EXMO. SR. JUIZ DE DIREITO DA _____ VARA CÍVEL (FAZENDA PÚBLICA) DA COMARCA DE BOA VISTA O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA vem, respeitosamente, por meio dos Promotores de Justiça infra-assinados, no uso de suas atribuições legais, e com fulcro nos arts. 127 e 129, III, da Constituição Federal, bem como no art. 17 da Lei n° 8.429/92, ajuizar AÇÃO CIVIL POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA em face de: IRADILSON SAMPAIO DE SOUZA, brasileiro, filho de Antônio Jorge e Alice Sampaio, nascido em 08.05.1952, na cidade de São José do Egito/PE, Prefeito de Boa Vista/RR, podendo ser localizado no Palácio 9 de julho, Av. General Penha Brasil, nº 1011, Bairro São Francisco, ante as razões de fato e de direito a seguir articuladas. DOS FATOS Nos anos de 2010 e 2011 o demandado ordenou e efetuou despesas não autorizadas por lei e em desacordo com as normas financeiras definidas na Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) e na Lei de Diretrizes Orçamentárias vigentes naqueles exercícios. Conforme os anexos Relatórios de Gestão Fiscal (RGF) publicados pelo Município de Boa Vista, a despesa de pessoal (DP) do Executivo Municipal nos três quadrimestres de 2010 superou o limite estabelecido no art. 20, III, b, da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), que é de 54% da Receita Corrente Líquida. A lesão às finanças públicas municipais havia sido identificada pelo Tribunal de Contas quando do resultado do primeiro quadrimestre daquele ano, tanto que, por meio do expediente GAB/CONS. RELATOR/TCE/RR/Ofício nº 084/2010, de 20.09.2010, expedido pelo Conselheiro Reinaldo Neves, o demandado foi instado a adotar providências relacionadas à readequação aos limites financeiros estabelecidos na LRF. Ignorando o comunicado, o demandado persistiu em aumentar a folha de pagamento de pessoal, elevando drasticamente o desequilíbrio fiscal. O Tribunal de Contas, na pessoa do Cons. Reinaldo Neves, chegou, ainda, a comunicá-lo por duas outras oportunidades, por intermédio dos ofícios GAB/CONS. RELATOR/TCE/RR/Ofício nº 109/2010, datado de 26.10.2010; e GAB/CONS. RELATOR/TCE/RR/Ofício nº 116/2010, de 09.11.2010. Assinale-se que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do Município de Boa Vista para o exercício de 2010, publicada no Diário Oficial do Município nº 2563, de 26.10.2009, expressamente estabeleceu não ser possível a admissão ou contratação de pessoal e o aumento de remuneração quando não observados os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal. Portanto, sobressai claro que o demandado intencionalmente expandiu as despesas de pessoal em desacordo com as leis financeiras. Nesse sentido, ainda que cientificado diretamente pelo Tribunal de Contas acerca da violação do limite traçado no texto do art. 20, III, b da Lei Complementar nº 101/2000; e contrariando a Lei de Diretrizes Orçamentárias do exercício financeiro de 2010, o demandado efetuou os seguintes gastos de pessoal no 1º, 2º e 3º Quadrimestres/2010: Quadr. Receita Corrente Limite Prudencial – Limite legal com Gastos Líquida - RCL 95% base na RCL - 54% pessoal com 1º R$ 393.127.251,43 R$ 201.674.280,00 R$ 212.288.715,80 R$ 245.364.165,50 (62,41%) 2º R$ 419.612.574,99 R$ 215.261.250,97 R$ 226.590.790,49 R$ 263.214.050,63 (62,73%) 3º R$ 412.503.989,69 R$ 211.614.546,70 R$ 222.752.154,43 R$ 271.223.957,63 (65,75%) Portanto, vê-se que o demandado efetuou despesas com folha de pagamento de pessoal em desacordo tanto com o limite de 54% da Receita Corrente Líquida (RCL), quanto do limite prudencial de 95%, estabelecidos pela LRF. O quadro acima revela que o demandado no indicado período elevou os gastos de um quadrimestre a outro, expandindo com isso nominalmente as despesas de pessoal, quer significando o aumento de contratações, quer o acréscimo de remuneração. Registre-se que a Lei de Responsabilidade Fiscal, no seu art. 15, dispõe ser considerada não autorizada a geração de despesa que não atenda ao disposto no art. 16 da mesma lei, que por seu turno, no §1º, disciplina ser compatível aos fins da Lei a despesa que se conforme com as diretrizes e objetivos da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A LDO exercício de 2010 do Município de Boa Vista, nos arts. 47 e 50, estabeleceu que a admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, a concessão de vantagem ou acréscimo remuneratório, a criação de cargos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, somente seria possível quando não atingido o limite da Lei de Responsabilidade Fiscal, que é de 54% da Receita Corrente Líquida (RCL) como já descrito. Vale anotar que tal controle fiscal é tão caro no nosso ordenamento jurídico que a LRF, no art. 21, estabelece ser nulo de pleno direito o aumento de despesa em desacordo com o comentado art. 16 do mesmo diploma legal e o §1º do art. 169 da Constituição da República. Nesse último aspecto, a LDO do Município de Boa Vista, no art. 47 e segs., repete a mesma redação do art. 169 da CR/88, de maneira a assinalar que a despesa de pessoal deve observar as autorizações específicas da Lei de Diretrizes Orçamentárias. A par do conhecimento dos dados normativos constantes das leis autorizadoras de despesas (LRF e LDO), até porque cientificado pelo Tribunal de Contas, o demandado, fazendo pouco caso do ordenamento legal, prosseguiu no ano de 2011 a efetuar despesas em desacordo do estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal e na Lei de Diretrizes Orçamentárias do exercício de 2011. Com efeito, o demandado efetuou as seguintes despesas de folha de pessoal no 1º, 2º e 3º Quadrimestres/2011: Quadr. Receita Corrente Limite Prudencial – Limite legal com Gastos com pessoal Líquida - RCL 95% base na RCL - 54% 1º R$ 446.036.590,09 R$ 228.816.770,72 R$ 240.859.758,65 R$ 268.974.095,94 (60,30%) 2º R$ 402.775.108,06 R$ 206.623.630,43 R$ 217.498.558,35 R$ 257.425.977,92 (63,91%) 3º R$ 427.180.918,58 R$ 211.614.546,71 R$ 222.752.154,43 R$ 252.283.090,60 (59,06%) Cumpre enfatizar também, ainda que longe de cumprir com o estabelecido na LRF e LDO/2011, que o demandado efetuou despesa alusiva a aumento de remuneração dos Procuradores Municipais, os quais tinham acabado de ser nomeados. De fato, os Procuradores Municipais, que se achavam regidos pela Lei Municipal nº 1043, de 21 de maio de 2008, tinham remuneração de R$ 1.500,00 (mil quinhentos reais), para jornada semanal de 40 horas. Poucos meses após a investidura daqueles servidores públicos, o demandado, apesar de não haver qualquer autorização na LDO, majorou a remuneração dos Procuradores para R$ 7.452,00 (sete mil e quatrocentos e cinquenta e dois reais), na classe inicial da carreira, além de fixar pagamento de 40% de gratificação incidente sobre o salário da classe correspondente do Procurador, mais gratificações de aperfeiçoamento de 15%, 20% e 25%; além de gratificação de 10% por tempo de serviço a cada triênio, fora honorários advocatícios. Toda essa despesa não encontra conformidade com a LDO ou a LRF, especialmente pelo fato do Município de Boa Vista estar em completo desequilíbrio financeiro, circunstância que não autoriza qualquer elevação dos gastos como despesa de folha de pessoal. Por derradeiro, acrescente-se que a contrariedade ao ordenamento jurídico persiste até hoje, vez que verificando-se o Diário Oficial do Município de nº 3199, datado de 1º de junho do ano em curso, observa-se que no 1º Quadrimestre deste exercício financeiro as despesas de pessoal ultrapassam o limite legal, porquanto comprometem 56,27% da Receita Corrente Líquida (RCL). Esse último fato denota que o demandado não tem qualquer compromisso com a boa administração pública, circunstância visivelmente verificada quando se observa as ruas, pontos de iluminação e outros espaços públicos desta capital. DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO O art. 127 da Constituição Federal prescreve que “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.” Outrossim, o art. 37, § 4º, da Carta Magna dispôs que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. Nessa perspectiva, em vista de que o Ministério Público é a instituição encarregada pela Constituição da República de defender os interesses sociais indisponíveis, dentre os quais se inclui o interesse de punir o agente ímprobo, o legislador conferiu expressamente legitimidade ativa ao Ministério Público para propor a ação civil por ato de improbidade administrativa, que não deixa de ser uma espécie de ação civil pública para a defesa do patrimônio público e da moralidade administrativa (art. 129, III, da CF/88). Senão, vejamos os termos expressos do art. 17 da Lei n° 8.429/92, in verbis: “Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de 30 (trinta) dias da efetivação da medida cautelar. (...) § 3° No caso da ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público, aplica-se, no que couber, o disposto no § 3° do art. 6° da Lei n° 4.717, de 29 de junho de 1965.” Sobre o tema, vale trazer a lume a lição de FRANCISCO OCTÁVIO DE ALMEIDA PRADO, in Improbidade Administrativa, Malheiros, 2001, p. 191: “Em conclusão, não se nega ao Ministério Público legitimidade para ajuizar ação civil com vistas a punir os responsáveis por atos de improbidade administrativa. Sua legitimidade para tanto deriva, antes de tudo, da previsão explícita do inciso III do art. 129 da Lei Maior, que encontra plena ressonância no art. 17 da Lei 8.429, de 1992. O que se quer salientar é que a via adequada para este fim não é a ação disciplinada pela Lei 7.437, de 1985, mas a ação prevista e regulada pela Lei 8.429, de 1992 (arts. 17 e 18), prevista especificamente para os atos de improbidade administrativa. Não vemos impedimento a que ela seja chamada também de ‘civil pública’. O que, a nosso ver, não faz sentido é admitir a existência de dois procedimentos especiais, substancialmente distintos, destinados a abrigar a mesma lide.” Destarte, tem-se que é inequívoca a legitimidade ativa do Ministério Público para ajuizar a ação civil por ato de improbidade administrativa, a qual segue o rito da Lei n° 8.429/92. FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PEDIDO. DO ATO DE IMPROBIDADE Decanta o artigo 11 da Lei 8.429/92: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente. Recorda Tito Costa1 ser cediço que toda e qualquer despesa pública somente pode ser realizada mediante prévia autorização legal, isso porque o administrador público está vinculado aos comandos da Lei. Na Administração Pública não pode haver liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa "pode fazer assim"; para o administrador público significa "deve fazer assim" (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 21ª edição, Malheiros Editores, pg. 82). 1 Responsabilidade de Prefeitos e Vereadores . São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 5ª ed., 2011, p. 82. Ensinou o festejado Hely Lopes Meirelles que a legalidade, como princípio de administração orienta que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino complementam afirmando que2 “o fato de estar a Administração Pública sujeita ao princípio da indisponibilidade do interesse público, e de não ser ela quem estabelece o que é de interesse público, mas somente a lei, única expressão legítima da vontade geral, acarreta a necessidade de que a atuação administrativa esteja previamente determinada ou autorizada na lei. Vale dizer, para que haja atuação administrativa não é suficiente a mera inexistência de proibição legal; é mister que a lei preveja ou autorize aquela atuação”. Em resumo, a Administração Pública, além de não poder atuar contra a lei ou além da lei, somente pode agir segundo a lei (a atividade administrativa não pode ser contra legem nem praeter legem, mas apenas secundum legem). Nesse matiz, particular relevo assume o orçamento, porquanto leciona José Afonso da Silva3 que aquele é um instrumento de política fiscal, quando procura criar condições para o desenvolvimento, nacional, estadual ou municipal, conforme se trata de orçamento federal, estadual ou municipal. O dispositivo em destaque da Lei de Improbidade Administrativa, quando assinala o princípio da legalidade, destaca no caso concreto posto o dever legal de resguardo da regularidade das finanças públicas, de modo a repreender o gestor público que realiza despesa em desacordo com as leis financeiras. O desenho legal desse comportamento ímprobo em particular é realizado a partir da integração do disposto no artigo 15 da Lei de Responsabilidade Fiscal, 2 PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo – Direito Constitucional Descomplicado, Editora Impetus – Niterói- RJ- 2007. 3 Orçamento-programa no Brasil. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1972, p. 71. que estabelece ser considerada não autorizada a geração de despesa que não atenda ao disposto no art. 16 da mesma lei, verbis: Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17. O art. 16 da LRF, no §1º, disciplina ser compatível aos fins da Lei a despesa que se conforme com as diretrizes e objetivos da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Essa disposição legal vai ao encontro do programa da norma estabelecido no art. 169 da CR/88, que dispõe: Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar. § 1º A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas: (Renumerado do parágrafo único, pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (...) II - se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista. A LRF, no artigo 20, III, b, estabeleceu quais são os limites de gastos de pessoal: Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os seguintes percentuais: (...) III - na esfera municipal: a) (...) b) 54% (cinquenta e quatro por cento) para o Executivo. As Leis de Diretrizes Orçamentárias do Município de Boa Vista de 2010 e 2011 trazem no texto dos seus artigos 47 e 50 a mesma redação, veja-se: Art. 47. No exercício financeiro de 2010, em observância ao que dispõe o art. 169 da Constituição Federal, a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, somente poderão ser feitas se: (...) II - forem observados os limites previstos no artigo 50 desta Lei, ressalvado o disposto no art. 22, inciso IV, da Lei Complementar nº. 101 de 2000. (...) Art. 50. Se a despesa total com pessoal exceder o limite estabelecido na Lei Complementar no 101/2000, cumprir-se-á o disposto no art. 23 com seus parágrafos e incisos da mesma lei. O controle fiscal é tão caro no nosso ordenamento jurídico que a LRF no seu art. 21 dispõe ser nulo de pleno direito o ato que acarrete aumento de despesa em desacordo com o disposto no art. 16 do mesmo diploma legal e o §1º do art. 169 da CR/88. Nesses termos: Art. 21. É nulo de pleno direito o ato que provoque aumento da despesa com pessoal e não atenda: I - as exigências dos arts. 16 e 17 desta Lei Complementar, e o disposto no inciso XIII do art. 37 e no § 1º do art. 169 da Constituição; O arcabouço legal descrito revela que o demandado realizou ordenação de despesa ilegal, porquanto, como narrado nos prolegômenos da petição inicial, os gastos de pagamento de pessoal em todos os quadrimestres de 2010 e 2011 e o primeiro deste ano ocorreram fora dos limites estabelecidos na Lei de Responsabilidade Fiscal. Agindo à margem das leis financeiras, conforme se lê de matéria jornalística publicada no dia 12.06.2012, o demandado chegou a anunciar contratação de servidores temporários, circunstância vedada segundo o disposto na LRF, justamente pelo fato de extrapolação dos limites da Lei. Assim, vê-se que claramente a conduta praticada pelo demandado se subsume ao ato de improbidade previsto no art. 11, caput, da Lei n° 8.429/92, porque se desviou dos objetivos legais, agindo em prejuízo de toda a sociedade local, certo, portanto, o endereçamento da presente ação de improbidade, que há de se sujeitá-lo às punições definidas no art. 12 da LIA. DO AFASTAMENTO CAUTELAR DO AGENTE ÍMPROBO Os documentos ofertados por ocasião da presente ação, como já comentado, revelam que o demandado descumpre ano após ano o ordenamento jurídico, dando causa ao desequilíbrio financeiro do Município de Boa Vista. Resulta claro o fumus boni iuris, isto é, os fatos concretos que evidenciam a conduta ímproba do demandado, que neste mês, inclusive, anuncia a contratação de mais servidores temporários, fato reportado até pelo Sindicato dos Servidores municipais. Situações como essa retratam a gravidade e a persistência da ilegalidade no trato das finanças públicas, constituindo, por si só, em repugnante imoralidade que indelevelmente acaba por impregnar a continuidade de atuação do agente ímprobo. Diante desse quadro, a permanência do demandado na função de Prefeito Municipal da capital representa, por si próprio, uma afronta à ordem pública, comprometendo, de forma ampla, os supremos objetivos do Estado no “seu papel na preservação da lei pela obediência e restauração da lei por imposição coercitiva4. 4 FAGUNDES, Miguel SEABRA. In Direito Administrativa da Ordem Pública. Rio de Janeiro: Forense,1986, apresentação. Abre-se um parêntese para acentuar que para exercer a supremacia da soberania interna, o Estado, na expressão organizada de entes administrativos, deve infundir a ideia de credibilidade, confiança e respeito, sob pena de instalar-se a desobediência civil e o caos social. Na medida em que o demandado, traindo o dever de lealdade institucional e rigorosa obediência aos princípios que regem a administração pública e valores supremos do Estado, pratica ato de improbidade de natureza grave - com magna repercussão no seio da sociedade - acaba por lesar a própria ordem pública. Gerando, com isso, o natural sentimento de descrédito, abalando a confiança e o respeito que deve imperar em relação às instituições e seus agentes públicos, além de alimentar o sentimento de impunidade. Esse degenerado sentimento na sociedade abre perigoso flanco para insubmissão ao império da lei, à desobediência civil, motivo por que necessária se faz a preservação da ordem pública, para assegurar a pleno exercício do poder soberano interno do Estado, em sentido amplo, e, no plano restrito, assegurar higidez moral das instituições lesadas a fim de impor seu poder coercitivo na consecução do bem comum. O aparelhamento do Direito para o sindicamento de atos que violem a ordem pública, de modo a evitar que o ato ímprobo perdure ou perpetue seus efeitos, é alcançado por intermédio do poder geral de cautela (art. 798 do CPC c/c art. 12 da lei 7.347/85), que perfeitamente autoriza o afastamento do agente que pratica o ato ímprobo. De fato, além do afastamento de ordem processual (art. 20, da Lei 8.429/92), por receio de que venha o demandado causar embaraço à instrução processual, cabível, sem dúvida, o afastamento do agente público, pelo abalo que o ato ímprobo provoca na ordem pública e pela imoralidade que irradia sua permanência em órgão vital. Mutatis mutandis , esse entendimento é acompanhado pelo STJ, que assegura o afastamento do agente ímprobo também em hipótese de lesão à ordem pública: “Visualiza-se, no caso, risco de grave lesão à ordem pública, consubstanciada na manutenção no cargo de agente político sob investigação por atos de improbidade administrativa, na qual há veementes indícios de esquema de fraudes em licitações, apropriação de bens e desvio de verbas públicas. Além disso, o afastamento do agente de suas funções objetiva garantir o bom andamento da instrução processual na apuração das irregularidades apontadas. Conforme salientou o ilustre representante do Ministério Público Federal, “a existência de indícios concretos de legitimidade do mandatário para o exercício do cargo público, comprometendo o voto de confiança dado nas urnas”. Bem ressaltou”em casos como nos autos, o interesse público em afastar o agente ímprobo deve estar acima do interesse particular do mandatário em permanecer no cargo especialmente quando este utiliza-se do mandato para criar obstáculos ao devido processo legal e às investigações dos órgãos públicos (fls. 449).”5 O afastamento do agente público como medida preventiva tendente a evitar lesão à ordem pública se traduz em medida inerente ao poder geral de cautela do julgador. Não é, a rigor, motivo concreto que evidencie risco à instrução processual. Nesse contexto, há uma conjugação de fundamentos norteadores do afastamento: “periculum in mora” de ordem processual (art. 20 da Lei nº 8.429/92) com perigo de lesão à ordem pública, sob inspiração do poder geral de cautela. Ora, de tal situação cuida a hipótese dos autos, nos quais resulta claro o perduramento/perpetuação do ato ímprobo com a permanência do demando na função de Prefeito da Capital, eis que este deixa de cumprir as leis financeiras (LRF e LDO), acarretando com isso desequilíbrio fiscal, cujas consequência da própria Lei de Responsabilidade Fiscal importam em suspensão de transferência voluntárias (convênios federais e estaduais), não obtenção de créditos e garantias de outros entes. Vale lembrar que praticamente todas as obras municipais de recuperação de vias, asfaltamento, atividades de infraestrutura primária decorrem de 5 Brasil. STJ. Rel. Min. Barros Monteiro. AgRg na Suspensão de Liminar e de Sentença nº 467-PR, j. 07.11.07 recursos federais, os quais serão prejudicados na sua continuidade com o não cumprimento dos limites fiscais estabelecidos na LRF. O acerto do deferimento da medida postulada nesses casos pode ser visualizada também na seguinte decisão proferida pelo Juiz de Vacaria, no Rio Grande do Sul6, em que se assentou: “...também deve ser aplicada a regra principiológica do poder geral de cautela (art.798,CPC) fins da evitação de novos ilícitos, a que não é, em nada, desarrazoado esperar-se, vez que, nos autos, há já explicitada a verossimilhança do cometimento pretérito de fraude ao concurso, e ilegalidade por supressão de processo licitatório”. Noutro apropriado julgado, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo7, em sede de Agravo de Instrumento, determinou o afastamento liminar de vereador, fazendo consignar razões de fundo que se amoldam ao poder geral de cautela: “É do interesse público que função tão relevante para gestão do município esteja indene de qualquer dúvida no campo da improbidade. E, além, disso, o afastamento, por ser meramente cautelar, não significa prejuízo pessoal irreparável, sobretudo quando o Estatuto dos Servidores Públicos (Lei 8.112/90, art. 147) e a própria Lei de Improbidade (art. 20) admitem o afastamento do funcionário até mesmo quando processados no âmbito administrativo. A medida encontra amparo jurídico na faculdade que tem juiz de, no âmbito de seu poder geral de cautela, decidir da forma que entende mais adequada para garantir a regular instrução do processo.” (destaque dos autores). Ademais, o afastamento preventivo do Senhor IRADILSON SAMPAIO DE SOUZA da função de Prefeito Municipal de Boa Vista, face o descumprimento das leis financeiras, constitui-se num provimento cautelar parcial, vez que o provimento final almejado (perda do cargo) somente se dará com a condenação com trânsito em julgado. 6 Proc. 10700035642 (www.mp.rs.gov.br/cível/notícias). 7 Brasil. TJSP. Agravo de Instrumento nº 386.846-5/5-00-Sertãozinho Insta salientar que o agente ficará tão-somente afastado de suas funções, até que se realize o equilíbrio fiscal nos limites traçados pela Lei de Responsabilidade Fiscal, como medida de proteção do Estado, da sociedade e dos princípios constitucionais que governam a função administrativa, com destaque para o princípio da moralidade administrativa, mas permanecerá com o cargo e percebendo remuneração até ulterior deliberação. Esse último aspecto, no que toca ao periculum in mora, reforça a necessidade da adoção de medidas para fazer cessar a ilegalidade consubstanciada no não cumprimento dos limites com despesas de pessoal na forma da LRF e LDO -, e resgatar a probidade no Executivo municipal, pois até o momento persiste o fato da inobservância do regramento legal. De resto, nem se diga que a medida atenta contra a vontade popular e o princípio democrático, pois, mesmo nas hipóteses de agentes políticos eleitos por sufrágio universal, a legitimidade do mandatário é conformada pela vontade da Constituição da República, o que significa dizer que a manutenção dessa legitimação popular, impõe ao representante do povo o obsequioso cumprimento de seus deveres constitucionais e legais, informados pelos vetores principiológicos que vertem do Texto Maior, dentre eles os princípios da moralidade e da probidade administrativa, sob pena de perda dessa legitimidade obtida nas urnas. Como lembram os colegas paranaenses: “... não é crível que no Brasil do século XXI, ainda existam teses utilizando a vontade popular como escudo para a realização de atos criminosos ou atos de improbidade administrativa, praticados exatamente contra aqueles que conferiram, por sua vontade suprema, o direito de representá-los nos escalões superiores do Estado. Trata-se de sofisma a ser combatido com a vontade popular concretizada na Constituição de 1988, ou seja, nas normasprincípios que a inspiram. Comportamentos ímprobos gravíssimos por parte de agentes públicos ou a sua reiteração, justificam o antecipado afastamento do cargo, por respeito à ordem pública e em defesa dos fundamentais princípios que regem a Administração Pública”8. Dessarte, o afastamento do demandado é medida que se impõe, possibilitando por intermédio desse ato o restabelecimento da ordem pública violada. DO PEDIDO Por todo o exposto, o Ministério Público requer: I - a concessão de medida cautelar inaudita altera pars, determinando o afastamento do demandado da função de PREFEITO DO MUNICÍPIO DE BOA VISTA, a fim de se evitar que continue a descumprir os deveres que lhe compete, enquanto titular daquela função, qual seja, o de cumprir os limites estabelecidos na LRF e LDO no tocante às despesas de pessoal. II – seja determinada a notificação do requerido para, querendo, oferecer manifestação por escrito, dentro do prazo de quinze dias, nos termos do art. 17, § 7o, da Lei n. 8.429/92; III – seja recebida a presente ação, citando-se o requerido para, querendo, contestar a presente actio, ao teor do art. 17, § 9º, da Lei n. 8.429/92; IV - seja citado o Município de Boa Vista para, querendo, integrar a lide, nos termos do art. 17, § 3°, da Lei 8.429/92; 8 Disponível em: www.ceaf.mp.pr.gov.br/arquivos/.../AntonioWinkertMateusBert.doc. Acesso em 30.09.2011 V – seja proferida sentença para condenar o requerido pela prática de ato de improbidade administrativa (art. 11, caput, da Lei de Improbidade Administrativa) nas seguintes sanções previstas no art. 12 da Lei n° 8.429/92: a) perda da função pública, que esteja exercendo por ocasião da sentença; b) suspensão dos direitos políticos por 5 (cinco) anos; c) pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração recebida; d) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 03 (três) anos; Protesta-se por todos os meios de prova admitidos em direito, especialmente documental, testemunhal e depoimento pessoal do réu, dentre outros. Dá-se à causa, para fins do artigo 258 do CPC, o valor de R$ 1.000,00 (mil reais). Boa Vista/RR, 13 de junho de 2012. LUIZ ANTÔNIO ARAÚJO DE SOUZA Promotor de Justiça JOÃO XAVIER PAIXÃO Promotor de Justiça