CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ NÚCLEO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA DO PARANÁ MERCES MARIA TOMAEL PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO PSICANALÍTICO: revisão de literatura MARINGÁ 2011 MERCES MARIA TOMAEL PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO PSICANALÍTICO: Revisão de literatura Artigo científico apresentado ao Centro Universitário de Maringá/ Núcleo de Educação Continuada do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de Especialista em Psicanálise: Teoria e Clínica. Orientador: Profa Dra Rute Grossi Milani MARINGÁ 2011 AGRADECIMENTOS Um trabalho sempre depende do esforço individual e da colaboração de muitos. Agradeço a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para este estudo e, em especial: À Deus, dono de nossas vidas. Um agradecimento muito especial à minha professora orientadora Rute Grossi Milani, pela competência, dedicação, compreensão de meus problemas e dificuldades, aporte de literatura valiosa, cuidadosa análise de meus textos e cobrança permanente, sem a qual eu não teria chegado ao final desse trajeto. À minha mãe e minha irmã, minha família, pelo apoio e força para continuar. Aos professores do Curso de Especialização em Psicanálise, que contribuíram com conhecimentos que, certamente, foram amplamente empregados neste trabalho. À professora Gilcinéia Rose da Silva Santos, por, tão prontamente, ter concordado em ler este trabalho e contribuir com valiosas sugestões. Às minhas queridas amigas e companheiras nesse trajeto, Mariângela e Milena, que compartilharam este momento comigo. A todos aqueles que, de forma direta ou indireta, contribuíram para o sucesso deste trabalho, sem os quais não seria possível sua conclusão. Ao interpretar, acredito que o faço principalmente no intuito de deixar o paciente conhecer os limites de minha compreensão. Trata-se de partir do princípio de que é o paciente, e apenas ele, que tem as respostas. Podemos ou não torná-lo apto a abranger o que é conhecido, ou disso tornar-se ciente, com aceitação. Winnicott, O brincar e a realidade (1971) 1 PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO PSICANALÍTICO: revisão da literatura Sugestão de Título Abreviado: Psicodiagnóstico Interventivo Psicanalítico INTERVENTIVE PSYCHODIAGNOSTIC PSYCHOANALYTIC: review of the literature Mercês Maria Tomael Psicóloga clínica, especialista em psicoterapia psicanalítica e especialista em psicopedagogia. Rute Grossi Milani Professora do Centro Universitário de Maringá, psicóloga, doutora em Saúde Mental pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP. Endereço para correspondência com a comissão Editorial: Mercês Maria Tomael Rua Espírito Santo, 1163, sala 504, centro CEP: 86020-420 Londrina-Pr. Fone: (43) 3329-5153 Celular: (43) 9604-8754 e-mail: [email protected] Endereço para correspondência com o leitor: Mercês Maria Tomael Rua Espírito Santo, 1163, sala 504, centro CEP: 86020-420 Londrina-Pr. Fone: (43) 3329-5153 Celular: (43) 9604-8754 e-mail: [email protected] Artigo apresentado como trabalho de conclusão de Curso de Especialização da primeira autora. 2 PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO PSICANALÍTICO: revisão da literatura Sugestão de Título Abreviado: Psicodiagnóstico Interventivo Psicanalítico INTERVENTIVE PSYCHODIAGNOSTIC PSYCHOANALYTIC: review of the literature 3 PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO PSICANALÍTICO: revisão da literatura Resumo: O psicodiagnóstico interventivo inclui na prática clínica os processos de avaliação e de psicoterapia simultaneamente. O profissional realiza intervenções durante o processo de avaliação, no momento da entrevista inicial e aplicação de testes. O objetivo deste estudo é, a partir da revisão da literatura com referencial psicanalítico, descrever os resultados obtidos em pacientes submetidos ao psicodiagnóstico interventivo, em estudos empíricos publicados na última década. A única exceção são os trabalhos de Donald W. Winnicott (1896-1971), considerada a base dos estudos sobre o psicodiagnóstico interventivo. Os estudos descritos mostraram resultados positivos, em que os pacientes atendidos puderam se beneficiar com o psicodiagnóstico interventivo, portanto, trata-se de um método que possibilita uma avaliação mais fidedigna e globalizada. Palavras Chaves: psicodiagnóstico, psicodiagnóstico interventivo; psicanálise. 4 INTERVENTIVE PSYCHODIAGNOSTIC PSYCHOANALYTIC: review of the literature Abstrat: Interventive psychodiagnostic clinical practice includes the processes of assessment and psychotherapy simultaneously. The provider performs interventions during the evaluation process at the time of initial interview and test application. The objective of this study is from the literature review with psychoanalysis, describe the results obtained in patients undergoing interventive psychodiagnostic in empirical studies published in the last decade. The only exception is the work of Donald W. Winnicott (1896-1971), considered the basis of studies on the interventive psychodiagnostic. The studies described have shown positive results in the patients treated were able to benefit from interventive psychodiagnostic therefore it is a method that enables a more reliable evaluation and globalized. Key Words: psycho, psycho interventionist, psychoanalysis. 5 PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO PSICANALÍTICO: revisão da literatura INTRODUÇÃO A aplicação do psicodiagnóstico interventivo vem sendo utilizada, desde a década de 90, por alguns profissionais da área de psicologia. Em alguns atendimentos foram constatadas mudanças nos pacientes após serem submetidos ao processo psicodiagnóstico sem a intenção de interferência. Esses acontecimentos levaram os profissionais a questionar, se simplesmente o fato do contato paciente-terapeuta, já não provocaria situações que propiciariam a reorganização mental do paciente. Desde então, alguns psicólogos se interessaram pelo assunto e, nas últimas décadas, começaram a surgir estudos a respeito desse tipo de psicodiagnóstico. Winnicott, em 1971, escreveu sobre resultados positivos obtidos com a interpretação da fala dos pacientes nas primeiras consultas. Walter Trinca (1998) escreveu sobre o psicodiagnóstico compreensivo, técnica em que o terapeuta interage com os pacientes de forma empática e obtém um conhecimento profundo sobre o funcionamento mental deles. Nos últimos anos, cada vez mais, os profissionais da psicanálise se aproximam de seus pacientes tentando abstrair aspectos de suas personalidades, com a finalidade de um trabalho de melhor qualidade. É bastante controverso o fato de fazer ou não assinalamentos e interpretações nas entrevistas durante o psicodiagnóstico. Encontramos profissionais que são contra essa prática e que consideram que nessa fase, o psicólogo deve ater-se a fazer uma investigação. Outros consideram que o profissional deve intervir apenas para alcançar o objetivo da entrevista, dando 6 ênfase ao vínculo do paciente com o psicólogo. E outros, ainda, aceitam realizar um trabalho conjunto com o paciente, e reconhecem a necessidade de utilizar apontamentos e devoluções durante o processo psicodiagnóstico (Santiago, 1998). Na entrevista inicial o paciente mostra-se mais disposto, momento em que traz uma maior quantidade de material, comparado com as sessões posteriores, quando já terá uma melhor percepção do terapeuta. Esta é a hora em que há um espaço maior para a intervenção, pois o paciente está menos rígido e não defendido e colabora fornecendo elementos para a interpretação. Quando o terapeuta escuta e acolhe adequadamente, o paciente mobiliza-se internamente, mesmo que seja por um curto espaço de tempo. No psicodiagnóstico é importante o fechamento do diagnóstico, mas também é fundamental o modo como o psicólogo acolhe e se relaciona com o paciente. É imprescindível a continência e a empatia ao relacionar-se com o mesmo, enquanto mostra-se disposto a ouvi-lo e manter com ele um diálogo verdadeiro. Desse modo, o paciente é incluído no processo de um jeito diverso do que geralmente acontece na forma tradicional, e é estimulado a participar (Santiago, 1998; Lazzari e Schmidt, 2008). O psicodiagnóstico interventivo não se configura apenas como um processo de investigação diagnóstica, mas também, como um lugar em que poderá haver intervenções que podem trazer mudanças e bem estar para o paciente da mesma forma que a psicoterapia trará. O psicodiagnóstico interventivo não tomará o lugar da psicoterapia, mas é importante utilizar as oportunidades que surgem naquele momento e que poderão demorar muito a retornar e assim fazer daquele instante um encontro significativo para terapeuta e paciente (Lazzari e Schmidt, 2008). No psicodiagnóstico interventivo não há uma organização sequencial, com passos a serem seguidos, e o número de sessões não é predeterminado. Além 7 disso, o profissional psicanalítico, como ‘objeto subjetivo’ deve proporcionar ao paciente a possibilidade, através da vivência emocional, de retomar seu desenvolvimento. É de extrema importância esse profissional ser visto e sentido como aquele que pode ajudar (Barbieri, 2008 e 2010). O psicodiagnóstico é visto pelos profissionais da psicologia como uma segurança para o desenvolvimento de um trabalho adequado às condições emocionais do paciente. O psicodiagnóstico interventivo inova o modelo tradicional e permite ao profissional construir uma visão compreensiva do paciente, ao mesmo tempo em que poderá ser um processo gerador de mudanças para esse paciente. Estudos recentes, sobre a influência do psicodiagnóstico interventivo na organização mental do paciente, parecem apresentar subsídios que reforçam a utilização desse modelo de avaliação. Portanto, o objetivo deste estudo é, a partir da revisão da literatura com referencial psicanalítico, descrever os resultados obtidos no estudo de pacientes submetidos ao psicodiagnóstico interventivo, em pesquisas empíricas, publicadas na última década, para tanto, se fará um retrospecto histórico desse tipo de psicodiagnóstico. Este traballho é uma oportunidade de demonstrar as aplicações e apropriações do psicodiagnóstico interventivo, visto que, além de apresentar as ideias de alguns psicólogos que trabalham com esse tipo de psicodiagnóstico, também se justifica pelo fato de auxiliar outros profissionais da área psicológica a ter contato com diversos trabalhos, com essa abordagem. Este estudo salienta a importância da teoria de Donald W. Winnicott (1896-1971), especialmente sobre as consultas terapêuticas, considerada como um importante embasamento dos estudos sobre o Psicodiagnóstico Interventivo com abordagem psicanalítica. De início será realizada uma breve introdução sobre os 8 aspectos históricos, psicodiagnóstico destacando interventivo, os que pesquisadores inicialmente foi que introduziram desenvolvido o pelos profissionais da abordagem fenomenológico-existencial, que serão tratados aqui, como os precursores dessa idéia no Brasil. Enfocando os objetivos propostos para esse estudo, num segundo tópico, serão descritos os artigos que tratam dos resultados empíricos encontrados com a proposta de atendimento do psicodiagnóstico interventivo psicanalítico, com destaque para a teoria Winnicottiana, da qual este evoluiu. PRECURSORES DO PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO Alguns profissionais (Arzeno, 1995; Ancona-Lopez, 1998; Ocampo, Arzeno e Piccolo, 1999) percebiam que, independentemente da vontade do terapeuta, os pacientes mostravam melhoras durante o processo psicodiagnóstico, começaram, então, a investigar esses acontecimentos. O processo psicodiagnóstico tradicional era visto, até então, apenas como uma situação em que o profissional aplicava alguns testes e o paciente colaborava dando respostas às situações. No entanto, com o passar do tempo, muitos psicólogos começaram a sentir o desejo e a necessidade de aproximar-se empaticamente do paciente, e para isso, precisaram abandonar sua prática antiga e enfrentar as angústias de um modo novo e mais íntimo de contato com seu paciente. Assim, a teoria e técnica psicanalítica foram de grande ajuda para o psicólogo poder entender o que acontecia no seu relacionamento com o paciente. O profissional pode interferir durante as sessões diagnósticas no momento em que a fala do paciente não for esclarecedora ou se ele negar os conteúdos. O propósito dessas intervenções seria unicamente para alcançar os objetivos da entrevista (Ocampo, Arzeno e Piccolo, 2009). 9 De acordo com Lazzari e Schmidt (2008), a avaliação psicológica é um procedimento que procura informações sobre o funcionamento psicológico, que analisado de acordo com os conhecimentos da psicologia tenta compreender o funcionamento psíquico e a relação com a queixa do paciente, o que possibilita o planejamento de intervenções, com a finalidade de “promover a saúde e o desenvolvimento psíquico dos indivíduos”. Ocampo e Arzeno (2009) falam desse processo como “uma situação com papéis bem definidos”, em que alguém pede ajuda e outro alguém faz tudo para ajudar dentro de suas possibilidades. Esta é uma situação em que o tempo é limitado e que requer o uso de técnicas para se alcançar os propósitos iniciais (compreender a personalidade do paciente para entender o seu funcionamento). Assim sendo, a relação de transferência-contratransferência é considerada por Arzeno (1995) um elemento de grande importância que nos é fornecido pelo psicodiagnóstico, esse dado nos ajuda a prever situações da futura terapia, que facilitarão o relacionamento paciente-terapeuta. Na opinião de Arzeno (1995), o modelo do psicodiagnóstico não deve ser rígido, mas adequado à “experiência clínica e ao nível de análise do profissional”. Para a autora, se os profissionais da psicologia são procurados significa que alguém está em sofrimento emocional, portanto é preciso que se questionem os motivos desse sofrimento. Com o passar dos anos, o processo psicodiagnóstico, sofreu modificações e influências de diferentes modelos teóricos. Na atualidade não se pode conceber um processo psicodiagnóstico que não seja com base na relação entre paciente e psicólogo, de forma a usar a ação interventiva para uma melhor compreensão dos atos psíquicos para possibilitar mudanças, ou seja, apresentar ao paciente a 10 situação que ele traz, de um jeito novo (Lazzari e Schmidt, 2008; Advíncula e Gomes, 1999). O psicodiagnóstico tem de se prestar principalmente ao bem estar do paciente, situação em que provoca condições de transformações; e não ao contrário, servir apenas para as necessidades de compreensão do profissional, para que ele possa definir o problema e indicar as medidas terapêuticas adequadas. Com a evolução do psicodiagnóstico, na atualidade, os profissionais de psicologia atuam cada vez mais, no momento da avaliação, embasados na relação psicólogopaciente. Assim o paciente sente-se incluído no procedimento e como participante ativo, tem de volta tudo que informou, associados a situações que possibilitam a ele repensar e dar novo significado ao seu mundo (Cupertino, 1998). Na atualidade, o processo psicodiagnóstico pode tornar-se um espaço para o conhecimento profundo do paciente, resultado da relação terapeuta-paciente. Nesse espaço, um psicodiagnóstico bem elaborado, pode ser tão eficaz para o paciente quanto a psicoterapia. O psicólogo se manterá atento às possibilidades de intervenção e deve usá-las considerando as impressões que tem com o seu paciente durante esse processo. A relação paciente-terapeuta se tornou um instrumento de trabalho com o surgimento de técnicas para uma abordagem compreensiva (Lazzari e Schmidt, 2008). É necessário repensar se a utilidade do psicodiagnóstico serve apenas para encaminhamentos psicoterápicos. É preciso modificar a postura de que o psicodiagnóstico não faz parte da prática terapêutica e investir no esforço em transformá-lo num processo terapêutico (Santiago, 1998). Chegou o momento em que o psicodiagnóstico tradicional deve dar espaço para novas formas de avaliação, em que o paciente possa se beneficiar das intervenções terapêuticas, 11 momento de integração entre sujeito e objeto. No psicodiagnóstico interventivo terapeuta e paciente se relacionam, “a partir de pontos de vista diferentes, mas igualmente importante”, com a finalidade de amenizar as dificuldades desse paciente (Advíncula e Gomes 1999). O psicodiagnóstico interventivo, no modelo fenomenológico, mantém a relação do terapeuta com o paciente através da neutralidade. As interferências durante o processo são verbais. O significado do sintoma é visto como de ordem consciente e o profissional valoriza a capacidade intelectual do paciente. Já no modelo psicanalítico, método “firmemente enraizado nas “Consultas Terapêuticas” de Winnicott [...] também descendente direto do Psicodiagnóstico Compreensivo, definido por Walter Trinca [...]” (p.580), o terapeuta se oferece como “objeto subjetivo”, proporcionando experiências emocionais importantes e necessárias ao desenvolvimento do paciente, o terapeuta é aquele que oferece ajuda. O processo psicanalítico é de natureza inconsciente, sendo possível se conseguir resultados positivos mesmo sem a ocorrência de insight (Barbieri, 2008). Foi somente a partir do ano 2000, que o psicodiagnóstico interventivo de orientação psicanalítica começou a ser mais bem delineado no Brasil. Ele vem sendo divulgado como tal, com importantes contribuições (Barbieri, 2010). PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO COM REFERENCIAL PSICANALÍTICO De um modo geral o conjunto de artigos relatados evidenciou o interesse pelo psicodiagnóstico na infância. Dos nove artigos relatados nesse estudo, cinco tiveram como sujeitos crianças. Dois foram realizados com adultos e dois analisaram o desempenho de estudantes no atendimento clínico, demonstrando a 12 experiência de ensino do psicodiagnóstico interventivo psicanalítico, na prática de estágio, com estudantes de psicologia. No relato de cada trabalho fica evidente o suporte teórico da teoria Winnicottiana. Ainda se tem poucas publicações acerca do psicodiagnóstico interventivo psicanalítico. É pequeno o número de estudiosos que se dedicam a esse assunto, porém, encontra-se publicados, trabalhos de grande relevância, de pesquisadores que mostram as vantagens do uso desse método já nas primeiras entrevistas. É o caso de Paulo (2006), Tardivo (2007) e Barbieri (2008), que fazem parte desse grupo de pesquisadores que consideram a intervenção durante o psicodiganóstico como uma nova perspectiva diagnóstica. Hoje ainda é comum o uso do psicodiagnóstico em que o profissional se limita a obter informações sobre a queixa do paciente com uso de testes e procura manter-se o mais neutro possível na relação. Nessa situação a psicanálise tem muito a contribuir quando se pensa no psicodiagnóstico como um modelo de avaliação em que o psicólogo se aproxime mais do paciente com um resultado mais rico (Ocampo, Arzeno e Piccolo, 2009). É comum se ouvir relatos de melhora de pacientes que foram submetidos ao processo psicodiagnóstico tradicional, isso demonstra que mesmo com a intenção de que não haja vínculo na relação, existem efeitos terapêuticos além daqueles que são da intenção do terapeuta. Geralmente isso acontece quando nesse processo existe a aplicação de técnicas projetivas, já que essa situação leva o paciente a acionar mecanismos psíquicos que expressam sua personalidade e permite a possibilidade de reorganização mental. Os resultados benéficos advindos do processo diagnóstico são provavelmente devido a vários mecanismos, dentre 13 eles, a projeção e a regressão têm papel fundamental (Barbieri, Jacquemin e Alves, 2007). Donald W. Winnicott (1984) foi o precursor desse tipo de avaliação, denominada por ele de “Consultas Terapêuticas”, momento em que fazia o tratamento com poucas entrevistas, na maioria dos casos em apenas uma, utilizando-se de interpretações no momento em que sentia o paciente receptivo para isso. Usava o Jogo dos Rabiscos como meio para entrar em contato com a criança e com isso levar a efeito a consulta terapêutica. Segundo ele, a criança coloca o terapeuta no papel de objeto subjetivo, papel este que sobrevive apenas às primeiras entrevistas, portanto este é o momento em que o profissional tem uma chance maior ‘de estar em contato com a criança’. Com base nos estudos de Winnicott, Walter Trinca (1984), desenvolveu o psicodiagnóstico compreensivo. Nesse tipo de Psicodiagnóstico, o profissional usa as informações para ajudar o paciente, e seleciona o que é importante na sua personalidade, sendo possível ter um contato de empatia e conhecimento profundo da vida emocional dessa pessoa. Para tanto, exige do profissional o conhecimento do processo psicanalítico, pois é necessário que o profissional se atente mais aos “fenômenos da transferência e da contratransferência” que acontece durante esse processo, podendo, desse modo, lidar com eles de forma mais segura. Na opinião de Roncolato (2011), o profissional que utiliza o psicodiagnóstico compreensivo (Trinca, 1984), se inteira de todos os dados referentes à vida do paciente (social e familiar) e da sua personalidade, para poder relacionar esses resultados e compreender o motivo real da procura do tratamento psicológico, por parte do paciente. 14 Barbieri, Jacquemin e Alves (2004, 2007) comentam os estudos de Winnicott (1984) e afirmam que para ele é plenamente possível fazer “um pequeno tratamento” nas entrevistas iniciais e que é nesse momento que aparecem informações que só poderiam reaparecer meses ou anos mais tarde em uma psicoterapia. A prática de juntar avaliação e intervenção existe há muito tempo, afirma Barbieri (2009 e 2010), e comenta que foi na década de 1990, que essa ideia ganhou impulso na literatura e passou a ser mais bem organizada. No começo do ano 2000, o psicodiagnóstico interventivo, descendente do psicodiagnóstico compreensivo (Trinca, 1984), foi mais bem delineado por novos estudos, que deram origem a novas contribuições de autores como Ocampo, Arzeno e Piccolo (2009). Para Winnicott, nas consultas terapêuticas, o relacionamento entre terapeuta e paciente, deve assegurar um clima de confiança para suprir a expectativa do paciente. Com isso se estabelece uma identificação mútua, entre terapeuta e paciente, parecida àquela da relação mãe/bebê, no início do desenvolvimento. Para ele o essencial é o modo de ser da mãe, a identificação com o seu bebê e sua devoção ao cuidar dele (Lescovar, 2004). Estudos foram publicados nessa temática, entre eles os de Barbieri, Jackemin e Alves (2004 e 2007), em que observaram os resultados da aplicação do psicodiagnóstico interventivo em crianças com queixa anti-social e personalidade materna. Barbieri(2009) analisou a personalidade paterna. Paulo (2009) também analisou o atendimento infantil em seu estudo. Num trabalho com crianças, com queixa de comportamentos anti-sociais, Barbieri, Jacquemin e Alves (2004) investigaram se o psicodiagnóstico 15 interventivo poderia contribuir para o tratamento da tendência anti-social. Foram analisadas oito crianças, entre cinco e dez anos de idade. Nesse trabalho utilizaram-se entrevistas de anamnese, a Técnica de Rorschach, duas sessões lúdicas, entrevista familiar diagnóstica, Bateria Gráfica de Hummer, Teste de Apercepção Infantil (CAT-A), entrevistas devolutivas e follow-up com os pais. Durante o processo de avaliação foram incluídos assinalamentos e interpretações por parte do examinador. Foi realizado o follow-up por meio de entrevistas pessoalmente ou por telefone, no período de três a oito meses. Dos oito casos atendidos, sete foram concluídos. Dos sete concluídos cinco obtiveram sucesso terapêutico, todos eles com estrutura de personalidade neurótica e dois obtiveram fracasso terapêutico, com estrutura de personalidade psicótica. Os autores, embasados na análise dos dados do psicograma da Técnica de Rorschach, concluíram que as crianças com estrutura de personalidade neurótica puderam se beneficiar com o psicodiagnóstico interventivo, portanto, das sete crianças avaliadas, cinco se beneficiaram. Com a incidência de melhora em pacientes, profissionais e pesquisadores se interessaram pelos resultados terapêuticos contidos no processo psicodiagnóstico. Assim, “[...] o Psicodiagnóstico Interventivo (ou Avaliação Terapêutica), cuja principal característica é a realização de intervenções (assinalamentos, interpretações, holding)” foi criado no decorrer das entrevistas e das aplicações de técnicas projetivas (Barbieri, 2010). Barbieri, Jacquemin e Alves (2007) fizeram um estudo sobre o psicodiagnóstico interventivo no tratamento infantil, enfocando os fundamentos teóricos e a prática clínica. Para isso aplicaram o método diagnóstico/terapêutico em uma menina de dez anos (Beatriz). O objetivo deste trabalho foi averiguar os 16 resultados práticos desse tipo de intervenção. Para tanto se utilizou entrevista de anamnese, o Teste de Rorschach, duas sessões lúdicas, Entrevista Familiar Diagnóstica, Bateria Gráfica de Hammer, Teste de Apercepção Temática Infantil (CAT-A) e a entrevista devolutiva. A paciente foi encaminhada para atendimento por ter furtado dinheiro dos familiares em três ocasiões. Também foi salientada a obesidade da menina (52 kg), embora a queixa principal fossem os furtos. Beatriz vivia com o pai e a madrasta, foi descrita como sendo dócil e carinhosa, mas demonstrando dificuldade em ser contrariada, embora aceitasse bem os castigos infligidos pelos pais. Todo o psicodiagnóstico da paciente foi realizado de forma interventiva. Durante os seis meses seguintes ao tratamento, foram realizados três encontros com os pais, um a cada dois meses para se fazer o follow-up. Pode-se constatar que nesse período Beatriz não voltou a furtar. Com a utilização do psicodiagnóstico interventivo observou-se que após o contato com a psicóloga, Beatriz pode perceber mais claramente o que precisava, podendo, agora, buscar suas necessidades de modo simbólico e socialmente aceito. A conclusão dos autores foi a de que o psicodiagnóstico interventivo possibilitou uma avaliação mais fidedigna e fortaleceu o desenvolvimento tanto da menina, quanto da família em direção à cura. Portanto acreditam se tratar “[...] de um método promissor, que atribui ao paciente o papel de sujeito ativo ao alcance da própria saúde mental [...]” (p.181). Para Barbieri (2009, p.2), o psicodiagnóstico interventivo é “um procedimento clínico que consiste em efetuar intervenções já no momento de realização de entrevistas e aplicação de testes, oferecendo ao paciente, devoluções durante todo o processo avaliativo e não somente ao seu final”. Os testes são instrumentos que facilitam o contato do psicólogo com o paciente e auxiliam nas 17 intervenções durante o processo psicodiagnóstico como consequência daquilo que o paciente apresenta, de forma a provocar mudanças (Paulo, 2009). No atendimento infantil, o brincar para a criança é a forma que ela encontra de expressar naturalmente seus sentimentos e desejos. Desta forma a atividade lúdica é para criança o que a fala, na associação livre, é para o adulto, é nela que a criança projeta seus medos, suas angústias e fantasias. Quando o psicólogo interpreta o significado da brincadeira, mostra a situação em que se encontra a criança (Paulo, 2009). Na hora do jogo a criança usa sua personalidade integralmente, pois no brincar surge a comunicação verdadeira (Silva, 2010). Paulo (2009) realizou um estudo que teve como objetivo abordar o psicodiagnóstico interventivo com a técnica da hora do jogo para conhecer a realidade da criança, a técnica de investigação e a possibilidade de intervenção. A autora ilustrou seu trabalho com dois casos de atendimentos infantis, em que utilizou testes e a hora do jogo diagnóstica de forma interventiva. Utilizou também a entrevista compartilhada com pais e a criança. O primeiro caso foi de um menino, de dois anos e seis meses, com queixa de hiperatividade e agressividade. O psicodiagnóstico foi realizado durante três encontros com a mãe e a criança juntas, nas quais foram feitas intervenções durante o processo. O segundo caso foi o de um menino de três anos, em que a queixa foi de fobia escolar. Realizou-se uma primeira entrevista somente com os pais e outra com os pais e a criança conjuntamente. Também foram feitas intervenções durante todo o processo. A autora concluiu que os resultados encontrados na prática clínica, têm revelado que a utilização da hora de jogo em entrevistas compartilhadas com pais e filhos, em ‘triagem interventiva’, ‘plantão psicológico’ e ‘psicodiagnóstico interventivo’, tem 18 apresentado êxito, de forma que contribui para abreviar o psicodiagnóstico e diluir a barreira entre diagnóstico e terapia. Na visão de Paulo (2006), já está se fazendo o psicodiagnóstico interventivo no momento em que a postura do psicólogo e a utilização dos instrumentos, durante o processo psicodiagnóstico, interferem na reação emocional do paciente, pois a simples introdução de um teste projetivo interfere nas experiências de vida e nas expectativas do paciente em relação àquele processo em andamento. O psicodignóstico interventivo não tem como objetivo extinguir os sintomas, porém possibilita uma avaliação mais completa, em que o paciente é fortalecido e preparado para uma psicoterapia, se for necessária (Tardivo, 2007). Segundo Winnicott (1941/2000), a mãe, intuitivamente, permite que o seu bebê exercite suas experiências livremente, até que ele esteja crescido o suficiente para compreender ‘o ponto de vista da mãe’. De maneira semelhante, o analista permite ao paciente dar o seu próprio ritmo á sessão de atendimento. Barbieri, Jacquemin e Alves (2005) realizaram um estudo, em que a proposta foi verificar se as características de personalidade das mães de crianças, submetidas ao psicodiagnóstico interventivo, poderiam interferir nos resultados terapêuticos de seus filhos. Além disso, procurou-se determinar os prós e os contras desse novo método de avaliação, levando-se em consideração a personalidade materna. Participaram do estudo seis mães de sete crianças (de cinco a dez anos) que foram submetidas ao psicodiagnóstico interventivo em virtude de comportamentos anti-sociais. Todas as mulheres eram casadas, com idade entre 27 e 48 anos. Utilizou-se para a avaliação das mães o Teste de Rorschach, cujos resultados foram comparados com os das crianças que foram avaliadas com as entrevistas de follow-up. Foram considerados bem sucedidos os tratamentos em 19 que, no follow-up os pais relataram melhora dos sintomas dos filhos. Os resultados do estudo com as mães mostraram que “a mãe deprimida também poderia ser considerada como ‘suficientemente boa’. E que uma mãe que tenha capacidade de identificação com o filho, mesmo que sua organização de personalidade seja pouco evoluída, pode ajudar melhor numa intervenção terapêutica, que uma mãe com personalidade neurótica, mas que é incapaz de estabelecer vínculos. Assim como a criança necessita de uma mãe suficientemente boa, também necessita de um pai suficientemente bom. E da sorte de ter essa maternagem e essa paternagem, vai depender sua condição edípica e o sentimento de realidade que terá no futuro. Quando o pai dá apoio à mãe e mantém-se íntegro e se permite desfrutar essa relação com a mãe, proporciona um ambiente suficientemente bom (Outeiral, 1997). Barbieri (2009) realizou um estudo com o objetivo de verificar as características de personalidade dos pais (masculinos) de meninos e meninas com comportamentos anti-sociais, que foram avaliadas com o método do psicodiagnóstico interventivo, momento em que foram realizados apontamentos e interpretações. Participaram seis pais de sete crianças com idade entre cinco e dez anos, com faixa etária entre 26 e 56 anos. Utilizou-se o Teste de Rorschach para a avaliação desses pais, que foi aplicado individualmente após a entrevista de anamnese. Com a análise dos resultados percebeu-se que para o pai ajudar o filho, durante o psicodiagnóstico interventivo, teria que ser capaz de utilizar os conteúdos adquiridos com seu envolvimento com a realidade externa e assim “coibir, graduar e organizar as próprias pulsões e as angústias delas decorrentes” (p.185). Portanto, a figura paterna, dessas crianças com comportamento antisocial, não se destacou com qualidade suficiente para ajudá-los no tratamento, 20 pois, os pais teriam muita dificuldade em dar-lhes forma e limites, já que só conseguiriam se identificar narcisicamente com a angústia deles próprios. Outeiral (1997) assevera que o pai é aquele que é indestrutível, é o que faz com que a criança se sinta segura, e mantenha seus ‘impulsos livres e agressivos’, e assim possa desfrutar deles à medida que tem um pai com capacidade de dizer ‘não’. Alguns profissionais (Paulo, 2006; Mishima e Barbieri, 2009), estudaram a aplicação e os resultados do psicodiagnóstico interventivo no atendimento de adultos. A pesquisa desenvolvida por Paulo (2006) teve como objetivo verificar a possibilidade de se usar o modelo do psicodiagnóstico interventivo com pacientes adultos depressivos. Este estudo foi realizado com quatro pacientes, dois homens e duas mulheres, com idade entre 31 e 57 anos, com diagnóstico de depressão. Para este trabalho, que teve duração de três meses, foram utilizadas técnicas projetivas como facilitadores do contato entre terapeuta e paciente. As intervenções foram realizadas durante o processo, o mais precocemente possível. Os resultados encontrados foram satisfatórios, com uma melhora dos sintomas de depressão nos pacientes, em comparação com o início do tratamento. A conclusão da autora foi a de que o psicodiagnóstico interventivo, com a utilização de testes projetivos, trouxe maior facilidade de ocorrência de associações livres, dando mais espaço para o trabalho interpretativo. As intervenções podem ser feitas já no início do psicodiagnóstico, é preciso que o psicólogo se mantenha atento para apreender o material significativo que emerge durante a sessão terapêutica. Com as técnicas projetivas como 21 ferramenta, o psicólogo usando seu raciocínio clínico fará as intervenções, de forma a dar significado à vivência do paciente (Paulo, 2006). Segundo Mishima e Barbieri (2009) e Barbieri (2008 e 2009), no psicodiagnóstico interventivo, os instrumentos de avaliação são subordinados a métodos que não são estruturados, como, por exemplo, as técnicas projetivas, que são usadas como estratégias para a comunicação entre o psicólogo e o paciente. Essa pouca estruturação, somada às atitudes do profissional e acrescidas de sua maleabilidade psíquica, proporcionam a percepção e organização de dados importantes e significativos. Portanto, as técnicas projetivas proporcionam um resultado diagnóstico mais seguro e fidedigno, possibilitando se verificar as mudanças que o psicodiagnóstico interventivo provoca na personalidade e quais pacientes possuem as características que proporcionariam benefícios com o uso do mesmo. Ody (1993), diz que a consulta terapêutica tem seus limites e tem dupla função: evitar as indicações de análise prematuramente, e/ou preparar o paciente para o processo terapêutico, pois o paciente precisa estar suficientemente preparado, para se confrontar com o seu universo pessoal e com sua sexualidade. Mishima e Barbieri (2009) descreveram os resultados de um estudo em que os testes projetivos foram utilizados para o desenvolvimento do psicodiagnóstico interventivo. O estudo teve como objetivo propiciar um tratamento psicoterápico para mulheres obesas, por meio do psicodiagnóstico interventivo, para verificar se uma abordagem de terapia breve provocaria mudanças no comportamento alimentar e seguimento de uma dieta. O estudo foi realizado com uma paciente (Ana), com obesidade grau I (IMC = 32 kg/m2), com 32 anos, com experiência em dietas de emagrecimento e exercícios físicos. Foram 22 realizadas seis sessões de avaliação, nas quais se utilizou entrevista clínica semiestruturada e testes projetivos com enfoque interventivo. A análise e interpretação dos dados foram feitas de acordo com o enfoque psicanalítico no momento da aplicação da entrevista e dos testes projetivos. Na análise dos resultados, considerou-se que a paciente apresentou uma estrutura de personalidade borderline. As autoras concluíram que após o atendimento com o psicodiagnóstico interventivo, Ana perdeu peso, chegando ao Índice de Massa Corporal (IMC) saudável. Elas justificam esse resultado como sendo devido ao atendimento em que foi oferecido um holding e um ambiente suficientemente bom, que possibilitou a recuperação da capacidade criativa da paciente. É importante, no psicodiagnóstivo interventivo, “a adaptação ativa do analista às necessidades e expectativas do paciente [...] e se necessária a comunicação verbal desse entendimento no momento adequado” (Lescovar, 2004, p.4), através do “[...] uso de assinalamentos, holding, handling e interpretações” (Barbieri, 2008, p.580). Ao se possibilitar um holding a um ser humano desde o nascimento, possibilita-se que ele gradualmente adquira um senso de identidade pessoal (Silva, 2010). O aprendizado dessas intervenções fundamentais à atitude clínica do psicólogo deve ser iniciado na graduação, com o uso de novas ferramentas, como é o caso do psicodiagnóstico interventivo, que vem sendo utilizado por professores e alunos em estudos práticos. Em um estudo realizado por Becker (2002) com o objetivo de avaliar o processo que dá ao estagiário de psicologia, em seu primeiro atendimento, a possibilidade de acolhimento do paciente de forma eficaz, a autora considerou a teoria Winnicottiana como parte importante do processo, já que, segundo ela, o 23 psicodiagnóstico interventivo é um processo de maternagem e que foi colocado em prática nos atendimentos realizados por seus estagiários. Realizaram-se entrevistas de “follow-up” para se verificar a eficácia do psicodiagnóstico interventivo. As devolutivas foram feitas em forma de histórias, o que mostrou a compreensão compartilhada entre estagiário e paciente, portanto, relevando a importância desse tipo de psicodiagnóstico no “espaço potencial”. Winnicott (1984), afirma que existe no momento das primeiras entrevistas um “intercâmbio muito mais livre” entre o profissional e seu paciente do que na psicoterapia propriamente dita e fica muito difícil para o terapeuta, que avalia o caminho emocional do paciente, passar um longo tempo sem interpretar para só depois usar esse material. Segundo as palavras do referido autor “[...] não há nada mais difícil do que avaliar o caminho em que alguém se encontra sem fazer interpretação alguma [...] e depois, a certa altura, usar o material para interpretação do inconsciente” (p.17). Tardivo (2007) mostrou em seu trabalho realizado com estudantes de psicologia que o psicodiagnóstico interventivo é uma proposta que traz benefícios para o paciente. O objetivo do estudo foi verificar “se estudantes de graduação podem aprender a trabalhar segundo o modelo do psicodiagnóstico interventivo e atuar profissionalmente com base nas reflexões que podem e devem ser feitas o tempo todo” (p.131). Um dos casos atendidos pelos estudantes e citado nesse estudo foi o de um menino, Leandro, 12 anos, órfão de mãe. A mãe foi assassinada pelo pai, que tentou suicídio. O pai foi aposentado, por problemas de saúde devido ao atentado. O paciente morava com o avô paterno e chegou à clínica com queixas de problemas de comportamento na escola. Em entrevistas, as tias maternas relataram mudanças de comportamento após a morte da mãe (medo de ficar 24 sozinho). Durante os atendimentos Leandro demonstrou gostar da estagiária. Nas sessões foram realizadas intervenções que levaram a modificações importantes no comportamento do paciente, caracterizando-se o psicodiagnóstico interventivo. A estagiária, que foi supervisionada pela autora do artigo, pode observar, com o psicodiagnóstico interventivo, a ocorrência de mudanças internas em Leandro com a mudança de atitudes ao longo dos atendimentos; e também mudanças externas, em que precisou ter suas necessidades atendidas para poder crescer e se desenvolver. A supervisora (autora) chegou à conclusão de que esse tipo de psicodiagnóstico “é uma forma de atuação prática fundamentada que pode ser desenvolvida junto a estudantes de psicologia” (p.134). De acordo com Barbieri (2009), a teoria que melhor fundamenta o psicodiagnóstico interventivo é a teoria psicanalítica, que entende a estrutura da personalidade como inseparável das fantasias do indivíduo. Se levarmos em consideração os pontos comuns entre a psicanálise e o psicodiagnóstico interventivo, sobressai-se a dificuldade em separar a investigação da intervenção. A integração entre essas duas vertentes possibilita ao paciente se apropriar do que nele existe de mais criativo. Assim “[...] a investigação psicanalítica pode ser transposta para qualquer situação em que exista um processo de associação livre” (p.7). Ela ainda afirma que o psicanalista deve procurar muitas explicações para “eventos únicos” e, depois de integrá-las, organizá-las e então usá-las nas intervenções direcionadas ao paciente. No psicodiagnóstico interventivo o objetivo é compreender profundamente o paciente, e estabelecer relações que façam o indivíduo repensar. No entanto, o terapeuta tem que ter o cuidado em usar os manejos adequados para que uma comunicação significativa se torne possível. É interessante que o profissional saiba ouvir o paciente, respeitando o seu ritmo e 25 suas características, levando em conta a situação de contato em que terapeuta e paciente se encontram durante o psicodiagnóstico terapêutico. (Lescovar, 2004). Segundo Winnicott (1984, p.13), o trabalho realizado numa primeira entrevista pode servir como uma preparação para um tratamento mais demorado e intenso. Outras vezes, o resultado será oferecer à criança a possibilidade de ser compreendida e ajudada. No entanto “[...] se uma criança sai da consulta terapêutica e retorna para uma situação familiar anormal ou social anormal, então não há provisão ambiental alguma da espécie necessária [...]”. Barbieri (2008), citando Winnicott, alerta para o fato de que, se nas primeiras entrevistas não são feitas intervenções, os objetivos diagnósticos, além de não serem alcançados, impossibilitarão o contato terapêutico entre paciente e psicólogo. De acordo com Barbieri (2010), o psicólogo representa o elemento mais importante dos processos de avaliação e de intervenção. Ao invés dele fazer um trabalho solitário, pode contar com a participação do paciente nesse processo de intervenção, de modo a tornar esse trabalho confiável, além de obter ajuda para a seleção do material clínico. Assim, se faz possível a expansão das ações e o estímulo para transformações internas. Conforme nos alerta Tardivo (2007) o psicodiagnóstico interventivo vem se consolidando, gradativamente, como uma nova vertente, em que cada vez mais se valoriza ‘a relação entre sujeitos’. CONCLUSÃO O psicodiagnóstico interventivo de orientação psicanalítica é uma prática que une compreensão e intervenção e possibilita ao paciente pensar e decidir seu trajeto enquanto sujeito de sua história. A finalidade deste método não é a cura, mas sim possibilitar ao paciente se preparar para um processo psicoterápico e 26 ajudá-lo a trilhar o caminho em direção à promoção da sua saúde mental e em alguns casos bem sucedidos, substituir uma longa psicoterapia. O psicodiagnóstico interventivo psicanalítico vem sendo cada vez mais utilizado por profissionais de psicologia clínica. Sua eficácia é descrita por vários pesquisadores da área que demonstram os resultados positivos alcançados por pacientes que são submetidos a esse tipo de trabalho. Os estudos analisados mostraram que é possível, durante o processo avaliativo, favorecer a possibilidade de associações livres, com apontamentos e interpretações que promovam a melhora dos sintomas apresentados pelos pacientes. As técnicas projetivas, que foram usadas em alguns dos estudos, foram ferramentas que também auxiliaram na ocorrência de associações livres e oferecem espaço para o trabalho interpretativo, essas técnicas levam o paciente a se defrontar com suas fantasias e ter a possibilidade de, intuitivamente, ter uma melhor compreensão de si mesmo. A literatura também apresenta trabalhos realizados com alunos e estagiários do curso de psicologia, que evidenciaram que o psicodiagnóstico interventivo psicanalítico pode ser uma nova ferramenta para esses futuros profissionais, visto que os resultados desses estudos foram promissores. Enfim, a análise dos trabalhos empíricos apresentou resultados positivos, em que os pacientes atendidos puderam se beneficiar com esse tipo de psicodiagnóstico, portanto, os pesquisadores acreditam ser ele um método que possibilita uma avaliação mais fidedigna e globalizada. Pode-se afirmar que esse método promove no paciente a possibilidade de ser sujeito ativo de seu próprio caminho em direção à sua saúde mental. E é confiando no potencial do ser humano e na existência de um inconsciente, que o 27 profissional se permite ocupar o lugar de ‘objeto-subjetivo’ de seu paciente e assim poder estar em íntimo contato com ele. Além de somar qualidade ao psicodianóstico tradicional, o psicodiagnóstico interventivo psicanalítico é um método que pode promover benefícios terapêuticos por meio da compreensão intuitiva do inconsciente, em que o paciente tem a possibilidade, através de um holding bem estabelecido, num ambiente suficientemente bom, diminuir seu sofrimento mental e se reorganizar. Uma das limitações, para este estudo, foi a escassez de publicações sobre o psicodiagnóstico interventivo com abordagem psicanalítica. Portanto, seria importante dimensionar os efeitos desse tipo de técnica em trabalhos desenvolvidos com crianças e adolescentes, adultos e idosos, enfocando os diferentes tipos de transtornos e as intervenções mais pertinentes com a queixa apresentada. Os resultados favoráveis mostrados pelos estudos relatados reiteram a importância do aprofundamento das pesquisas sobre o tema, que é um terreno fértil para futuras investigações, já que o psicodiagnóstico interventivo psicanalítico deve estar em constante processo de evolução. REFERÊNCIAS Advíncula, I.; Gomes, P. (1999). O psicodiagnóstico interventivo em grupo para pais e crianças numa clínica-escola. Revista Symposium, v. 3, n. especial, p.10-22, jul. Ancona-Lopez, M. (1998). Contexto geral do diagnóstico psicológico. In: Trinca, W. Diagnóstico psicológico: a prática clínica. São Paulo: Cortez. 28 Ancona-Lopez, M. (1998). Introduzindo o psicodiagnóstico grupal interventivo: uma história de negociações. In: Ancona-Lopez, M. Psicodiagnóstico: processo de intervenção. São Paulo: Cortez. Ancona-Lopez, S. (1998). Psicodiagnóstico: processo de intervenção? In: Ancona-Lopez, M. Psicodiagnóstico: processo de intervenção. São Paulo: Cortez. Ancona-Lopez, M. (1998). 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