ORIGINAL PSICODIAGNÓSTICO: MODALIDADE INTERVENTIVA NA PRÁTICA CLÍNICA PSYCHO-DIAGNOSIS: INTERVENTIVE MODALITY IN CLINICAL PRACTICE Leonardo de Carvalho Rodrigues Puccinelli1 Irma Helena Ferreira Benate Bonfim2 Psicólogo pela Universidade de Franca. 2 Docente do curso de Psicologia da Universidade de Franca, Psicoterapeuta e Supervisora de estágio em Psicologia Clínica/Psicodiagnóstico no serviço de Psicologia Clínica oferecido na ClínicaEscola do curso de Psicologia da Universidade de Franca. Especialista em Psicanálise de Criança pelo Instituto Sedes Sapientiae e mestranda em Promoção de Saúde. 1 RESUMO: neste artigo, um caso clínico constituiu um campo vivencial para levantar conjecturas sobre o caráter interventivo do processo psicodiagnóstico e até que ponto envolve uma modalidade de investigação. O presente trabalho tem como objetivo discutir os aspectos psicológicos obtidos qualitativamente por atendimentos aos pais e a uma criança, utilizandose instrumentos como entrevista semidirigida, anamnese, sessão lúdica e aplicação de testes projetivos, tendo como finalidade buscar subsídio teórico-prático para a verificação dos benefícios e prejuízos proporcionados pelo processo psicodiagnóstico. Certamente, as conclusões apresentadas referem-se aos sujeitos envolvidos no caso estudado. Este artigo menciona, também, como o psicodiagnóstico contribui para a formação da atitude clínica do estagiário de Psicologia. Palavras-chave: psicodiagnóstico, processo interventivo, ludoterapia, atitude clínica. ABSTRACT: in this study, a clinical case constituted a source of questions in order to make conjectures about the interventive character of the psycho-diagnosis process and to what extent it involves an investigation modality. The study aimed at discussing psychological aspects which were qualitatively obtained through the attendance given to a child’s parents using instruments such as: semi-directed interview, questionnaire, child therapy and application of projective tests with the purpose of searching a practical and theoretical base to observe the benefits and damages caused by the psycho-diagnostic process. Certainly, the conclusions presented refer to the subjects involved in the studied case. This article also mentions how the psycho-diagnostic process contributes to the formation of the clinical attitude of a Psychology trainee. Key words: psycho-diagnosis, interventive process, child therapy, clinical attitude. Investigação - Revista Científica da Universidade de Franca 58 Franca (SP) v. 5 n. 1/6 p. 58-64 jan. 2003 / dez. 2005 INTRODUÇÃO O processo de psicodiagnóstico vem sendo amplamente discutido pela psicologia quanto a sua função e adequação à realidade. Neste sentido, pelo presente estudo de caso, objetiva-se efetuar uma reflexão condizente à prática clínica atual. De acordo com Ancona-Lopez (1995, p. 28-29), “toda atuação psicológica é uma ação de intervenção cujo significado será dado pelo campo relacional que se estabelece entre as partes e que é exclusivo e peculiar àquele momento e àquela relação”. Por um lado, tem-se a ação terapêutica do psicodiagnóstico no campo analítico, por outro, torna-se importante para aquele que conduz a prática clínica considerar todo o universo em que a criança está inserida, ou seja, conhecer as variáveis do contexto a ela relacionada, no qual se destacam aspectos familiares, sociais e econômicos. Considerando o que foi sugerido, pressupõe que os lugares que a criança freqüenta influenciam na formação de seu psiquismo. A partir disto, resulta a importância em ter conhecimento do contexto social da criança possibilitando na prática clínica um melhor estabelecimento do ‘campo bipessoal1’ para compreender o sintoma. Além deste aspecto referido acima, Dolto (apud CAMERINI, 1998, p. 71) procura mostrar que “não são apenas os fatos reais vividos pela criança que terão importância significativa em seu psiquismo, mas também o conjunto das percepções que ela tem deles e o valor simbólico registrado”. O pensamento da autora supracitada assinala a importância da escuta das percepções e fantasias do paciente, as quais são vivências intrapsíquicas que podem ser acessadas e exploradas pelo paciente. Esta dinâmica ocorrerá gradualmente na medida em que o analista proporcionar um espaço vivencial e interventivo para a manifestação das mesmas. Sabe-se que este aspecto interventivo acontece na relação paciente/analista, inclusive no processo psicodiagnóstico, no qual o paciente encontra uma possibilidade de acolhimento e abertura para uma mudança na problemática apresentada Lisondo et al. (1996), coloca como útil o conceito de campo bipessoal de M. e W. Baranger (1993). A situação analítica como um campo bipessoal pode ser entendido como uma estrutura dinâmica resultante da interação consciente e inconsciente de analista/analisando. como queixa manifesta, mesmo sendo um processo com um tempo pré-determinado. Dessa forma, evidenciando-se o estudo dos ‘benefícios e das perdas’2 neste processo, será possível contribuir para a verificação no processo de psicodiagnóstico, do que é proporcionado e construído na relação analista/paciente. Nota-se, por outro lado, que este processo proporciona ao estagiário de psicologia possibilidades de configuração de sua atitude clínica, na medida em que é a primeira oportunidade que possui de atender a um paciente. MATERIAL E MÉTODOS Este trabalho derivou-se de um projeto de estágio, que se constitui em uma avaliação psicodiagnóstica de um paciente (criança). A partir dessa oportunidade, verificou-se a necessidade de entender quais os benefícios que o paciente obteve com esse processo psico-avaliativo, pois ao final do mesmo o paciente já relatava melhora na queixa trazida. Para tanto, fez-se um estudo de caso, empregando-se como método de compreensão uma análise qualitativa. Como fonte de estudo, selecionou-se uma criança do sexo masculino, com 9 anos de idade e seus pais, os quais procuraram o serviço de Psicologia da Universidade de Franca, que obteve o consentimento livre esclarecido. Após a explicação dos objetivos e duração da avaliação e do estudo de caso, foi assegurado aos pais e ao paciente o direito de participação e nãoparticipação, sem implicações para a continuidade do tratamento na clínica de psicologia, sendo mantido sigilo e respeito à integridade dos participantes. Ressalte-se, portanto, que os participantes estavam cientes dos objetivos deste estudo e em que condições ele seria realizado. Para a realização do estudo de caso, utilizaram-se os seguintes instrumentos: roteiro de anamnese com os pais, caixa lúdica contendo brinquedos, jogos e materiais didáticos (sulfite, lápis 1 Investigação - Revista Científica da Universidade de Franca Entende-se como aspectos positivos e negativos proporcionados pelo psicodiagnóstico, ou seja, uma avaliação psicológica de caráter interventivo que promove ao paciente um espaço terapêutico, o qual deverá ser finalizado dentro de um breve período. 2 Franca (SP) v. 5 n. 1/6 p. 58-64 jan. 2003 / dez. 2005 59 preto e de cor, massa de modelar e guache) e testes projetivos (HTP e CAT) com a criança. DISCUSSÃO a) Psicodiagnóstico: delineando estórias de vidas A prática de avaliação psicológica constitui-se numa das atividades mais antigas do psicólogo, contribuindo de maneira significativa para a formação de sua identidade profissional. Durante um longo período, o psicólogo delineou seu trabalho utilizando o modelo médico, cujos termos foram consagrados pelo exercício da psicologia clínica. Atualmente, este modelo não mais exerce influência na prática da avaliação psicológica. E, justamente por não mais haver influência do modelo médico sobre a prática da psicoterapêutica, a psicologia clínica vem sendo alvo de críticas infundadas, sejam elas de natureza científica ou ideológica. Ao delinear as concepções de diagnóstico de personalidade, sente-se necessidade de se tecerem alguns comentários sobre o pensamento clínico. A respeito desta temática, é interessante reportar-se aos processos de pensamento descritos por Dewey (1933, p. 93 apud TRINCA, 1983, p. 96) quando argumenta: nas inúmeras teorias que procuram conhecer e compreender o homem”. A aproximação do psicodiagnóstico à técnica psicanalítica possibilitou ao psicólogo maior autonomia de idéias e práticas e, concomitantemente, fortaleceu sua identidade profissional na medida em que estuda o intra-subjetivo. Afirma-se que na práxis clínica, o processo de psicodiagnóstico ainda é hoje trabalhado nos moldes clássicos, respeitando-se uma avaliação sistematizada. No entanto, caminha para uma amplitude maior, na medida em que busca uma compreensão da psicodinâmica do cliente. Deste modo, a flexibilidade deve estar presente na atuação psicológica e na construção do campo bipessoal. Bleger (1998, p. 16) ressalta que “toda conduta se dá sempre num contexto de vínculos e relações humanas [...]”. Sabe-se que a pureza ou imparcialidade na observação científica de fenômenos é algo muito estreito, ainda mais que, as manifestações do objeto que estudamos dependem da relação que se estabelece com o psicoterapeuta. b) Psicodiagnóstico como etapa anterior ao atendimento infantil A realização do psicodiagnóstico como etapa anterior à psicoterapia infantil apóia-se em duas justificativas: a primeira diz que o psicólogo deve obter a compreensão mais profunda e completa possível da personalidade do paciente para fornecer indicações terapêuticas adequadas e a segunda argumenta que o psicodiagnóstico deve ser utilizado como instrumento para planejar, guiar e avaliar a intervenção terapêutica (MONACHESI, 1995, p. 196). Que todo pensamento reflexivo é subordinado a cinco partes, logicamente diferenciadas entre si: a) existência de uma dificuldade; b) sua localização e definição; c) ocorrência de uma hipótese, ou sugestão de uma solução possível; d) desenvolvimento do raciocínio tendo em vista a sugestão ou hipótese; e) observações, verificações e experiências posteriores, conducentes a sua aceitação ou ao seu afastamento. O modelo de psicodiagnóstico utilizado, além de refletir-se num vértice de orientação psicanalítica, é semelhante às elucidações anteriores, sendo constituído por uma coleta de dados sobre a qual será organizado um pensamento clínico acerca da queixa apresentada, para estabelecer se o paciente se enquadra nas propostas de atendimento para, posteriormente, ser encaminhado a um serviço de atendimento psicoterápico mais indicado. Ancona-Lopez (1995, p. 28) esclarece que “o psicodiagnóstico é uma atividade que veio se desenvolvendo paralelamente à própria Psicologia e à profissão de psicólogo, recolhendo suas práticas Investigação - Revista Científica da Universidade de Franca 60 Importante lembrar também que, anterior ao atendimento infantil, fazem-se atendimentos aos pais da criança, entrando-se em um campo de relações imprevisíveis. Fala-se do campo psicanalítico, entendido como resultante da interação consciente e inconsciente da relação analítica, na qual estão presentes a transferência3 e a contratransferência4. Aberastury (1982, p. 139) afirma: “o psicanaRoudinesco e Plon (1998) atestam como um termo introduzido por Freud para designar um processo constitutivo do tratamento psicanalítico mediante o qual os desejos inconscientes do analisando concernentes a objetos externos passam a se repetir, no âmbito da relação analítica, na pessoa do analista. 4 Laplanche e Pontalis (1998) citam como termo psicanalítico que designa o conjunto das reações inconscientes do analista à pessoa do analisando, mais particularmente, à transferência dele. Reações estas, que emergem da inter-relação existente com o paciente. 3 Franca (SP) v. 5 n. 1/6 p. 58-64 jan. 2003 / dez. 2005 lista de crianças enfrenta-se com duplo problema de transferência: do paciente e dos pais. Entramos com este tema num ponto fundamental da técnica de crianças: o relacionamento com os pais e sua inclusão no tratamento da criança”. Quando se trabalha com crianças, o campo bipessoal não constitui mais uma dupla, mas uma tríade: psicoterapeuta-paciente-pais, sendo estes últimos elementos importantes para contribuírem no trabalho dos impasses emocionais da criança e, muitas vezes, deles próprios. Durante o decorrer do presente estudo de caso, percebeu-se uma identificação 5 na relação psicoterapeuta e pais, na qual pôde-se vivenciar um resgate de experiências emocionais passadas, tanto pelos pais quanto pelo analista. O aparecimento da contratransferência como turbulência emocional que se expressa na concretude da atuação prejudica o interjogo mental, principalmente quando “o pensamento verbal é submetido a contínuos ataques, além do excessivo uso de identificações projetivas que impedem de sintetizar e articular as impressões sensoriais” (BION, 1972, p. 62 apud TRINCA, 1983, p. 170). Ainda neste sentido, na relação estabelecida com os pais houve a presença de ataques destrutivos inconscientes como tentativa de impossibilitar o pensar do psicoterapeuta e sua atitude como agente propiciador de insights. Na relação transferencial com o analista, os pais podem vivenciar a situação emocional com rivalidade, devido ao fato de quando em análise os pais retomam a posição de filhos, revivendo as relações primitivas da própria infância. Então, dá-se grande importância em compreender e valorizar tais acontecimentos como instrumento para a aproximação do vínculo estabelecido entre paciente e psicoterapeuta. Complementando a questão, Ferro (1995, p. 16) afirma: “na sessão estão em jogo emoções, ou melhor, estados de espírito muito primitivos que não tiveram ainda acesso à possibilidade de serem pensados [...]”. Roudinesco e Plon (1998) discutem como um termo empregado em psicanálise para designar o processo central pelo qual o sujeito se constitui e se transforma, assimilando ou se apropriando, em momentos-chave de sua evolução, dos aspectos, atributos ou traços dos seres humanos que o cercam. 5 Investigação - Revista Científica da Universidade de Franca Desta forma, é muito freqüente na análise de crianças o surgimento de angústias que são despertadas no psicoterapeuta, devido ao fato da necessidade de lidar com seu mundo interno, bem como também reviver o encontro da criança no adulto. Freqüentemente, isso acontece pelo analista encontrar dificuldade no conteúdo da comunicação com a criança. Bastos (1988, p. 566) afirma que “[...] a eficácia da comunicação verbal com a criança em análise está estreitamente ligada à compreensão do significado que a palavra tem para ela [...]”. Para alcançar tal eficácia, o psicoterapeuta deve utilizar estratégias na relação com a criança, como a capacidade de simbolização das palavras. c) Ludoterapia em psicodiagnóstico: perdas e ganhos Ao longo do período de avaliação com a criança estudada, a relação psicoterapeuta/paciente decorreu bem diferente das considerações supracitadas. A criança mostrou-se cada vez mais motivada na criação de seu próprio espaço, com maior confiança naquele que lhe proporcionava tal espaço (psicoterapeuta). Isto justifica sua iniciativa em brincar e construir, demonstrando necessidade em estar no setting analítico, o que mais tarde refletiu-se numa concordância com as impressões trabalhadas na entrevista devolutiva, como a dor da separação, uma problemática decorrente do encerramento do processo terapêutico com o psicoterapeuta. Então, temos uma faceta interventiva do psicodiagnóstico, apresentando um indicador visível de ‘ganho terapêutico6’ para o paciente, que se encontra em um processo com propósitos de avaliação. Já com os pais, registraram-se fatos inesperados, ocorrendo uma relação turbulenta nos primeiros contatos para a realização da anamnese. Durante o processo terapêutico do paciente, os pais experimentaram momentos de reflexão e depressão7, pela oportunidade de estarem pensando soEnquanto possibilidade de mudança e momentos de ressignificação das condutas estabelecidas no repertório cotidiano do cliente. 7 O termo não se refere ao quadro clínico de depressão. O vocábulo empregado, conforme Segal (1975), indica uma maior integração psíquica, referente à posição depressiva de M. Klein, na qual predominam os mecanismos de integração do ego e do objeto. Está presente, também, o sentimento de culpa e a capacidade de reparação, ou seja, restaurar os objetos amados, internos e externos. 6 Franca (SP) v. 5 n. 1/6 p. 58-64 jan. 2003 / dez. 2005 61 bre a nova relação com a criança. Por intermédio destes momentos, foi possível realizar uma mensuração obtida dos relatos dos pais durante as entrevistas com os mesmos. Estes se apresentaram na entrevista final com um amplo repertório de melhora na relação com a criança, e também uma melhora da interação criança/escola. O paciente mostrou-se mais voltado para sua individualidade, ou seja, no exercício de suas capacidades intelectuais e emocionais com mais autonomia. Além disso, os pais também relataram um maior respeito à privacidade da criança. Neste sentido, visualizase outro ganho terapêutico para o paciente. No entanto, temos uma outra faceta do processo: as perdas como uma atitude de fechamento e interrupção do processo psicodiagnóstico; o paciente e aqueles que estão envolvidos mal conseguem elaborar a separação do recente vínculo estabelecido com o psicoterapeuta. Compreendendo o processo psicodiagnóstico com objetivos específicos, tem-se clara a necessidade de uma avaliação quanti-qualitativa, referindo-se aos instrumentos metodológicos de avaliação utilizados como anamnese e testes projetivos, os quais mostraram indicadores importantes da personalidade do paciente, seus conflitos atuais, sua socialização e o desenvolvimento do dinamismo psicológico. Em nenhum momento, este trabalho teve como finalidade discutir a validade destes métodos. Pelo contrário, reforçou-se a sua prática sem desprezar o contexto interventivo que o mesmo proporciona, valorizando a demanda emocional em questão. Desta forma, é o caso de se questionar se este será um processo de avaliação sistemática que tenha por premissa proporcionar melhoras concretas. Contudo, quanto à denominação (investigação e intervenção), pode-se assegurar que é meramente didática, sendo que, na situação clínica vivenciada, as atuações realizadas dentro de um “método sistemático” de investigação foram de proporções interventivas bastante significativas, oferecendo espaço para a escuta e o acolhimento, os quais constituem bases fundamentais na construção de um campo bipessoal. Investigação - Revista Científica da Universidade de Franca 62 d) Atitude clínica: relato de uma experiência pessoal O processo psicodiagnóstico propicia ao estagiário envolvido um aprendizado que influencia sobre sua formação profissional na área clínica. O estagiário vivencia um período de conquista pelo papel de psicólogo, aprendendo a discernir sobre as possibilidades e limites que envolvem este papel. E, desta forma, exerce a abertura de caminhos para a formação de sua identidade profissional enquanto psicólogo. Ainda no processo de psicodiagnóstico, o estagiário tem que lidar com momentos de conquistas e conflitos, bastante freqüentes ao iniciar a conduta clínica em psicologia. Após experimentar um breve período de prática clínica, o estagiário finaliza o psicodiagnóstico por determinações do processo. Neste sentido, o estagiário recém-iniciado se depara com a frustração seguida do término de seu atendimento, tendo que elaborar certas angústias emergentes da prática clínica interrompida. Dentro de um enfoque psicanalítico, sabe-se que o principal instrumento de estudo e trabalho do analista é sua própria mente. Seguindo por esta via, as experiências do mundo interno do psicoterapeuta constituem os elementos que irão influenciar na formação da atitude clínica do mesmo. Tsu (1983 apud AGUIRRE et al., 2000, p. 53) define três fatores básicos necessários para a formação da atitude clínica do estagiário de psicologia: “sua própria psicoterapia, seu conhecimento teórico e sua prática clínica supervisionada”. Ao pensar nestes três fatores básicos, volta-se para a atitude clínica do estagiário, proporcionada pela inter-relação destes três fatores, os quais internalizados pelos estagiários, tornam possível a utilização dos recursos pessoais (conhecimento teórico e análise pessoal) para a escuta e interpretação do psiquismo do paciente. Nesta linha de pensamento, considera-se “que a atitude clínica é uma experiência subjetiva que é objetivada na relação com o cliente” (AGUIRRE et al., 2000, p. 54). Como experiência pessoal de um caso clínico, tornam-se reais os argumentos supracitados na Franca (SP) v. 5 n. 1/6 p. 58-64 jan. 2003 / dez. 2005 medida em que se vivencia emocionalmente a constituição de um vínculo. Esta vivência prática no processo de psicodiagnóstico é supervisionada em grupo; a aprendizagem teórico-prática torna-se muito válida por dois motivos básicos: o primeiro refere-se ao fato de um supervisor auxiliar na compreensão da conduta clínica enquanto estagiário, levantando questões sobre as próprias capacidades e limitações frente ao paciente, o que é importante em um momento inicial como estagiário. Isto porque, este se encontra desprovido de qualquer tipo de experiência de prática clínica profissional. O segundo dá-se devido às contribuições dos demais estagiários presentes no grupo, que contribuem com diferentes percepções e posturas para a configuração de uma atitude clínica. Esta atitude é desenvolvida principalmente por elementos pessoais. No entanto, alguns instrumentos são necessários para exercer a prática clínica, como a técnica e o enquadramento do trabalho, quando então se reforça a necessidade do conhecimento teórico e de uma prática clínica supervisionada como outra fonte de conhecimento e a vontade de estar com o paciente. CONCLUSÃO Consignando as ilações propostas, pensar no processo de psicodiagnóstico composto também por um caráter interventivo é dar acolhimento àquele que solicita ajuda, propiciando um espaço para uma mudança de atitude mental com a realidade interna e externa. Ressaltando esta temática, Monachesi (1995, p. 198) relembra que, com o processo psicodiagnóstico, “[...] a compreensão diagnóstica do cliente foi tão ampla que ‘a pesquisa de fatos, em torno de uma avaliação, está fora de questão e é praticamente inútil quando o método analítico não é usado’[...]”. Complementando o que foi sugerido, o processo psicodiagnóstico, na medida em que permite a entrada para um olhar e escuta de caráter analítico, demonstra a construção de um setting terapêutico, possibilitando que o outro possa ressignificar seu conteúdo psíquico. Desta forma, Investigação - Revista Científica da Universidade de Franca implica uma prática clínica interventiva, mesmo tendo um breve número de encontros, como é o caso do psicodiagnóstico. Em suma, o presente artigo empenha-se em esclarecer que o processo psicodiagnóstico não apenas possui um caráter de investigação, mas envolve também um caráter de intervenção, o qual estabelece um elo de ligação entre as pessoas envolvidas neste processo. REFERÊNCIAS ABERASTURY, A. Psicanálise da criança: teoria e técnica. Tradução de Ana Lúcia Leite de Campos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1982. AGUIRRE, A. .et al. A formação da atitude clínica no estagiário de psicologia. Psicologia USP, v. 11, n. 1, p. 49-62, 2000. ANCONA-LOPEZ, S. 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Franca (SP) v. 5 n. 1/6 p. 58-64 jan. 2003 / dez. 2005 63 MONACHESI, Y. Reflexões sobre o uso do psicodiagnóstico em instituições. In: ANCONALOPEZ, M. Psicodiagnóstico: processo de intervenção. São Paulo: Cortez, 1995. p. 196-204. ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de psicanálise. Tradução de Vera Ribeiro e Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. SEGAL, H. Introdução à obra de Melanie Kelin. Tradução de Júlio Castañon Guimarães. Rio de Janeiro: Imago, 1975. TRINCA, W. O pensamento clínico em diagnóstico da personalidade. Petrópolis: Vozes, 1983. ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Rua Jonas Alcântara Vilhena, nº 540, Bairro Pq. Três Colinas - Franca - SP - cep: 14.401-031 Tel: (016) 3722 8481 e-mail: [email protected] Investigação - Revista Científica da Universidade de Franca 64 Franca (SP) v. 5 n. 1/6 p. 58-64 jan. 2003 / dez. 2005