Entrevista de triagem: perspectivas e expectativas no estágio em

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Revista Interdisciplinar de Tecnologias e Educação [RInTE] – CNPq ARC 2015 – ISSN 2447-5955
01 a 03 de junho de 2016 – IFSP Câmpus Boituva - Capital Nacional do Paraquedismo
Entrevista de triagem: perspectivas e expectativas no
estágio em psicologia
Felipe Moraes
[email protected]
Resumo: O presente estudo relata a experiência de uma vivência realizada em uma
clínica escola de psicologia de uma universidade no interior de São Paulo o qual fora
feito o primeiro contato dos alunos com pacientes no atendimento de entrevista de
triagem com base na abordagem fenomenológica-existencial. Assim, procura
apresentar os pontos de vista relativos às expectativas dos alunos e a forma em que
estes manejam os elementos teóricos e emocionais neste primeiro encontro como
estagiários-terapeutas. Procura contextualizar tais elementos com a maneira a qual os
pais dos pacientes (crianças de 3 à 5 anos) buscam o atendimento e as impressões
iniciais que estes demonstram na esperança de terem seu sofrimento (ou problema)
resolvido. Por fim, denota a importância do aluno procurar um bom prepara teórico e
terapêutico, tendo como objetivo o desenvolvimento de habilidades que são
fundamentalmente úteis para o atendimento em psicologia.
Abstract: This study reports the experience of an experience carried out in a clinical
psychology school at a university in São Paulo which was made the first contact of
students with patients in the screening interview of care based on the
phenomenological-existential approach. Thus, attempts to present the points of view
concerning the students' expectations and the way they handle the theoretical and
emotional elements in this first meeting as interns therapists. To contextualize such
elements with the manner in which the parents of patients (children 3 to 5 years) seek
care and the initial impressions that they show in the hope of having their suffering (or
problem) solved. Finally, shows the importance of the student looking for a good
prepares theoretical and therapeutic, aiming the development of skills that are
primarily useful for service in psychology.
1.
INTRODUÇÃO
A entrevista de triagem é a porta de entrada para pais que em situação de aflição e
angústia em relação as situações de conflitos com seus filhos ou dificuldades escolares
buscam ajuda profissional para a resolução de tal situação problema. Em muitas destas
situações o problema encontra-se inserido em uma realidade escolar e em vivências que
as crianças venham a desempenhar dos quais exijam aspectos relativos ao
desenvolvimento social e cognitivo. Do mesmo modo a entrevista de triagem é a
oportunidade do aluno do curso de psicologia ter um contato inicial com a prática
clínica e terapêutica aplicando os procedimentos, técnicas e embasamento teórico
levantados e estudados até o presente momento, ou seja, este é um momento de extrema
importância para ambos, tanto os pais quanto os alunos.
Dentro deste panorama devemos compreender a importância da entrevista de
triagem, sendo que esta "tem por objetivo principal avaliar a demanda do sujeito e fazer
um encaminhamento" (TAVARES, 2000, p.50). É importante compreender que não
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cabe neste momento a investigação de algum tipo de diagnóstico clínico, ao contrário,
devemos procurar os "objetivos primordiais da entrevista, que são descrever e avaliar"
(ibid., p.45).
Entretanto, procuro relatar a experiência vivida em uma clínica-escola de uma
cidade do interior de São Paulo, onde a abordagem utilizada é a FenomenologiaExistencial. A partir deste pressuposto, compreende-se que a entrevista de triagem não é
apenas um processo que visa descrever e analisar com a finalidade de fazer
encaminhamentos aos clientes, mas, compreende que
“é um conjunto de técnicas de investigação, de tempo delimitado,
dirigido por um entrevistador treinado, que utiliza conhecimentos
psicológicos em uma relação profissional, com objetivo de descrever
e avaliar aspectos pessoais, relacionais ou sistêmicos (...), em um
processo que visa a fazer recomendações, encaminhamentos ou
propor algum tipo de intervenção em benefício das pessoas
entrevistadas (ibid.).”
Compreende-se que a entrevista de triagem apresenta um caráter interventivo,
sendo esta um processo que insere o cliente (ou paciente) como atuante e participativo,
no qual procura com o auxílio do psicólogo (entrevistador treinado) ampliar a
concepção e adquirir visão sistêmica sobre a própria queixa, permitindo que, através do
diálogo, possam ser feito apontamentos, observações, levantamentos, entre outros
aspectos que possibilitem a expansão das vivências sobre a determinada situação
problema ou queixa.
É possível diferenciar a entrevista de triagem interventiva dos demais tipos de
entrevistas, a saber, entrevista de anamnese, clínica, sistêmicas e devolutiva. Tavares
(2000), além de fazer apontamentos, apresenta as definições e os objetivos dos outros
tipos de entrevistas. Assim, compreende-se que a "entrevista que é feita a anamnese (...)
tem por objetivo primordial o levantamento detalhado da história de desenvolvimento
da pessoa, principalmente na infância" (ibid., p.50). A "entrevista clínica comporta
elementos diagnóstico" (ibid.). Já as "entrevistas sistêmicas (...) podem focalizar a
avaliação da estrutura ou da história relacional ou familiar" (ibid., p.51). Por fim, "a
entrevista devolutiva tem por finalidade comunicar ao sujeito o resultado da avaliação"
(ibid).
Podemos atuar dentro de um processo de psicodiagnóstico com uma diversidade
de técnicas e de tipos de entrevistas, entretanto podemos observar que, nesta perspectiva
fenomenológica-existencial o "psicodiagnóstico interventivo é um processo artesanal
que parte da experiência vivida pelas pessoas, narrada e compartilhada nas várias
histórias. A experiência vivida ganha espaço através dessas narrativas, e elas, por sua
vez, transformam os significados da experiência" (BILBAO, 2013, p.73). Assim,
observar o vivido é algo de grande valor ao profissional e aos estagiários-terapeutas,
pois, este por sua vez, exprime uma infinidade de elementos subjetivos, dos quais não
estão explícitos na descrição e no relato, ou seja, "ao falar de seus filhos e de suas vidas,
os pais não estão apenas dando informações sobre o desenvolvimento, a dinâmica
familiar, a escola, etc." (ibid., p.65), mas está apresentando as relações existentes em sua
subjetividade, em como vê o mundo e principalmente como dá-se sua vivência nas
relações com os objetos. Aqui encontra-se o diferencial de tal abordagem, pois, ao
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contrário das demais apresentadas, que tem o foco descrever e analisar, a proposta da
entrevista de triagem interventiva no qual se insere o psicodiagnóstico na perspectiva
fenomenológica-existencial visa reconstruir e resignificar as vivências, a partir do
apresentado pelo cliente (paciente), não inferindo interpretações ou "verdades", mas, a
partir da compreensão e da empatia, fazer apontamentos para que ambos possam
compreender a queixa de forma ampla e sistêmica.
2.
O ESTÁGIO EM PSICOLOGIA
A perspectiva do aluno
Quando se estuda materiais que tratam do assunto do psicodiagnóstico ou da triagem em
instituições de ensino da psicologia geralmente se encontra mecanismos que enfatizam
os elementos técnicos, de “rapport”, acolhida, entrevista, devolutiva, utilização de
testes, visitas domiciliar e escolar, etc. Entretanto, percebo a importância de fazer alguns
apontamentos sobre a vivência que tivemos na clínica com estagiários-terapeutas e
trazer uma perspectiva de como se deram tais vivências enquanto grupo nesta relação de
técnica e descoberta da prática.
Foi comum observar que muitos dos estudantes terapeutas apresentaram alguns
comportamentos ansiosos em relação ao primeiro encontro. Alguns se movimentavam
constantemente fazendo gestos com as mãos, passando-as sobre as pernas,
movimentando as pernas ou até utilizando frases que denotavam expectativas como "é
hoje", "como vai ser" e "queria conhecer logo as crianças" (sic).
Antes que ocorresse o encontro com os pacientes, foi proposto ao grupo atuar em
um jogo de interpretação (algo parecido com um Live Action ou RPG). Alguns alunos
representariam o casal (pais) que trariam uma queixa e os demais os terapeutas. Neste
momento notou-se que, por mais que fosse um jogo, o grupo apresentou-se de outro
modo. Modo este que estampou nitidamente um alto nível de ansiedade que se
demonstrou através do início daqueles movimentos repetitivos, além de roer as unhas ou
ficar acariciando as pernas.
Outro ponto passível de observação foi a exacerbação na quantidade de
comentários e tentativas de resolução do problema de forma imediata, ou seja, quando
os pais (na atuação) trouxeram a queixa, os alunos terapeutas aparentavam e fizeram
comentários na perspectiva da resolução do problema como "ele está falando isso
porque a filha deve estar passando por dificuldades na escola"; "o pai não é participativo
nas atividades e é a mãe que se preocupa"; "ele deve ter este preconceito por causa da
educação que teve em casa" (sic).
Neste momento foi possível compreender a importância de atividades lúdicas
que simulem uma relação terapêutica, pois, o estudante deve ter em mente que no
processo do psicodiagnóstico e nas primeiras entrevistas, não cabe uma resolução da
queixa, ainda mais esta vinda do terapeuta. Deve-se procurar uma escuta ativa a queixa,
permitir que os pais falem e se expressem, se possível, compreendendo a perspectiva
emocional e dinâmica da relação que estes trazem neste momento. Além disto, não cabe
ao psicólogo ou ao estagiário-terapeuta querer preencher as lacunas no diálogo,
inserindo falas ou perguntas. É necessário valorizar o silêncio e o contato visual, pois,
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este, pode ser um momento importante para reflexão, ou "insight", e reestruturação do
que foi comunicado.
É compreensível tal postura por parte do estudante, esta "ansiedade em resolver
o problema" em ajudar, porém, sabe-se que "o homem não é um objeto a ser esmiuçado
com lentes investigativas, mas é alguém que participa conosco de um processo dinâmico
de descoberta e construção". (BILBAO, 2013, p.68), assim, cabe aos profissionais uma
postura a trazer reflexão ao cliente e resignificações de suas vivências e não introjeções
dos pensamentos técnicos do profissional. Não é construindo uma realidade ao cliente
que estaremos ajudando-o, ao contrário, assim, o afastamos ainda mais de suas próprias
vivências.
O jogo trouxe uma importância a compreensão dos alunos, pois, estes puderam
perceber o quanto tais elementos podem ser significativos em suas relações com os
clientes e o quanto é fundamental procurar desvelar-se e “estar nú” em relação aos
preceitos pessoais, para que estes não confundam suas angustias e preocupações com as
de seus clientes, assim como suas vivências.
Quando iniciou o processo de entrevista de triagem ainda foi possível observar
um baixo nível de ansiedade e preocupação dos alunos. "Será que a quantidade de
cadeiras dará"? (sic), "quem será que virá"? (sic).
É imprescindível aos alunos observar o modo com o qual a orientadora
(supervisora) administra a dinâmica e o manejo do grupo de pais, pois, além de ser uma
profissional experiente, demonstra em sua postura e fala (intervenções) uma percepção
de um terapeuta treinado que pode nortear a compreensão da queixa e uma exploração
desta com maior profundidade.
Ainda neste momento foi possível notar alguns comportamentos que denotavam
ansiedade em função da quantidade de questões que foram levantadas aos pais. Isto não
significa que fazer alguns levantamentos seja algo desnecessário, ao contrário, porém,
devemos nos atentar a que tipo de levantamento ou intervenção estamos realizando,
pois, a proposta fenomenológica-existencial tem como premissa proporcionar a ambos
(pais e terapeutas) uma compreensão ampliada das vivências, ressignificação das
mesmas e construção de uma compreensão que não parte de modo vertical, ou seja, do
terapeuta para o paciente, mas, em participação mútua.
O tipo de entrevista inicial que fora utilizada no primeiro encontro caracteriza-se
por ser aberta e não estruturada, pois são aquelas em que o profissional (treinado)
constrói durante a sessão, donde são recolhidas informações e discutidas com este
durante a entrevista.
No final do processo, quando se cessaram as perguntas, os grupos se dividiram,
sendo que cada dupla de estagiários ficou responsável em atender uma família, ou
aqueles membros dela que estavam presentes (seja apenas mãe, ou pais, ou avós
presentes) e utilizou este momento para preenchimento das fichas de triagem, perfil
socioeconômico, termos de consentimento e livre esclarecido, etc.
Esta postura encontrou-se em consonância com a sugestão de Ancona-Lopez que
propõe "que os psicólogos procurem voltar-se primeiramente ao cliente e em segundo
lugar às injunções institucionais" (ANCONA-LOPEZ, 1996, p.144), pois "é comum (...)
que no momento da primeira entrevista, o interesse da instituição pese mais do que o do
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cliente" (ibid). Assim, o fato de atentar-se primeiro a pessoa e depois aos aspectos
burocráticos ampliou a possibilidade de conhecer as angústias que estas traziam e
passavam.
Ao final de cada encontro com os pais a orientadora proporcionava supervisão
aos alunos. Fora possível observar que a supervisão recebera um caráter diferencial,
pois, os alunos traziam mais seus materiais (suas angústias e vivências) que os
levantados através da entrevista com os clientes, ou seja, os preceitos pessoais, as
preocupações e medos, além do alto nível de expectativa fora exposto na primeira
supervisão.
No segundo e terceiro encontro a dinâmica com o grupo favoreceu aos
estagiários a compreenderem um pouco sobre o atendimento individualizado, pois, ao
cessar a primeira parte do atendimento (coletivo) os alunos tiveram oportunidade de
voltar-se à família ao qual fora designado e aprofundar a queixa e contextualizá-la.
Ao final deste processo, os alunos, sob supervisão, analisaram os casos e
observaram se há ou não a necessidade de encaminhamento para o psicodiagnóstico
interventivo ou para algum outro profissional e/ou outro possível prognóstico.
O encaminhamento é um elemento fundamental e primordial em qualquer tipo
de trabalho terapêutico. É de grande importância e necessária habilidade que o
profissional da psicologia seja capaz de observar todo o contexto que é trazido na
queixa, detectando o máximo de fatores que de fato são de um "tema real" ou de um
"tema transferencial ", ou seja, o que parte da queija ou o que é paralelo a ela. Estes
auxiliam na compreensão sobre o encaminhamento correto, sendo que, deve-se
compreender que, se tratando principalmente de atendimentos de pais que trazem
queixas sobre aspectos do desenvolvimento de seus filhos ou crianças aos quais são
responsáveis, a dinâmica familiar tem uma função elementar na construção da
subjetividade, personalidade, visão de mundo da criança, etc., logo, nem sempre a
criança, ou apenas ela, deve ser o sujeito que participará ou receberá algum prognóstico.
Compreende-se que dentro da abordagem fenomenológica-existencial e na
prática do psicodiagnóstico interventivo, cada encontro é uma oportunidade de
desenvolver as vicissitudes da queixa, ampliando a compreensão e vivência,
oportunizando a resignificação, entretanto, isto não significa que, assim como as
crianças, os pais não devam receber encaminhamentos e/ou assinalamentos que apontem
para outra direção o qual, pelo menos, muito dos pais esperam.
Nos casos onde os alunos estagiaram atuaram, com algumas exceções, todas as
crianças foram encaminhadas ao psicodiagnóstico interventivo.
O que os pais esperam?
O fato dos pais buscarem auxílio e orientação profissional em uma Clínica-Escola
denota, no mínimo, que estão passando por um sofrimento que não gostariam de estar
passando. Este, por sua vez, pode ter uma diversidade de características e possíveis
causas, sendo desde problemas escolares à aspectos de agressividade em casa e
comportamentos antissociais. Os pais, ao entrarem em contato com os estagiários,
demonstraram, em sua totalidade, uma necessidade de reparação instantânea ou que
estavam procurando uma causa para o problema, para assim, "remediar" e "curar"
(resolver) o problema.
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Utilizei estes termos propositalmente, pois todos os pais já trouxeram uma
imagem, construída socialmente ou introjetada de uma dada realidade, de que seus
filhos eram ou podiam ser hiperativos e que tais comportamentos estavam atrapalhando
as relações sociais na escola e/ou em casa.
Esta visão trazido de um modelo médico de atendimento não é consonante com
as propostas de trabalho terapêutico em psicologia, inclusive se tratando de uma
abordagem que seja humanista e que respeite o outro como indivíduo e não como
objeto. Entretanto, mediante à procura que os pais fazem à terapia, carregam esta ilusão
de que como "um piscar de olhos" o psicólogo abrirá "a caixinha" do segredo e resolverá
o problema. Os pais não compreendem que as mudanças e a diminuição do sofrimento
podem ser lentas e envolver diversas instâncias, inclusive a familiar. Ser atendido por
um psicólogo ou qualquer outro profissional que trata da saúde mental e do bem-estar
social não implica em "dar" diagnósticos nosológico, ou podemos dizer que ser atendido
por um destes profissionais não significa que a pessoa apresenta uma "doença".
Como apresenta Ancona-Lopez o termo diagnóstico "vem do grego diagnõstikos
e significa discernimento, faculdade de conhecer, de ver através de" (in TRINCA, 1984,
p.1), ou seja, não é criando um estereótipo que iremos auxiliar ou que os problemas irão
ser resolvidos.
Infelizmente, a busca pela doença é uma forma de "lavar as mãos" ao problema.
Isto significa que, para alguns pais, uma classificação nosológica é o modo de "aliar a
consciência" de que o problema não está ou não cabe a família ou a todo ambiente onde
a criança, no caso clínico apresentado, está inserida, mas que o problema é a doença.
"Ela se comporta assim porque é hiperativa" e/ou "ele faz isto porque é autista". Pronto.
Justifica-se na "doença" e assim, o que os pais poderiam fazer?
"A sociedade atual aceita a doença, mas não admite o sofrimento, e transforma-o
em adoecimento" (BRANT e CARVALHO, 2012, p.628) para que assim possa ser
medicado. E esta é a forma ao qual muitas famílias procuram a "resolução" do problema
com as crianças: a medicação.
Legnani e Almeida afirmam que no "discurso cotidiano contemporâneo, a idéia
de que várias formas de sofrimento, de mal-estar, de distúrbios psíquicos são causadas,
tratadas e curadas biologicamente" (LEGNANI e ALMEIDA, 2008, p.8). Assim, isentase da tentativa de qualquer mudança significativa, impondo toda a responsabilidade do
problema na "doença" e da resolução no "remédio".
O que podemos perceber, independente da relação com a medicalização ou não é
que "o mal-estar na civilização é, portanto, o mal-estar dos laços sociais" (BRANT e
CARVALHO, 2012, p.631) e muito dos pais, não compreendendo a importância de
estreitar os laços e as relações familiares do ambiente para favorecer uma melhora na
situação problema acabam por difundir idéias socialmente aceitas e/ou de senso comum,
como, a criança que não para é hiperativa, a criança que não olha no olho ou não se
relaciona na escola é autista, e a que não aprende tem déficit de atenção. E as relações
com o meio, quando serão analisadas?
CONSIDERAÇÕES
A abordagem fenomenológica-existencial proposta para o trabalho de entrevista de
triagem na clínica escola do qual apresentou-se brevemente um relato demonstrou o
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quanto esta perspectiva pode instruir e inserir o aluno à compreensão do trabalho
clínico, incluindo desde elementos éticos, postura, “rapport” a fechamentos de
prontuários e descrição de atendimentos. Independente da abordagem a que o estudante
venha futuramente a escolher como norteadora de seu trabalho, esta que fora
apresentada proporciona uma ação generalizante à percepção do trabalho do psicólogo,
trazendo benefícios significativos ao estudante.
Além disto,
“a proposta do psicodiagnóstico interventivo é de que o psicólogo não
atue apenas como um examinador ou avaliador, mantendo a
neutralidade, mas que, durante esse processo, ataque frontalmente
esses temas, considerando-os não apenas fontes de desestabilização
emocional das crianças, compreendidas através do seu psiquismo, mas
também questões sociais que devem ser discutidas com os pais e,
eventualmente, também com as crianças (Ancona-Lopez e
Tchirichian, 2013, p.235).”
Encontra-se desta forma uma dualidade no trabalho do psicólogo no processo de
entrevista, primeiro que
"o papel que o psicólogo cumpre durante o processo psicodiagnóstico
é um papel passivo, já que funciona como observador, e ativo na
medida em que sua atitude atenta e aberta (atenção flutuante) permitelhe a compreensão e a formação de hipóteses sobre a problemática do
entrevistado" (Efron et al., p.173),
assim, o estudante, com o auxílio da orientadora/supervisora desenvolve tal vicissitude e
habilidade, sempre mantendo um princípio ético no atendimento e respeitando a
individualidade do outro.
Nesta experiência foi possível observar a importância dos estudantes se
submeterem a psicoterapia, sendo que, a ansiedade pode ser uma inimiga no
atendimento e nos contatos iniciais ocorridos, além disto, alguns temas podem gerar
emoções ou experiências que o estudante ainda não se encontra "maduro" para
defrontar-se no atendimento, assim, a terapia auxiliá-lo-á a divergir o que se trata de
materiais do paciente ou do estudante.
Do mesmo modo, experiências prévias e direcionadas, como o RPG e jogos de
interpretação, são importantes para que o orientador/supervisor possa conhecer o grupo
de estudantes ao qual é responsável e assim poder auxiliá-los a favorecer o
desenvolvimento das habilidades necessárias para o trabalho em psicologia.
Por fim, é importante destacar que a abordagem fenomenológica-existencial
dentro da clínica escola proporciona vantagens em relação ao processo de atendimento,
seja este, entrevistas de triagem, psicodiagnóstico ou psicoterapias, pois, esta apresenta,
além de um olhar humanizador, a oportunidade de construir uma conscientização e
possibilidade de mudança ainda no primeiro contato, permitindo uma ressignificação
das experiências e compreensão deste vivido.
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REFERÊNCIAS
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Diagnóstico Psicológico: A prática clínica. São Paulo: EPU, 1984.
TAVARES, M. Entrevista Clinica in CUNHA, J. A. et al. Psicodiagnóstico V, 5.ed.
revisada e ampliada - Porto Alegre: Artmed, 2000, p.45-56.
EFRON, A.M.; FAINBERG, E.; KLEINER, Y.; SIGAL, A. M.; WOSCOBOINIK, P.; A
Hora do Jogo Diagnóstica in OCAMPO, M. L. O processo psicodiagnóstico e as
técnicas projetivas. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1981.
ANCONA-LOPEZ, S. A Porta de Entrada da entrevista de triagem à consulta
psicológica. 1996 – 205 f. Tese (Doutorado em Psicologia Clínica) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
ANCONA-LOPEZ, S.; TCHIRICHIAN, R. F. M. Desafios no Psicodiagnóstico Infantil
in Ancona-Lopez, S. Psicodiagnóstico Interventivo: Evolução de Uma Prática.
Cap.XII. p. 226.
BILBAO, G. G. L. O Psicodiagnóstico Interventivo sob o Enfoque da Narrativa in
Ancona-Lopez, S., Psicodiagnóstico Interventivo: Evolução de Uma Prática. Cap.
III. P. 65-76, 2013.
LEGNANI, V. N.; ALMEIDA, S.F.C. A construção diagnóstica de Transtorno de
Déficit de Atenção/Hiperatividade: uma discussão crítica. Arquivos Brasileiros de
Psicologia, v. 60, n. 1, 2008 (p. 2-13).
BRANT, L.C.; CARVALHO, T.R.F. Metilfenidato: medicamento gadget da
contemporaneidade. Interface - Comunic., Saude, Educ., v.16, n.42, p.623-36,
jul./set. 2012.
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