégia que garanta a autonomia das famílias após o desligamento dos programas. O Programa Bolsa Família – PBF se constitui como o principal programa de enfrentamento à pobreza do Programa Fome Zero, tendo como 58 objetivos: enfrentar a pobreza e a desigualdade social através da transferência de valor monetário mensal associado ao acesso dos direitos sociais básicos, bem como viabilizar a inclusão social e emancipação das famílias beneficiadas. Atualmente, o PBF integra o Plano Brasil Sem Miséria6, que está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos. O programa se articula com a Política Nacional de Assistência Social - Proteção Social Básica, de gestão descentralizada, se configurando como um direito social do cidadão que dele necessitar, garantido através da Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS. De acordo com informações constantes no sitio do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome – MDS, o público alvo do programa são famílias pobres e extremamente pobres, sendo as primeiras caracterizadas por renda per capita mensal de até R$ 140,00 e as segundas por renda per capita mensal de até R$ 70,00. A seleção das famílias é feita através da inserção destas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – CADÚNICO, este se configura como um instrumento de coleta de dados objetivando identificar as condições socioeconômicas das famílias. O PBF divide-se em três eixos de atuação, 1) a transferência de renda propriamente dita; 2) as condicionalidades e programas complementares que se configuram como uma contrapartida que a família toma como responsabilidade para o recebimento do valor monetário e 3) os programas complementares que visam incentivar a geração de renda, por meio de oficinas de inclusão produtiva dentre outras ações. No ano de 2012, os recursos para transferência de renda foram ampliados pela presidenta Dilma através da Ação Brasil Carinhoso, que transfere R$ 70,00 para famílias com crianças entre 0-6 anos. A ação que também integra o Plano Brasil Sem Miséria articula transferência monetária, ações de saúde e educação. Além da expansão das campanhas de vacinação, distribuição de sulfato ferroso na Rede de Atenção Básica, distribuição gratuita 6 O Plano Brasil sem Miséria foi criado a partir do Governo Dilma, com o objetivo de erradicar a extrema pobreza brasileira. No documento constam ações no meio urbano e rural implantadas pelo Governo Federal para alcançar o objetivo citado. 59 de alguns medicamentos nas farmácias populares e ampliação de vagas em creches. Recentemente, em março de 2013, a presidenta anunciou ampliação no Programa Bolsa Família, com a complementação da renda de R$ 70,00 para usuários do PBF que continuam na linha de extrema pobreza. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS, a perspectiva é de erradicar a extrema pobreza no Brasil, na dimensão da renda. Contudo, sabemos que a pobreza não se define apenas pela renda, devendose levar em consideração condições de acesso aos direitos sociais. O Programa Bolsa Família tem possibilitado inúmeros debates tanto no meio acadêmico, como na sociedade brasileira. Há quem defenda o programa, levando em consideração as mudanças ocorridas na vida dos “despossuídos das condições de sobrevivência”. Afirma-se ainda que a renda transferida pelo programa fortalece o mercado interno brasileiro, à medida que as famílias passam a consumir para suprir as necessidades dos membros da casa. Elas induzem o crescimento econômico e desenvolvimento social ao retirarem da marginalidade e da pobreza extrema milhões de pessoas que se tornaram, assim cidadãos e consumidores saindo da invisibilidade e do esquecimento a que estavam relegados (WEISSHEIMER, 2010, p. 34). Ainda de acordo com Ozanira e Lima (2010) entre os anos de 2004 e 2006 verificou-se um crescimento no rendimento per capita dos domicílios brasileiros, sendo 14,7% para os domicílios em geral e 19,4% para domicílios que integram os programas de transferência de renda, estes números expressam a contribuição do PBF na ampliação da renda dos mais pobres (OZANIRA; LIMA, 2010). Pochmann (2010) destaca que a partir de 2004 (ano de aprovação da lei 10.836 que cria o PBF), o nível de crescimento econômico do Brasil é intensificado devido aos investimentos no mercado de consumo interno e elevação da renda de famílias em situação de vulnerabilidade social, o autor ainda enfatiza que, Enquanto o rendimento médio familiar per capita no topo da distribuição da renda (10% mais ricos) no Brasil cresceu 1,6%, em média, entre 2003 e 2008, o rendimento médio familiar per capita na base da distribuição da renda no Brasil (10% mais pobres) cresceu 9,1% ao ano, em media (POCHMANN, 2010, p. 643). 60 Apesar disso, há autores que ressaltam que a política de transferência de renda do Brasil é falha, especialmente no que diz respeito à ideia de uma redistribuição de renda. De acordo com Demo: A grande diferença está em que, no ataque à pobreza absoluta, bastam políticas distributivas (transferência de renda), enquanto no ataque à pobreza relativa, são imprescindíveis políticas redistributivas (que desconcentrem renda) (DEMO, 2006 p. 85). Segundo Mota (2010), uma análise das fontes de recursos do PBF “(...) não revela uma transferência de recursos do capital para os trabalhadores, ou se preferirem, dos ricos para os pobres e, sim, sugere uma redistribuição de renda entre os próprios trabalhadores” (MOTA, 2010, p. 159). Portanto, devese ter cuidado ao afirmar que os programas de transferência de renda têm realizado certa redistribuição de renda no país. Outra critica direcionada ao PBF, refere-se a focalização, sendo este traço marcante da Política de Assistência Social em sua totalidade. Segundo Ivo (2008), “o PBF é um programa social focalizado sobre famílias ativas em condições de extrema pobreza ou pobreza, se constituído em alivio do orçamento doméstico (IVO, 2008, p. 11)”. As condicionalidades postas aos beneficiários são apontadas como outra fragilidade na operacionalização do PBF. Bichir (2010) destaca, “exigir que a população mais pobre cumpra contrapartidas implica uma negação do direito de receber parte da riqueza socialmente (...) (BICHIR, 2010, p. 123)”. No tocante as condicionalidades, os críticos ao Programa consideram a instabilidade das políticas de saúde e educação, haja vista que, muitas vezes as famílias são “penalizadas” por deficiências das próprias políticas públicas. Outro paradigma em relação ao PBF trata do argumento de incentivo do ócio e não trabalho de seus beneficiários. Não obstante, de acordo com estudo realizado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate e a Fome – MDS e, divulgado em junho de 2012, os usuários do Programa Bolsa Família tendem a não trabalhar com carteira assinada. No entanto, isso se deve ao temor de perder o beneficio, sendo fortalecida, a precarização do trabalho informal. Destacamos agora o significado do PBF na vida das beneficiárias. Através dos depoimentos dos sujeitos deste estudo, podemos perceber que o 61 Programa Bolsa Família é visto como um auxílio às famílias no suprimento das suas necessidades de sobrevivência, especialmente às mulheres chefes de famílias que, muitas vezes, só contam com a renda do beneficio. Observamos ainda a dimensão de uma relativa autonomia que PBF oferece às mulheres que gerem os recursos do programa. Ele (se refere ao PBF) ajuda muito, porque assim eu passei dois anos, que eu dependi só do Bolsa Família, porque quando eu me separei, então, o meu ex-marido, ele não, ele não ajudou mais em nada, até o que ele pode tirar ele tirou, ele tirou água, ele tirou luz, ele tirou tudo, então assim o que eu tinha era o Bolsa Família. Durante dois anos eu vivi só dependendo do Bolsa Família, eu recebia R$ 109,00 era com isso, que nos merendava, num dava por que eu merendava, almoçava e jantava na casa da minha irmã (risos). Então assim foi ele que ajudou. E hoje também eu recebo, recebo o Bolsa Família e ajuda muito, vai fazer falta se acabar. É uma ajuda (Açucena). Ave Maria, quase tudo, bom demais, porque sem ele já era uma dificuldade maior pra mim né, ai já com ele me ajuda bastante. Quando chega o final do mês que eu tiro é pra resolver um tantim ali, um tantim aqui, mais dá certo. Eu compro comida mermo (Amarílis – Grifos meus). Ah, pra mim foi uma benção né. Desde o começo que, foi assim, eu digo assim, agradeço Deus no céu e Lula na terra por ter criado esse programa. Porque foi logo que eu me separei né, me serviu muito. Porque toda vida eu fui boa administradora do que eu tenho, do que eu consigo, toda vida eu soube administrar, por isso eu agradeço. Eu acho muito bom, porque pra quem sabe administrar né, dá pra fazer muita coisa (Camélia – Grifos meus). Foi uma ajuda, veio num momento pra mim de ajuda, que eu estava numa dificuldade. E tanto que o próximo passo meu, é abrir mão dele para outra pessoa, com certeza que precisa mais do que eu (Dália). Pra mim é muito importante, porque eu posso dá comida o meu filho né, assim, sem ta pedindo nada a ninguém, principalmente homi também. E ai eu me sinto assim também mais forte porque através dele eu crio o meu filho, graças a Deus, agradeço muito. Ele me dá mais força, me dá coragem pra num ta pedindo nada á ninguém (Flor de Lis – Grifos meus). Percebemos na fala das mulheres o significado de “ajuda” que o PBF tem para as mulheres, expressando assim o caráter de caridade e benevolência que ainda marcam a Política de Assistência Social. Em relação às transformações do Programa, na ótica das próprias beneficiárias, destaca-se a questão do beneficio do PBF ser uma renda garantida no orçamento familiar, além do fortalecimento da autonomia feminina. Entretanto, essa autonomia, muitas vezes, está diretamente vinculada à 62 maternidade. No tocante ao PBF, a garantia de alimentação para os filhos foi algo ressaltado por algumas mulheres. Em vários relatos, o sentimento de gratidão a Deus pelo recebimento do recurso reforça a ausência de uma consciência cidadã por parte das beneficiárias. Mudou assim, porque é um dinheiro certo que eu tenho todo mês, né. Agora como eu to aqui eu sei, que esses dias eu vou ter esse certo também, vai acabar agora, mas por enquanto tem também (se refere ao trabalho temporário no CRAS), mas assim é um dinheiro certo, todo mês eu sei que eu posso contar com aquilo ali (voltando a se referir ao PBF). Não é uma coisa que talvez, vai vim, não todo mês ela vem, então se eu tenho alguma coisa pra resolver é com ele (Açucena – Grifos meus). Ave Maria mudou demais, só em assim amanhecer o dia ter aonde a gente ir compra pra paga no final do mês com o Bolsa Família já é uma coisa que mudou bastante, que antes né a gente num podia chega numa bodega e comprar, como é que o bodegueiro ia confia. Assim né que num podia sai pra trabaia com os menino pequeno né, ai o Bolsa Família ajudou bastante, a gente chega numa bodega e o bodegueiro vende confiando que no final do mês, a gente tem o Bolsa Família e paga. Ai é uma das coisa que mudo mais, e agora é que mudo mesmo que cumecei fazer meu canto (se refere á um quarto que está construindo para sair do aluguel) com ajuda do Bolsa Família (Amarílis – Grifos meus). Foi bom. Eu, no começo que eu me separei, eu morei de aluguel uns dia, uns tempo, um bom tempo, dava, ajuda pra pagar a energia a água é, num sei se é porque toda vida eu fui assim, aquela pessoa de agradecer, o pouco com Deus é muito e o muito sem Deus é nada né, pra mim foi uma benção mermo, toda vida deu certo (Camélia). Mudou. Com certeza mudou muito porque ele é a coisa certa, que eu tava fazendo bico, né , quando é o dia pra receber, ave Maria era comprar a alimentação do meu filho (Dália). Com certeza. Mudou porque assim, antigamente num pudia nem sustentar meu filho, vivia humilhada né, eu pedia as coisa a ele (se refere ao pai do filho), ai não depois eu mando, num sei que. Ai eu fiz cradastro aí pronto num precisei dele mais pra nada mais. Num fico me homilhando (Flor de Lis – Grifos meus). Mudou porque quando eu não recebia o Bolsa Família, tinha dia que eu ficava muito triste, porque num tinha muita coisa né, pro meu menino cumer, nem eu mesmo. Logo no inicio da minha separação eu passei muita dificuldade porque eu não tinha como sustentar sozinha e foi com a ajuda do Bolsa Família e das minha irmã (Gardênia). Nesses relatos expressa-se mais uma vez o discurso conservador de caridade atribuído historicamente à Assistência Social, apesar de todos os dispositivos legais que a caracterizam como política pública de direito. 63 Diante do discutido até aqui, entendemos que o PBF trouxe contribuições para a elevação da renda dos mais pobres, influenciando no alívio imediato da pobreza. Contudo, em longo prazo, percebemos que o Programa, na maioria dos casos, não proporciona a real superação da situação de pobreza, considerando o contexto de exploração e concentração da riqueza socialmente produzida, inerente à sociedade capitalista. No tópico a seguir discutiremos a centralidade que a família alcançou no âmbito das políticas publicas, especialmente na Assistência Social, com destaque para o Programa Bolsa Família. 2.3 A CENTRALIDADE DA FAMÍLIA NO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA Neste tópico trataremos da centralidade da família nas políticas sociais brasileiras, em especial no PBF. Contudo, antes disso faremos uma discussão sobre a constituição da família na sociedade, destacando seus diversos arranjos. A família, neste trabalho, é também uma das nossas categorias de análise. Inicialmente, para compreendermos família como categoria de análise é necessário “desnaturalizar” a ideia historicamente construída da sua composição baseada no núcleo pai, mãe e filhos. Nas palavras de Durham (2004) “O problema inicial do estudo da família é dissolver essa aparência de naturalidade para percebê-la como criação humana mutável” (DURHAM, 2004, p. 325). Essa disposição à naturalização da família se deve especialmente ao fato da mesma se constituir numa organização regida por relações sociais de base biológica: a reprodução e o sexo. “Clara manifestação disso é a tendência de identificar o grupo conjugal como forma básica ou elementar de família e afirmar sua universalidade” (DURHAM, 2004, p. 325). A naturalização da família também é acentuada pela divisão sexual do trabalho, à medida que esta enfatiza os papeis femininos, vistos como resultado de processos naturais (biológicos), ou seja, a função que foi atribuída à mulher, de cuidadora do lar, filhos e marido. “O fundamental para 64 “desnaturalizar” a família é, portanto, entender que a relação que conhecemos entre grupo conjugal, família, parentesco e divisão sexual do trabalho pode ser dissociada, dando origem a instituições distintas” (DURHAM, 2004, p. 325). O termo família tem origem do latim “familius”, que significa “escravo doméstico”, conjunto de servos e dependentes de um chefe ou senhor (PRADO, 1984). As conceituações para famílias são diversas. De acordo com Bruschini, família “(...) é um grupo social concreto e o parentesco uma abstração, uma estrutura formal, que resulta da combinação de três tipos de relações básicas: a relação de descendência, consanguinidade e afinidade (...)” (BRUSCHINI, 2000, p. 60). Segundo Osterne (2004), Família seria, portanto: [...] algum lugar seja o lar, a casa, o domicilio, o ponto focal onde se possa desfrutar dos sentidos de pertencer, onde se possa experimentar a sensação de segurança afetiva e emocional, onde se possa ser alguém para o outro, apesar das condições adversas mesmo independentes das relações de parentesco e consangüinidade. Algo que possa ser pensado como o local de retorno, o destino mais certo. Local para refazer-se das humilhações sofridas no mundo externo, expandirem a agressividade reprimida, exercitar o auto controle, repreender, vencer o outro, enfim, sentir-se parte integrante. (OSTERNE, 2004, p.65) Assim compreendemos a família como espaço de satisfação das necessidades básicas, bem como, meio onde o sujeito se sente protegido e apoiado, independente dos laços sanguíneos. As abordagens no âmbito da antropologia ressaltam que para uma compreensão de família como uma criação cultural se faz necessário entender o tabu do incesto, que se materializa na interdição de relações sexuais e matrimoniais entre pessoas que mantenham algum vínculo social ou genético. Nesse sentido a proibição do incesto impõe uma regra para a escolha de parceiros, inviabilizando assim manifestações naturais da sexualidade. A obra A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado de Friedrich Engels, editada pela primeira vez no ano de 1884, se expressa como referência para compreensão da gênese da família, sobretudo a monogâmica, e sua relação com o Estado. Segundo Morgan apud Engels (1997) o processo 65 de desenvolvimento da família se divide em três estágios, selvagem, barbárie e civilização. A monogamia, segundo Engels (1997) surge entre a fase média e superior da barbárie e está fundamentada na dominação do feminino pelo sexo oposto. Nesta perspectiva, seu objetivo é a reprodução dos filhos, cuja paternidade se mostre evidente, ou seja, que não se tenha dúvida quanto a este aspecto a fim de garantir a proteção das propriedades dos homens, de forma que sua transmissão ocorra por meio de herança. Ainda de acordo com Engels (1997) a família monogâmica, Baseia-se no predomínio do homem; sua finalidade expressa é a de procriar filhos cuja paternidade seja indiscutível; e exige-se essa paternidade indiscutível porque os filhos, na qualidade de herdeiros diretos, entrarão, um dia, na posse dos bens de seu pai (ENGELS, 1997, p. 66). No Brasil, a família teve diversas influências do contexto histórico de cada período em seu processo de constituição, como por exemplo, o patriarcado. Antes da colonização pelos portugueses, os índios mantinham família com base na poligamia, sem existir também restrições relativas à prática do sexo entre pessoas do mesmo sangue. Era ponto, naturalmente, esse de variar marido de mulher e mulher de marido, com o qual não podia transigir, nem transigia no Brasil, a moral católica: isto é a dura, ortodoxa, representada pelos padres da companhia. Destes o esforço no sentido de fazer praticar na colônia estrita monogamia teve que ser tremendo. (FREIRE, 2006, p. 168). Ao se transformar em colônia de Portugal e sob um regime escravocrata, a família se organizou, dentro de uma perspectiva de desempenhar funções essencialmente econômicas e políticas, agora tendo como referência um modelo de família patriarcal. A formação patriarcal do Brasil explica-se, tanto nas suas virtudes como nos seus defeitos, menos em termos de “raça” e de “religião” do que em termos econômicos, de experiência de cultura e de organização da família, que foi aqui a unidade colonizadora. Economia e organização social que às vezes contrariam não só a moral sexual católica como as tendências semitas do português aventureiro para a mercancia e o tráfico (FREYRE, 2006, p. 34). O desenho de família que influencia este período da formação social brasileira tem como principais características, uma divisão estabelecida de 66 forma hierárquica e severa dos papeis sociais a ser desempenhado por homens e mulheres, o controle da sexualidade feminina, bem como, o fato de se regulamentar a procriação para fins de herança e sucessão. Os casamentos eram realizados por conveniências econômicas ou por membros de uma mesma família que tivessem interesse em instituir alianças. Desse modo, as razões afetivas ou sexuais eram consideradas para se estabelecer à união entre os casais. Dessa maneira, era legitimo ao homem a busca de sua satisfação sexual fora do casamento, ou seja, a sexualidade masculina poderia ser exercida livremente, porém os filhos gerados fora do casamento eram considerados ilegítimos. Segundo Bruschini (2000), apesar de nas camadas sociais dominantes, o modelo família patriarcal ter se constituído como predominante, nas camadas populares podiam ser observados outros modelos familiares “em virtude dos elevados custos do casamento, o concubinato e as uniões consensuais, isentando os homens da responsabilidade pela prole e provocando elevada incidência de mulheres chefes de família” (BRUSCHINI, 2000, p. 57). O modelo de família nuclear burguesa - sendo composta por pai, mãe e filhos – chega ao Brasil em meados do século XVIII, concomitantemente à vinda da família real portuguesa à colônia brasileira. Neste momento, vislumbra-se a consolidação da família burguesa como espaço privado, desenvolvendo-se assim certa autonomia desta instituição. Outro traço marcante durante o século XVIII no Brasil é a família higienista, que se caracteriza pelo cuidado com a prole e a organização moral do meio familiar. Assim, novas regras foram impostas ao contrato conjugal, a partir desse momento, a preocupação essencial do casal passa a ser com os filhos e o sinônimo de bom casamento passa a se relacionar com questões higiênicas. A escolha do cônjuge estava manifestada a esta proposição. O cuidado com a prole converteu-se, por esta via, no grande paradigma da união conjugal. A partir dele, processou-se a corrosão do matrimonio colonial. As praticas sociais que davam corpo ao casamento de razão foram sendo golpeadas uma por uma (COSTA, 1989, p. 219). A partir das transformações ocorridas durante o século XIX, mediante do advento da urbanização, da industrialização e do fim da 67 escravidão, a família brasileira sofreu alterações, destacando-se agora as funções afetivas, de procriação e controle do impulso sexual. Os casamentos passam a se realizar por interesses individuais, existindo uma igualdade maior entre os sexos, apesar da sexualidade feminina continuar sendo reprimida, com um controle maior da natalidade. Nesse período também as mulheres passaram exercer atividades remuneradas, diminuindo assim o poder do patriarca. A partir do século XX, a família passa por redefinições, relacionadas em particular com a quebra da tradição familiar, que até pouco antes era intacta. Desse modo, o amor, o casamento, a família, a sexualidade e o trabalho, antes vivenciados a partir de papeis preestabelecidos, hoje são concebidos como parte de um projeto em que a individualidade prevalece e adquire importância social, situando como problema atual a necessidade de compatibilizar a individualidade e reciprocidade familiares (OSTERNE, 2001, p.89). Destarte, dentre as mudanças na estrutura e dinâmica familiar, destaca-se, o aumento das uniões estáveis, elevação do número de separações, ampliação de famílias recompostas (pai e mãe trazem filhos de outros relacionamentos) e monoparentais (composta por mãe e/ou pai e filhos que incidem nas famílias tendo mulheres como chefe), diminuição da fecundidade, famílias homoafetivas e famílias sem filhos. A dimensão de individualização da família, citada acima nas palavras de Osterne (2001), parece não se fazer presente nas famílias em situação de pobreza. Segundo a autora, isso se deve a ausência de recursos que favoreçam a consolidação deste projeto individual. As famílias pobres se constituem como redes de relações de suporte material e afetivo “(...) laços de parentesco e de vizinhança através dos quais viabilizam sua condição de existência” (OSTERNE, 2001, p.90). Segundo Sarti (2008), existe no mundo da população pobre, uma tendência de divisão complementar entre os papeis de autoridade desempenhados por homens e mulheres na unidade familiar. Sendo o homem responsável pela família e a mulher pela casa. Nesse sentido cabe ao homem a autoridade moral da família, intervindo nas relações desta com o universo exterior. Já à mulher é destinado 68 o papel de zelar pela casa e cuidar dos membros do grupo familiar, “mantendo sempre a ordem”. Ou seja, “o homem é considerado chefe da família e a mulher chefe da casa” (SARTI, 2008, p. 28). Ainda de acordo com a citada autora, “Casa e família, como homem e mulher, constituem um par complementar, mas hierárquico” (SARTI, 2008, p. 28). No caso de famílias monoparentais, a ausência da autoridade, seja do homem ou da mulher é normalmente transferida para alguém próximo, seja essa ligação de laço consanguíneo ou não. Destarte, Sarti (2008) destaca, A família pobre constituindo-se em rede, com ramificações que envolvem o parentesco como um todo, configura uma trama de obrigações morais que enreda seus membros, num duplo sentido, ao dificultar sua individualização e, ao mesmo tempo, viabilizar sua existência como apoio e sustentação básicos (SARTI, 2008, p. 31). Assim a noção de família para os pobres tem apoio na ideia de obrigação, sendo atribuídos os papeis de acordo com essas obrigações morais mútuas, ou seja, o compromisso torna-se elemento central para definição de parentesco. Nesse sentido o valor da família para os pobres não se configura apenas pelo papel de rede de apoio desempenhado por esta, mas também por se constituir em referência emblemática na organização e ordenamento de sua compreensão do mundo social. De acordo com Sarti (2008) “No mundo simbólico dos pobres, a família tem precedência sobre os indivíduos, e a vulnerabilidade de um de seus membros, implica enfraquecer o grupo como um todo” (SARTI, 2008, p.34). Na perspectiva de satisfação das necessidades das famílias em situação de pobreza e vulnerabilidade social é pertinente a discussão acerca da proteção social e a matricialidade sociofamiliar7 nas políticas, particularmente na Assistência Social. A incorporação da família no campo da política social se deu secularmente por uma ideia central conhecida como familista que propõe duas maneiras de satisfação das necessidades dos indivíduos: a família e o 7 A centralidade da família na Política de Assistência Social se justifica na seguinte premissa: para que a unidade familiar proteja e promova a inclusão de seus membros, é necessário que esta tenha condições de sustentabilidade. 69 mercado. Sendo permitida a intervenção estatal de forma provisória, somente com a falha de um destes. Assim segundo Peixoto (2010), a família sempre foi objeto de investidura do Estado, no sentido de garantir a sobrevivência de seus membros frente às adversidades da rua e da realização do trabalho mercantil no mundo público. Espaço de acolhimento, de manifestações e de afeto, a família também se coloca, historicamente, como lugar de disciplinarização, através da absorção, por parte dos seus membros, de códigos de conduta que definem papéis outorgados para homens e mulheres (PEIXOTO, 2010, p. 145). Esta concepção se aprofunda em tempos neoliberais, momentos em que se torna cada vez mais difícil uma família contar com recursos suficientes para garantir a satisfação das necessidades de seus membros, em decorrência da pauperização que atinge maior parte da população. Acrescenta-se a isso a minimização da responsabilidade do Estado na garantia dos direitos sociais e fragilidade da cobertura dos serviços sociais, tornando-se a família um campo de ressarcimento dessa deficiência e meio de reprodução das relações sociais e suprimento das necessidades básicas. Nesse cenário criam-se diversos instrumentos de regulamentação da Política de Assistência Social, que tem como um de seus eixos estruturantes a matricialidade sociofamiliar. Esta pressupõe que para a família proteger e incluir seus membros é necessário que seja garantida elementos de sustentação para tal. Nesse sentido um dos objetivos da Política Nacional de Assistência Social – PNAS é “Prover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e, ou, especial para famílias, indivíduos e grupos que deles necessitarem”. (PNAS, 2004, p. 33). Osterne (2006) nos alerta que vem se estabelecendo uma lógica de família enquanto parceira das políticas públicas. Nesse sentido, aquela se torna base estratégica desta, vislumbrando-se a construção da autonomia familiar. Ainda de acordo com a lei nº 10.836/2004 que cria o Programa Bolsa Família – PBF, a família pode ser entendida como, a unidade nuclear, eventualmente ampliada por outros indivíduos que com ela possuam laços de parentesco ou de afinidade, que forme um grupo doméstico, vivendo sob o mesmo teto e que se mantém pela contribuição de seus membros. (BRASIL, 2004, § 1o , inciso I). 70 O Programa Bolsa Família dispõe ainda do Índice de Desenvolvimento Familiar – IDF. Este se configura em indicador sintético que tem como função medir o grau de desenvolvimento das famílias, viabilizando a apuração do nível de vulnerabilidade das famílias inscritas no Cadastro Único para Programas do Governo Federal – CADÚNICO. Assim, como outros indicadores abordam a pobreza em perspectiva multidimensional, o IDF pode variar entre 0-1. Quanto melhor forem as condições do núcleo familiar, mais o índice se aproximará de 1, reitera-se que a unidade de análise do IDF é família e não o individuo (BRASIL, 2010). Nesta perspectiva percebemos o espaço de destaque que a família preenche no Programa Bolsa Família – PBF, como um dos elementos que servem de base para o programa, à medida que as condicionalidades e os recursos serão administrados na unidade familiar, e enquanto campo de manutenção de bem-estar de seus membros. Nesse sentido Annova Carneiro (2010) destaca, A centralidade da família pobre definida pelo Programa Bolsa Família deve estar alicerçada na percepção da família como grupo social, cujos membros precisam atender a necessidades de diferentes ordens (saúde, educação, habitação, assistência, segurança alimentar) que não são dissociadas entre si, ultrapassando ações baseadas na concepção de pobreza absoluta (CARNEIRO, 2010, p. 95). O PBF abrange em suas ações todos os membros das famílias, de acordo com o que consta no sitio do MDS, a transferência monetária conta com: Benefício Básico (R$ 70 concedidos apenas a famílias extremamente pobres); Benefício Variável (no valor de R$ 32, concedidos pela existência na família de crianças de zero a 15 anos, gestantes e/ou nutrizes – limitado a cinco benefícios por família); Benefício Variável Vinculado ao Adolescente (BVJ) (R$ 38 concedidos pela existência na família de jovens entre 16 e 17 anos – limitado a dois jovens por família); Benefício Variável de Caráter Extraordinário (BVCE) (com valor calculado caso a caso, e concedido para famílias migradas de Programas Remanescentes ao PBF); e Benefício para Superação da Extrema Pobreza na Primeira Infância (BSP) (com valor correspondente ao necessário para que a todas as famílias beneficiárias do 71 PBF – com crianças entre zero e seis anos – superem os R$ 70,00 de renda mensal por pessoa). Ainda de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate á Fome, as condicionalidades abrangem as áreas de saúde, educação e assistência social. Na saúde as famílias assumem o compromisso de acompanhar o cartão de vacinação e o crescimento e desenvolvimento das crianças de até 7 (sete) anos. As mulheres entre 14 e 44 anos também devem fazer o acompanhamento e, se gestantes ou nutrizes (lactantes), devem realizar o pré-natal e o acompanhamento da sua saúde e do bebê. Na educação, todas as crianças e adolescentes entre 6 (seis) e 15 (quinze) anos devem estar devidamente matriculadas e com frequência escolar mensal mínima de 85% da carga horária. Já os estudantes entre 16 e 17 anos devem ter frequência de, no mínimo, 75%. Na área de assistência social, crianças e adolescentes com até 15 anos em risco ou retiradas do trabalho infantil pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI devem participar dos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) do PETI e obter frequência mínima de 85% da carga horária mensal. Nesse âmbito do Programa Annova Carneiro (2010) enfatiza que, O fato de o Programa Bolsa Família propor-se a possibilitar o acesso das famílias aos serviços sociais básicos aponta para a necessidade dos seus implementadores buscarem a articulação intersetorial mediante o estabelecimento de interfaces com os demais programas existentes e políticas sociais de modo a atender a família integralmente e não de forma fragmentada (CARNEIRO, 2010, p. 96). Os programas complementares se configuram como ações que visam potencializar as oportunidades de geração de renda nas famílias para superação da situação de pobreza, através de oficinas de inclusão produtiva, projetos de alfabetização e programas de microcrédito. É importante destacar que dentro da família, a mulher se destaca como responsável pela posse do cartão para retirada do beneficio, na administração da renda recebida, no acompanhamento das condicionalidades e na participação das atividades complementares proposta. Nesta perspectiva no próximo tópico trataremos da condição da mulher dentro do PBF, a partir do conceito de gênero. 72 2.4 AS MULHERES NO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: UM OLHAR A PARTIR DA PERSPECTIVA DE GÊNERO Nesse ponto discutiremos acerca da centralidade das mulheres no Programa Bolsa Família, à luz da categoria gênero. O termo gênero foi utilizado ao longo de alguns séculos para se referir a características sexuais das pessoas, tendo como referência para esta compreensão termos da gramática. O uso desse termo para referir-se “a organização social da relação entre os sexos” (SCOTT, 1991, p.2) foi utilizado pioneiramente por feministas. As feministas americanas aparecem como as primeiras a utilizarem o termo para demonstrar que as distinções de sexo têm caráter social. O objetivo das feministas americanas era compreender o simbolismo das representações sociais dos sexos nas sociedades, descobrindo o que determinava a ordem hierárquica estabelecida entre homem e mulher em busca da sua superação. Nos anos 1980, a palavra gênero passa a ser sinônimo de mulher, no intuito de legitimar os estudos acadêmicos feministas “(...) o gênero inclui as mulheres sem as nomear, e parece assim não se constituir em uma ameaça critica” (SCOTT, 1991, p.06). Com a ampliação das pesquisas sobre sexo e sexualidade, o termo gênero passou a ser utilizado como forma de diferenciar as práticas sexuais dos papeis sociais representados por homens e mulheres. As historiadoras feministas utilizaram várias vertentes na busca de elaborar uma análise para a categoria gênero. Resumidamente, podemos destacar três: a primeira voltada para explicação da origem do patriarcado, a segunda apoiada na tradição marxista e a terceira com base na psicanálise nas sociedades francesas e americanas. A teoria com base no patriarcado explicava a subordinação da mulher ao homem, como uma “necessidade” de dominação masculina sob o feminino. Segundo Scott apud Hegel (1991) explica está dominação como resultante da vontade masculina de ultrapassar sua incapacidade de geração da espécie. 73 A vertente teórica marxista das feministas busca uma explicação material para as desigualdades nas relações de gênero, a partir dos processos históricos. Os debates rejeitavam a ideia de que as condições biológicas de reprodução são determinantes para a legitimação da divisão sexual do trabalho, dentro da lógica capitalista. Essa vertente afirma, porém, que a relação de subordinação da mulher é anterior ao capital. Contudo, buscavam um esclarecimento de base materialista, sendo contrárias as explicações vinculadas as diferenças naturais e físicas. A terceira vertente baseia-se na psicanálise americana e francesa, estando centrada em torno da sexualidade. Legitimam que as desigualdades de gênero se resumem a uma má distribuição das atividades domésticas e parentais, limitando o debate de gênero ao meio familiar. Vale ressaltar a perspectiva analítica de gênero vinculada ao pós feminismo. Esta vertente critica o modelo binário sexo/gênero, em que há o entendimento do sexo como algo natural e do gênero como uma construção social. Destarte, Aguiar apudi Butler (2005), Butler quis retirar da noção de gênero a idéia de que ele decorreria do sexo e discutir em que medida essa distinção sexo/gênero é arbitrária. Butler chamou a atenção para o fato de a teoria feminista não problematizar outro vínculo considerado natural: gênero e desejo (AGUIAR, 2005, p. 179). A partir dessa desnaturalização de gênero, a autora Butler repensa as restrições que a teoria feminista enfrenta quando tenta representar as mulheres. Para Butler o sujeito do feminismo, torna-se um sujeito estável, sendo necessário pensar o sujeito como um devir permanente (AGUIAR, 2005). Nesta perspectiva considera-se que o sexo não é algo natural, mas também socialmente construído, assim como o gênero. Desta forma não se estabelece diferença alguma entre gênero e sexo. Contudo para o desenvolvimento desse trabalho, tomaremos como referência a vertente teórica marxista, considerando que esta viabiliza a 74 desnaturalização das opressões e das subordinações postas as mulheres na sociedade. Essa abordagem permite uma análise critica das reais determinações deste traço nas relações sociais entre homens e mulheres. Segundo Cisne (2012), Essa teoria, ao expor em bases materiais concretas as determinações da subordinação da mulher, permite engendrar ações pela transformação dessa situação, transformação essa, em torno da busca pela igualdade substantiva. Enfim, a teoria marxista vai ao cerne, ao foco das desigualdades sociais, analisando dentro de uma perspectiva de totalidade a opressão e a exploração da mulher (...) (CISNE, 2012, p. 95). Conforme dito anteriormente, as reflexões teóricas que considerem gênero, como categoria de análise, só surgem em meados do século XX, como afirma Scott (1991), De fato algumas dessas teorias construíram sua lógica sob analogias com a oposição masculino/feminino, outras reconheceram uma “questão feminina”, outras ainda preocuparam-se com a formação da identidade sexual subjetiva, mas o gênero, como um meio de falar de sistemas de relações sexuais ou entre os sexos, não tinham aparecido (SCOTT, 1991, p.19). Nesse espaço aberto para o debate sobre gênero, foi que as feministas encontraram uma vertente teórica própria e estabeleceram alianças cientificas e políticas, no intuito de viabilizar a articulação da discussão de gênero, enquanto categoria de análise. Scott (1991) também reconhece gênero enquanto uma categoria que expressa às relações de “desigualdades entre feminino e masculino, ao afirmar que “o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder” (SCOTT, 1991, p.21). A partir daí vários foram os autores que discutiram e discutem a categoria gênero. Osterne (2001) compreende gênero enquanto “(...) uma construção social das relações entre homens e mulheres e como um dos campos onde a hierarquia e o poder se articulam” (OSTERNE, 2001, p. 131). Cisne (2012) entende que a categoria gênero trata-se de uma análise histórica e crítica das relações entre homens e mulheres, enfatizando 75 as desigualdades construídas socialmente entre ambos. A autora ainda nos alerta para uma compreensão de gênero que ultrapasse as construções culturais, como destaca a seguir, O grande equivoco está em acentuar a ênfase nas diferenças, apenas como construção culturais, não se analisando, em uma perspectiva de totalidade, que tais expressões têm marcas de classe, ao denotarem claros interesses da burguesia em perpetuar subordinações e explorações que a favoreça, seja em força de trabalho precarizada, seja na responsabilização das mulheres pela reprodução social (CISNE, 2012, p. 88). A discussão acerca da categoria gênero contribui significativamente para que as desigualdades construídas historicamente entre homens e mulheres sejam desnaturalizadas. Peixoto (2010) agrega um caráter político para categoria em questão, considerando que: “(...) ao enxergar as mulheres como sujeitos de direitos, delimita-se uma posição de negação das formas de opressão e subordinação a que as mulheres estão submetidas, rumo à construção de valores e práticas que promovam a emancipação humana, através da igualdade entre ambos os sexos” (PEIXOTO, 2010, p. 118). Historicamente, o lugar reservado às mulheres na sociedade brasileira foi o da casa e dos cuidados com os filhos e o marido “subjugada dentro de uma estrutura opressiva e sexualmente assimétrica” (BRUSCHINI, 2000, p.68). Esse fato se deve a dois fatores principais, a divisão sexual do trabalho resultante do forte patriarcalismo presente no desenvolvimento da sociedade brasileira. O primeiro contorna uma distinção entre os papeis desempenhados por homens e mulheres, tendo como espaço privilegiado de manifestação a família. Essa lógica tende a subalternizar as atividades tidas como “de mulheres” em relação às desempenhadas pelos homens. Parece necessário reconhecer que a variabilidade das formas concretas de divisão sexual do trabalho se constrói em torno de uma tendência praticamente universal de separação da vida social entre uma esfera publica, eminentemente masculina, associada á política e á guerra, e uma esfera doméstica privada, feminina, presa á reprodução e ao cuidado com as crianças. (DURHAM, 2004, p. 327). Já o patriarcado estabelece gritantes diferenciações entre os comportamentos femininos e masculinos. Nesse contexto, as mulheres sofrem repressões especialmente no campo da sexualidade, o modelo patriarcal que 76 imperou na sociedade brasileira por tempos caracterizava-se “(...) pelo controle da sexualidade feminina e regulamentação procriação, para fins de herança e sucessão. A sexualidade masculina se exercia, no entanto, livremente” (BRUSCHINI, 2000, p.67). Apesar das transformações históricas e tecnológicas que afetaram diretamente as mulheres, como por exemplo, a maior inserção destas no mercado de trabalho, o surgimento da pílula anticoncepcional e mais recentemente, dos métodos de concepção, como a concepção in vitro que possibilitaram uma maior liberdade as mulheres na decisão pela maternidade. No entanto, esse papel continua sendo majoritariamente feminino. Portanto, a maternidade trata-se ao longo da historia de um papel essencialmente feminino. Nesta perspectiva a função social da mulher esteve sempre relacionada à realização da maternidade. Assim, as atividades relacionadas aos cuidados com os filhos foram historicamente atribuídas às mulheres. Nesse contexto histórico e cultural, em que o espaço reservado às mulheres é o âmbito privado, destacamos a responsabilidade das mulheres pela família diante as políticas sociais. Nesse âmbito, muitas vezes elas não são vistas como mulheres cidadãs, mas como mães. O Programa Bolsa Família materializa essa ideia da mulher como a melhor indicada para os cuidados com a família e a casa, à medida que tem na figura feminina as titulares do programa e portadoras do cartão de recebimento do beneficio. Isso deve-se ao fato das mulheres serem as mais indicadas para a tarefa de administrar a renda recebida, a fim de atender as reais necessidades da família. Como afirmam Mariano e Carloto (2011), “(...) frequentemente a mulher-mãe renuncia “naturalmente a consumos individuais a favor dos consumos dos outros membros da família, o marido ou os filhos”” (MARIANO; CARLOTO, 2011, p.72). Destacamos a opinião das mulheres entrevistadas nesta pesquisa, acerca deste traço marcante do PBF. As mesmas reforçam essa opção política do Governo Federal, reproduzindo o discurso de que a mulher é quem sabe o 77 que “está precisando em casa” e, é quem deve ter maior responsabilidade com a unidade doméstica e com os cuidados da família. A divisão sexual do trabalho é algo naturalizado nos discursos das mulheres. Tá certo, porque eu acho que assim, que... a mulher é que fica em casa com os filhos, então é ela que sabe o que ta precisando, o homem nunca sabe o que ta precisando. Um marido num vai sabe quando acabou o sabão, quando acabou a quiboa não. Então eu acho que é pra ser da mulher mesmo. Tá certo (Açucena – Grifos meus). Acho bom demais né. E meu o cartão vou no dia, tiro e graças a Deus eu resolvo minhas coisa. Ave Maria, acho bom demais eu mesmo ser a responsável dele (risos). Assim porque a mulher né, sabe resolve melhor, recebe o dinheiro do Bolsa Família e se preocupar com a conta que tem feito pra paga. Já, já o homi já era diferente né (risos), num ta nem ai (Amarílis – Grifos meus). Ah! Só penso que foi bom demais, porque, já pensou se tivesse ficado com o pai dos menino né. Ele tinha ficado e acabado tudo com a outra. Mas eu acho que é muito bom o cartão ta na mão da mulher, desde que a mulher sabe administrar né, porque tem muita mulher também que não sabe administrar o que tem. Mas no meu lado de ver, foi uma benção tudo ter ficado comigo, porque eu sei como (Camélia). Eu acho que é certo né (o cartão ser no nome da mulher). Sabe por quê? Por que antigamente né, quando começo esse cartão muita gente recramava que vinha dos homi né, ai os homi pegava o cartão e ia bebe, ai quando chegava em casa dizia que tinha perdido o dinheiro. Certo nome da mulher, que ai a mulher pode comprar alguma coisa pra dentro de casa (Flor de Lis – Grifos meus). Eu acho certo fica com a mulher, agora se ele for viúvo tudo bem, mas se não tem que ficar com a mulher, porque a mulher é mais responsável. Ela pensa mais nos filhos e já sabe mais o que precisa dentro de uma casa (Gardênia – Grifos meus). Diante de tais falas, percebemos a naturalização do papel social historicamente atribuído e exercido pelas mulheres dos cuidados com a casa e com os filhos, reforçando o espaço privado como o reservado às mulheres. O papel de cumprir as condicionalidades presentes no PBF, relacionadas à saúde e educação, também é atribuído as mulheres, além da responsabilidade de participar dos grupos e atividades desenvolvidas pelas instituições executoras da Política de Assistência Social, a exemplo das ações complementares do Programa. Assim, as mulheres utilizam a maioria do seu tempo em atividades não remuneradas e socialmente desvalorizadas, restringindo-se ao âmbito privado da vida familiar. 78 CAPITULO III – AS MULHERES CHEFES DE FAMILIAS QUE PARTICIPAM DO PROJETO ESTAÇÃO FAMÍLIA EM CAPISTRANO/CE O último capitulo deste trabalho se divide em quatro tópicos. O primeiro trata do percurso metodológico da pesquisa, no qual descrevemos as estratégias metodológicas utilizadas, o meu interesse pelo tema e como se deu a aproximação com o objeto de estudo. O segundo tópico retrata o lugar da pesquisa, aspectos gerais, econômicos, demográficos e sociais do município de Capistrano e a caracterização do Projeto Estação Família, bem como o contexto de seu surgimento no Estado do Ceará. No terceiro tópico retratamos os sujeitos da pesquisa, ou seja, as mulheres chefes de família, descrevendo um pequeno perfil das seis entrevistadas. Por fim, traremos reflexões acerca da relação entres as mulheres chefes de famílias e o Projeto Estação Família, destacando o significado e as mudanças decorridas do Projeto na vida das mulheres. 3.1. TRAJETÓRIAS METODOLÓGICAS DA PESQUISA O objetivo geral desta pesquisa é analisar as contribuições do Projeto Estação Família, na vida de mulheres chefes de família e usuárias do PBF no município de Capistrano-CE. O interesse pelas políticas de combate à pobreza se deu no decorrer de minha vida acadêmica. Inicialmente no quarto semestre, com a disciplina de Políticas Sociais Setoriais, concomitante a elaboração do Projeto de Pesquisa, na disciplina de Pesquisa Social II. A partir daí busquei me aprofundar nas leituras referentes ao tema. Ressaltamos que algumas reflexões trazidas pela professora Letícia Peixoto em sala de aula referente ao tema me instigaram ainda mais na construção desse objeto. Outro momento que muito contribuiu para aproximação com esse objeto foi a construção de um artigo intitulado de: “Programa Bolsa Família no Enfretamento à Extrema Pobreza no Brasil: Impactos Econômicos na Vida dos Usuários e Limites de sua Operacionalização”, de minha autoria, sob orientação da professora Eveline Ribeiro. 79 A opção por trabalhar com mulheres chefes de família ocorreu, de certa maneira, pela minha experiência pessoal de família que é monoparental chefiada por minha mãe, e por outras parentes, como tias, que conduzem a unidade familiar. Esse tema, por sua vez, mostra-se atual pela ênfase política dada ao Programa Bolsa Família e pela sua expansão no contexto brasileiro. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome – MDS, no Brasil, mais de 12 milhões de famílias são atendidas pelo programa. Na região Nordeste o número ultrapassa seis milhões de famílias. Na contemporaneidade, a transferência de renda e as estratégias de inclusão produtiva se configuram nas principais formas de combate à pobreza por parte do Estado brasileiro. Nessa perspectiva, ressaltamos o papel de centralidade da família e das mulheres na operacionalização desta política, sendo de responsabilidade da mulher o acompanhamento do cumprimento das condicionalidades e da participação nas atividades propostas pela política de assistência social. Com isso é enfatizado as funções de cuidadora da família e do lar atribuídas historicamente às mulheres. No caso das mulheres chefes de família, essa responsabilidade é dobrada, pois além de proverem o sustento da família com renda normalmente oriunda da transferência de renda e de pequenos trabalhos informais, continua sendo também responsabilidade desta, o papel de educar os filhos e de cuidar das atividades domésticas. Esta realidade vem crescendo na sociedade brasileira. A pesquisa se desenvolve tendo como referência o método dialético, considerando que este nos permite uma compreensão dos fatos sociais em sua totalidade, à medida que diversos elementos dialogam entre si. Tais fatos sociais são inseridos na sociedade capitalista, sendo esta produtora da questão social e esta é a matéria prima do Serviço Social. Segundo Minayo (1994) a dialética “compreende uma relação intrínseca de oposição e 80 complementaridade entre o mundo natural e o social, entre o pensamento e a base material” (MINAYO, 1994, p. 25). Vale ressaltar que a pesquisa foi do tipo qualitativa, considerando que esta proporciona ao pesquisador uma maior aproximação com o objeto e uma análise mais detalhada da realidade social. Conforme Minayo (1994) a pesquisa qualitativa, Trabalha com o universo de significados, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos á operacionalização de variáveis (MINAYO, 1994, p. 21 - 22). Utilizei ainda a pesquisa bibliográfica e documental para construção das reflexões teóricas e das informações oficiais acerca do objeto de estudo. Segundo Gil (2002), “A principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente” (Gil, 2002, p. 44). No tocante a pesquisa documental, o mesmo autor explicita que “os documentos constituem fonte rica e estável de dados. Como os documentos subsistem ao longo do tempo, tornam-se a mais importante fonte de dados em qualquer pesquisa de natureza histórica” (GIL, 2002, p.46). Para a coleta dos dados, utilizamos a entrevista semiestruturada, visando conhecer vários aspectos da vida socioeconômica das mulheres. A escolha pela entrevista se justifica por esta possibilitar uma maior abertura para fala dos sujeitos pesquisados, permitindo uma maior absorção de detalhes expostos. A entrevista é o procedimento mais usual no trabalho de campo. Através dela, o pesquisador busca obter informes contidos na fala dos atores sociais. Ela não significa uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez que se insere como meio de coleta dos fatos relatados pelos atores, enquanto sujeito-objeto da pesquisa que vivenciam uma determinada realidade que está sendo focalizada (MINAYO, 1994, p. 57). O universo da pesquisa é em média de cem mulheres usuárias do Projeto Estação Família - PEF, no município de Capistrano. Elas estão divididas em quatro grupos nas localidades da Sede, Carqueja, Mazagão e 81 Agrovila. Dentre as atividades do projeto destacam-se as oficinas variadas de inclusão produtiva, nas áreas de pintura em tecido, culinária básica (doces e salgados) e oficina artesanal de chocolate, bem como momentos de discussões sobre temas relacionados às desigualdades de gênero. Os critérios utilizados para seleção das entrevistas foram mulheres inseridas no Projeto Estação Família, beneficiárias do Programa Bolsa Família que desenvolvam o papel de chefe de família e residam nas localidades da Sede e Carqueja (onde se localizam os CRAS‟s do município). Dentro desse perfil existiam sete mulheres, contudo, só consegui ter acesso a seis, pois uma delas faltou as duas reuniões do Projeto em que eu estava no município realizando a pesquisa. O meu contato inicial com a dinâmica da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social – STDS e com os CRAS‟s do município de Capistrano se deu ainda no ano de 2011, quando passei o mês de férias (julho) como estagiária na instituição. Ao retornar agora ao local como pesquisadora, não percebi muitas mudanças da realidade percebida e vivenciada anteriormente. Costumo sempre destacar a grande demanda de espera pela chegada da Assistente Social. A diferença é que agora a STDS funciona em outro prédio, ficando um pouco mais distante do CRAS Sede. O caminho percorrido até chegar às mulheres sujeitos desta pesquisa, iniciou-se a partir do estabelecimento de contato com os técnicos da Assistência Social do município, os quais me encaminharam até as mulheres, mediante o perfil estabelecido na pesquisa. Houve uma boa receptividade das mulheres em relação a estas serem entrevistadas. Percebi que, em geral, as entrevistas se deram de forma tranquila, sendo as perguntas respondidas naturalmente, a partir da realidade de suas vidas. Contudo duas das entrevistadas mostraram certa resistência em responder as perguntas do roteiro de entrevistas, alegando serem tímidas e não saberem responder as perguntas. As entrevistas foram analisadas numa perspectiva de avaliar as particularidades vividas de cada mulher entrevistada e compreender a 82 realidade investigada. Busquei articular aos relatos das entrevistadas ao contexto social e econômico em que estão inseridas. Na fase final da pesquisa, todos esses processos foram analisados e redigidos em relatório de pesquisa. 3.2. O LUGAR DA PESQUISA: O PROJETO ESTAÇÃO FAMÍLIA EM CAPISTRANO O município de Capistrano localiza-se na microrregião do Maciço de Baturité, distante 93 quilômetros de Fortaleza. Os municípios limítrofes são Baturité, Mulungu, Itapiúna e Aratuba. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2010), sua população é de 17.062 habitantes, destes 8.638 são homens e 8.424 mulheres. Configura-se como município de pequeno porte I para a Política de Assistência Social. O Índice de Desenvolvimento Municipal (IDM) – 2010 é 22,99 e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – 2000 é 0,631. De acordo com o Censo IBGE de 2010, existem no município aproximadamente 2.820 famílias pobres no perfil do Programa Bolsa Família – PBF e 3.375 famílias de baixa renda no perfil do Cadastro Único. Segundo dados constantes no Relatório de Informações Sociais divulgado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate á Fome – MDS, em abril de 2012 existiam 4.664 famílias inseridas no CADÚNICO. O Índice de Desenvolvimento Familiar – IDF do município em 2010 era de 0,55. Capistrano foi elevado à categoria de município com a denominação de Capistrano, em homenagem ao historiador cearense Capistrano de Abreu, pela Lei Estadual nº 1153, de 22/11/1951. Segundo dados constantes no Perfil Básico Municipal 2012, publicado pelo Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE), atualmente a economia do município se dispõe da seguinte forma: agropecuária 12,65%; indústria 10,20%; e serviços 77,15%. Em relação às áreas de empregos formais em 2011, temos: indústria de transformação; construção civil; comércio; serviços e administração pública. 83 O contexto social do município expressa condições de pobreza. De acordo com o Censo Demográfico (2010), 6.117 pessoas vivem na extrema pobreza, sendo 4.461 na área rural e 1.656 na área urbana. Proporcionalmente falando, 35,9% da população está na extrema pobreza, com intensidade maior na área rural (41,1% da população na extrema pobreza na área rural em contraposição a 26,7% na área urbana). No que diz respeito à Rede de Proteção Social, o município conta com dois CRAS‟s: Centro de Referência da Assistência Social - CRAS Pe. Bernardo Bourassa, localizado na Rua Antonio Bezerra, S/N na sede de Capistrano e o Centro de Referência da Assistência Social Carqueja, localizado no Sitio Carqueija dos Alves, Zona Rural do município, - locais onde foi desenvolvida a pesquisa de campo. Além destes, há o Centro de Referencia Especializado da Assistência Social, ambos geridos pela Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social do município. Destacamos agora o processo de construção do Projeto Estação Família – PEF no Ceará. No ano de 2006, começou a ser discutido como uma estratégia de trabalho social com famílias. O debate foi iniciado por entidades governamentais e não-governamentais, dentre elas: Associação para o Desenvolvimento dos Municípios do Ceará – APDMCE, Fundo das Nações Unidas para á Infância – UNICEF, Escola de Dança – EDISCA e Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social do Ceará – STDS. De acordo com informações do Manual do Técnico do PEF, o citado grupo investigou experiências locais e internacionais voltadas para o trabalho com famílias. Inicialmente, foi observado o Projeto “A Vida Feminina”, desenvolvido pela EDISCA. As mulheres participantes deste desenvolviam a capacidade de enfrentar situações advindas da pobreza. A segunda experiência visitada foi o “Projeto Puente” no Chile. Além dessas, o grupo obteve informações de outros programas desenvolvidos em São Paulo e Minas Gerais. A partir de então, tinha-se o escopo do Projeto Estação Família. A seleção dos municípios para participação no projeto foi feita de acordo com sua posição no ranking de vulnerabilidade social. 84 Os órgãos e entidades envolvidas que implementaram o Estação Família foram: Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social – STDS desempenhando papel de agente financiador, coordenação e supervisão técnica; Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF com a função de agente articulador, captador de recursos, apoio logístico e técnico; Associação para o Desenvolvimento dos Municípios do Ceará – APDMCE com a competência de agente mobilizador e articulador, captador de recursos, apoio logístico e técnico; Grupo de Apoio ao Investimento Social - GAIS, como agente administrativo, mobilizador e apoio logístico e as Prefeituras Municipais que são agentes executores do projeto, através dos Centros de Referência da Assistência Social – CRAS‟s. O objetivo geral do projeto é desenvolver e expandir as competências familiares, viabilizando o processo de autonomia das famílias em situação de vulnerabilidade, numa perspectiva de inclusão social. As diretrizes que norteiam a execução do PEF se resumem em quatro: 1. Compreensão da família e seus membros, enquanto sujeitos capazes de conhecer, aprender, produzir novos conhecimentos e mudanças individuais e coletivas; 2. O técnico, enquanto educador que intervém na realidade das famílias, respeitando seus saberes; 3. A família enquanto sujeito do processo de desenvolvimento da capacidade de refletir e analisar as dificuldades vivenciadas, buscando soluções e tomando decisões; 4. Protagonismo e Participação Social, fortalecendo o exercício da cidadania. A metodologia do PEF compromete-se com a formação e práticas voltadas à boa condução e melhores condições da unidade familiar, assim os métodos utilizados se baseiam na participação, compartilhamento de vivências e esclarecimentos da realidade. 85 O Projeto Estação Família – PEF no município de Capistrano atendeu quatro comunidades, Sede, Carqueija, Mazagão e Agrovila. No total de 100 famílias, sendo 25 em cada uma das localidades citadas. Contudo para execução desta pesquisa, detemo-nos aos grupos da Sede e Carqueija, territórios referenciados pelo CRAS. As parcerias do PEF no município foram as Secretarias Municipais do Trabalho e Desenvolvimento Social - STDS, de Educação, de Saúde, de Cultura, Agentes Comunitários de Saúde e Líderes de Associações Comunitárias. As atividades do Projeto se iniciaram em janeiro de 2012 e foram encerradas em maio de 2013. Inicialmente, a equipe de técnicos do CRAS trabalhou em conjunto com os lideres comunitários e os agentes de saúde na busca ativa das famílias com maior nível de vulnerabilidade social. Em seguida foi realizado um momento de divulgação do projeto nas comunidades juntamente com as famílias identificadas que tiveram a liberdade de se engajar ou não no projeto. Por fim, foi realizado o cadastro das famílias. As atividades desenvolvidas pelo PEF no município foram: encontros de grupos com palestras e rodas de conversas sobre temas variados. Dentre as temáticas abordadas destacam-se: relações interpessoais, autoestima da mulher, desigualdades entre homens e mulheres, família, violência doméstica. Foram também desenvolvidas oficinas de inclusão produtiva de culinária básica de doces, salgados e chocolates; pintura em tecido e empreendedorismo. Por fim, foi realizado avaliação final do projeto junto as mulheres e uma confraternização de encerramento, em que o grupo de cada localidade preparou uma apresentação cultural para a finalização do projeto. 3.3. OS SUJEITOS DA PESQUISA: MULHERES CHEFES DE FAMÍLIA A chefia feminina das famílias tende a ser relacionada especialmente a mulheres pobres, ocorrendo assim uma feminização da pobreza. “No entanto, convém destacar que as mulheres, sejam estas 86 pertencentes a qualquer estrutura e composição familiar, ainda encontram se em condição desigual em relação aos homens” (PEIXOTO, 2010, p. 110). De acordo com Carloto e Procópio (2004) apud Berquó (2002), a chefia familiar feminina pode ser caracterizada em diversos aspectos, mulher solteira, separada, viúva com ou sem filhos que assume as responsabilidades da casa e, mulheres que chefiam a família mesmo tendo marido ou companheiro em casa. Ressaltamos que nem todas as mulheres participantes do Projeto Estação Família desenvolvem o papel de chefe de família. Contudo, todas estão inseridas no Cadastro Único para Programas do Governo Federal, em sua maioria são beneficiárias do Programa Bolsa Família. A idade varia entre 18 – 60 anos, sendo em sua grande maioria casadas, com níveis de escolaridade muito variados. Diante dessas considerações acerca da chefia feminina nas famílias, destacaremos o perfil das mulheres entrevistadas. É salutar frisar que a identidade das mulheres foram preservadas, e os nomes utilizados são fictícios, sendo atribuído nome de flores as mesmas. Açucena: 32 anos, é divorciada, natural de Capistrano e não concluiu o ensino médio. Mora com seus dois filhos, uma menina de sete anos e um menino de treze anos na localidade de Carqueja dos Alves, zona rural do município. Sua residência é própria, feita de tijolos, piso uma parte de cimento e a outra em chão batido, com banheiro interno, totalizando cinco cômodos. A renda da família é composta da pensão alimentícia no valor de R$ 75,00, do beneficio do PBF que é de R$ 132,00. Atualmente, Açucena trabalha temporariamente no CRAS Rural como auxiliar de serviços gerais, de sete da manhã às três da tarde, recebendo R$ 200,00. Além disso, ajuda sua irmã na fabricação de coxinhas para vendas, habilidade desenvolvida na oficina de inclusão produtiva do Projeto Estação Família. Amarílis: 33 anos, é solteira, natural de Capistrano e não concluiu o ensino fundamental. Mora com seus dois filhos, um menino de treze anos e uma 87 menina de seis na localidade de Carqueja dos Alves, Zona Rural do município. A renda da família advém do beneficio do PBF no valor de R$134,00, da pensão alimentícia que é de R$130,00. Amarílis afirmou que uma vez ou outra faz faxina e lava roupas de fora para complementar o orçamento familiar. A residência da família é própria, de tijolos no chão batido, contendo apenas um cômodo, vale ressaltar que a mesma foi construída com o dinheiro recebido do PBF. Antes da construção, Amarílis e os filhos moravam com seu pai, que a ajudou e ainda ajuda, porém devido a conflitos com o irmão, a mesma teve que apressar a construção de seu “cantinho”, como a mesma verbalizou. O banheiro utilizado pela família é o da casa dos pais de Amarílis que fica vizinha a sua. A mesma afirmou que participa da Pastoral da Criança do município. Camélia: 48 anos, é divorciada, natural de Itapiúna e concluiu o ensino fundamental. Mora na Sede do município de Capistrano, com dois filhos, uma mulher de 21 anos que tem câncer, um menino de dezesseis anos e sua mãe uma idosa de 82 anos. A renda da família advém do recurso do Programa Bolsa Família no valor de R$ 102,00 e da aposentadoria de sua mãe de um salário mínimo. A residência da família é cedida com três cômodos de tijolo, piso de cimento e banheiro externo. Dália: 46 anos, é viúva, natural de Capistrano e possui graduação em Pedagogia. Mora com seu único filho de sete anos na Sede do município. A residência da família é própria, de tijolos, piso de cerâmica, banheiro interno, com sete cômodos. Dália trabalha como professora em duas escolas ganhando um salário mínimo, além disso, costura para fora e recebe o beneficio do PBF no valor de R$ 102,00. Vale ressaltar que Dália foi aprovada em concurso para professora na Prefeitura Municipal de Baturité e logo assumirá o cargo. A mesma destacou que irá pedir desligamento do Bolsa Família, para dar oportunidade para quem precisa, já que ela não precisará mais. Flor de Lis: 30 anos, é solteira, natural de Itapiúna e possui o ensino fundamental completo. Mora com seu único filho de 10 (dez) anos na Sede de Capistrano. A residência da família é própria de tijolos, piso de cimento e tem um cômodo e um banheiro interno. Flor de Lis trabalha como doméstica e 88 ganha aproximadamente R$ 200,00 por mês e recebe o beneficio do Bolsa Família que é de R$ 102,00. Gardênia: 46 anos, é solteira, natural de Quixadá e possui ensino fundamental completo. Mora com dois filhos, sendo um de criação que tem 16 (dezesseis) anos e o outro com 8 (oito) anos. A residência da família é cedida pela irmã de Gardênia, possui quatro cômodos de tijolos, banheiro interno e o piso é de cimento. A renda da família advém do benefício do Bolsa Família de R$ 134,00, das vendas dos salgados e dos chocolates, que Gardênia não soube quantificar e da ajuda da irmã. 3.4. A RELAÇÃO ENTRE AS MULHERES CHEFES DE FAMÍLIA E O PROJETO ESTAÇÃO FAMÍLIA: TRANSFORMAÇÕES E PERMANÊNCIAS? Neste último ponto buscaremos responder, a partir das falas das entrevistadas, uma das principais perguntas feitas ao nosso objeto de estudo, sendo esta: quais as reais contribuições do Projeto Estação Família na vida das mulheres chefes de família e beneficiarias do PBF no município de Capistrano/CE? O Projeto Estação Família – PEF, gerido pela Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social – STDS e executado pela Prefeitura Municipal de Capistrano tem por objetivo, conforme ressaltado anteriormente, resgatar a autoestima das famílias referenciadas pelo Centro de Referência de Assistência Social – CRAS, fortalecendo sua autonomia e proporcionando sua inserção na sociedade, tendo como alvo de intervenção mulheres, mães e chefes de família. A centralidade da família nas políticas públicas, especialmente na assistência social, também é reconhecida e afirmada no Projeto Estação Família. Como podemos perceber no objetivo citado acima, através das mulheres, o PEF busca fortalecer as competências familiares produtivas e de condução da unidade familiar. Nessa perspectiva, responsabilização das mulheres pelos cuidados com a família. destaca-se a 89 Ressaltamos alguns aspectos da condição feminina de chefe de família. Destacamos que na segunda metade do século XX, a sociedade brasileira passou por profundas transformações, tornou-se urbanizada, industrializada e moderna. Essas mudanças macroestruturais afetaram a condição social das mulheres, com um gradativo aumento do ingresso delas no mercado de trabalho. Na realidade histórica, entretanto, as mulheres das camadas mais pobres sempre trabalharam, especialmente na agricultura, e nos serviços – vendedoras ambulantes, serviçais domesticas, professoras do ensino primário, além de arcarem com as tarefas relacionadas ao cuidar das crianças, dos parentes doentes e dos mais velhos (PINSKEY, 2005, p. 501). Outra alteração na dinâmica familiar no século XX foi a chefia das mulheres em alguns lares brasileiros. Esta é uma realidade que vem se intensificando na sociedade brasileira com o passar dos anos. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE no ano 2000, 22,2% das famílias eram chefiadas por mulheres. No último censo, em 2010, o índice se chegou a 37,3%. Apesar dos avanços ocorridos em relação às mulheres no Brasil, estas ainda são alvo de condições subalternas frente às masculinas vivenciadas no âmbito doméstico e no espaço público, como o trabalho. A segregação no mercado de trabalho destinou às mulheres os empregos mais precários, geralmente informais ou em tempo parcial, salários mais baixos, menor cobertura dos serviços de seguridade social e dificuldades de acesso aos direitos trabalhistas (PEIXOTO, 2010, p. 110). Além disso, a posição de chefe de família gera para estas mulheres uma sobrecarga de responsabilidades, como afirma Pinto et al (2011), A sobrecarga de papeis assumidos pelas mulheres frente às dificuldades sociais, econômicas e de violência experimentadas por elas expôs uma face perversa da condição feminina, sobressaindo por um lado, a baixa autoestima, as frustrações, os medos e anseios e, por outro a coragem e a perseverança na luta pela sobrevivência (Pinto et al, 2011, p. 169). Para Sarti (2008), a função de provedora do lar assumida pelas mulheres não se configura como obstáculo para elas, pois, estas já têm o 90 hábito de trabalhar fora de casa. Contudo, segundo a autora, uma dificuldade encontrada pelas mulheres refere-se à manutenção autoridade atribuída a presença masculina. Segundo Macedo (2007) a análise das mulheres chefes de família numa perspectiva de gênero nos permite abranger elementos culturais e historicamente construídos sobre o feminino que influenciam nesse papel exercido pelas mulheres. Em primeiro lugar, podemos destacar que a situação das mulheres chefes de famílias é contrária ao modelo nuclear de família, cujo papel de chefe é masculino. Assim, devemos compreender as famílias chefiadas por mulheres como resultado das reconfigurações sofridas por essa instituição ao passar do tempo. Um segundo elemento que merece destaque, segundo a autora citada, é o fato da maioria das famílias monoparentais terem como chefe a imagem feminina. Expressa-se assim, a função historicamente construída de que o cuidado com os filhos é de responsabilidade das mulheres. Nesta perspectiva, a categoria gênero irá definir a identidade desse grupo, como destaca Scavone apud Macedo (2007), “mulher”, depois “chefe de família”; inclusive é o principal fator que lhes define um “lugar” no mundo: tornam-se chefes de família porque são mães, num contexto social que prevê um modelo de maternidade/maternagem socialmente construído, baseado na hipertrofia de suas responsabilidades parentais (MACEDO, 2007, p.160-161). Destacamos como as mulheres envolvidas nesta pesquisa se sentem no papel de chefe de família, percebemos que a grande maioria se sente bem por não depender de ninguém, especialmente da figura masculina. Contudo, apontam certa dificuldade com a criação e educação dos filhos e com a sobrecarga de tarefas do dia a dia. A função da maternidade ainda é muito forte nos relatos das mulheres. A fala de Gardênia enfatiza a privação que a mulher passa de suas vontades para criar os filhos. Ai, hoje eu me sinto muito bem, no inicio era bem difícil porque quando a gente é acostumada a depender de outra pessoa , então é muito difícil se adaptar a gente fazer tudo sozinho, mais hoje eu to 91 muito bem, é muito é bom ser independente, num depende de ninguém (Açucena). Pra mim é bom. A gente num encontra alguém que dê certo né, assim até hoje ainda num encontrei não, posso encontra daqui pra frente, mas até agora pra mim, eu acho bom, eu num acho ruim não. As veize têm aqueles pobleminha né com a criação dos fie de hoje né, tem que ter muito cuidado, ai a gente, eu tem o maior cuidado, ave Maria, até hoje ta dano tudo certo, num to tendo nenhum problema com eles, sobre criação deles, só eu que tenho mais responsabilidade com eles, que o pai, ai a responsabilidade maior com eles é minha. Até agora, enquanto tão pequeno ainda, que eu ainda to dominando ta bom demais. As vezes sinto sufocado, as vezes nem ligo, mais faze o que né (Amarílis – Grifos meus). Tem que ser guerreira (se refere á desenvolver o papel de chefe de família) é complicado, mas eu encaro numa boa. Muito complicado precisa ter muita determinação né, muita força de vontade. Pra mim a parte mais difícil, é a parte financeira, o resto à gente desenrola numa boa (risos) (Dália). É realmente é muito difícil (se refere a ser chefe de família), na parte mais ou menos de tudo né, porque depois que a gente passa pra ser chefe de família, a gente se preocupa mais né, às vezes falta uma coisa, a gente tem que botar na cabeça que tem que ir atrás de alguma coisa pro menino. É uma responsabilidade muito grande, mas eu gosto (Flor de Lis – Grifos meus). Me orgulho de ser mulher e ser dona de casa, eu me considero responsável, eu tenho muita responsabilidade com os menino, defendo eles até debaixo d’água, não deixo falta nada, prefiro faltar pra mim, do que falta pra eles, então eu faço tudo que tive ao meu alcance por eles, eu me sinto uma dona de casa, e me sinto muito bem por isso, num me sinto melhor porque num tenho, a gente sofre assim com essa coisa, por causa das dificuldade, porque se o menino sofre a gente sofre também. Eu sinto muita dificuldade porque me passa assim, eu não posso trabalhar fora, tenho uma profissão mais não posso trabalhar fora, porque num tem quem fique com os menino (Gardênia – Grifos meus). Em relação ao Projeto Estação Família, uma das indagações direcionadas às mulheres foi em relação ao significado do PEF em suas vidas. As respostas sempre expressavam o projeto como um meio de aprendizagem e de interação com a comunidade, destacando as falas abaixo. Ave Maria eu acho bom demais, teve só umas duas vezes que eu falhei, que num deu mesmo pra mim ir, que justamente, teve um dia, que era o dia do Estação Família, mais eu tava precisando e a menina ligo pra fazer uma faxina, ai uma duas vezes eu falhei sabendo que ia ganha alguma coisa, sabendo que também ia perder que eu ia aprender ali né (Amarílis). Foi excelente, muito rico. Foi uma oportunidade de aprender, de conhecer, fazer novas amizades. Muito bom, muito bom mesmo (Dália). 92 Pra mim significou muita coisa, porque coisas que eu não sabia né e eu aprendi (Flor de Lis). Foi muito bom, a gente conversava desabafava, antes de entrar nesse projeto eu não sai, já tava com começo de depressão, então já procurei conhecer mais as menina. Pra mim foi muito bom, abriu uma porta da convivência pra mim né (Gardênia). Destaca-se na fala de Camélia a dimensão do movimento de transição das mulheres entre o âmbito privado para o mundo público. Nesta perspectiva, a vida feminina oscila entre os cuidados com a casa e filhos e nas atividades do mundo externo, no trabalho remunerado para manutenção da unidade familiar, na participação nas atividades propostas pelas políticas públicas. Contudo, a responsabilidade com o âmbito doméstico e familiar continua sendo majoritariamente feminina. O Estação é muito bom, a gente tira muito proveito, aprende muita coisa, que a gente que vive em casa, dona de casa só cuidando da casa, ai num tem nem uma informação, um lazer pra ir. Ai já tem o Estação Família, já tem aquela conversa com a psicóloga né, que ela informa bem, conversa, assim discute os problema bem, a gente conversa, ela conversa, a gente diz, ouve aprende né (Camélia). Além da dimensão do conhecimento e do contato com o mundo externo, as mulheres também reconhecem o projeto como uma perspectiva de geração de renda. Destacamos que, das seis entrevistadas, duas estão fazendo o que aprenderam no projeto para comercialização e ampliação da renda familiar. Já faz um ano e alguns meses né, pra mim foi muito bom, porque tinha algumas coisa que eu sabia, mais que já tinha esquecido, então com o curso eu relembrei o que já tinha esquecido, como dos salgado, do chocolate, já tou vendendo, não vendo muito, mas o que tou vendendo já serve (Gardênia). É porque assim o Estação Família ele ensina as mulheres a ter um ganhe né. Então pra quem quer abrir um negocio dá pra começar. Por que lá nós vende pão de queijo, nós vende coxinha, lá, lá na casa da minha irmã, a minha irmã que faz eu ajudo á ela, é dela, não fui eu que fiz, foi ela, já foi do Estação Família que a gente vinhemo, aprendemo, ela resolveu fazer e eu ajudo, num é meu, mas é a merma coisa que seja, sabe. Então é por isso dá a oportunidade da gente aprender alguma coisa pra puder abrir um negocio (Açucena). Apesar disso existem alguns empecilhos para materialização do conhecimento que as mulheres adquirem no Projeto, como o recurso inicial para adquirirem o material necessário e produzirem os chocolates, salgados e a pintura em tecido. Uma alternativa para isso seria planejar as oficinas de 93 inclusão produtiva a partir dos produtos oriundos da agricultura do próprio município, ou seja, do contexto de vida das mulheres. É importante considerar a situação de pobreza na qual estas mulheres estão inseridas, cuja renda familiar varia entre R$ 200,00 á R$ 772,00, dinheiro destinado à aquisição de alimentação e remédios, em alguns casos, além do pagamento das contas de água e luz. Salientamos ainda que um dos objetivos do PEF é potencializar as oportunidades de geração de renda das famílias. Mas pra mim é bom demais, é um aprendizado, que a rente num sabe, o que vem pra rente aprender é bom. Aprender e butar pra frente. É mais difícil porque tem que comprar os material, ai é mais difícil (Amarílis – Grifos meus). As contribuições do projeto na vida das mulheres se expressam no âmbito da aprendizagem de assuntos relacionados à “condução da unidade” familiar, alguns aspectos da sociedade, como questões relacionadas à exploração do trabalho infantil e à violência contra a mulher e na potencialização da perspectiva de geração de renda. Como percebemos a seguir, destaca-se na fala da Dália a descoberta de novas habilidades que as oficinas do PEF a proporcionou. Não assim, sob as palestra que nois tivemos, tudo o que foi passado era mais ou menos o que eu sabia né, mais assim, mais é bom a gente rever, a gente teve palestra sobre exploração de menor, então cada, cada dia, cada palestra era um, era um tema diferente né. Serve pra isso também, mesmo assim que eu já tivesse aquele pensamento, vai ver que outra não tinha né, então se não tive mudado alguma coisa em mim mudo na outra né. Agora nois estamos falando em relação a família, então assim, eu sou a chefe da casa, então assim em relação as criança, que a gente deve senta e conversa, quando um filho tiver uma coisa pra dizer, num tem que, num é pra deixa, é escuta o que é que o filho ta dizendo, que as vezes os filho se sente carente, mais num tem ninguém pra escutar É como lida com os filhos (Açucena – Grifos meus). Mudou muita coisa né, que o que eu num sabia e agora eu já sei, eu posso, se uma pessoa vier, Amarílis faz uma coisa pra mim, eu já posso faze né, era uma coisa que eu não sabia e aprendi com o Estação Família. A gente aprende muita coisa e ouve muita coisa, ver como é as coisa, eu acho bom (Amarílis – Grifos meus). É mudou pra melhor né, por conta do dialogo no curso, das expricações, das informação, mudou bastante. Foi uma forma de aprender (se refere às oficinas inclusão produtiva), porque se eu tivesse tempo eu já teria botado, botado, tinha arrumado uma venda né, já tinha feito alguma coisa né pra melhorar cada vez mais né, mais por conta do tempo a vida corrida né, ainda to parada, 94 mas assim, orando a Deus que vai dá tudo certo, um dia eu ainda faço (Camélia – Grifos meus). Mudou bastante, despertou vários interesses, porque eu gosto muito de coisas manuais e lá me deu uma oportunidade, e eu achava que não seria capaz, de pintar, ai eu tinha vontade, mas eu achava que não tinha habilidade de pintar e através do Projeto eu descobri, que eu tenho condições de pintar (Dália). Contudo percebemos um traço marcante nas políticas do Estado Neoliberal que não viabiliza a construção de uma sensibilização e formação política dos sujeitos, mediante a ideia de cidadania e de acesso a direitos. Além disso, a perspectiva de geração de renda volta-se para o consumo e a possibilidade de crédito para comprar, o que reforça as estratégias de mercado. Nesta ótica, a relação das mulheres chefes de família e o PEF no município de Capistrano, expressa-se como uma troca de conhecimentos que as “ajudam” na educação dos filhos e, em casos isolados, para complementação da renda familiar através da comercialização do produto das oficinas de inclusão produtiva. É salutar ressaltar que uma das entrevistadas, está abrindo mão do Programa Bolsa Família, em virtude de ter conseguido terminar graduação em pedagogia e ser aprovado em concurso público na Prefeitura Municipal de Baturité. Este é um exemplo de que para a superação da situação de pobreza não é suficiente apenas investimentos em políticas de transferência de renda, se faz necessária a interface entre outras políticas públicas, a exemplo da educação. No caso desta entrevistada, o nível de escolaridade contribuiu também para a superação da condição que se encontrava. Destacamos ainda que o PBF trata-se de um benefício para suprir necessidades imediatas das famílias, não atingindo o déficit histórico e estrutural da pobreza brasileira. Nesse sentido, observamos as mudanças, porém as continuidades de situações vividas pelas mulheres entrevistadas, após sua participação no Projeto Estação Família. Mudanças no âmbito do conhecimento de questões relacionadas às responsabilidades intrafamiliares e na potencialização das oportunidades de geração de renda, embora nem sempre esta se materialize na realidade das famílias que continuam em situação de pobreza. Outra 95 continuidade a ser destacada é o papel histórico das mulheres como cuidadoras da casa e, no caso das mulheres chefes de família, acrescenta-se a figura de provedora do sustento da unidade familiar. 96 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao chegarmos ao final desta pesquisa, percebemos que as respostas em torno das questões que pairam o campo dos programas de combate à pobreza não se esgotam, ao contrário, suscitam novas questões. Tais políticas, além do seu caráter econômico e social diretamente vinculado à renda familiar, permeiam também elementos relacionados a vida privada dos sujeitos envolvidos. Os programas de combate à pobreza na sociedade brasileira surgem como resposta do Estado à pressão dos movimentos sociais, ou seja, no âmbito de interesses antagônicos. De um lado, encontra-se a classe trabalhadora em busca de melhores condições de sobrevivência e, do outro, a burguesia que se esforça para manter a ordem social. A renda adquirida, através dos recursos desses programas, para o aumento do consumo interno, também contribui para o desenvolvimento da sociedade de mercado. Nesse contexto, destacamos como a primeira expressão da consolidação dos direitos dos cidadãos a Constituição Federal, que institui o tripé da Seguridade Social. A partir daí a Assistência Social se configura como direito de quem dela precisar. Com o passar dos anos a política foi se efetivando por meio de dispositivos legais, como explicitados no decorrer deste trabalho. Nessa conjuntura, os programas de combate à pobreza ganham destaque, especialmente a partir dos anos 2000, por meio da transferência de renda as famílias e desenvolvimento de potencialidades produtivas. O alvo desses programas é a família, como espaço de cuidado e desenvolvimento dos sujeitos. As mulheres, por sua vez, ganham destaque na responsabilidade pelo acompanhamento desses projetos e programas. Percebemos a reprodução do papel feminino de cuidadora da família, de seus membros e da unidade doméstica. 97 Salientamos nesse trabalho, a situação das mulheres chefes de famílias atendidas pelo Programa Bolsa Família e o Projeto Estação Família no Município de Capistrano. Destacamos a importância dos recursos financeiros advindos do Programa Bolsa Família, bem como das atividades de inclusão produtiva, a partir de seus relatos. É notório em suas falas, a possibilidade de “ajuda” que o Programa expressa para estas mulheres, pois em determinada etapa de suas vidas, estas se vêem sozinhas diante do desafio de sustentar e educar os filhos. Em relação ao Projeto Estação Família ressalta-se sua função de transmitir conhecimentos, para uma melhor condução da unidade familiar e potencialização da possibilidade de geração de renda por meio das oficinas de inclusão produtiva, na vida das mulheres usuárias do projeto. Contudo, existe uma carência na dimensão de sensibilização política dessas mulheres frente às desigualdades sociais, sendo este traço marcante nas políticas da contemporaneidade. Apesar de estas políticas contribuírem para o alívio imediato da pobreza, por meio da renda transferida pelo PBF e na oportunidade de geração de renda, estes efeitos não são suficientes para superação da pobreza no Brasil, como diz o discurso do governo federal. Destacamos, como exemplo, que a Senhora Dália, está abrindo mão do recurso do PBF por ter concluído graduação em pedagogia e sido aprovado em concurso público, ou seja, o acesso à educação lhe oportunizou uma melhor condição de vida. Ratificamos que é salutar a interface entre as políticas públicas para garantir uma melhor qualidade de vida à população. Reiteramos, a partir deste estudo, a necessidade de constante luta para universalização dos direitos sociais e intersetorialidade nas políticas públicas, a fim de que sejam garantidos serviços públicos de qualidade à população, visando oferecer aos usuários o acesso aos direitos sociais historicamente conquistados. Além da urgente necessidade de sensibilização e conscientização política da sociedade, que se encontra em estado de alienação 98 frente às estratégias do capitalismo. Destacamos ser este um dos compromissos do Projeto Ético Político do Serviço Social, que almeja a construção de uma nova ordem societária, em que a exploração e a desigualdade não sejam elementos predominantes nas relações sociais. 99 REFERÊNCIAS AGUIAR, Renato. Butler e a Desconstrução do Gênero. In: Rev. Estudos Feministas. vol.13 no.1 Florianópolis Jan./Abr. 2005. BEHRING, Elaine Rosseti ;BOSCHETTI, Ivanete. A política de seguridade social no Brasil. 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Bolsa Família: Avanços, limites e possibilidades do programa que está transformando a vida de milhões de famílias no Brasil. 2ª Ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2010. 106 ANEXOS Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Estamos desenvolvendo a pesquisa intitulada: CONTRIBUIÇÕES DAS POLITICAS DE COMBATE Á POBREZA NA VIDA DE MULHERES: REFLEXÕES A PARTIR DA FALA DAS USUÁRIAS DO PROJETO ESTAÇÃO FAMILIA EM CAPISTRANO/CE. Com a mesma pretendemos analisar as contribuições do Projeto Estação Família, na vida de mulheres chefes de família e usuárias do PBF no município de Capistrano-CE. Assim, gostaríamos de contar com a sua participação. Informamos que você pode desistir de participar da mesma no momento em que decidir, sem que isso lhe acarrete qualquer constrangimento e que seu nome e/ou de pessoas que você venha a citar não serão revelados no texto a ser elaborado por esse estudo. Portanto, serão usados codinomes para identificar as respondentes. Se necessário, poderá entrar em contato com a responsável pela pesquisa (Maria Mayara Rodrigues) através do seguinte contato telefônico: (85) 9247-0025 – (85) 9664-3370 ______________________ Maria Mayara Rodrigues ............................................................................................................................... Eu, ___________________________, portador do RG _____________ abaixo qualificado, fui devidamente esclarecido sobre a pesquisa acima citada. Declaro, que após ter entendido o que me foi explicado detalhadamente, pela pesquisadora, e ciente de que em qualquer momento posso pedir novos esclarecimentos, bem como retirar o meu consentimento. Estou ciente que por ser uma participação voluntária e sem interesse financeiro, não terei direito a nenhuma remuneração e/ou indenização. Diante do exposto, consinto voluntariamente em participar desta pesquisa. Capistrano, ___/___/____. _________________________________ Assinatura do entrevistado. 107 ROTEIRO DE ENTREVISTA 1- Nome 2- Idade 3- Descreva as suas atividades diárias. 4- O que você acha em ser mulher e ser chefe de sua família? 5- Você considera que existem desigualdades entre homens e mulheres? Quais? 6- O que é pobreza para você? 7- Você se considera uma pessoa pobre? 8- Qual o significado do Programa Bolsa Família na sua vida? 9- Você acha que o recebimento do beneficio mudou algo em sua vida? 10-O que você acha de ser responsável pela posse do cartão do Programa Bolsa Família? 11-O que significa o Projeto Estação Família para você? 12- Quais as transformações ocorridas em sua vida após sua participação no Projeto Estação Família? 108 PREFEITURA MUNICIPAL DE CAPISTRANO SECRETARIA DO TRABALHO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – CRAS PROJETO ESTAÇÃO FAMÍLIA FICHA DE CADASTRO DADOS PESSOAIS NOME D.N IDADE ENDEREÇO LOCALIDADE MUNICÍPIO/UF ESTADO CIVIL TELEFONE NATURALIDADE SEXO ( ) F PAI ( )M MÃE RG CPF NIS: COMPOSIÇAO FAMILIAR MEMBRO DA FAMÍLIA DN PARENTESCO ESCOLARIDADE 109 SITUAÇÃO SÓCIOECONÔMICA RENDA FAMILIAR/ VALOR R$ ORIGEM: OBSERVAÇÃO ( ) APOSENTADORIA ( ) FUNCIONARIO PÚBLICO ( ) SETOR INFORMAL ( )PENSAO ( ) AGRICULTURA ( ) OUTROS PARTICIPA DE QUAIS PROGRAMAS FEDERAL/ESTADUAL /MUNICIPAL ( ) BOLSA FAMÍLIA ( ) BPC VALOR R$: ( ) OUTROS : DADOS HABITACIONAIS RESIDÊNCIA: ( )PRÓPRIA ( ESTRUTURA FÍSICA: ( )TAIPA )ALUGADA ( ( )OUTROS )TIJOLO ( ) PALHA ( )OUTROS BANHEIRO: ( )SIM ( LOCAL: ( )INTERNO Nº DE CÔMODOS: PISO: ( )TIJOLO ( ) CEDIDA ( )CIMENTO ( )CHÃO BATIDO )NÃO ( )EXTERNO ( )OUTROS POTENCIALIDADE/PRODUTIVIDADE HABILIDADES MANUAIS HABILIDADES ARTÍSTICAS 110 ÁREA DE INTERESSE/CURSOS CURSOS A REALIZAR APRIMORIMENTO ENCAMINHAMENTOS PARA ONDE APRIMORIMENTO