PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP MARIA BARBOSA DA SILVA AS ASSOCIAÇÕES NACIONAIS E INTERNACIONAIS DE DOENÇA DE CHAGAS: uma rede social para a efetividade do direito à saúde 1987/2012 DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL SÃO PAULO 2014 2 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP MARIA BARBOSA DA SILVA AS ASSOCIAÇÕES NACIONAIS E INTERNACIONAIS DE DOENÇA DE CHAGAS: uma rede social para a efetividade do direito à saúde 1987/2012 DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Serviço Social, sob a orientação da Profª Drª Maria Lúcia Carvalho da Silva. SÃO PAULO 2014 3 FICHA CATALOGRÁFICA Silva, Maria Barbosa. AS ASSOCIAÇÕES NACIONAIS E INTERNACIONAIS DE DOENÇA DE CHAGAS: uma rede social para a efetividade do direito à saúde 1987/2012, 154 p.; 30 cm Tese Doutorado em Serviço Social - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014. Orientadora: Silva, Maria Lucia Carvalho da 1. Associativismo. 2. Direito à saúde. 3. Doença de Chagas. 4. Rede social. 4 BANCA EXAMINADORA __________________________________ __________________________________ __________________________________ __________________________________ __________________________________ 5 AGRADECIMENTOS Agradeço a DEUS por dar-me capacidade de superar as dificuldades e iluminar o meu caminho. A meus pais (in memoriam), por terem me ensinado os valores sólidos da honestidade, da justiça e, sobretudo, da solidariedade, que é o melhor de vocês que permanece em mim. À minha família; irmão(as); sobrinhos(as), pelo incentivo e apoio. À professora doutora Maria Lúcia Carvalho da Silva, minha orientadora, por ter aceitado a orientação, pelo acolhimento, respeito e por compartilhar de sua sapiência. Aos componentes da banca de qualificação pelas sugestões e contribuições. Ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação da PUC-SP, um coletivo de mestres que muito contribuiu para o meu enriquecimento intelectual, pessoal e profissional, meu carinho e gratidão eterno. À Professora Doutora Maria Emilia Ferreira, da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia (ULHT), pelo apoio e orientação durante o estágio em Lisboa, Portugal. Aos integrantes da banda de qualificação pelas contribuições que muito enriqueceram o nosso trabalho. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pela concessão de bolsa no exterior e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Agradeço às assistentes sociais da Seção de Serviço Social do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, pela compreensão, apoio, generosidade e acolhimento. Aos companheiros de trabalho do Laboratório de Doença de Chagas do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, em especial, ao Dr. Abílio Augusto Fragata, pela compreensão e por compartilharem comigo seus conhecimentos. À assistente social Ana Maria de Arruda Camargo do Hospital de Clínicas da Universidade de Campinas, pela atenção e companheirismo. À Vânia Lima, meu agradecimento especial pelo companheirismo, pela paciência na digitação e estética na tese. Aos sujeitos doentes de Chagas, pela aceitação e participação na realização desta pesquisa. 6 Às Associações Nacionais e Internacionais de Doença de Chagas e a todas as pessoas que, de alguma maneira, me auxiliaram nessa conquista. Às pessoas que acreditam e lutam por uma sociedade justa, solidária e fraterna, a todos, o meu MUITO OBRIGADA. 7 É A gente quer valer o nosso amor A gente quer valer nosso suor A gente quer valer o nosso humor A gente quer do bom e do melhor... A gente quer carinho e atenção A gente quer calor no coração A gente quer suar, mas de prazer A gente quer é ter muita saúde A gente quer viver a liberdade A gente quer viver felicidade... É! A gente não tem cara de panaca A gente não tem jeito de babaca A gente não está Com a bunda exposta na janela Pra passar a mão nela... É! A gente quer viver pleno direito A gente quer viver todo respeito A gente quer viver uma nação A gente quer é ser um cidadão A gente quer viver uma nação... É! É! É! É! É! É! É!... (Gonzaguinha). 8 SILVA, Maria Barbosa da. As associações nacionais e internacionais de Doença de Chagas: uma rede social para a efetividade do direito à saúde 1987/2012. 154 f. Tese (Doutorado em Serviço Social) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014. RESUMO A presente tese tem como objeto o estudo da experiência do processo de construção de uma rede de associações nacionais e internacionais de doença de Chagas voltada para a efetividade do direito à saúde. O objetivo geral é analisar o processo de criação e desenvolvimento das associações nacionais e internacionais de doença de Chagas, no período de 1987 a 2012, culminado com a construção de uma rede de natureza democrática e de assistência integral a essa doença e a melhores condições de vida e saúde aos seus portadores. Definiu-se como pergunta norteadora: as associações de doença de Chagas nacionais e internacionais, por si próprias e em rede, constituem estratégia democrática para a concretização do direito de acesso e efetividade de assistência a essa doença e a melhores condições de vida e saúde de seus portadores? A hipótese formulada foi: as associações de doença de Chagas, enquanto rede nacional e internacional – FINDECHAGAS – constituem-se em uma estratégia democrática ao dar crescente visibilidade à doença de Chagas como um problema de saúde pública e oportuniza aos seus membros possibilidades de participação ativa e coletiva, com vistas à concretização e à efetividade de assistência integral a essa doença e às melhores condições de vida e saúde de seus portadores. Os referenciais conceituais centrais incidem sobre o associativismo, a democracia, a cidadania, a participação e a rede social, em autores notórios das Ciências Sociais e Saúde. Do ponto de vista metodológico, a pesquisa é de natureza qualitativa e compreende pesquisa documental, bibliográfica e de campo. Foram colhidos 10 relatos dos sujeitos participantes da pesquisa, cuja análise de conteúdo, paralelamente com a observação participante da pesquisadora, revelaram que a experiência em construção de uma rede das associações nacionais e internacionais da doença de Chagas - FINDECHAGAS - constitui-se em uma estratégia democrática, confirmando a hipótese levantada. Esse resultado, apesar da etapa de construção/implementação da FINDECHAGAS, evidencia, contudo, tanto a necessidade de crescente fortalecimento de vínculos, relações e articulação em rede da FINDECHAGAS, quanto os desafios para a ampliação e melhoria de qualidade de assistência aos doentes de Chagas nos níveis nacional e global, considerando, nesse sentido, os contextos históricos de aprofundamento democrático dos países, no presente e no futuro. Palavras-chave: Associativismo. Direito à saúde. Doença de Chagas. Rede social. Serviço Social. 9 SILVA, Maria Barbosa da. National and international associations of Chagas disease: a social network for the effectiveness of the right to health 1987/2012. 154 f. Tese (Doutorado em Serviço Social) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014. ABSTRACT This thesis studies the experience of the process of foundation of a network of national and international Chagas disease associations that focuses on the effectiveness of the human right to health care. The general objective is to analyze the foundation and the development process of the national and international Chagas disease associations during the years of 1987 to 2012, culminated with the construction of a democratic full time network of assistance to the carrier of the disease that also aims at better life and health conditions to them. The guiding question of this thesis is: do the national and international Chagas disease associations, on their own and on networks, constitute a democratic strategy that enables the accomplishment of the right of access and the effectiveness of the assistance to the carriers of the disease and of better life and health conditions? The hypothesis is: the Chagas disease associations, as national and international networks - FINDECHAGAS -, are constituted by a democratic strategy as they enable an increasing awareness of the Chagas disease as a public health issue and gives the opportunity to its partners to participate actively and collectively aiming the achievement and effectiveness of the full time assistance to the disease and for better life and health conditions to its carriers. The main conceptual references handle associativism, democracy, citizenship, participation and social network approached by notorious authors of the Biological and Social Sciences field. From the methodological point of view, nature of the research is qualitative and includes documental, bibliographic and field researches. Ten testimonies of participants of the research were collected and they showed, along with the observer opinion of this researcher, that the experience of the process of foundation of a network of national and international Chagas disease associations is constituted by a democratic strategy, and it confirms the hypothesis first proposed. This outcome, despite the foundation/implement stage of the FINDECHAGAS, evidences, however, the need of strengthening the bounds, relations and articulation among the network in face of the challenges such as the increase and improvement of the quality of assistance in national and global levels to the carriers of the Chagas disease, considering, in this sense, the deepening democratic historic contexts of countries, in the present and in the future. Keywords: Associativism. Human right to health care. Chagas disease. Social network. Social Work. 10 LISTA DE SIGLAS ABRASCO Associação Brasileira de Saúde Coletiva ABRAMGE Associação Brasileira de Medicina de Grupo AIS Ações Integradas de Saúde ACCAMP Associação dos Chagásicos de Campinas e Região ACDA Australian Chaga’s Disease Association ACHAGRASP Associação de Doentes de Chagas da Grande São Paulo ACUCDC Associação Corações Unidos contra a Doença de Chagas AILMAC Associazione Italiana per la Lotta alla Malattia di Chagas ALCMC Asociación de Lucha contra el Mal de Chagas AMEPACH Associação Mexicana de Pessoas Afetadas pela Doença de Chagas Assembleia Nacional Constituinte ANC APDCIM CCC Associação dos Portadores de Doença de Chagas, Insuficiência Cardíaca e Miocardiopatia Associación de amigos de Las Personas con la Enfermedad de Chagas – Barcelona, Espanha Cardiopatia Chagásica Crônica CDI Dispositivos Cardíacos Eletrônicos Implantáveis CEBES Centro Brasileiro de Estudos de Saúde CEM Campanha de Erradicação da Malária CEV Campanha de Erradicação da Varíola CHADA Chagas Disease Alliance CIS Comissões Institucionais de Saúde CONASP Conselho Consultivo de Administração Previdenciária DENERU Departamento Nacional de Endemias Rurais DNDi Iniciativa de Medicamentos para Doenças Negligenciadas ENS-Fiocruz Escola Nacional de Saúde da Fundação Osvaldo Cruz FAS Fundo da Assistência Social FBH Federação Brasileira de Hospitais FINDECHAGAS FSP-USP Federação Internacional das Pessoas Afetadas pela Doença de Chagas Faculdade de Saúde Pública da Universidade São Paulo FUNASA Fundação Nacional de Saúde FUNDACHAGAS Fundación Amigos Con Chagas ASAPECHA 11 FUNDECHVIDA Fundación de Enfermos de Chagas por la Vida GEDOCH Grupo de Estudos de Doença de Chagas GNCHE Global Network for Chagas Elimination HC-Unicamp Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas IAPAS IDPC Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia INAMPS Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social INPS Instituto Nacional de Previdência Social LASOCHA Latin American Society of Chagas disease MPAS Ministério da Previdência e Assistência Social MRS Movimento da Reforma Sanitária MSF Médico Sem Fronteiras OMS Organização Mundial da Saúde OPAS Organização Pan-americana de Saúde PCDCH Programa de Controle da doença de Chagas PIASS Programa de Interiorização de Ações de Saúde e Saneamento POI Programação e Orçamentação Integrada PPA Plano de Pronta Ação PREV-Saúde Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde PROCAPE Pronto-Socorro Cardiológico de Pernambuco PUC-SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo SINAM Sistema de Informação de Agravos de Notificação SINPAS Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social SIOC Sistema de Informação de Operações de Campo SUCAM Superintendência de Campanhas de Saúde Pública SUDS Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde SUS Sistema Único de Saúde TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro UNESP Universidade Estadual Paulista UNICHAGAS Fundación Unidos Contra El Chagas UPE Universidade de Pernambuco 12 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 14 CAPÍTULO I – DO MOVIMENTO DA REFORMA SANITÁRIA (MRS) À CRIAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS): CONTEXTUALIZANDO O DIREITO À SAÚDE NO BRASIL ..................................................................... 23 1. O surgimento do MRS (1975-1985) ............................................................. 23 2. Percurso do MRS: a VIII Conferência Nacional de Saúde, a Constituição Cidadão e o SUS (1986-1990) .............................................................................. 34 CAPÍTULO II – APROXIMAÇÕES CONCEITUAIS QUE EMBASAM O DIREITO À SAÚDE......................................................................................... 41 1. Democratização/Cidadania.......................................................................... 2. Participação Social............................................................................................ 3. Associativismo Civil........................................................................................... 4. Rede Social....................................................................................................... 41 48 55 63 CAPÍTULO III – A DOENÇA DE CHAGAS NO CENÁRIO BRASILEIRO E INTERNACIONAL.................................................................................................. 68 1. Alguns Elementos Históricos da Doença de Chagas....................................... 2. Aspectos Clínicos, Epidemiológicos e Sociais da Doença de Chagas ............ 3. Controle e Tratamento dos Sinais e Sintomas da Doença de Chagas ............ 68 73 86 CAPÍTULO IV – AS ASSOCIAÇÕES NACIONAIS E INTERNACIONAIS DE DOENÇA DE CHAGAS: SURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO .................... 93 1. Trajetória Histórica ..................................................................................... 2. Caracterização, Organização e Dinâmica de Atuação ................................... 3. Processo de Expansão ..................................................................................... 93 94 103 CAPÍTULO V – APROXIMAÇÕES INTERPRETATIVAS: AS EXPERIÊNCIAS DAS ASSOCIAÇÕES NACIONAIS E INTERNACIONAIS DE DOENÇA DE CHAGAS .............................................................................................................. 105 1. Percepções dos Sujeitos da Pesquisa ......................................................... 1.1 Dirigentes das Associações ....................................................................... 1.2 Profissionais de Saúde .............................................................................. 1.3 Membros Associados ................................................................................ 2. Tecendo Significados sobre o protagonismo das Associações Nacionais e Internacionais de Doença de Chagas................................................................. 2.1 A Federação Internacional das Pessoas Afetadas pela Doença de Chagas (FINDECHAGAS): uma rede social em construção....................................... 105 105 112 115 122 122 13 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 127 REFERÊNCIAS...................................................................................................... 131 APÊNDICE ANEXOS 14 INTRODUÇÃO A escolha do tema da presente tese tem relação direta com a nossa inserção como profissional na área da saúde, assistente social e pesquisadora científica, no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia (IDPC), onde realizamos um trabalho com um grupo de doentes de Chagas desde 1998, ao mesmo tempo em que sentimos a necessidade de ampliar as investigações sobre o tema, a partir do mestrado em Serviço Social na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – campus Franca), em 2004, com a dissertação A participação como fator da construção da identidade de um grupo de pessoas com Doença de Chagas. Com a crescente visibilidade do trabalho com o grupo de doentes de Chagas, passamos a participar, com eles, de eventos promovidos por outras associações de patologias, em fóruns e feiras de ciências da rede escolar para tratar sobre a doença de Chagas. Esse trabalho consistia na orientação socioeducativa da doença e suas repercussões na vida familiar e social, na divulgação das informações sobre a mesma à sociedade em geral e, posteriormente, na assessoria para a formação e constituição de uma associação, a exemplo da primeira associação de doença de Chagas, criada em Recife, Pernambuco. Foi fundada, então, a Associação de Doentes de Chagas da Grande São Paulo (ACHAGRASP), em 11 de agosto de 1999, que se propunha a reunir doentes de Chagas, familiares e profissionais interessados na luta por uma assistência médico-social especializada e de qualidade, tanto para a prevenção quanto para o controle e tratamento da doença de Chagas. A ACHAGRASP também se propunha a estabelecer intercâmbio e trocar experiências com as duas associações brasileiras de doença de Chagas: a Associação dos Chagásicos de Campinas e Região (ACCAMP), criada em 2000, com o apoio do Grupo de Estudos de Doença de Chagas (GEDOCH) do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (HC-UNICAMP) e a Associação dos Portadores de Doença de Chagas, Insuficiência Cardíaca e Miocardiopatia de Recife 15 (APDCIM), fundada em 1987, pioneira no Brasil e no mundo. Essa troca de experiências foi estratégica para o fortalecimento coletivo das três associações. Nesse sentido, no decorrer dos anos de 2001 até 2012, a ACHAGRASP organizou e realizou os Encontros Anuais de Doença de Chagas, contando com o apoio de profissionais de saúde do IDPC e do GEDOCH e a participação dos membros da ACCAMP. Em 2009, ano do centenário da descoberta da doença de Chagas, a ACHAGRASP recebeu a visita no Brasil de um representante da associação Médico Sem Fronteiras (MSF), que realizava um documentário sobre doenças negligenciadas1, entre as quais, a doença de Chagas. Dessa aproximação, decorreu a realização da I Reunião de Associações de Doença de Chagas nos dias 20 e 21 de outubro de 2009, em Uberaba, Minas Gerais. O evento contou com o apoio da organização Iniciativa de Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, sigla em inglês2) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) e a participação de associados do Brasil, da Colômbia, da Espanha, da Venezuela e da Austrália. A I Reunião teve como objetivo promover um encontro entre as diversas associações de doença de Chagas já existentes no âmbito nacional e internacional, tendo em vista a possibilidade da criação de uma rede global de associações, entendendo que muitos problemas vivenciados por esses doentes, nas diferentes partes do mundo, são semelhantes. Durante a Reunião foram discutidas as múltiplas questões que envolvem a doença e os doentes de Chagas. Ao final, foi elaborada a Carta de 1 Doenças negligenciadas são aquelas que não só prevalecem em condições de pobreza, mas também contribuem para a manutenção do quadro de desigualdade, visto que representam forte entrave ao desenvolvimento dos países. As principais doenças negligenciadas são: dengue, doença de Chagas, sarampo, febre amarela, malária, leishmaniose, hanseníase (lepra). (Fonte: http://www.cdts.fiocruz.br). 2 A DNDi é uma parceria sem fins lucrativos guiada pelas necessidades dos pacientes, dedicada à pesquisa de medicamentos e que está desenvolvendo novos tratamentos para a malária, leishmaniose visceral (LV), doença do sono (tripanossomíase humana africana, THA) e doença de Chagas. Sediada em Genebra, conta com uma equipe de 30 pesquisadores científicos permanentes e diversos profissionais. A organização possui uma filial na América do Norte, quatro escritórios regionais no Quênia, na Índia, no Brasil e na Malásia, e dois escritórios que apoiam projetos regionais na República Democrática do Congo e no Japão. 16 Uberaba, documento que afirmava os princípios e a constituição de uma rede de pessoas vivendo com a Doença de Chagas, baseada na solidariedade e no compromisso com vistas a fortalecer a luta coletiva pelo direito de acesso à saúde e ao exercício pleno da cidadania, ampliando a representatividade política dos doentes de Chagas. Nessa ocasião, foi lançada também a proposta de criação de uma data mundial comemorativa do combate à doença de Chagas. Em 2010, a APDCIM de Recife organizou a II Reunião de Associações de Pessoas Vivendo com Doença de Chagas, da qual participaram associações nacionais e internacionais. Na ocasião, foi proposta a criação da Federação Internacional das Pessoas Afetadas pela Doença de Chagas (FINDECHAGAS). Em 2012, ocorreu a III Reunião das Associações em Barcelona, na Espanha. O tema desta pesquisa, As Associações Nacionais e Internacionais de Doença de Chagas: uma Rede Social para a efetividade do Direito à Saúde (1987/2012), é relevante, pois procura resgatar, sistematizar e analisar a experiência do processo de construção de uma rede de associações nacionais e internacionais de doença de Chagas voltada para a efetividade do direito à saúde. Por sua vez, essa rede é de grande importância por disseminar o conhecimento sobre a doença de Chagas no Brasil e no mundo e buscar novos conhecimentos na área da medicina, das ciências biológicas, farmacêuticas e ciências sociais. Para o serviço social, o presente tema é também de especial relevância, porque significa a possibilidade de contribuir com novos conhecimentos e novas formas de atuação para o desenvolvimento de relações participativas, coletivas e políticas no processo associativo dos doentes de Chagas. Definimos como pergunta norteadora deste estudo: as associações de doença de Chagas, nacionais e internacionais, por si próprias e em rede, constituem estratégia democrática para a concretização do direito de acesso e efetividade de assistência a essa doença e a melhores condições de vida e saúde de seus portadores? A partir dessa pergunta norteadora, formulamos, como hipótese, que: as associações de doença de Chagas, enquanto rede nacional e internacional, 17 constituem-se em estratégia democrática ao proporcionar crescente visibilidade à doença de Chagas como um problema de saúde pública e ao permitir aos seus membros a possibilidade de participação ativa e coletiva com vistas à concretização e efetividade de assistência integral a essa doença e às melhores condições de vida e saúde de seus participantes. Delimitamos como objeto da pesquisa, portanto, o estudo das associações de doença de Chagas nacionais e internacionais, enquanto rede nacional e internacional, como uma estratégia democrática que reúne doentes de Chagas, seus familiares e profissionais de saúde em processos participativos e ações coletivas, para a concretização do direito de acesso e efetividade de assistência integral à doença e a melhores condições de saúde e de vida de seus portadores. O objetivo geral é analisar o processo de criação e desenvolvimento das associações nacionais e internacionais de doença de Chagas, no período de 1987 a 2012, culminado com a construção de uma rede de natureza democrática e de assistência integral a essa doença e a melhores condições de vida e saúde aos seus portadores. Do objetivo geral, desdobraram-se os seguintes objetivos específicos: • Conhecer o histórico, as formas de organização e participação coletiva, bem como as lutas das associações nacionais e internacionais de doença de Chagas, ao se constituírem numa rede nacional e internacional, enquanto estratégia democrática; • Conhecer as percepções dos sujeitos da pesquisa sobre sua participação na associação à qual pertencem, bem como o papel das associações em rede; • Analisar os significados das associações nacionais e internacionais de doença de Chagas enquanto estratégia democrática. Para fundamentação teórica da pesquisa, na perspectiva histórico crítica, adotamos como conceitos de referência: associativismo, democracia, participação social e rede social que se inter-relacionam e se imbricam mutuamente. 18 Para o estudo de associativismo, recorremos a autores clássicos: Aléxis Tocqueville e Max Weber, e a autores brasileiros contemporâneos: Ilse Scherer Warren, Maria da Glória Gohn e Leonardo Avritzer; para o conceito de democracia, entre outros, recorremos a Boaventura de Souza Santos, para participação social, a Pedro Jacobi, e para rede social, a Manoel Castells e Ilse Scherer-Warren. No tocante à área de saúde, destacamos Jairnilson Paim, Sarah Escorel e Maria Inêz Souza Bravo, entre outros. Do ponto de vista da metodologia, a pesquisa é de caráter qualitativo, conforme define Minayo: A pesquisa qualitativa responde as questões muito particulares. Ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes. Esse conjunto de fenômenos humanos é entendido como parte da realidade social, pois o ser humano se distingue não só por agir mas por pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com seus semelhantes (MINAYO, 2007, p. 21). A pesquisa compreendeu os seguintes passos inter-relacionados: • Pesquisa bibliográfica em dissertações e teses na área de Serviço Social, sobre os temas: associativismo, saúde e movimentos sociais na área da saúde do Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Realizamos, também, pesquisa bibliográfica de autores e estudos acadêmicos produzidos nas áreas de Ciências Sociais, Políticas Sociais e de Saúde, bem como pesquisas sobre doença de Chagas, associativismo e movimentos sociais na área da saúde na biblioteca digital da Faculdade de Saúde Pública da Universidade São Paulo (FSP-USP) e Escola Nacional de Saúde da Fundação Osvaldo Cruz (ENS-Fiocruz). Ao realizarmos o levantamento das teses produzidas nessas universidades, observamos que muitas são da área da saúde, mas poucas trabalham com o tema rede social e associativismo. Encontramos duas teses relacionadas ao tema associativismo e uma dissertação de mestrado sobre controle social e associações (Marila Ribeiro Santos Aprigliano, Francisca Fátima de Farias e Maria Inês Gandara Graciano). 19 • Pesquisa documental que compreendeu atas, estatutos, folhetos educativos das associações nacionais e internacionais, Guia de Mobilização Popular sobre Doença de Chagas produzido pela associação MSF, Manifesto de Uberaba e relatórios das Reuniões de Associações Nacionais e Internacionais de Doença de Chagas realizadas em 2009, em Uberaba, Minas Gerais; em 2010, em Olinda, Pernambuco; e em 2012, em Barcelona, Espanha, referentes aos diversos aspectos de atuação dessas associações nacionais e internacionais. • Pesquisa de campo, cujo universo é constituído de 14 associações: 3 brasileiras e 11 internacionais. A amostra da pesquisa compreende seis associações, sendo duas nacionais e quatro internacionais. Os sujeitos da pesquisa, representantes das seis associações, foram assim organizados: seis dirigentes, entre os quais dois de associações brasileiras e quatro de associações internacionais; dois profissionais de saúde de associações brasileiras e dois membros de base de associações brasileiras, perfazendo um total de 10 sujeitos significativos da pesquisa. A escolha dos sujeitos obedeceu aos seguintes critérios: 1. Ser doente de Chagas de ambos os sexos, fundador e dirigente de associação nacional e internacional; 2. Ser profissional de saúde, apoiador que atua junto ao Conselho Científico da Associação de Doença de Chagas; e 3. Ser doente de Chagas associado. Enviamos convite formal, via e-mail para os dirigentes, representantes de 14 associações de doença de Chagas: 3 brasileiras e 11 internacionais para participarem da pesquisa. Das associações, as brasileiras participantes são: • Associação dos Portadores de Doença de Chagas, Insuficiência Cardíaca e Miocardiopatia - (APDCIM) - Recife. • Associação dos Chagásicos da Grande São Paulo (ACHAGRASP) • Associação dos Chagásicos de Campinas e Região (ACCAMP) 20 As associações internacionais participantes são: • Chagas Disease Alliance (CHADA) Buenos Aires, Argentina. • Asociación de Lucha contra el Mal de Chagas (ALCMC) - Aiquile, Bolívia. • Associação Corações Unidos contra a Doença de Chagas (ACUCDC) Cochabamba, Bolívia. • Fundación de Enfermos de Chagas por la Vida (FUNDECHVIDA) - Yopa, Colômbia. • Fundación Amigos com Chagas (FUNDACHAGAS) Caracas, Venezuela. • Fundación Unìdos Contra El Chagas (UNICHAGAS) Caracas, Venezuela. • Asociación de Amigos de las Personas con la Enfermedad de Chagas (ASAPECHA) Barcelona, Espanha. • Asociación de Amigos de las Personas con la Enfermedad de Chagas (ASAPECHA) Murcia, Espanha. • Asociación de Amigos de las Personas con la Enfermedad de Chagas (ASAPECHA) Valencia, Espanha. • Asociación de Amigos de las Personas con la Enfermedad de Chagas (ASAPECHA) - Madrid, Espanha. • Australian Chaga’s Disease Association - ACDA - Camberra, Austrália ( ACDA) - Camberra, Austrália. Dos 14 dirigentes de associações que contatamos, seis responderam ao nosso convite e aceitaram participar da pesquisa: dois brasileiros (ACCAMP e ACHAGRASP) e quatro internacionais (ASAPECHA Valencia/Espanha; CHADA Buenos Aires/Argentina; ALCMC Aiquile/Bolívia e FUNDACHAGAS Caracas/Venezuela). Todos os participantes da pesquisa foram esclarecidos sobre os objetivos do estudo e receberam os tópicos para expor suas percepções sobre a Associação 21 de Doença de Chagas, considerando: 1) a associação que você participa e representa; 2) o papel da Associação de Doença de Chagas; 3) as situações mais frequentes enfrentadas pela associação de doença de Chagas na sua cidade, no seu Estado e no seu país; 4) as ações e estratégias utilizadas pela sua associação na busca da efetivação do direito de acesso à saúde; e 5) o que tem favorecido e/ou conquistado as associações de Doença de Chagas no intercâmbio entre as associações e no estabelecimento do trabalho em rede com todas as associações para a efetivação do direito de acesso à saúde. Todos os sujeitos foram comunicados sobre as condições e as finalidades das informações coletadas, que são de único e exclusivo uso acadêmico, por meio de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), assinado pela pesquisadora e pelo sujeito. Este projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUC-SP. O registro das respostas dos sujeitos da pesquisa ao formulário foi organizado destacando-se seus aspectos análogos e diferentes e interpretado com base na análise de conteúdo, que, segundo CHIZZOTTI, 2008: [...] é uma dentre as diferentes formas de interpretação do conteúdo de um texto que se desenvolveu, adotando normas sistemáticas de extrair os significados lexicais, por meio dos elementos mais simples de um texto. Consiste em relacionar a frequência da citação de alguns temas, palavras ou ideais em um texto para medir o peso relativo atribuído a um determinado assunto pelo seu autor (CHIZZOTTI, 2008, p.114). A presente tese está estruturada em cinco capítulos, articulados da seguinte forma: O Capítulo I, Do Movimento da Reforma Sanitária (MRS) à criação do Sistema Único de Saúde (SUS): contextualizando o direito à saúde no Brasil, apresenta a trajetória histórica do MRS de 1975 a 1990, passando pela VIII Conferência Nacional de Saúde, pela Constituição Federal até a Lei Orgânica da Saúde. O Capítulo II, intitulado Aproximações conceituais que embasam o direito à saúde, aborda os conceitos de democracia, cidadania, participação social, 22 associativismo civil e rede social, presentes e referenciais no MRS e no SUS, bem como na formação de associações de doentes de Chagas. O Capítulo III, denominado A Doença de Chagas no cenário brasileiro e internacional, discorre sobre o histórico da doença de Chagas, perpassando por aspectos clínicos, epidemiológicos e sociais da doença de Chagas, bem como do controle e tratamento de seus sinais e sintomas. O Capítulo IV, nomeado As Associações Nacionais e Internacionais de Doença de Chagas: origem e desenvolvimento, descreve a trajetória histórica, a caracterização, a organização e a dinâmica de atuação e seu processo de expansão. O Capítulo V, intitulado Aproximações interpretativas: as experiências das Associações Nacionais e Internacionais de Doença de Chagas, apresenta as percepções que o doente de Chagas, os dirigentes de associações e os profissionais de saúde têm sobre a associação que representa e participa, e, principalmente, a FINDECHAGAS, enquanto uma rede social em construção. Aborda também a construção em rede do processo associativo da doença de Chagas nacional e internacional. As Considerações Finais trazem algumas reflexões, limites, possibilidades e desafios em relação às associações e o desenvolvimento de suas ações, bem como as aprofundamento do tema. novas questões para novos estudos voltados ao 23 CAPÍTULO I DO MOVIMENTO DA REFORMA SANITÁRIA (MRS) À CRIAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS): CONTEXTUALIZANDO O DIREITO À SAÚDE NO BRASIL O presente capítulo apresenta a trajetória histórica do Movimento da Reforma Sanitária (MRS) de 1975 até 1990, passando pela VIII Conferência Nacional de Saúde, pela Constituição Cidadã até a criação do Sistema Único de Saúde. 1. O SURGIMENTO DO MRS (1975-1985) O MRS se originou no contexto e na luta contra a ditadura militar instaurada no País em 1964, tendo como marco central a democratização da saúde. O Movimento estruturou-se nas periferias das grandes cidades com a participação de organizações populares e sindicais e universidades. Cabe destaque, nesse período, ao movimento de saúde da Zona Leste da cidade de São Paulo, constituído por donas de casa, usuários dos serviços de saúde, apoiados pelos médicos sanitaristas, que teve grande repercussão ao impulsionar as lutas pela Reforma Sanitária3. Com os médicos sanitaristas, destacavam-se também os médicos residentes de hospitais públicos, que, na época, trabalhavam com uma carga horária excessiva, bem como os representantes dos sindicatos médicos que estavam em fase de transformação. O regime ditatorial, ao desencadear a repressão política, cultural, econômica e o aumento da pobreza, que duramente atingiu a população pela falta de políticas de assistência social, saúde, educação, habitação, entre outras, levou a organização popular para o enfrentamento dessa realidade. 3 A Reforma Sanitária refere-se a um processo de transformação da norma legal e do aparelho institucional que regulamenta e se responsabiliza pela proteção à saúde dos cidadãos e corresponde a um efetivo deslocamento de poder político em direção às camadas populares, cuja expressão material se concretiza na busca do direito universal à saúde e na criação de um sistema único de serviços sob a égide do Estado (TEIXEIRA, 1989, p. 39). 24 Sader designou esses grupos reivindicativos de direitos e de organização popular como [...] os novos movimentos de bairros, que se constituíram num processo de auto organização, reivindicando direitos e não trocando favores como os do passado; era o surgimento de uma nova sociabilidade em associações comunitárias onde a solidariedade e auto ajuda se contrapunham aos valores da sociedade inclusiva; eram os novos movimentos sociais que politizavam espaços antes silenciados na esfera privada. De onde ninguém esperava, pareciam emergir novos sujeitos coletivos, que criavam seu próprio espaço e requeriam novas categorias para sua inteligibilidade (SADER,1988, p.35). Além disso, outros fatores contribuíram para a eclosão dos movimentos populares, como o arrocho salarial sofrido pelos trabalhadores, a queda do poder aquisitivo dos assalariados, o aumento da concentração de renda entre os mais ricos e a consequente ampliação das desigualdades socioeconômicas geradas pelo interesse dominante existente no País, em especial, o econômico, para se assegurar no poder. Concomitantemente a essas conturbações que afligiam o País, a situação da saúde também apresentava vários problemas, que provocaram indignação e questionamentos em vários segmentos da sociedade, pela precariedade de ações e serviços oferecidos à população e que, de alguma forma, relacionavam-se à política vigente. Nesse sentido, Vaitsman explicita que: O movimento sanitário não é um grupo de interesses e nem é formado por grupos de interesses [...]. O que o caracteriza enquanto movimento é o fato de ele aglutinar, além de indivíduos, entidades de diferentes naturezas funcionais organizacionais e políticas, com uma proposta ético-política visando interesses coletivos [...]. O movimento se identifica como condutor das aspirações de grupos de consumidores, de usuários dos serviços de saúde enquanto cidadãos (VAITSMAN 1989, p.153-154). Em sua processualidade, o MRS atingiu sua maturidade a partir da segunda metade da década de 1970 e princípio da década de 1980, mantendo-se mobilizado. Conforme BRAVO, 25 [...] No final dos anos 1970, com o processo de abertura política e, posteriormente, com a redemocratização do país, ocorreu na saúde um movimento significativo que contou com a participação de novos sujeitos sociais na discussão das condições de vida da população brasileira e com propostas governamentais apresentadas para o setor, o que contribuiu para um amplo debate. A saúde passou a assumir uma dimensão política, vinculada à democracia (BRAVO, 2012, p.1). O MRS definiu a saúde como um dos direitos sociais e mudou a percepção sobre a vigilância sanitária, colocando-a como uma ação de saúde fundamental. Entre as bandeiras que defendia, ressaltava-se o acesso de todo brasileiro às ações de saúde de forma integral, a descentralização e a participação social nas políticas públicas de saúde. O MRS foi significativo, ao despertar o País para os desmandos que a área da saúde sofria naquele momento na história e se converteu em uma forte motivação para se reverter a perspectiva perversa do sistema de saúde vigente. MENDES assinala que: É preciso compreender que o MRS se caracteriza como um processo modernizador e democratizante de transformação nos âmbitos políticojurídico, político-institucional e político-operativo, para dar conta da saúde dos cidadãos, entendida como um direito universal e suportada por um sistema único de saúde, constituído sob regulação do Estado, que objetive a eficiência, eficácia e equidade, e que se construa permanentemente através do incremento de sua base social, da ampliação da consciência sanitária dos cidadãos, da implantação de outro paradigma assistencial, do desenvolvimento de uma nova ética profissional e da criação de mecanismos de gestão e controle populares sobre o sistema (MENDES,1993, p.42). FLEURY aponta o MRS como [...] um processo de transformação da norma legal e do aparelho institucional que regulamenta e se responsabiliza pela proteção à saúde dos cidadãos e corresponde a um efetivo deslocamento do poder político em direção às camadas populares, cuja expressão material se concretiza na busca do direito universal à saúde e na criação de um sistema único sob a égide do Estado (FLEURY, 1989, p.39). Um dos grandes ativistas do MRS, o médico sanitarista AROUCA costumava dizer “que o movimento nasceu dentro da perspectiva da luta contra a ditadura e tinha claro que na área da saúde era preciso integrar as duas dimensões: ser médico e lutar contra a ditadura” (AROUCA, 2002, p.18). 26 Os departamentos de Medicina Preventiva da USP e da Unicamp e o Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) foram os espaços adequados para a luta contra a ditadura e um novo debate para a saúde. Essas instituições abriram brechas para a entrada do novo pensamento crítico sobre a saúde, lançado pelo MRS. Essa mudança, que se iniciou em 1970 – o período mais repressivo do autoritarismo no Brasil –, quando se constituiu a base teórica e ideológica do pensamento médico-social, também chamado de abordagem marxista da saúde e teoria social da medicina, prosseguiu no decorrer dessa década. A forma de olhar, pensar e refletir o setor da saúde nessa época concentrava-se nas ciências biológicas e na maneira como as doenças eram transmitidas. Há uma primeira mudança quando as teorias das ciências sociais começam a ser incorporadas. Essas primeiras teorias, no entanto, estavam muito ligadas às correntes funcionalistas, que olhavam para a sociedade como um lugar que tendia a viver harmonicamente e precisava apenas aparar arestas entre diferentes interesses. A grande virada da abordagem da saúde foi a entrada da teoria marxista, o materialismo dialético e o materialismo histórico, que mostram que a doença está socialmente determinada. Durante todo o processo de modificação da abordagem da saúde, várias correntes se juntaram como protagonistas. O movimento estudantil teve papel fundamental na propagação das ideias e fez com que diversos jovens estudantes começassem a se incorporar nessa nova maneira de ver a saúde. Simultaneamente, em 1974, foi realizada, pela primeira vez, a Semana de Estudos sobre Saúde Comunitária e, entre 1976 e 1978, os Encontros Científicos dos Estudantes de Medicina, que foram espaços políticos importantes para as discussões sobre a realidade social brasileira e as questões de saúde. Essas discussões ocorreram também no Conselho Nacional de Medicina, na Associação Médica Brasileira, nos Conselhos Regionais de Medicina, entidades que passaram a ser renovadas. Assim, entre 1974 e 1979, com o processo de emergência de organização da sociedade civil diante do Regime Militar, diversas experiências institucionais 27 tentaram colocar em prática diretrizes definidas pelo MRS, como a descentralização, a participação e a organização. Várias tentativas do governo de melhorar as deficiências médico assistenciais foram colocadas em prática no País. Desse modo, ainda em 1974, foi criado o Plano de Pronta Ação (PPA), que estendeu a cobertura de assistência médica a qualquer pessoa em situação de urgência ou emergência, independentemente da posse de vínculo previdenciário. O PPA “visava dar acesso, aos previdenciários, à consulta médico ambulatorial através da rede privada contratada e conveniada, universalizando o atendimento de urgência” (PUGIN e NASCIMENTO, 1999, p. 4). Nesse sentido, o Plano foi um marco por reverter a tendência da absorção de consultas ambulatoriais pela rede própria do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). Em 1975, a Lei n. 6.229, de 17 de julho de 1975, instituiu o Sistema Nacional de Saúde, que estabelecia de forma sistemática o campo de ação na área de saúde, dos setores públicos (federal, estadual e municipal) e privados para o desenvolvimento das atividades de promoção, proteção e recuperação da saúde. Nesse contexto, vale ressaltar a criação do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), em 1976, que foi igualmente importante na luta pela reforma sanitária. A entidade surgiu com o propósito de lutar pela democracia, de ser um espaço de divulgação do movimento sanitário e de reunir pessoas que já pensavam dessa forma e realizavam projetos inovadores. O CEBES publicou diversos estudos e artigos, que atestam a vitalidade do MRS e contemplam com distintas ênfases seus aspectos político-ideológicos, organizativos e técnico operacionais. Foi importante ao questionar a concepção de saúde restrita à dimensão biológica e individual, além de apontar diversas relações entre a organização dos serviços de saúde e a estrutura social (FLEURY, 1994). A partir de 1976, foi criado ainda o Programa de Interiorização de Ações de Saúde e Saneamento (PIASS), cujas diretrizes tinham como objetivo a organização de uma estrutura básica de saúde nos municípios com até 20 mil habitantes, utilizando pessoal de nível auxiliar e da própria comunidade. Tratava-se 28 de um programa de interiorização do atendimento, buscando maior eficiência e baixos custos, além de propiciar expansão de ações básicas de saúde e saneamento básico às pequenas comunidades desassistidas. O PIASS representou uma das primeiras iniciativas concretas de articulação entre o Movimento da Reforma Sanitária, a assistência médica da Previdência Social e as Secretarias de Estado da Saúde, estimulando o repasse de recursos, via convênios, para essas. Toda essa conjuntura política possibilitou a expansão dos movimentos sociais e a formulação de propostas que atendessem aos excluídos de qualquer sistema de proteção social, evidenciando-se a área da saúde e o movimento da reforma sanitária. Nesse mesmo período, foi instituído o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS), pela Lei n. 6.439 de 1º de julho de 1977, com o objetivo de reorganizar a Previdência Social, do qual faziam parte o INAMPS e o Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS), que mantém a estratégia de compra de serviços do setor privado, justificada, na época, por ser tecnicamente mais viável, mas que se tratava, em síntese, de “uma perversa conjugação entre estatismo e privatismo” (CARVALHO e GOULART, 1998, p. 76). O INAMPS passou a prestar assistência médica aos servidores civis da União, aos trabalhadores urbanos e aos trabalhadores rurais. O IAPAS ficou encarregado de acompanhar a execução orçamentária das entidades integradas ao sistema, incluindo-se a arrecadação, fiscalização e cobrança de contribuições ao setor, a distribuição de recursos às entidades e a execução e fiscalização de obras e serviços de programas e projetos do SINPAS. A lógica da prestação de assistência à saúde pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) privilegiava a compra de serviços às grandes corporações médicas privadas, notadamente hospitais e multinacionais fabricantes de medicamentos. Estabelece-se, assim, o complexo previdenciário médico-industrial composto pelo sistema próprio e o contratado (conveniado ou credenciado). 29 O SINPAS reconhece e oficializa a dicotomia da questão da saúde, afirmando que a medicina curativa seria de competência do Ministério da Previdência, e a medicina preventiva de responsabilidade do Ministério da Saúde. No entanto, o governo federal destinou poucos recursos ao Ministério da Saúde, que, dessa forma, foi incapaz de desenvolver as ações de saúde pública propostas, o que significou, na prática, uma clara opção pela medicina curativa, que era mais cara e que, no entanto, contava com recursos garantidos por meio da contribuição dos trabalhadores para o INPS. O Ministério da Saúde tornou-se muito mais um órgão burocrato normativo do que um órgão executivo de política de saúde. O SINPAS entrou em crise explícita, consequência da má aplicação dos recursos, uso dos recursos em obras sem retorno para o caixa, incorporação tecnológica e aumento dos custos da assistência, baseada, predominantemente, no hospital e no privilegiamento do setor privado. Somado a isso, estava um quadro social de grande desigualdade, condições de vida insalubres e saneamento precário. Nesse mesmo período, internacionalmente, a discussão sobre a atenção primária à saúde ganhava destaque com a realização da Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, de Alma-Ata, que aconteceu no Cazaquistão, na antiga União Soviética, entre 6 e 12 de setembro de 1978, expressando a necessidade de ação urgente de todos os governos, de todos os que trabalham no campo da saúde, do desenvolvimento e da comunidade mundial para promover a saúde de todos os povos do mundo. Isso significava promover a saúde e prevenir doenças, garantindo a extensão dos serviços de saúde à população, tornando-se referência na definição das políticas de saúde. Em 1979, ocorreu um dos primeiros marcos do MRS: o I Simpósio Nacional de Política de Saúde, conduzido pela Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados. No Simpósio foram apresentadas algumas propostas, como a descentralização, estratégia para atingir uma maior eficácia do sistema, assim como a democratização do Estado e a ampliação da participação popular. 30 Nesse momento, já emergia na discussão dessas propostas a reorganização do sistema de saúde e a menção a um Sistema Único de Saúde, de caráter universal e descentralizado (TEIXEIRA, 1989; WERNECK, 1998). Assim, o MRS buscava reverter a lógica da assistência à saúde e denunciar a forma autoritária do Estado ditatorial: crise, gastos, privilegiamento, concentração de renda. O MRS tinha como princípios: a) universalizar o direito à saúde (Universalidade); b) integralizar as ações de cunho preventivo e curativo, desenvolvidas separadamente, pelos Ministérios da Saúde e da Previdência (Integralidade); c) inverter a entrada do paciente no sistema de atenção em vez de buscar o hospital quando já estiver doente e priorizar o preventivo sobre o curativo na promoção da saúde (Hierarquização); d) descentralizar a gestão administrativa e financeira (Descentralização); e) promover a participação e o controle social (Participação). Em setembro de 1979, durante a I Reunião sobre Formação e Utilização de Pessoal de Nível Superior na Área da Saúde Pública em Brasília, foi criada a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), que se constituiu em um importante interlocutor político nos debates e embates das políticas de saúde, ao mesmo tempo em que, desde então, promove a divulgação e o intercâmbio de informações e estudos sobre a questão. A ABRASCO é constituída por instituições de ensino, pesquisa ou prestadoras de serviços que desenvolvem formação pós-graduada em Saúde Coletiva e por profissionais que exercem atividades nessas áreas. Paralelamente com o CEBES, propiciou a base institucional para alavancar as lutas e propostas do MRS (PAIM et al., 2011, p.18). Com a intensificação dos movimentos sociais e das pressões de organismos internacionais, o governo militar começou a se preocupar mais em 31 minimizar os efeitos das políticas excludentes, por meio de uma expansão na cobertura dos serviços (LUZ, 1991; MENDES, 1993). No bojo das lutas por políticas mais universalistas e do processo de abertura política no fim da década de 1970, ampliou-se o movimento dos profissionais de saúde e de intelectuais da área de saúde coletiva. O crescimento da insatisfação popular se expressou, politicamente, na vitória da oposição em eleições parlamentares. Refletiu também sobre o MRS, que se ampliou ainda mais com a incorporação de lideranças políticas sindicais e populares e de parlamentares interessados na causa. Em 1980, foi criado o Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde (PREV-Saúde), que se orientava pelos princípios de hierarquização e integração da rede de serviços, participação comunitária e regionalização e teve uma passagem rápida, sendo substituído, em 1981, pelo plano do Conselho Consultivo de Administração Previdenciária (CONASP), vinculado ao INAMPS. O CONASP iniciou suas ações com a fiscalização mais rigorosa da prestação de contas dos serviços credenciados, com objetivo de combater as fraudes; propôs a reversão gradual do modelo médico-assistencial por meio do aumento da produtividade do sistema, da melhoria da qualidade da atenção, da equalização dos serviços prestados às populações urbanas e rurais, da eliminação da capacidade ociosa do setor público, da hierarquização, da criação do domicílio sanitário, da montagem de um sistema de auditoria médico-assistencial e da revisão dos mecanismos de financiamento do Fundo da Assistência Social (FAS). Desse modo, passou a absorver em postos de importância alguns técnicos ligados ao movimento sanitário, o que deu início à ruptura interna da dominância dos elos burocráticos previdenciários. O CONASP encontrou oposição da Federação Brasileira de Hospitais (FBH) e da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (ABRAMGE), que viam nessa tentativa de mudança a perda do seu status e da sua hegemonia dentro do sistema de saúde. 32 Esses grupos de assistência médica privados tinham grande poder de manipulação para atuarem. Fizeram oposição e conseguiram derrotar dentro do governo, com a ajuda de parlamentares, um dos projetos mais interessantes de modelo sanitário: o PREV-Saúde, que, depois de seguidas distorções, acabou por ser arquivado. O CONASP, na perspectiva da Reforma Sanitária, criou e implantou em 1983 as Ações Integradas de Saúde (AIS), novo modelo assistencial, integrando e articulando ações curativas, preventivas e educativas ao mesmo tempo, de caráter interministerial, ou seja, da Previdência, Saúde e Educação. Segundo Pugin e Nascimento, as [...] AIS foram formalizadas através de convênios entre as esferas de governo que definiam objetivos, estrutura e mecanismos de funcionamento nos Estados, termos aditivos que operacionalizavam projetos específicos com compromissos financeiros e de programas e termos de adesão, definição de programas e recursos na incorporação de Municípios às AIS (PUGIN, S.; NASCIMENTO,1996, p.14). Com as AIS, vieram as Comissões Institucionais de Saúde (CIS), colegiados com representação da sociedade civil, nos âmbitos estadual e municipal. As AIS vigoraram até 1987 e representaram a primeira experiência de sistema de saúde integrado, envolvendo a transferência de recursos, por meio de convênio, a estados e municípios para o custeio da assistência à saúde. Dessa forma, a Previdência Social passa a comprar e pagar serviços prestados por Estados, municípios, hospitais filantrópicos, públicos e universitários. Até o fim da década de 1980, as políticas sociais brasileiras poderiam ser qualificadas apenas como residuais, por limitarem a proteção social a uma parte da população, e meritocrático corporativas, pelo fato dos direitos sociais ficarem restritos a uma vinculação ao sistema previdenciário, sendo o exercício da cidadania determinado pela participação em alguma categoria trabalhadora reconhecida por lei e que contribuísse para a Previdência. A assistência médica, até então, era prestada somente ao trabalhador vinculado formalmente ao mercado de trabalho. Essa assistência era denominada 33 cidadania regulada4, uma vez que os direitos do cidadão estavam condicionados, não só à sua profissão, mas ao modo como a exercia. A outra parcela da população deveria pagar diretamente pelo atendimento ou ser atendida em instituições filantrópicas. No entanto, cabe assinalar que já em 1983 a sociedade civil organizada reivindicou, no Congresso Nacional, novas políticas sociais que pudessem assegurar plenos direitos de cidadania aos brasileiros, inclusive direito à saúde, visto também, como dever do Estado. “Pela primeira vez na história do país, a saúde era vista socialmente como um direito universal e dever do Estado, isto é, como dimensão social da cidadania” (LUZ, 1991, p. 84). A influência dos movimentos populares, que lutavam pela democratização e por uma política sanitária de caráter mais universalista, e o cenário mundial, ao apontar para a concretização de novas alternativas de sistemas de saúde centradas na Atenção Primária, levaram, institucionalmente, a muitos avanços conquistados a partir da atuação dos técnicos do movimento sanitário já pertencentes à estrutura governamental. Após as manifestações do “Movimento das Diretas Já”, de 1984, o Regime Militar chegou ao fim em 1985, com a eleição indireta da chapa de oposição do parlamentar Tancredo Neves, eleito presidente e morto antes de tomar posse. Em seu lugar, assumiu o vice-presidente José Sarney, iniciando-se a Nova República, que convocou, em 1986, a Assembleia Nacional Constituinte (ANC) para a elaboração da Nova Constituição Federal. O governo de José Sarney foi marcado pela corrupção generalizada. Para combater a inflação, congelou os preços e implantou o Plano Cruzado. Nesse contexto, emergiram novos movimentos sociais que trazem ao centro do debate político a dívida social como parte obrigatória da transição para a democracia. O resgate dessa dívida social passou a ser bandeira política legitimadora da instauração de uma nova ordem democrática (TELLES, 1994). 4 Cidadania regulada foi o nome proposto pelo sociólogo brasileiro Wanderley Guilherme dos Santos para designar uma cidadania restrita e sempre vigiada pelo Estado (SANTOS, 1994). 34 ESCOREL, nessa perspectiva teórica e crítica, ao analisar o desenrolar histórico do MRS até o ano de 1988, divide sua atuação em três períodos: No primeiro, a partir de meados da década de 1970, sob a ditadura, o Movimento Sanitário tinha como diretriz saúde e democracia. No segundo, junto à abertura política, traçou-se a estratégia de penetração nos aparelhos de Estado, numa clara busca de tentar dar uma nova direcionalidade à política pública. E no terceiro período, ao iniciar-se a chamada democrática política, com a Constituinte, o Movimento Sanitário soube organizar-se para conseguir inscrever o direito à saúde como elementar ao cidadão brasileiro (ESCOREL,1995, p. 85). A autora, dessa forma, faz uma síntese sobre o percurso do MRS e sua importância para o início da democracia política no País e para a criação do SUS. 2. PERCURSO DO MRS: A VIII CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ E O SUS (1986-1990) A Nova República no Brasil compreendeu o período de 1985 a 1990, e caracterizou-se como o ciclo do regime ditatorial militar, encerrando a transição que estabeleceu a hegemonia política do partido de oposição ao regime, promulgou a Constituição e realizou uma eleição popular para presidente. O MRS consolidou-se na VIII Conferência Nacional de Saúde, ocorrida em 1986, na qual, pela primeira vez, houve ampla participação popular, com mais de 5 mil representantes de todos os segmentos da sociedade civil brasileira. Foi considerada um marco político importante, trazendo a saúde para a arena, com um amplo debate público sobre os princípios da Reforma Sanitária, sintetizados na participação popular, equidade, descentralização, universalidade e integralidade das ações de saúde. Durante a VIII Conferência Nacional de Saúde, foi discutido e aprovado outro conceito de saúde para o Brasil, ampliando o seu entendimento anterior, definido pela OMS como um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não consistindo somente da ausência de uma doença ou enfermidade (1948). 35 Assim, para a VIII Conferência Nacional de Saúde, a saúde passou a ser vista como um direito e conceituada em seu sentido mais abrangente como [...] resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. [...] o resultado das formas de organização social da produção, que podem gerar desigualdades nos níveis de vida. Assim saúde além de ser um direito do cidadão, tornou-se um dever do Estado e propiciou o acesso a todos os bens e serviços que a promovam e recuperem seja universal. (BRASIL, 1986, p. 4). A saúde é reafirmada como um “conceito amplo” e o direito à saúde é enfatizado como “conquista social”, e que seu pleno exercício implica na garantia, entre outros fatores, “da participação da população na organização, gestão e controle dos serviços e ações de saúde” (BRASIL, 1986, p. 5). Assim, a VIII Conferência Nacional de Saúde registrou um conjunto de significativas conquistas da Reforma Sanitária no Brasil, destacando-se o reconhecimento formal do direito à saúde e a descentralização com comando único em cada esfera de governo. Após o seu término, realizou-se uma série de debates prévios e de conferências estaduais e municipais sobre temáticas específicas. Representou ainda a grande arrancada para o embate público que aconteceria com a eleição e instalação da Assembleia Nacional Constituinte. Em 1987, foi implantado o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), com o objetivo de transferir a rede de serviços do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) para estados e municípios, o que significava, na prática, um movimento de descentralização em direção à esfera estadual, de modo que cada um dos estados constituísse seu sistema de saúde e fosse responsável pelos serviços municipais e do Estado. O SUDS aprofundou a experiência de transferência de recursos por meio de convênio, adotado anteriormente pelas AIS. No campo da gestão do SUDS, adotou-se a Programação e Orçamentação Integrada (POI), instrumento de planejamento que procurava integrar os orçamentos e ações dos órgãos federais, estaduais e municipais, e das instâncias colegiadas pluri-institucionais, já vigentes desde o advento das AIS (NORONHA e LEVCOVITZ, 1994). 36 Apesar de todas essas iniciativas, estima-se que, à época, cerca de metade da população não estava coberta por nenhum sistema previdenciário e dependia do atendimento das instituições filantrópicas. Concomitantemente a convocação da ANC, em 1987, o MRS aliou-se à frente parlamentar ligada à saúde, conseguindo, assim, a aprovação na Constituição Federal de 1988, que concebeu que a saúde fosse considerada um direito de todos e dever do Estado, bem como a participação dos movimentos sociais na elaboração de políticas de saúde e controle de sua execução, descentralização dos serviços por meio da criação e implantação do SUS. Historicamente ressalta-se que, pela primeira vez, o direito à saúde é consagrado na Carta Magna Brasileira. Assim o direito à saúde foi concebido na Constituição Federal de 1988, e inscrito no Artigo 196 como: direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de doença e de outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988). Dessa forma, a saúde se insere como um direito público individual, um benefício assegurado à generalidade das pessoas. Esse período retratou todo o processo desenvolvido ao longo dessas duas décadas, pelos movimentos sociais e principalmente pelo MRS, constituindo-se o SUS, cuja regulamentação ocorreria em 1990. Segundo PAIM, [...] a Constituição Federal de 1988 incorporou uma concepção de seguridade social como expressão dos direitos sociais inerentes à cidadania, integrando saúde, previdência e assistência. Assimilando proposições formuladas pelo MRS Brasileira, reconheceu o direito à saúde e o dever do Estado, mediante a garantia de um conjunto de políticas econômicas e sociais, incluindo a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), universal, público, participativo, descentralizado e integral (PAIM, 2013, p.1928). 37 A Constituição Federal do Brasil de 1988, denominada Constituição Cidadã, é um marco da redemocratização brasileira, considerada uma das mais avançadas do mundo no âmbito dos direitos sociais e das garantias individuais. Estabeleceu a reforma eleitoral, com voto direto inclusive para analfabetos, acrescentou a função social à terra, instituiu parâmetros concretos para o combate ao preconceito e concedeu novos direitos trabalhistas, como a redução da jornada semanal, o seguro-desemprego e as férias remuneradas acrescidas de 1/3 do salário (BRASIL, 1988). O SUS foi regulamentado pela Lei Orgânica da Saúde, nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 e pela Lei nº. 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que regulam as ações, a organização e o funcionamento dos serviços e dispõem sobre a participação da comunidade na gestão do SUS, sobre a alocação dos recursos financeiros e sobre a estrutura dos conselhos e das conferências de saúde (BRASIL, 1990). A Lei nº 8.142/1990, além de dispor sobre a participação da comunidade na gestão do SUS, institui sem prejuízo das funções do Poder Legislativo, das instâncias colegiadas de participação, conferências e conselhos de saúde, atribuindolhes papéis deliberativos e fiscalizadores (BRASIL, 1990). Paim define o SUS como [...] um sistema que foi institucionalizado a partir da Constituição de 1988, resultante de um amplo movimento social, que envolveu estudantes, profissionais de saúde, setores populares, professores e pesquisadores, defendendo o direito à saúde. A partir deste movimento social se conseguiu incluir na Constituição um conjunto de princípios e diretrizes para a organização de um sistema de saúde. Da década de 1990 em diante, foi possível ir implantando de forma progressiva essa nova organização do sistema de serviços de saúde no Brasil. Nesse sistema, dentre os princípios que mais se destacam, encontram-se a universalidade – saúde como um direito de todos, com acesso universal, a igualdade – dar serviços iguais para todos –, a participação social e a descentralização. Além desses grandes princípios, temos outra orientação, que é a integralidade. Então, é um sistema que tem como característica básica o fato de ter sido criado a partir de um movimento da sociedade civil e não do Estado, de governo ou de partido (PAIM, et al. 2011, p. 1). Na Lei Orgânica da Saúde, a regulamentação do SUS reforça seus princípios e diretrizes, a saber: 38 • Universalidade: constitui atender a toda população de acordo com suas necessidades, independentemente de contribuição à Previdência Social e sem cobrar nada pelo atendimento. • Integralidade: significa atuar de maneira integral, isto é, deve ver a pessoa como um todo que integra uma sociedade, ou seja, as ações de saúde devem estar voltadas, ao mesmo tempo, para o indivíduo e para a comunidade, para a prevenção, tratamento, recuperação e promoção da saúde e respeitando a dignidade humana. • Equidade: designa que todos os brasileiros, independentemente de sexo, da idade, da religião ou da situação de emprego têm direito à mesma assistência à saúde. FLEURY traduz a equidade como [...] acesso universal e igualitário ao sistema de saúde, abolindo qualquer tipo de discriminação [...] Em outros termos, trata-se de reconhecer a igualdade como valor e princípio normativo de acesso ao sistema sem considerar a diferenciação preexistente como imperativo para a estruturação do sistema (FLEURY, 1994, p. 46). • Descentralização: denota que o poder de decisão deve ser dos responsáveis pela execução das ações de saúde, ou seja, as ações e serviços de saúde oferecidos à população devem ser administrados por um gestor em cada esfera do governo. A secretaria de saúde de cada município tem de ser responsável por todos os serviços de saúde municipais; aquelas que servem e alcançam vários municípios devem ser estaduais e aquelas que são dirigidas a todo o território nacional devem ser federais. PAIM assinala que: A descentralização do sistema de saúde foi a lógica subjacente da implementação do SUS; para isso, foram necessárias legislação complementar, novas regras e reforma administrativa em todos os níveis do governo. Desde 2006, algumas dessas normas foram substituídas pelo Pacto pela Saúde, um acordo no qual os gestores de cada nível de governo assumem compromissos mútuos sobre as metas e responsabilidades em saúde (PAIM, et al. 2011, p.13). A saúde como o direito de todos e dever do Estado assegurado em 1988 foi regulamentada no artigo 2º da lei nº 8.080/90, Lei Orgânica da Saúde, que 39 assinala a saúde como “um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício” (BRASIL,1990). Assim, a Constituição Federal e o SUS, em seus dispositivos, garantem o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde, assegurando, portanto, a sua proteção nas órbitas genérica e individual. O SUS é um sistema em contínuo desenvolvimento na luta pela garantia da cobertura universal, equitativa e do direito de acesso à saúde por toda a população. Dessa maneira, no plano administrativo, a divisão de tarefas entre os órgãos governamentais e a organização do SUS enfrentam alguns limites como o direito individual ao receber medicamentos e/ou tratamentos indispensáveis, que devem ser superados em médio e em longo prazo. Desse modo, a participação do setor privado no mercado aumentou as interações com o setor público, criando contradições e uma competição injusta, que gerou resultados negativos na equidade, no acesso aos serviços e nas condições de saúde da população. No plano financeiro, desde sua implantação, o orçamento federal destinado ao SUS não cresceu, limitando seu financiamento, infraestrutura e recursos humanos. PAIM et al. assinalaram que outros desafios surgem pelas transformações demográficas e epidemiológicas ocorridas na população brasileira, que obrigam a transição de um modelo de atenção centrado nas doenças agudas para um modelo baseado na promoção intersetorial da saúde e na integração dos serviços de saúde e consequentemente a necessidade de uma nova estrutura financeira e uma revisão profunda das relações público privadas (PAIM et al, 2011). As questões administrativas, financeiras, público-privada e a contínua desigualdade social não podem ser resolvidas, somente tecnicamente, portanto, o maior desafio enfrentado pelo SUS é político, visto que tem de garantir sustentabilidade política, econômica, científica e tecnológica (PAIM et al., 2011). 40 Os desafios colocados ao Estado para a implantação do SUS, desde 1990, implicam na adequação dos princípios da Constituição Federal de 1988 nos avanços democráticos e sociais alcançados e na regulamentação para que se transformem efetivamente em direitos. 41 CAPÍTULO II APROXIMAÇÕES CONCEITUAIS QUE EMBASAM O DIREITO À SAÚDE Este capítulo apresenta os conceitos de democratização, cidadania, participação social, bem como de associativismo civil e rede social, presentes e referenciais no MRS e no SUS, bem como na formação de associações de doentes de Chagas. 1. DEMOCRATIZAÇÃO/CIDADANIA A Constituição Federal de 1988 define em seu artigo 1º que a República Federativa do Brasil, como Estado democrático de direito, tendo como princípios fundamentais: a soberania; a cidadania; a dignidade do ser humano; os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa; o pluralismo político; estabelecendo ainda que todo poder emana do povo, exercido por meio de representantes eleitos diretamente (Brasil, 1988). Essa consagração da democracia no plano constitucional foi decorrente, principalmente, da organização e mobilização coletiva da sociedade brasileira e das lutas dos diversos movimentos sociais, compreendendo os trabalhadores urbanos e do campo, os estudantes, os intelectuais, os artistas, bem como as ações pastorais da Igreja progressista, o apoio de órgãos de imprensa de esquerda, que vivenciaram o difícil período da ditadura e buscaram restabelecer o diálogo com o Estado. Desse modo, essas práticas democráticas foram expressas na consolidação legal de direitos civis, sociais e políticos e legitimadas nas políticas públicas, com participação da sociedade civil, por meio de órgãos deliberativos institucionalizados, como as Conferências e os Conselhos Gestores. Dagnino, ao tratar da democracia, esclarece que O restabelecimento da democracia formal, com eleições livres e a reorganização partidária, que abriu a possibilidade de que este projeto, configurado no interior da sociedade e que orientou a prática de vários 42 dos seus setores, pudesse ser levado para o âmbito do poder do Estado, no nível dos executivos municipais e estaduais e dos parlamentos [..]. (DAGNINO, 2005 p. 25). Muitos autores e cientistas políticos ao descreverem a democracia brasileira argumentam que, apesar dos avanços conquistados na Constituição de 1988, ainda não atendem totalmente aos interesses e necessidades da sociedade em geral, a qual, apesar de reconhecidos os direitos políticos e alguns direitos civis e sociais, nem todos são adotados na prática, igualitariamente, para todas as camadas sociais. BOBBIO (1994) encontra dois sentidos básicos para o conceito de democracia: É inegável que historicamente “democracia” tem dois significados prevalecentes, ao menos na origem, conforme se ponha em maior evidência o conjunto das regras cuja observância é necessária para que o poder político seja efetivamente distribuído entre a maior parte dos cidadãos, as chamadas regras do jogo, ou o ideal em que um governo democrático deveria se inspirar, que é o da igualdade. À base dessa distinção costuma-se distinguir a democracia formal da substancial... (BOBBIO, 1994 p. 37). Dessa maneira, para o autor, a democracia deveria destacar o peso igual dos votos e a ausência de distinções econômicas, sociais, religiosas e étnicas na constituição do eleitorado. Considera-se, assim, a grande influência do poder econômico que faz com quem minorias privilegiadas tenham poder de representação maior aos dos setores populares, que são sua maioria. Essa deformação da representatividade, acrescida das deficiências cultural, educacional e social, faz com que os sistemas eleitorais distorçam a representação. É a partir dessa deformação e dos desafios apresentados pela sociedade moderna que se discutem as concepções contra-hegemônicas de democracia, que propõem novas formas de representação e participação. Conforme afirma SANTOS (2000), o sistema democrático representativo ainda deixa de fora do debate político as minorias e grupos com maiores dificuldades 43 de ter seus direitos reconhecidos, evidenciando que a representatividade do modelo democrático liberal não é capaz de alcançar as aspirações e necessidades específicas desses grupos. SANTOS (2002) concebe ainda a democracia sob duas concepções: a hegemônica e a não hegemônica. A democracia hegemônica caracteriza-se pela prática restrita de legitimação de governos, em que as regras do jogo democrático ocorrem simplesmente com o processo eleitoral, admitindo assim a representatividade como a única solução possível para o desenvolvimento das democracias em grande escala. SANTOS (2000), ao propor uma democracia contra hegemônica, alerta sobre a necessidade de se ir além das barreiras impostas pelo espaço da cidadania próprio dos Estado-nacionais, do direito estatal e da teoria política liberal. O autor ainda enfatiza que para haver uma completa democratização social e política, é necessário democratizar os demais espaços componentes da vida social, tais como o espaço do trabalho, o espaço doméstico, o espaço da produção, o espaço da troca, o espaço da comunidade e o espaço mundial (SANTOS, 2000, p. 290). Na concepção contra-hegemônica, a democracia passa a ser encarada como uma forma de aperfeiçoamento contínuo da convivência humana e como um exercício coletivo do poder político, cuja base está no processo livre de apresentação de razões entre iguais. Na direção da análise de SANTOS (2002), uma das práticas adotadas pela sociedade civil na busca de uma construção ou aprofundamento da democracia não hegemônica é a formação de organizações, associações e movimentos que buscam uma transformação das práticas dominantes, um aumento da cidadania e uma maior inserção na política de atores sociais excluídos. O associativismo civil pode ser caracterizado então como um dos vários mecanismos utilizados na busca de formas alternativas ou não hegemônicas de democracia. Desse modo, a proposta de SANTOS (2002) busca uma ampliação do experimentalismo democrático nos diversos ambientes que compõem a vida social. 44 Dessa forma, o atual período democrático brasileiro pode ser analisado e debatido tanto na ótica na relação entre Estado e sociedade, como em função do comportamento dos sujeitos sociais. Assim, podemos dizer que na atual democracia brasileira as conquistas sociais não acompanharam os avanços políticos, ou seja, as instituições funcionam razoavelmente bem sob o aspecto formal, mas a representatividade delegada pela sociedade não se traduz em benefícios para os cidadãos, ao contrário do que aconteceu nos países desenvolvidos. Esse cenário expõe, de certa forma, uma democracia representativa na sua forma hegemônica limitada, pois requer novas formas de formação de poder e de participação da sociedade. Os fatores dessa limitação foram assinaladas por SANTOS (2002), ao afirmar que o Brasil representa [...] uma sociedade com uma longa tradição de política autoritária. A predominância de um modelo de representação oligárquico, patrimonialista e burocrático resultou em uma formação de Estado, um sistema político e uma cultura caracterizados pelos seguintes aspectos: a marginalização, política e social das classes populares, ou sua integração através do populismo e do clientelismo; a restrição da esfera pública e a sua privatização pelas elites patrimonialistas, a artificialidade do jogo democrático e da ideologia liberal, originado uma imensa discrepância entre o país legal e o país real. A sociedade e a política brasileira são, em suma, caracterizadas pela total predominância do Estado sobre a sociedade civil e pelos obstáculos enormes à construção da cidadania, ao exercício dos direitos e à participação popular autônoma (SANTOS, 2002, p. 458). Portanto, um país realmente democrático só é possível na medida em que as deficiências e mazelas apontadas sejam superadas, principalmente ascendência do Estado, autoritário e privatizado pelas elites sobre a sociedade. Nesse contexto, o processo de construção da democracia no País ainda carece de espaços que propiciem ações direcionadas à participação efetiva da população, nos processos de discussão e tomada de decisão relacionados à questão social e política pública. A democratização viabiliza-se pela participação e compartilhamento do poder e, assim, contempla todos os sujeitos envolvidos no processo, suas vontades e necessidades. 45 A afirmação dos valores democráticos perpassa pela construção de uma consciência cidadã. DAGNINO (1994), [...] afirmar a cidadania com estratégia política significa enfatizar o seu caráter de construção histórica, definida portanto por interesses concretos e práticas concretas de luta e pela sua contínua transformação. Significa dizer que não há uma essência única imanente ao conceito de cidadania, que seu conteúdo e significado não são universais, não estão definidos e delimitados previamente, mas respondem a dinâmica dos conflitos reais, tais como os vividos pela sociedade em determinado momento histórico. Esse contexto e significado, portanto, serão sempre definidos pela luta política (DAGNINO p. 107). Dessa forma, podemos entender cidadania construída historicamente e enfrentando dilemas e limites que necessitam de transformação tanto na sociedade, como nas estruturas de poder. Esse contexto se constitui em um processo de aprendizagem e luta política na busca da ampliação de espaços para a atividade política, para que a sociedade civil se vincule ao espaço público democrático. O surgimento e a evolução da cidadania são analisados por MARSHALL (1967), no contexto da Inglaterra, demonstrando que a cidadania [...] é um processo historicamente construído, tendo seu início com o reconhecimento dos direitos civis no século XVIII (à vida, à liberdade de ir e vir, de imprensa, de pensamento e de religião, o direito à propriedade e à justiça); posteriormente, surgem os direitos políticos, no século XIX (expressão livre, participar em partidos, movimentos, associações e sindicatos, votar e ser votado, e de exercer cargos públicos); e, finalmente, no século XX, são consagrados os direitos sociais (alimentação, habitação, saúde, educação, lazer, trabalho com salário condizente) e os direitos ambientais referentes à defesa e à proteção do meio ambiente [...] a idéia de que os direitos sociais reconhecidos no século XX não significaram a criação de novos direitos mas a doação de velhos direitos a setores novos da população (MARSHALL, 1967, p.66-69). MARSHALL (1967) descreve, ainda, a constituição dos direitos da cidadania, definindo-a como uma espécie de igualdade humana básica associada ao conceito de participação integral na comunidade (p. 62). 46 Nesse sentido, DAGNINO, OLVERA e PANFICHI, (2006) visualizam um desenho democrático fundamentado na participação da sociedade, na construção dos direitos e na implementação da cidadania, ao explicitarem que: [...] surgem também novas formas de pensar a agência na luta pela democracia, a estrutura ou desenho de um regime democrático e os tipos de direitos e de cidadania necessários a um projeto democrático que não somente pede o cumprimento das promessas do Estado democrático de direito, mas que propõe mudanças radicais na forma de pensar e exercer a política, isto é, o poder, a representação e a participação da sociedade. (DAGNINO, OLVERA e PANFICHI, 2006, p. 21). Esse pensamento é complementado com BAVA (2000), ao afirmar que: a luta pela cidadania está intimamente associada à construção de novas formas de regulação democrática de nossas sociedades. Cidadania e democracia são dimensões de um mesmo processo que aponta para a construção de capacidades na sociedade para que todos possam saber escolher, poder escolher e efetivar suas escolhas (BAVA, 2000, p1). Dagnino reafirma a necessidade de uma nova cidadania que: [...] começou a ser formulada pelos movimentos sociais que, a partir do final dos anos 70 e ao longo da década de 80, se organizaram no Brasil em torno de demandas de acesso aos equipamentos urbanos como moradia, água, luz, transporte, educação, saúde, etc. e de questões como gênero, raça, etnia, etc. (DAGNINO, 2004, p 103). A autora assinala também que: O processo de construção de cidadania como afirmação e reconhecimento de direitos é, especialmente na sociedade brasileira, um processo de transformação de práticas arraigadas na sociedade como um todo, cujo significado está longe de ficar limitado à aquisição formal ilegal de um conjunto de direitos e, portanto, ao sistema político-jurídico. A nova cidadania é um projeto para uma nova sociabilidade: não somente a incorporação no sistema político em sentido estrito, mas um formato mais igualitário de relações sociais em todos os níveis, inclusive novas regras para viver em sociedade (negociação de conflitos, um novo sentido de ordem pública e de responsabilidade pública, um novo contrato social etc.). (DAGNINO, 2005, p 56). As manifestações e transições políticas, ocorridas na década de 1980, propiciaram a criação de novos espaços de participação política, por meio de suas 47 formas de luta e organização, se estabelecendo enquanto sujeitos coletivos e políticos. Outros autores como LÜCHMANN (2011) também aponta os anos de 1980, [...] como um marco na constituição de diversas associações e movimentos sociais que desencadeiam diferentes mobilizações e reivindicações, como as questões urbanas, de gênero, de sexualidade, ambientais, culminando com articulações mais gerais, como as de defesa de uma Constituição pautada por princípios de participação e de justiça social (LÜCHMANN, 2011, p 45). A dimensão da participação na nova conjuntura política atinge os direitos e deveres dos cidadãos, ampliando e diversificando o conceito de cidadania. Após esse período, no início da década de 1990, entra em pauta a questão do neoliberalismo econômico que vai influir decisivamente na sociedade. GOHN (2005) introduz esse momento, afirmando que a: [...] cidadania nos anos 1990 foi incorporada nos discursos oficiais e ressignificada na direção próxima à ideia de participação civil, de exercício da civilidade, de responsabilidade social dos cidadãos como um todo, porque ela trata não apenas dos direitos, mas também de deveres, ela homogeneiza os atores. Esses deveres envolvem a tentativa de responsabilização dos cidadãos em arenas públicas via parcerias nas políticas sociais e governamentais. (GOHN, 2005, p. 76). A prática democrática e o exercício da cidadania estão interrelacionados, e a definição dessas práticas tem sido buscada, incessantemente pelos teóricos das Ciências Sociais, como SCHERER-WARREN (1998), que traz uma reflexão sobre o principio universal da igualdade e justiça social. A democracia e seu correlato, a cidadania, tem se colocado na contemporaneidade ante um aparente paradoxo: surge enquanto um princípio universal e, ao mesmo tempo como um anseio de autodeterminação das minorias. Isso exige uma resolução mediante um processo dialógico que contemple a diversidade (especificidades das minorias) e princípio universal da igualdade. Essa aparente contradição apenas se resolve a partir da introdução do princípio da justiça social nas relações societárias (SCHERER-WARREN,1998, p. 26). 48 Dagnino reafirma ainda que [...] o processo de construção de cidadania como afirmação e reconhecimento de direitos é, especialmente na sociedade brasileira, um processo de transformação de práticas arraigadas na sociedade como um todo, cujo significado está longe de ficar limitado à aquisição formal e legal de um conjunto de direitos e, portanto, ao sistema político-jurídico. A nova cidadania é um projeto para uma nova sociabilidade: não somente a incorporação no sistema político em sentido estrito, mas um formato mais igualitário de relações sociais em todos os níveis, inclusive novas regras para viver em sociedade (negociação de conflitos, um novo sentido de ordem pública e de responsabilidade pública, um novo contrato social, etc.). Um formato mais igualitário de relações sociais em todos os níveis implica o “reconhecimento do outro como sujeito portador de interesses válidos e de direitos legítimos”. (DAGNINO, 2004, p.154). Santos (1997) corrobora esses princípios, prática democrática e o exercício da cidadania, ao avançar nos princípios democráticos e da cidadania. [...] é constituída por diferentes tipos de direitos e instituições; é produto de histórias sociais diferenciadas protagonizadas por grupos sociais diferentes. Os direitos cívicos correspondem ao primeiro momento do desenvolvimento da cidadania; são os mais universais em termos de base social que atingem e apoiam-se nas instituições do direito moderno e do sistema judicial que o aplica. Os direitos políticos são mais tardios e de universalização mais difícil e traduzem-se institucionalmente nos parlamentos, nos sistemas eleitorais e nos sistemas políticos em geral. Por último, os direitos sociais só se desenvolvem no nosso século e, com plenitude, depois da Segunda Guerra Mundial; têm como referência social as classes trabalhadoras e são aplicados através de múltiplas instituições que, no conjunto, constituem o Estado-Providência. (SANTOS, 1997, p. 244) As referências conceituais de democracia e cidadania, histórica e socialmente construídas, têm permeado vida em sociedade, na busca e na reafirmação dos direitos humanos e sociais. 2. PARTICIPAÇÃO SOCIAL O tema participação está presente na agenda política nacional há mais de quatro décadas, se constitui e ganha materialidade na democracia uma vez que seu conceito diz respeito, em grande parte, à tomada de decisão e ao controle do poder político nas várias esferas de mediação entre os indivíduos nos processos de constituição da sociedade. 49 A questão da participação é abordada, de diferentes modos, por distintas correntes de pensamento. Autores, como GASCÓN, TAMARGO, CARLES, conceituam a participação, através do qual se podem perceber as transformações nos contextos históricos, econômicos, políticos e sociais nos quais a noção de participação foi assumindo distintos matizes em relação à amplitude ou restrição de seus alcances e implicações (GASCÓN, TAMARGO, CARLES, 2005, p. 2). Admitem também a definição genérica de participação como “a capacidade que têm os indivíduos de intervir na tomada de decisões em todos aqueles aspectos de sua vida cotidiana que os afetam e envolvem” (GASCÓN, TAMARGO, CARLES, 2005, 2). ESCOREL; MOREIRA (2008) definem a participação social como: Um conjunto de relações culturais, sociopolíticas e econômicas em que os sujeitos, individuais ou coletivos, diretamente ou por meio de seus representantes, direcionam seus objetivos para o ciclo de políticas públicas, procurando participar ativamente da formulação, implementação, implantação, execução, avaliação e discussão orçamentária das ações, programas e estratégias que regulam a distribuição dos bens públicos e, por isso, interferem diretamente nos direitos de cada cidadão (ESCOREL; MOREIRA, 2008, p. 986). Os autores ao adotarem essa definição ampla de participação social, sugerem que seu exercício pode ser direcionado tanto às ações de controle do poder executivo, como às outras questões decorrentes de uma sociedade democrática. (ESCOREL; MOREIRA, 2008). Como apresentado no capítulo II desta tese, a participação social na saúde foi ressaltada pelo MRS, ao ter um papel decisivo em prol da ampliação de direitos sociais e políticos e ao reivindicar o direito universal e igualitário à saúde. A inclusão da participação social pelo MRS, como estratégia pela democracia, foi salientada conforme LOBATO(2009): como eixo central da proposta da reforma sanitária se relacionava à sua compreensão para além da expansão do direito e da reforma setorial, mas como estratégia de democratização social, a saúde vista como potente conteúdo transformador. De fato, a associação entre democracia e questão social foi o mote da transição democrática brasileira. A ausência de democracia seria responsável pela grave 50 situação de desigualdade, indicando que a democracia seria o canal de construção da justiça social (LOBATO, 2009; p. 9). A participação da sociedade foi evidenciada, na Constituição Federal de 1988, no direcionamento e organização do novo sistema de saúde como forma institucionalizada, para a democratização do SUS e a criação de mecanismos de controle social, para a formulação, gestão e acompanhamento da política de saúde. Posteriormente, a participação da sociedade foi institucionalizada, com a promulgação da lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, e passa a ser feita em cada esfera de Governo, por meio de duas instâncias colegiadas, ou seja, as Conferências de Saúde e os Conselhos de Saúde, sendo compreendida, assim, como uma forma de controle social e participativo sobre as ações do Estado, na luta pela garantia da saúde como um direito de todos (BRASIL, 1990). VIEIRA, (2004), assinala que numa sociedade democrática, o controle social na gestão dos serviços públicos só acontece quando existe “participação de todos os indivíduos nos mecanismos de controle das decisões havendo, portanto, real participação deles nos rendimentos da produção” [...] Criar uma sociedade de bem-estar, sem dar a todos participação efetiva no controle das decisões e também nos rendimentos da produção, consiste unicamente na adoção dos homens para transformá-los em consumidores obedientes e bem humorados (VIEIRA, 2004, p. 134-135). A participação da sociedade organizada na gestão pública assegurada pelo mecanismo de conselhos de saúde, existentes em cada uma das esferas de governo, foi denominada por CARVALHO (1997) de: [...] arranjo institucional e é visto como tendente a produzir impactos modernizantes e democratizantes sobre o padrão de processamento das demandas no setor, porque introduz novos filtros à seletividade da demanda permitindo maior permeabilidade aos interesses populares, tornando público e técnico o seu processamento. Permite também o enfrentamento dos diferentes atores na esfera pública e obriga os governantes a prestarem contas de suas ações (CARVALHO, 1997, p. 1.005). Gonçalves e Almeida designam os conselhos de saúde como espaços nos quais há “possibilidade de transformação dos sujeitos sociais em sujeitos políticos”, 51 que podem exercer a cidadania, com habilidade e potencial para intervir positivamente na implementação do SUS” (GONÇALVES, ALMEIDA, 2002, p. 169). JACOBI (1992), ao analisar a participação popular, como uma exigência legal para a implantação do SUS, via Conselhos de Saúde, contraditoriamente, a assinala como uma ação pouco eficaz no comprometimento dos cidadãos, limitando suas possibilidades de interferir realmente no processo decisório do sistema de saúde. Ressalta ainda que o resultado tem sido uma pseudoparticipação, ao não se efetivar a descentralização do processo decisório e, em decorrência da sedimentação de uma lógica verticalizada de participação, patrocinada pelas esferas governamentais, ou seja, uma participação restrita e limitada. O autor pondera ainda que [...] um contexto de pressão social a participação deve existir num constante processo de interação entre Estado e cidadãos, onde a administração se configura como uma efetiva potencializadora de ampliação das práticas comunitárias, por meio do estabelecimento de um conjunto de mecanismos institucionais que reconheçam direitos efetivamente exercíveis (JACOBI. 1992, p. 34). CORTES revela três perspectivas em relação à abordagem da participação, na área da saúde: Inicialmente à capacidade dos indivíduos influenciarem ou intervirem nas decisões políticas referentes à sociedade em que vivem. [...] aparece como um valor em si, participar, independente dos resultados imediatos, é algo intrinsecamente positivo, um processo inclusivo, capaz de agregar excluídos, difundir uma visão integral da saúde e, sobretudo, propiciar seu reconhecimento como um direito universal. Nesta perspectiva considera-se a participação, em suas diversas formas ou graus de envolvimento, um estímulo à cidadania, por fomentar o capital social e por contribuir para o empoderamento dos participantes. O segundo aspecto observado diz respeito ao caráter político da participação como meio de democratização do Estado. [...] que diz respeito à capacidade gerencial dos governos, à eficácia das políticas, e ao processo decisório envolvido na promoção do desenvolvimento socioeconômico sustentável, em contextos democráticos. A terceira perspectiva, mais instrumental, deriva da concepção americana de medicina comunitária em que os indivíduos, as famílias e a comunidade dividem com o Estado a responsabilidade pela atenção à saúde da população (CORTES,1996, p. 33). Nesse sentido, a participação social em saúde é vista e discutida de diversas maneiras por profissionais e pela população, expressando uma posição 52 clara e favorável à possibilidade de participação nas políticas públicas de saúde. Capacita ainda os indivíduos a influenciarem as decisões políticas que dizem respeito à sociedade em que vivem. ALMEIDA (2002) aponta que a participação representa uma conquista na construção da cidadania e tem como foco o Estado e a consolidação do sistema de saúde, apesar de que esse fator por si só não garante a participação plena e efetiva, inicialmente idealizada pelo MRS. O debate da população com o Estado, efetivado por meio dos conselhos de saúde é um meio que qualifica os indivíduos como cidadãos, com capacidade de interação que vão além da fiscalização. Assim, nesses espaços, os sujeitos atores não estariam mais em lados opostos, o que favoreceria o contato com o discurso do outro, como a fala técnica, por exemplo, “podendo resultar (...) formação da consciência sanitária”. (SILVA, EGYDIO; SOUZA, 1999:39-40). Caminhando nesse sentido, [...] a discussão da participação social como fator essencial para a preservação do direito universal à saúde, construção da cidadania e fortalecimento da sociedade civil liga-se diretamente à concepção da participação como parte do processo de democratização do Estado (VIANNA, CAVALCANTI, CABRAL, 2009, p 244). A incorporação da participação na área da saúde não é uma tarefa simples, pois depende da interação de fatores culturais, econômicos, históricos, políticos e sociais relacionados aos gestores, comunidade e trabalhadores de saúde. A participação gera uma nova maneira deliberativa que permite aos atores sociais e ao governo pautarem suas ações de forma mais horizontal e democrática. A compreensão das concepções de participação e práticas participativas, bem como seus fatores limitantes e potencializadores, é importante para entender como a questão da participação em saúde é operacionalizada no cotidiano. Esses conceitos enfatizam aspectos como o dever, o compromisso e a colaboração com os serviços de saúde, refletindo, por um lado, o autoritarismo e 53 negação de direitos, mas também a atuação tradicional dos serviços de saúde que promoveram a participação como ajuda aos próprios programas. Por outro lado, outros conceitos correlatos de participação encontrados, como a mobilização da população, a reivindicação dos direitos e fiscalização da atuação dos serviços de saúde estão mais próximos do enfoque da política de saúde atual, que promovem a participação social no controle do sistema de saúde e que, também tem um potencial para ampliá-los. No País ainda persistem os conceitos tradicionais de participação, como adaptação aos serviços de saúde que muitas vezes inviabiliza ou limita a utilização dos serviços de saúde pela população, pelas dificuldades de acesso aos mesmos, bem como sobre a necessidade de melhorar a oferta de serviços. Se a meta da sociedade brasileira é a participação na tomada de decisão relacionada à gestão do sistema de saúde, esforços devem ser implementados para a divulgação à população sobre os seus direitos e sobre o funcionamento do sistema público de saúde. A mobilização e campanhas para chamar a população à participação social devem ser implementadas pela equipe de saúde dos serviços, pelo fato de sua influência sobre a população e também, como passo inicial, para a garantia do acesso à saúde. Dessa maneira, deve-se pensar os processos participativos no âmbito da prática social, como elemento de mediação na disputa entre projetos de sociedade e de homem, tal qual evidenciados pelos estudos teóricos e empíricos, e se colocar como desafio de acionar estratégias técnicas e políticas, teóricas e práticas que tenham como norte a compreensão, e, sobretudo, a transformação social. O fortalecimento dos espaços deliberativos tem sido fundamental para a consolidação de uma gestão democrática, integrada e compartilhada. A ampliação desses espaços de participação cidadã promove um avanço qualitativo na capacidade de representação dos interesses e na qualidade e equidade da resposta pública às demandas sociais. 54 Os espaços de formulação de políticas, onde a sociedade civil participa, são marcados pelas contradições e tensões, representando um avanço na medida em que dão visibilidade ao conflito e oferecem procedimentos de discussão, negociação e voto de forma legítima. Seu maior desafio é garantir para que esses espaços sejam efetivamente públicos, tanto no seu formato quanto nos resultados, pela presença crescente de uma pluralidade de atores com potencial de participação, para uma atuação efetiva e sem tutela nos processos decisórios de interesse público. Assim, não basta assegurar legalmente à população o direito de participar da gestão dos serviços públicos, estabelecendo-se conselhos, audiências públicas, fóruns, procedimentos e práticas, mas também, garantir que mudanças ocorram no sistema de prestação de contas à sociedade pelos gestores públicos e privados, mudanças culturais e de comportamento, para se assegurar uma cidadania efetiva, uma maior participação e avanços em políticas que promovam e ampliem ações pautadas na construção de políticas sociais, que favoreçam melhorias, tanto na qualidade como no acesso à saúde, de forma equitativa, e que ações efetivas da população organizada e informada conheça e reivindique seus direitos e também exercer sua cidadania na busca de resposta do Estado e na perspectiva da democracia e justiça social (JACOBI; BARBI, 2007, p. 2). Esses significados vêm se contrapor ao conteúdo propriamente político da participação, tal como concebida no interior do projeto participativo, marcada pelo objetivo da “partilha efetiva do poder” entre Estado e sociedade civil (DAGNINO, 2002), por meio do exercício da deliberação no interior dos novos espaços públicos. Assim, a participação, em suas diversas formas ou graus de envolvimento é um estímulo à ampliação da cidadania, por contribuir para o fortalecimento dos sujeitos. 55 3. ASSOCIATIVISMO CIVIL O associativismo não é um fenômeno novo que permeia a sociedade moderna. Ele foi tecido e projetado, desde os tempos antigos com as grandes ordens religiosas formadas para catequizar, aumentar o número de seguidores e ao mesmo tempo assegurar certa cumplicidade aos seus desígnios. Desse modo, tinham domínio da sua realidade, condições de satisfazer as exigências e necessidades individuais. AVRITZER (1997) caracteriza o novo associativismo em alguns componentes básicos como: um aumento expressivo no número e no ritmo de constituição de associações civis em diversos países da América Latina, com pouca tradição anterior de associativismo, levando à alteração de uma tradição política caracterizada pela falta de densidade no espaço público; uma ruptura com um padrão homogeneizante de ação coletiva. O que se percebe a partir de meados dos anos 70, nas sociedades latino-americanas, é um movimento na direção da pluralização da ação social. Destaca a ação de novos atores, como a classe média, de novos temas, como os direitos humanos, a ecologia e a questão do gênero e da raça, passam a constituir elementos centrais nas formas de ação coletiva e no motivo para a constituição de novas associações civis. Ocorre também uma importante mudança na auto concepção pelos atores das suas próprias ações. Esses novos atores já não buscam a sua incorporação ao Estado, nem a sua inserção no setor popular. Ao mesmo tempo, percebe-se uma capacidade de atuar conjuntamente em questões específicas relacionadas com o aprofundamento da democracia [...], uma ação integrada dos grupos da sociedade civil na direção da maior visibilidade do sistema político (AVRITZER, 1997,152). Ainda segundo esse autor, o novo associativismo civil pode contribuir com a “superação dos elementos de continuidade que caracterizam a relação entre Estado e sociedade política na América Latina” (AVRITZER, 1997, p.153). No Brasil, particularmente na década de 1980, vivenciou-se um momento favorável à prática associativista. Nesse período de redemocratização do País, o associativismo foi estimulado pela legislação, que consagrou a liberdade de associação no artigo 174, § 2 da Constituição Federal Brasileira que define: a lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo”. Determinou-se no artigo 5º, inciso XVIII, que “a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento (BRASIL, 1988) 56 SCHERER-WARREN (2004), em sua obra Associativismo Civil em Florianópolis: da ditadura à redemocratização, aponta o período de 1984-1993, como o de instiucionalidade da democracia, em que há o surgimento de um novo tipo de associativismo vinculado à ampliação dos direitos da cidadania, à participação na esfera pública e à parceria com a esfera governamental (SHERER-WARREN 2004, p. 21). A autora define [...] as associações civis são formas organizadas de ações coletivas, empiricamente localizáveis e delimitadas, criadas pelos sujeitos em torno de identificações e propostas comuns, como para a melhoria da qualidade de vida, defesa de direitos de cidadania, reconstrução ou reivindicação em torno de interesses comunitários de variados tipos sociais. (SHERER-WARREN, 2004, p.14). A literatura aponta em um certo consenso, o valor das associações para o aprofundamento da democracia, na compreensão do direito individual, tendo em vista a satisfação de interesses. Dessa forma, a prática associativa tem relevância na construção e instituição de uma sociedade democrática, pela sua capacidade de defender demandas de grupos mais vulneráveis e excluídos e pelo seu caráter político de confiabilidade, cooperativismo e espírito público. O associativismo, além disso, enriquece as bases da participação e da representação política nas democracias modernas ao promover e ocupar os espaços de cogestão de políticas públicas. As mudanças sociais, novas solicitações do mundo moderno, trazidas principalmente pela revolução tecnoindustrial vão ao longo do tempo influenciar e desconfigurar as estruturas dessas instituições e vão dar lugar ao associativismo. No Brasil, as associações têm exercido papéis de representação política em diferentes espaços institucionais, de definição e de controle de políticas públicas. Diferentemente de outros espaços e políticas participativas, na maioria delas a participação institucional ocorre sob prerrogativas legais que determinam com algum reconhecimento nas respectivas áreas de intervenção governamental. 57 A forma de se aderir ou formar uma associação vai depender das necessidades e interesses de cada indivíduo. Desse modo, o nascimento de uma associação está ligado a uma intenção de superar obstáculos, fortalecer relações e promover a melhoria individual e coletiva. Os sujeitos que dela participam, comungam dos mesmos objetivos na busca e geração de benefícios e ou fornecer serviços. WEBER (2002) aponta que: [...] o termo associação é uma relação social regulada, fechada e restrita para admissão de estranhos. Sua ação consiste na conduta do quadro administrativo cuja autoridade governante ou com posse de plenos poderes direciona-se para o exercício de sua autoridade e no agir dos associados. Se a relação social tem o caráter comunitário não se faz diferença na sua conceituação. A posição de autoridade reconhecida, como o chefe de família, o conselho de diretores, o príncipe, o presidente ou chefe de igreja, autoriza à execução das leis e regulamentos que gerenciam a associação (WEBER, 2002 p. 73). A articulação entre práticas associativas, participação sociopolítica e democracia é defendida também por Alexis de Tocqueville no livro A democracia na América, no qual o autor explica os avanços da sociedade norte-americana, em termos de igualdade e liberdade, na existência de uma base associativa sólida entre a população. Nessa vida associativa se formou o contraponto às tendências de individualização excessiva e, como a outra face dessa individualização, de ameaça de despotismo por parte de um Estado que concentra poder e não encontra mais os limites impostos pelos poderes particulares das sociedades aristocráticas. Desse modo, por meio da vida associativa, indivíduos comuns aprenderiam a desenvolver práticas coletivas e a importância dessas para si e para a vida em sociedade. Como salienta TOCQUEVILLE, [...] os homens, nas associações, aprendem a submeter sua vontade à de todos os outros e a subordinar seus esforços particulares à ação comum, coisas que não é menos necessário saber nas associações civis do que nas associações políticas. (...) Portanto, as associações políticas podem ser consideradas como grandes escolas gratuitas, em que todos os cidadãos vão aprender a teoria geral das associações. (...) Quando os deixam [os indivíduos] associar-se livremente em todas as coisas, acabam vendo, na associação, o meio universal e, por assim dizer, único, que os homens podem utilizar para atingir os diversos fins que se propõem. Cada nova necessidade desperta imediatamente a idéia de se associar (TOCQUEVILLE, 2000, p. 143). 58 Aqui, novamente, encontra-se a noção de que a participação social e política constitui uma verdadeira “escola” de associativismo, ensinando as habilidades necessárias ao agir coletivo e, ao mesmo tempo, forjando uma predisposição a tal agir, em contraposição às tendências individualizantes da sociedade moderna. No Brasil observa-se nos últimos 30 anos o surgimento de práticas participativas populares, marcadas inicialmente por reivindicações políticas e sociais e manifestações contrárias ao regime militar instaurado. O processo de abertura democrática, na segunda metade da década de 1980 dá uma nova dinâmica a esses grupos e organizações, que aprendem e apresentam diferentes projetos comunitários reivindicatórios da demanda populacional. YAZBEK (2002) lembra que muitas delas surgiram e se consolidaram no País, já na década de 1970, em tempos de ditadura e repressão, ligadas à educação popular, à promoção social e a outros trabalhos sociais dessa época. Outros autores conferem às associações um movimento próprio que [...] Acompanham um padrão característico da sociedade brasileira, onde o período autoritário convive com a modernização e diversificação social do país e com a gestação de uma nova sociedade organizada, baseada em práticas e ideários de autonomia em relação ao Estado, num contexto em que sociedade civil tende a se confundir, por si só, com oposição política. (LANDIM, 1998, p. 30) O movimento que tomou corpo nesse período se apresenta mais amadurecido e consistente com resistência à força política presente. Assim, nesse cenário emergem as associações civis com ações não só de protestos, mas renovadoras e representativas de participação coletiva, assumindo um papel importante na mobilização e organização interna dos seus membros, de suas atividades e na externa ao apresentar questões, definir e propor meios para o seu equacionamento e vislumbrar uma transformação social. O associativismo entre os doentes de Chagas se estabeleceu como agente articulador da união dos sujeitos acometidos pela doença, com ações destinadas ao desenvolvimento do conhecimento e visibilidade da doença, como um problema de saúde pública formando uma comunidade com um mesmo ideal. 59 Esse associativismo se caracterizou ainda pela busca de melhoria das condições de vida e bem-estar social do doente de Chagas, na medida em que são propositivos diante das condições difíceis de acesso aos serviços de saúde. As atividades iniciais das associações foram direcionadas à atuação do Estado no que se refere às políticas sociais públicas. Segundo NEDER (1997), as associações apresentam, como essência central, uma ação política na qual difundem a construção de identidades democráticas no marco de instituições representativas com a constituição de formas coletivas de solidariedade e de ajuda mútua, que colocam no dia a dia normas e valores do comportamento democrático. Demo (2001), ao analisar dados do Suplemento da Pesquisa Mensal de Emprego de 1996, do IBGE, sobre associativismo, relativos a seis Regiões Metropolitanas (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador) assinala que: [...] o associativismo representa o direito dos direitos, porque é ele que funda a proposta da organização em torno do bem comum, como é a Constituição para qualquer país: nela surge a nação, organizada em torno de uma carta de intenções que define direitos e deveres de todos. Enquanto as pessoas não se associam de alguma forma, temos uma população dispersa. (DEMO 2001, p.23) As associações e/ou movimentos sociais, no âmbito da sociedade civil, tentam criar ou ampliar espaços de participação e definição de políticas sociais. O fundamento desse tipo particular de grupo é normativo, o que significa tratar-se de uma entidade organizada de indivíduos coligados entre si por um conjunto de regras reconhecidas e repartidas, que definem os fins, os meios, os poderes, os procedimentos dos participantes, com base em determinados modelos de comportamento oficialmente aprovados. Barcelo (1986) afirma que o fato de associar-se é voluntário: um conjunto de cidadãos se agrupam livremente pra conseguir seus objetivos, que são explícitos, comuns e definidos previamente, a serviço dos quais se colocam e que individualmente não seriam atingidos. O nascimento de uma associação é produzida, 60 portanto, em função de seus objetivos, que podem ser econômicos, sociais, políticos, culturais, recreativos, gerais e outros. O autor ressalta que a maioria das associações está configurada por objetivos setoriais, ou seja, esporte, cultura e outros, mas para que a questão da territorialidade seja vista de forma global como um sistema capaz de impulsionar transformações que transcendem inclusive o território, é importante que haja a participação de diferentes entidades setoriais, o que favoreceria a inter-relação de projetos comuns de diferentes associações. Um associativismo democrático deve ter uma estrutura organizativa com alto grau de representatividade, assessoramento na formação e dinamização das atividades, bem como propiciar a comunicação e geração de opinião entre os cidadãos para sua credibilidade. A partir desses elementos, entende-se que o associativismo é uma forma ideal de capacitação da ação coletiva e definição de certos interesses dos cidadãos, que cria espaços de solidariedade e de intercâmbio de ideias e experiências, portanto de relações, dependendo da força dos associados. A reunião de várias associações em torno de um problema comum tornase menos determinante do que o grau de influência de uma associação, mais ainda do que a quantidade de associações reunidas diante daqueles com quem será negociado determinado tema. Assim, [...] qualquer que seja sua forma e consistência, a principal função da coalizão não é simplesmente a de mostrar força numérica (muitos grupos); mas tão importante (ou mesmo mais) é o prestígio e a diversidade dos membros, prova de que a agenda política pela qual ela luta é encampada por uma ampla e diversificada fatia da opinião pública, talvez mais ampla do que os interesses representados diretamente pela coalizão. (GRAZIANO, 1994, p. 328) Farias (1987), em um estudo sobre associativismo e participação assinala que prática associativista permite o desenvolvimento de atividades que correspondem às necessidades e/ou interesses de uma determinada camada da população envolvida nessa prática. Às atividades alia-se também o treinamento para a vivência dessa mesma prática. Com base nessas duas ocorrências, o 61 associativismo poderá vir a ser encarado como um possível campo de aprendizado da participação popular. Nesse sentido, um dos fatores que determina a participação é o motivo que leva à criação das associações, ou seja, quando as associações nascem como resposta à iniciativa dos próprios associados podem ter sua ação voltada para atividades de caráter mais amplo. A autora enfoca o associativismo como um campo de participação que ganha significância, pois a população passa a expressar suas reivindicações. Alerta, porém, que quando a participação significa acesso às decisões, os espaços nem sempre estão garantidos para a maioria dos sócios. As colocações de FARIAS, 1987 encontram apoio nos princípios da teoria associativista que asseguram aos associados o direito de discutir seus problemas, de gerir os seus assuntos e de controlar seus mecanismos de funcionamento das associações. [...] Observa-se que no Brasil, há um conjunto valioso de práticas participativas populares, que se manifestam através da dinâmica interna de seus grupos e organizações, no aprendizado com diferentes projetos comunitários alternativos e com ações renovadoras. Entretanto, sua importância reside no que elas representam como aprendizagem de participação, e na forma como esta aprendizagem se realiza. A participação, porém não deve ocorrer somente na execução ou avaliação de serviços ou no acesso aos mesmos, mas também na definição e formulação de políticas de organizações, na definição de seus objetivos, na elaboração de planos, programas e projetos e na destinação de recursos. (GRACIANO, 2003, p. 89). Assim, abordar o tema da participação popular via atividade associativa é colocar a questão nos marcos de uma perspectiva democrática. Para tanto, deve no sentido universal, representar os interesses de todos os associados, ser transparente nas decisões, no oferecimento das informações, na alocação de recursos, criar possibilidades de controle social. Esse caráter democrático também deve incluir abertura de meios e instrumentos para que haja acesso às informações, participação nas decisões, respeito às diferentes ideologias, estímulo à construção de laços fortes entre dirigentes e associados, divisão de responsabilidades, estabelecimento de regras para o comprometimento individual, orientação da gestão pela relevância social e pelos critérios da equidade. 62 O caráter de eficiência deve ser assegurado, por meio de avaliações periódicas, que estimulem um relacionamento franco e aberto entre os dirigentes, os associados e os técnicos (devidamente selecionados), bem como o desenvolvimento do processo participativo em relação à causa defendida. GOHN (2008), ao analisar o associativismo civil em São Paulo, assinala que: [...] o município passou a refletir no início deste milênio, em escala ampliada, um novo cenário de associativismo militante originário dos movimentos populares de 1970 e 1980, quando ocorre uma retomada de ações, mobilizações, e movimentos dos anos 1980 mas com uma nova configuração em que as redes e os fóruns desempenham um papel fundamental, as articulações ocorrem não apenas no plano local, mas nacional e internacional. (GOHN, 2008 p. 137-138) Desse modo, pode-se se afirmar que o associativismo configura-se na contemporaneidade com uma nova roupagem. No final da década de 1980, várias lutas sociais emergem no País, dentre as quais se destaca o movimento sanitarista, que direciona suas energias para a construção e defesa de políticas públicas universais e garantidoras de direitos por meio da criação de sistemas descentralizados e participativos nas políticas públicas. Isso resultou na criação de milhares de conselhos de políticas públicas nos três níveis federativos, além da regulamentação e estruturação das políticas públicas, por meio de diversos instrumentos institucionais e jurídicos com base nos princípios democráticos previstos na Constituição de 1988 (BRASIL, 1988). No artigo 5º, inciso XVII, da Constituição de 1988, lê-se: “(...) é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar”. (BRASIL, 1988). O inciso XX estipula que [...] o direito de associação é de livre escolha individual e independe da interferência estatal. Já o inciso XIX determina que, além disso, só uma decisão judicial poderá dissolver uma associação ou suspender suas atividades, podendo os associados representarem-se judicial ou extrajudicialmente pelas respectivas associações (BRASIL, 1988, p. 7). 63 Gohn, ao descrever o associativismo, a participação da sociedade civil na gestão compartilhada de políticas públicas como os conselhos gestores na área da saúde: [...] supõe que só se compreende a questão do associativismo civil se a inserirmos no quadro de desenvolvimento histórico de algumas formas de participação da sociedade civil em passado recente. 2o É necessário examinarmos as formas mais recentes de participação a exemplo das organizações do Terceiro Setor, os inúmeros conselhos e fóruns de participação nos marcos institucionais que estabeleceram novas relações entre o governo e a sociedade civil e criaram canais de gestão compartilhada (GOHN, 2003, p. 42). A autora revela ainda que, [...] O associativismo predominante nos anos 90 não deriva de processos de mobilização de massa, mas de processos de mobilizações pontuais. [...] a mobilização se faz a partir do atendimento a um apelo feito por alguma entidade plural, fundamentada em objetivos humanitários. (GOHN, 2000 p. 26). 4. REDE SOCIAL O conceito de rede vem sendo amplamente estudado e utilizado dentro do campo científico em geral. Desde a década de 1940, foi incorporado pelas Ciências Sociais e, atualmente, constitui-se “[...] num paradigma de análise bastante usado, porém com significados diversos” (SCHERER-WARREN, 1999, p. 21). O conceito original de rede vem do latim, retis e significa entrelaçamento de fios com aberturas regulares, que formam uma espécie de tecido. Nesse sentido, OLIVERI (2002) assinala que a rede é tecida por atores sociais que representam seus interesses, objetivos e temáticas comuns (2002, p. 3). Para SCHERER-WARREN ainda, a noção de rede é polissêmica e vem sendo construída como um conceito analítico e propositivo, pelos movimentos sociais, assim aponta que, [...] a ideia de rede como conceito propositivo utilizado por atores coletivos e movimentos sociais refere-se a uma estratégia de ação coletiva, isto é, a uma nova forma de organização e de ação (como rede). Subjacente a essa ideia encontra-se, pois, uma nova visão do processo de mudança social – que considera fundamental a 64 participação cidadã – e da forma de organização dos atores sociais para conduzir esse processo [...] contém significados ideológicos e simbólicos e comporta resultados sociais políticos (SCHERERWARREN 1999, p. 23;24). Scherer-Warren observa ainda que o apoderamento das redes pelos movimentos sociais tornou-se uma estratégia empregada pela sociedade civil para a disseminação da informação e do conhecimento por meio das relações entre os seus sujeitos, de modo a propiciar suas próprias articulações políticas na contemporaneidade, como sujeitos de resistência, proponentes de políticas públicas (1999, p. 207). Nessa perspectiva, as redes assumem duas dimensões distintas, organizacional e estratégica, tendo vários poderes instituídos, considerando as possibilidades de estabelecimento de relações horizontais, descentralizadas e democráticas. SCHERER-WARREN (1999) aborda também as redes como estratégias fundamentais para a sociedade contemporânea, na era globalizada e tecnológica, percebidas como um dos meios potenciais de reunir forças coletivas diante do capitalismo globalizado, uma vez que tem potencializado significativamente as lutas dos trabalhadores em todo o mundo. FALEIROS (2001) apresenta as redes sociais, como um meio fortalecedor dos sujeitos na atual realidade social. Na construção do paradigma da correlação de forças, define este como: [...] a concepção da intervenção profissional como confrontação de interesses, recursos, energias, conhecimentos, inscrita no processo de hegemonia/contra-hegemonia, de dominação/resistência e conflito/consenso que os grupos sociais desenvolvem a partir de projetos societários básicos (FALEIROS, 2001, p. 44). SCHERER-WARREN (1999) faz uma análise do local, enquanto espaço territorial definidor de identidade e de formas de sociabilidade, e apresenta uma divisão das redes sociais em dois tipos de redes permeáveis entre si. O primeiro tipo são as soberanias, que têm uma definição muito próxima ao conceito de rede primária de FALEIROS (2001), ou seja, que se constituem, a 65 partir de uma base social informal, dos círculos sociais dos indivíduos, “[...] sua ênfase recai no entendimento das relações no cotidiano mais imediato dos indivíduos, de seus vínculos culturais e simbólicos” (SCHERER-WARREN, 1999, p. 35). O segundo tipo de rede social apresentado pela autora são as associativistas, que formam o tecido social local associativo por meio das relações estabelecidas entre os diversos coletivos sociais. Nelas, “[...] buscam-se as interações políticas entre grupos, tendo em vista a formulação de movimentos, organizações reivindicatórias, etc. (a politização)” (SCHERER-WARREN, 1999, p. 35-36). Esse entendimento permite que se compreenda a rede social local como uma expressão dialética entre o particular e o geral, e SCHERER-WARREN (1999) complementa esse argumento, ao se referir a esse movimento constitutivo do real na dinâmica das redes de movimentos sociais, expressando-se assim: [...] A análise em termos de redes de movimentos implica buscar as formas de articulação entre o local e global, entre o particular e o universal, entre o uno e o diverso, nas interconexões das identidades dos atores sociais com o pluralismo. Enfim, trata-se de buscar os significados dos movimentos sociais num mundo que se apresenta cada vez mais interdependente, intercomunicativo, no qual surge um número cada vez maior de movimentos de caráter transnacional, como os dos direitos humanos, pela paz, ecologistas, feministas, étnicos e outros. (SCHERER WARREN, 1993, p. 9-10). A construção dos estudos sobre rede social vem, ao longo da história, combinando várias contribuições das disciplinas para a compreensão e a operacionalização das redes sociais, principalmente nas Ciências Sociais Aplicadas, que visam, além de explicar a realidade, transformá-la. Na rede social, cada sujeito tem sua função e identidade cultural. A relação entre os indivíduos forma um todo coerente que representa a rede, assim se organizam por temáticas com configurações diferenciadas e mutantes. Castells estabelece uma relação direta das redes com a sociedade e as descreve [...] como um conjunto de nós interconectados. Nó é o ponto no qual uma curva se entrecorta. Concretamente, o que um nó é depende do tipo de redes concretas de que falamos, [...] podem ser formal ou informal e os nós podem também ser representados por indivíduos ou grupos de indivíduos (CASTELLS,1999, p. 498). 66 Castells (1997), apud Scherer-Warren (1998), relata ainda que as redes de novos movimentos sociais fazem mais do que organizar atividades e socializar informações, são de fato “produtoras e distribuidoras de códigos culturais” (p. 27). Para Scherer-Warren, as redes retratam a sociedade civil pela lógica da integração de diversidades. Assim, a sociedade civil passa a ser representada por vários níveis de interesses e valores da cidadania organizados em cada sociedade, para encaminhar suas ações a favor de políticas sociais e públicas, protestos sociais e manifestações simbólicas. (2006, p. 110). A rede social é uma estrutura constituída por pessoas ou organizações, conectadas por um ou vários tipos de relações, que partilham valores e objetivos comuns. As redes como estratégia de comunicação e de empoderamento da sociedade civil são as formas mais expressivas das articulações políticas contemporâneas, segundo SCHERER-WARREN (2007, p. 42). Contudo, destaca-se a importância da organização da rede social de cada órgão que a compõe, que considere sua determinação e motivação ética e política. Os desafios são grandes e encontram-se relacionados às necessidades de mudanças e transformações culturais, organizacionais, políticas, as quais representam as dinâmicas que integram a sociedade como um todo. Pode-se afirmar que os conceitos de movimentos sociais e redes constituem-se numa importante chave analítica para a compreensão das novas configurações dos movimentos sociais no século XXI, desvelando novas articulações, formas organizativas e de comunicação que ultrapassam fronteiras físicas, culturais, de tempo e espaço. Scherer-Warren ressalta que a [...] análise em termos de redes de movimentos implica buscar as formas de articulação entre o local e o global, entre o particular e o universal, entre o uno e o diverso, nas interconexões das identidades dos atores com o pluralismo. Enfim trata-se de buscar os significados dos movimentos sociais num mundo que se apresenta cada vez mais como interdependente, intercomunicativo, no qual surge um número cada vez maior de movimentos de caráter transnacional, como os de direitos humanos, pela paz, ecologistas, feministas, étnicos e outros. (SCHERER-WARREN, 1996, p.10) 67 Destaca ainda que o estudo como caminho investigativo para as análises de redes em ações coletivas tem apontado a ideia de que essas ações surgem das próprias redes – que interagem e influenciam-se mutuamente (Scherer-Warren, 1996). Assim, essas redes são reconhecidas como agentes facilitadores da compreensão dos processos de mobilização, de formação das redes, como também dos caminhos percorridos pela informação no processo associativo. Dessa forma, as várias dimensões de análise são articuladas de forma complementar, passando por diferentes espaços, interação entre diversos territórios e articulação entre as redes. CASTELLS (1999) identifica a lógica de redes como uma das características de qualquer sistema nas novas tecnologias da informação devido à complexidade das interações. [...] aponta como características desse novo paradigma: tecnologias para agir sobre a informação; penetrabilidade de seus efeitos; lógica de redes; flexibilidade; convergência de tecnologias específicas para um sistema altamente integrado (p.77-78). Para esse autor, a viabilização do trabalho em rede é enriquecida pelo sistema de novas tecnologias que permeia a sociedade contemporânea. As relações que se estabelecem entre os diversos movimentos sociais e organizações da sociedade civil, bem como as relações desses agrupamentos com o Estado e com os partidos políticos ganham novos contornos e significados, que devem ser desvelados e compreendidos em profundidade pelos estudiosos desses sujeitos sociopolíticos (SILVA, 2012). VALLA&STOTZ (1994), ao trabalharem o tema participação popular em busca da cidadania: [...] quais as respostas do movimento popular ao estado de emergência permanente, apontam ainda que a rede de relações estabelecidas entre as associações de moradores e o Estado, em seus diversos níveis de governo, indica uma progressiva extensão dos direitos sociais de cidadania (1994, p. 104). 68 CAPÍTULO III A DOENÇA DE CHAGAS NO CENÁRIO BRASILEIRO E INTERNACIONAL 1. Alguns Elementos Históricos da Doença de Chagas No Brasil, a virada do século XIX para o século XX foi marcada pela abolição da escravatura em 1888, pela proclamação da República em 1889, pela imigração, pelo avanço do capitalismo industrial e reformas urbanas. Numerosos inventos foram se incorporando à vida dos brasileiros. A Capital Federal, Rio de Janeiro e a cidade de São Paulo perdem suas feições provincianas e começam a se tornar metrópoles civilizadas. As transformações foram sentidas a partir dos avanços da medicina e do pensamento médico, principalmente entre os estudiosos das doenças tropicais. A institucionalização das pesquisas e organização dos serviços sanitários também tomaram vulto nesse período. As novas ideias geradas pelo cientificismo e experiências evolucionistas começam a marcar o ensino e a prática médica. No fim do século XIX, são criados os institutos de pesquisa em medicina experimental e acontecem as primeiras reformas sanitárias comandadas por Oswaldo Cruz (EDLER,1998). A teoria que predominava até então, na área da medicina e em vários segmentos da sociedade, era a teoria miasmática, segundo a qual as doenças se originavam da falta de higiene pública e eram transmitidas pela exalação do ar fétido dos dejetos acumulados nas ruas. A sujeira urbana começou a ser vista como algo prejudicial à saúde da população, sendo introduzidas novas regras sociais de higienização dos centros urbanos, para prevenir as epidemias. 69 Naquela época, os pensadores dividiam-se entre os “contagionistas”, para quem as doenças se davam pelo contágio com outra pessoa doente ou com os objetos por ela utilizados e os “infeccionistas”, para os quais a infecção se propagava por substâncias animais e vegetais podres que exalavam os “miasmas mórbidos” (CHAGAS FILHO,1968). O alvorecer do século XX traz uma série de outros avanços nos estudos sobre as doenças tropicais em terras brasileiras. É fundada em 25 de maio de 1900 a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), inicialmente denominada Instituto Soroterápico Federal, com a missão de combater os problemas da saúde pública do Brasil. Os cientistas brasileiros não ficaram distantes das ideias que circulavam na Europa. Adolpho Lutz, Oswaldo Cruz e Emílio Ribas estavam entre aqueles que rapidamente aderiram à onda da baciloscopia e da experimentação como forma de comprovar a origem de algumas doenças epidêmicas (CHAGAS FILHO, 1968). Os estudos se concentravam na microbiologia e a formação dos sanitaristas centrava-se em práticas em laboratório, os demais ramos da medicina eram subordinados a este conhecimento. Nesse período prevalecia na atuação dos cientistas brasileiros: • A incorporação dos princípios da escola pasteuriana e da introdução da medicina tropical mansoniana no ensino médico; • A inserção em uma “rede de relações” com os mais importantes pesquisadores, principalmente alemães, franceses e ingleses; • A partir do reconhecimento político e público, a capacidade de influir com os governos estaduais e central para a implantação de uma nova forma de pensar a formulação e execução de políticas públicas para a recuperação e preservação da saúde como parte de um modelo de desenvolvimento; • O entendimento da saúde como um bem coletivo com reflexos em todos os segmentos da sociedade; • O desenvolvimento das pesquisas dentro dos Institutos Públicos de Pesquisa com financiamento oficial; 70 • A necessidade de contribuição inovadora no emergente campo da medicina tropical e nos estudos das doenças transmitidas por insetos. Na maioria das vezes, os resultados alcançados trataram não apenas da descrição de novas doenças, mas desnudaram a verdadeira realidade. Em 1905, Carlos Chagas é indicado por Oswaldo Cruz para controlar um surto de malária que se alastrava entre trabalhadores da usina hidroelétrica, que a Companhia Docas de Santos construía na Serra de Santos. Carlos Chagas foi o primeiro cientista que apontou os mosquitos domésticos como vetores da malária e que a transmissão seria de caráter domiciliar, introduzindo, assim, nesse episódio a profilaxia da doença com base na luta contra os anofelinos adultos no interior das moradias. Em 14 de abril de 1909, Carlos Chagas, trabalhando em Lassance, Minas Gerais, realizou aquele que mesmo hoje, cem anos após a sua descoberta, é reconhecido como um dos mais importantes feitos da ciência brasileira, a descoberta da tripanossomíase americana, conhecida como a doença de Chagas. Caso único na história da medicina em que o mesmo pesquisador descreveu o inseto vetor; um novo protozoário agente etiológico e o ciclo da doença. Como reconhecimento de seu trabalho, Chagas recebeu quatro indicações ao prêmio Nobel de Medicina (DIAS,1979). A doença de Chagas foi descrita, em 1909, por Carlos Chagas, como uma doença infecciosa, transmissível, causada pelo parasito Trypanossoma cruzi e transmitida ao homem pelas fezes do Triatoma infestans, inseto conhecido popularmente como barbeiro, bicudo, chupança, chupão, fincões, procotó e ou "bicho de parede”, que se alimenta do sangue de mamíferos. A transmissão acontece quando a pessoa picada pelo inseto, coça o local picado onde ficaram as fezes eliminadas pelo inseto e se encontra o parasito, que entra em contato com a pele lesada ou com a mucosa indo para corrente sanguínea. Ao atingir a corrente sanguínea, a doença pode afetar o coração, o esôfago e o intestino. 71 O protozoário Trypanosoma cruzi, assim denominado em homenagem a Oswaldo Cruz é o principal hospedeiro da doença de Chagas, sendo encontrado nas fezes do triatomíneo. Carlos Chagas, em 1911, chamava atenção dos governos dos países afetados, para que se encarregassem da luta sem tréguas aos triatomíneos, ligando essa luta ao desenvolvimento das nações, à ocupação do solo e ao aprimoramento da raça. O perfil epidemiológico da pessoa com doença de Chagas no Brasil é o de um indivíduo adulto, de origem rural, de baixo nível instrucional e que vive em centros urbanos no chamado extrato terciário de trabalho. Um dos Estados brasileiros com maior número de sujeitos acometido pela doença de Chagas é Minas Gerais, destacando-se o município de Bambuí, onde as ações de controle da transmissão vetorial da enfermidade tiveram início na década de 1940. [...] A doença de Chagas era considerada uma doença rural até meados da década de 1970. O homem foi o causador da mudança do habitat natural do barbeiro, inseto transmissor, ao devastar as matas e flora, desviando rios e alterando todo o meio ambiente. Deste modo, o inseto saiu das matas e adentrou nas casas feitas de adoubo ou barro, material ideal para se esconder e se proliferar, aumentando o número de pessoas na zona rural (DIAS, 2007, p.17). A partir da década de 1970, a atuação da Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN), órgão da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, na cobertura da área endêmica chagásica com inseticida de ação residual, associada às modificações socioeconômicas da zona rural, levou à eliminação do Triatoma infestans e da transmissão vetorial da doença no Estado. Em 22 de maio de 1970, o Decreto nº 66.263 criou a Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM), órgão que resultou da fusão do Departamento Nacional de Endemias Rurais (DENERu), da Campanha de Erradicação da Malária (CEM) e da Campanha de Erradicação da Varíola (CEV). A atuação da SUCAM caracterizou-se por equipes preparadas para as condições de trabalho em campo, de grande mobilidade e eficácia, realizando a 72 busca ativa de pessoas e insetos transmissores de doenças, que eram cuidadosamente documentados. A partir de 1975, a SUCAM, posteriormente Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), sistematizou o Programa de Controle da doença de Chagas (PCDCh), em todo território nacional. O PCDCh foi inicialmente dividido em três etapas: reconhecimento geográfico; planejamento e fase de ataque ao vetor domiciliado e vigilância epidemiológica, para evitar o retorno do vetor. Desde 1991 funciona a Comissão Intergovernamental para Doença de Chagas, constituída pelos ministérios da Saúde dos países do Cone Sul (Brasil, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai) e secretariada pela Organização Pan-americana de Saúde - OPAS. Em junho de 2006, o Brasil recebeu uma certificação relativa à eliminação da transmissão da doença de Chagas pelo principal vetor (Triatoma infestans) e pela via transfusional, concedida pela OMS/OPAS (DIAS, 2006; RISI JUNIOR; NOGUEIRA, 2002). Em julho de 2007, a Organização Mundial de Saúde – OMS aprova, na primeira reunião mundial sobre doença de Chagas, a Rede Global para Eliminação da doença de Chagas (Global Network for Chagas Elimination – GNChE), que inicia suas atividades em 2008. A Rede é composta por uma equipe de especialistas de todo o mundo, aponta a mudança de paradigma sobre o entendimento da doença como primeiro passo para seu enfrentamento global e alerta sobre riscos como a emergência da doença também em países desenvolvidos. 73 2. Aspectos Clínicos, Epidemiológicos e Sociais da Doença de Chagas Aspectos Clínicos da Doença de Chagas A doença de Chagas pode afetar o organismo humano principalmente nos órgãos do aparelho digestivo: esôfago e megaesôfago e no músculo cardíaco ou ainda se apresentar de forma indeterminada. Ao afetar esses órgãos, a doença pode se desenvolver clinicamente de forma aguda e crônica. A forma aguda corresponde ao período inicial da infecção pelo Trypanosoma cruzi no homem e em vários mamíferos, podendo apresentar-se aparente ou inaparente. Define-se basicamente pela alta parasitemia detectada por exames parasitológicos diretos do sangue, com duração transitória no ser humano (entre três e oito semanas), A forma aguda pode ser letal em crianças e indivíduos com sistema imunológico comprometido ou evoluir para uma forma crônica de longa duração, que se caracteriza por baixíssima parasitemia e um elevado e consistente teor de anticorpos. A notificação de um caso suspeito de doença de Chagas é obrigatória pelo SINAN, a partir de dados clínicos e epidemiológicos sugestivos e com confirmação por meio dos procedimentos laboratoriais. A notificação deve ser feita o mais precocemente possível, para viabilizar pronta investigação epidemiológica, eventual descoberta de outros casos e para a detecção e o bloqueio do mecanismo de transmissão envolvido. A investigação deve ser realizada pelos sistemas de vigilância epidemiológica municipais ou regionais, os quais devem prover o acesso a laboratórios de referência para completar o esclarecimento do caso e as demais investigações pertinentes, como a pesquisa de vetores, a avaliação de serviços de transfusão de sangue, o estudo familiar dos casos suspeitos de doença congênita e a pesquisa de transmissão oral. 74 Apresentação no músculo cardíaco: é a mais importante forma de apresentação da doença de Chagas no organismo humano, trazendo limitações à pessoa afetada pela doença e a principal causa de morte. Pode se apresentar sem sintomas, mas com alterações do exame de eletrocardiograma, como uma síndrome de insuficiência cardíaca progressiva, insuficiência cardíaca fulminante ou com arritmias graves e morte súbita. A apresentação da doença de Chagas, nos órgãos do aparelho digestivo, caracteriza-se por alterações ao longo do aparelho digestivo, ocasionadas por lesões dos plexos nervosos, com consequentes alterações da motilidade e morfologia do trato digestivo, sendo o megaesôfago e o megacólon as manifestações mais comuns. São sinais e sintomas do megaesôfago: disfagia, dificuldade para deglutir os alimentos, sintoma mais frequente e dominante, regurgitação, dores no estômago (epigastralgia) ou dor retroesternal, odinofagia (dor à deglutição), soluço, ptialismo (excesso de salivação), emagrecimento (podendo chegar à caquexia), hipertrofia das parótidas. O megacólon se caracteriza por: constipação intestinal (instalação lenta e insidiosa), meteorismo, distensão abdominal, fecaloma. Os exames radiológicos são importantes no diagnóstico da forma digestiva. Apresentação latente ou indeterminada – o critério para o diagnóstico da forma indeterminada, adotado pela Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, em 1985, prevê indivíduos assintomáticos, com evidências de resultados de exames sorológicos e/ou parasitológicos de infecção pelo T. cruzi, com eletrocardiograma e estudo radiológico contrastado do esôfago e cólon dentro dos limites normais. De acordo com Portela-Lindoso e Shikanai-Yasuda (2003), é considerado portador da forma indeterminada da doença de Chagas o indivíduo soropositivo e/ou com exame parasitológico positivo para Trypanosoma cruzi, que não apresenta quadro sintomatológico próprio da doença e com resultados de eletrocardiograma de repouso, estudo radiológico de tórax, esôfago e cólon normais. Nesse caso, não são necessários outros exames complementares para a classificação do portador da forma indeterminada. 75 A grande maioria dos pacientes infectados pelo Trypanosoma cruzi não morre durante a fase aguda, que pode ser assintomática. Cerca de 10 anos ou mais após a fase aguda, parte dos indivíduos passa a ter sintomas cardíacos ou digestivos, constituindo a fase crônica sintomática. Entretanto, a maioria dos pacientes não desenvolve sinais ou sintomas atribuíveis à fase crônica da doença de Chagas, indivíduos com a forma indeterminada. Estudos com biópsias miocárdicas realizados na década de 1980 mostraram que, em 15% dos indivíduos com a forma indeterminada da doença, apresentam discreta inflamação no miocárdio, pequenos focos de agressão miocárdica, enquanto os pacientes sintomáticos mostram maior frequência e maior intensidade de miocardite em atividade. Forma Crônica Cardíaca – é a forma mais importante da doença de Chagas que compromete o músculo cardíaco, acarretando alterações do ritmo cardíaco, fenômenos tromboembólicos e insuficiência cardíaca congestiva. Frequentemente apresenta uma miocardite crônica intensa por células mononucleares, fibrosante, com grande hipertrofia de miocardiócitos, sendo infrequente o encontro de ninhos do T. cruzi. O Consenso Brasileiro em Doenças de Chagas, em 2005, considerou como cardiopatia chagásica crônica a presença de anormalidades no exame de eletrocardiograma, como sugestivas de comprometimento cardíaco, em indivíduo sintomático ou não. Em pacientes com sintomas ou sinais clínicos compatíveis com acometimento cardíaco, mas sem alterações eletrocardiográficas, sugere a necessidade de investigação adicional, por outros métodos complementares, para se excluir outras etiologias e se definir a existência ou não de cardiopatia chagásica, sua gravidade e seu significado prognóstico. As consequências apresentadas pela doença de Chagas, no coração, variam desde a arritmia: quando o coração pode ser pouco ou moderadamente aumentado de volume e a insuficiência cardíaca congestiva: apresenta o coração bastante aumentado de volume, dilatado e com intensa hipertrofia. Além das 76 arritmias, da insuficiência cardíaca congestiva, outras manifestações correspondem à aneurisma de ponta e fenômenos tromboembólicos das arritmias, outras manifestações podem aparecer como o aneurisma de ponta e fenômenos tromboembólicos completos de ramo esquerdo e extrassístoles ventriculares multifocais. Os casos mais severos de Cardiopatia Chagásica Crônica (CCC) ocorrem mais nas 3ª e 4ª décadas de vida, sendo importante causa de morte em áreas endêmicas. As complicações são: insuficiência cardíaca congestiva (com predominância do tipo direto), derrame pericárdico e arritmias (extrassístoles ventriculares, bloqueios completos de ramo direito associados ou não a um hemibloqueio anterior esquerdo e, especialmente grave e com pior prognóstico, os bloqueios auriculoventriculares completos de ramo esquerdo e extrassístoles ventriculares multifocais). Aspectos Epidemiológicos da Doença de Chagas A doença de Chagas se distribui no continente americano, desde o sul dos Estados Unidos até o sul da Argentina e do Chile, atingindo principalmente a população latina e por regiões neotropicais extensas dos continentes africanos e asiático (SUCAM,1990). Assim, do ponto de vista epidemiológico e político, a doença de Chagas se constitui basicamente um problema da América Latina, mais especificamente de seus países continentais. Atualmente, no limiar do século XXI, a doença de Chagas continua a se manifestar e se propaga para outros continentes. No Brasil, a doença de Chagas se manifesta endemicamente em todos os Estados, do Ceará ao Rio Grande do Sul, principalmente Minas Gerais e Bahia, afetando cerca de três milhões e meio de pessoas na idade produtiva. Em Minas Gerais, destaca-se o município de Bambuí, onde as ações de controle da transmissão vetorial da enfermidade tiveram início na década de 1940 (DIAS, 2007). 77 No Brasil, na década de 1970, a endemia chegou a atingir em torno de 36% do território nacional, e a principal via de transmissão era vetorial, que se dava nas áreas rurais e os Estados com maior número de casos, Minas Gerais. Goiás, São Paulo, Bahia, Paraná e Rio Grande do Sul, com uma prevalência de aproximadamente cinco milhões de brasileiros infectados. No final da década de 1970 e até 1980, o quadro epidemiológico da doença de Chagas começou a apresentar fortes tendências de urbanização, em consequência da imigração interna e do êxodo rural, gerando novas formas de transmissão por meio da transfusão sanguínea e transplante de órgãos. Atualmente, estima-se que entre 12 e 14 milhões de indivíduos estão infectados pelo Trypanosoma cruzi em 19 países americanos de colonização Ibérica, com a ocorrência de 100 mil a 200 mil novos casos a cada ano. VIÑAS (2008), assinala que nos Estados Unidos, levantamento recente apontou que, de 1981 a 2005, entre 56 mil e 357 mil dos 7,2 milhões de imigrantes legais (8 a 50 por 1 mil) podiam estar infectados. A crescente migração de chagásicos para os Estados Unidos, tem preocupado as autoridades sanitárias do país com os naturais riscos de transmissão transfusional, congênita e por transplantes de órgão, acarretando assim, gastos com a assistência para os pacientes crônicos, especialmente os cardíacos. Na Austrália, vivem 65.255 imigrantes latino-americanos, dos quais 1.067 podem estar infectados com o Trypanosoma cruzi, protozoário causador da doença; no Canadá, em 2001, 1.218 dos 131.135 imigrantes estavam infectados; na Espanha, 5.125 dos 241.866 imigrantes legais podem estar infectados. A OMS estima que pelo menos 10 milhões de pessoas no mundo estejam infectadas pela doença de Chagas, que matou mais de 10 mil pessoas, em 2008. A grande maioria dos infectados ou em risco de desenvolver a doença vive em países latino-americanos, mas o problema já atinge outras regiões e tem chegado a países desenvolvidos. Segundo Tsutomu Takeuchi, diretor do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de Nagasaki, no Japão, 78 [...] A doença de Chagas é uma realidade que começa a desafiar o setor de saúde. Fatores como a estagnação econômica e a repressão política resultaram no significativo fluxo de pessoas de 17 países latino-americanos endêmicos para a doença de Chagas rumo a países desenvolvidos. Por causa dessa migração, a doença de Chagas tem se tornado uma ameaça à saúde em nível global (TAKEUCHI, 2013, p.1). O número de pessoas infectadas pela doença de Chagas no Japão ainda é pequeno, mas significativo: de 42 casos suspeitos analisados, 16 deram positivos, e destes, 5 desenvolveram sintomas cardíacos associados à doença. Além de a doença ser desconhecida, outro problema da presença da doença de Chagas no Japão é a pouca disponibilidade de medicamentos para o tratamento dos infectados. [...] A doença de Chagas tem sido ignorada no Japão, assim como em outros países desenvolvidos, o que traz uma série de estigmas e malentendidos contra imigrantes latino-americanos. Por causa do grande número de pessoas nessa população sem seguro-saúde, da dificuldade de comunicação, bem como pela ausência de medidas preventivas contra a infecção por T. Cruzi, uma série de preconceitos surgiu em comunidades japonesas contra os portadores da doença, levando à possibilidade de discriminação social. Por conta disso, é essencial que sejam adotadas medidas urgentes para melhorar a compreensão e o tratamento médico da doença de Chagas e de outras doenças negligenciadas no Japão e em outros países desenvolvidos (TAKEUCHI. 2013, p.1). A partir do ciclo enzoótico primitivo, a doença humana dispersou-se nas Américas por ações desenvolvidas pelo homem no meio ambiente e questões político sociais, retratadas em ranchos rurais de má qualidade, população socialmente excluída, bolsões de pobreza e baixa produção, sistemas de saúde ineficientes e espaços geograficamente abertos, principalmente por desmatamentos intensivos. Situada na parte mais pobre do Novo Mundo, essa tripanossomíase não tem a repercussão nem a motivação ao estudo de outras doenças causadas por protozoários, como a malária e as leishmanioses. Configura-se basicamente um problema da região, mercê de sua incidência, distribuição e impacto médico social, gerando naturalmente maior interesse e expertise no segmento latino-americano a começar por sua descoberta. 79 A doença de Chagas não é um impedimento ao processo de ocupação de espaços por potências estrangeiras, dada a sua lenta evolução clínica e a época recente de seus picos epidêmicos, ocorridos principalmente no século XX, quando os países afetados já eram politicamente independentes. Os estudiosos da doença de Chagas corroboravam sobre a ideia de que a enfermidade ainda hoje é um problema continental e disso decorrem as responsabilidades dos governos e das autoridades sanitárias dos países endêmicos. Duas situações foram importantes para o avanço dos estudos sobre a doença de Chagas, nos países da América Latina, de um lado, a evolução científica dos estudiosos latino-americanos, desde a produção de ferramentas e estratégias de prospecção da enfermidade, como a sorologia e o eletrocardiografia e, de outro, o envolvimento da Organização Pan-americana da Saúde (OPAS) assumindo um papel catalisador e motivador com os governos regionais e a comunidade científica. De modo geral, ambas as situações se deram a partir da segunda metade da década de 1950, graças aos esforços de pesquisadores e sanitaristas envolvidos com a doença, que descreveram os principais quadros clínicos e formas de transmissão, bem como disponibilizaram as ferramentas básicas de investigação e de controle vetorial e transfusional. O crescimento de publicações, experiências de controle e levantamentos sobre a doença tornou-se logarítmico a partir do final da década de 1950, época que coincidiu com uma grande efervescência sanitária na luta contra a malária na região. Entre 1958 e 1959, os pesquisadores da doença denunciavam às autoridades sanitárias do país e à Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) o descaso para com a doença de Chagas por estas. Aos poucos essa situação começou a mudar, especialmente com a maior inserção da OPAS na luta contra a doença e com o maior envolvimento dos cientistas em programas regionais, como Programa Integrado de Doenças Endêmicas do CNPq (Brasil), Programa de Salud Humana (Argentina), Sociedade Brasileira de Medicina Tropical e o Tropical Disease Research (OMS/PNUD, WB). 80 Em 1975, as autoridades sanitárias do País começaram a dar mais atenção e recursos direcionados à doença de Chagas. O programa de controle foi então revisto, normalizado e redimensionado para ter alcance nacional, sendo estruturado a partir do modelo de operações de campo contra a malária. A informação epidemiológica até então produzida era dispersa, os dados pouco uniformes e comparáveis, o que justificou a realização de dois amplos inquéritos nacionais, um de soro prevalência da infecção humana e outro entomológico, para delimitar a área de risco de transmissão vetorial da doença. Na década seguinte houve coalizão e maior cooperação entre vários países da América Latina, com ações preventivas para o controle da doença, configurando-se, assim, as iniciativas internacionais de luta contra a doença, em um prenúncio de novos tempos e de avanços substanciais sobre a transmissão do T. cruzi. (COURA; DIAS, 1988: OMS, 2002). Após o controle vetorial da doença de Chagas, os dados disponíveis indicam que o impacto das ações realizadas foi bastante positivo. No período de 2000 a 2010, foram registrados no Brasil 1.036 casos isolados e surtos de doença de Chagas aguda (DCA). Os anos de 2007 e 2009 apresentaram os maiores números de casos. A forma oral de transmissão foi a predominante em todo o período. Os casos de DCA nesse período ocorreram em 91 municípios: cinco destes (5,5%) eram da região Sudeste, 15 (16,5%) da Nordeste e os demais 71 (78%) da Norte. Embora o Brasil, em 2006, tenha sido certificado como país livre da transmissão por T. infestans, principal vetor intradomiciliar, a existência de habitações cujas condições físicas intra e peridomicílio favorecem a presença de triatomíneos mantém o risco de domiciliação de novas espécies do vetor e, consequentemente, o risco do reaparecimento da doença Na verdade, o grande problema da doença de Chagas humana foi sua enorme expansão regional, dependente da relação de produção e da consequente exclusão política e social das populações afetadas, situações essas de difícil, lenta e complexa solução (Martins, 1968; Dias 1994). 81 Embora a doença seja antiga e não ocupe um espaço de atenção nas políticas de saúde, os problemas advindos, após ser diagnosticada, são significativos. Os gastos da Seguridade Social com tratamento cirúrgico do megaesôfago e megacólon, quando a doença atinge o aparelho digestivo e a implantação de marcapassos cardíacos, poderiam ser revertidos se fosse realizado o trabalho contínuo de profilaxia da doença de Chagas. Apesar das dificuldades no controle e cura da doença de Chagas, ela tem contribuído para o aprimoramento e a maturidade da comunidade científica latinoamericana, detentora da maior expertise sobre a endemia e propulsora engajada em seu controle. Tem servido ainda, na região, como motivadora para importantes análises médico-sociais, ao desvendar e ajudar no entendimento de problemas e fatores causais de natureza política e social contidos na produção, expansão e controle da endemia. Aspectos Sociais da Doença de Chagas A doença de Chagas apresenta um quadro epidemiológico e clínico complexo, o qual desafia os trabalhadores da saúde para um trabalho de assistência e pesquisa na área da saúde, onde a prática profissional se desenvolve. A necessidade de investimento público na implantação de equipamentos nas áreas da educação, habitação e saúde nessas regiões, com o devido controle social deveria ser prioridade das três esferas governamentais: federal, estadual e municipal, para minimizar o sofrimento da população atingida pela moléstia. Apesar de a doença de Chagas ter sido descoberta há mais de um século, continua a ser um sério problema de saúde pública no Brasil, principalmente na zona rural das regiões Norte e Nordeste, onde ainda prevalece a pobreza, a falta de infraestrutura sanitária básica. 82 A doença de Chagas provoca importantes gastos financeiros e sociais no País, como o absenteísmo, custos previdenciários e médico-hospitalares, processos de perpetuação de pobreza familiar em zonas endêmicas, baixa produtividade e custos de programas de controle e vigilância (inclusive em bancos de sangue). A insuficiência de recursos e equipamentos de saúde nas regiões mais atingidas pela endemia faz com que as pessoas se sacrifiquem, peçam ajuda aos amigos e familiares ou gastem suas poucas economias nas viagens para os grandes centros urbanos à procura de assistência. A atração pela vida da cidade, aliada à situação de expulsão do homem do campo motivada pelas condições precárias de saúde e sobrevivência, gera o fenômeno da migração interna, intensificado a partir da implantação de indústrias nas cidades. Ao chegar às grandes cidades, na maioria das vezes, o migrante, além das dificuldades para entrar no mercado de trabalho, por não possuir qualificação exigida pelas indústria, vai ainda se defrontar com a questão da doença descoberta no momento do exame de admissão, que o levará à exclusão do processo produtivo. No Brasil, atualmente, predominam os casos crônicos de DC decorrentes de infecções adquiridas no passado, sendo a maioria infectada pela via vetorial, forma de transmissão intimamente relacionada às baixas condições socioeconômicas da população (OMS, 2009). A prevalência da doença de Chagas no Brasil estima-se em torno de 1.900.000 casos, a maioria concentrando-se nas regiões Sudeste, Nordeste e Sul principalmente no Rio Grande do Sul. Em 1980, um inquérito nacional de prevalência indicou 4,2% da população rural infectada, estimando-se em 5,5 milhões o número total de infectados. Como não tem havido transmissão importante desde a década de 1980, a imensa maioria dos infectados corresponde a pacientes crônicos em idades de 40 anos ou mais (TRINDADE et al., 2009). A doença de Chagas considerada um problema de saúde pública no Brasil, agora também o é no mundo, por afetar milhares de sujeitos devido ao fluxo migratório e a globalização. 83 Os movimentos populacionais gerados pela imigração aumentam o potencial de disseminação da doença de Chagas para países não endêmicos, onde não é feita a vigilância em bancos de sangue, fato que eleva o risco de transmissão transfusional, congênita e por transplantes de órgãos. Na América Latina, no plano mais contextual do continente, o reconhecimento da doença e seu manejo passam por questões políticas complexas, como a fragmentação das políticas sociais e internacionais, a região que depende de ajuda externa e carente de valores éticos e democráticos. A doença de Chagas abre a questão das consequências sociais e econômicas produzidas pelo descaso com a saúde pública no Brasil. A implicação desse descaso foi transformar a doença em uma endemia urbana devido ao êxodo rural e a industrialização do país, mostrando-se também como um problema localizado não tratado, que pode vir a se tornar uma praga mundial. Hoje a assistência à saúde, o atendimento médico, o encaminhamento à previdência e a vigilância sobre a moléstia são feitos pelo SUS. Observa-se ainda hoje que não há acesso pleno e igual ao tratamento para todos os sujeitos acometidos pela doença de Chagas. Existem entraves administrativos que dificultam o processo e boa parte da mão de obra não está treinada para atender o chagásico. O direito à saúde do cidadão, consagrado no artigo 196 da Constituição brasileira como um direito de todos e dever do Estado, ainda está muito longe de se concretizar na realidade. O direito que envolve, principalmente, a existência de políticas que reduzam o risco da propagação de quaisquer males à saúde da população, bem como a possibilidade de acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde de todos os cidadãos, também requer uma luta contínua para que tudo isso se materialize na prática. Nesse sentido, nasceram as associações de doentes de Chagas, cujo principal objetivo é mobilizar e chamar a atenção da sociedade para questões relativas à saúde humana, conferindo destaque aos principais problemas relativos a ela e incentivando ações para combatê-los. 84 Nosso processo de trabalho como pesquisadora e assistente social com os doentes de Chagas se desenvolve através de ações de discussão e esclarecimento sobre seu direito à saúde, no exercício da cidadania, no desvelamento da realidade social e no estabelecimento conjunto, de solução das questões sociais que envolvem o processo saúde doença. Esse trabalho desenvolvido em equipe multidisciplinar, conta com a participação de médico cardiologista, biólogo e enfermeiro. Como profissional de serviço social operacionalizamos mediações através de ações participativas de cunho sócio-educativo e político-organizativo na socialização de informações para o exercício pleno dos direitos sociais.Como pesquisadora científica em serviço social temos a possibilidade de contribuir com novos conhecimentos e novas formas de atuação para o desenvolvimento de relações participativas, coletivas e políticas no processo associativo dos doentes de Chagas. Realizamos a articulação com outras instituições as quais contribuem para a efetivação da condição de cidadania dos doentes de Chagas, ao facilitar o acesso aos serviços e à informação, com o intuito de refletir junto aos mesmos e seus familiares sobre as formas de promoção, proteção e recuperação da saúde. As atividades de mobilização e participação social são voltadas para a sensibilização e articulação com a população em geral e, autoridades no sentido de esclarecer e dar visibilidade à doença, como uma questão de saúde pública. Temos ainda, por meio dessas ações o propósito de ampliar o processo democrático de discussão coletiva, compartilhar problemas comuns que envolvem a doença e o doente de Chagas e potencializar a capacidade de análise e de intervenção dos sujeitos. Assim, nosso trabalho consiste em assessorar e colaborar na construção de estratégias para efetivação do direito à saúde, do exercício da cidadania, por meio da participação e sensibilização dos doentes de Chagas para a criação, organização e funcionamento do processo associativo. Nossa ação profissional transcende o caráter de apoio e assessoria aos doentes de Chagas e passa a ser um estudo observacional com uma direção 85 socioeducativa, reflexiva relacionada às condições sócio historicas a que são submetidos os sujeitos e ao trazer um novo conhecimento sobre a prática associativa na luta em defesa do direito de acesso à saúde. Desse modo, nossas ações socioeducativas individuais e coletivas pautam-se não só pela socialização de informações e/ou esclarecimentos mas também, pesquisam intencionalmente a dimensão da liberação, a constituição de uma nova cultura, da participação dos sujeitos, doentes de Chagas no conhecimento crítico da sua realidade e a construção de estratégias democráticas e coletivas, na busca da tomada de consciência de que a saúde é um direito. Nesta perspectiva, a prática reflexiva conduz os doentes de Chagas à analise e desvendamento das situações que vivenciam no seu cotidiano, por meio de reflexão crítica e participativa, de forma consciente, do processo de transformação dessa realidade enquanto ser histórico. Esse processo prioriza a atenção coletiva, possibilita a troca de experiência entre os sujeitos, a manifestação da força que a organização tem ao discutir e reivindicar seus interesses e necessidades com o Estado e consciência de classe. A vivência participativa sócio-educativa e político-organizativa no processo associativo tem nos proporcionado a ampliação e o desvelamento de novas perspectivas como assistente social e pesquisadora científica e para os doentes de Chagas a percepção de se sentir sujeitos capazes de transformar o rumo de sua história (CFESS, 2009). 86 3. Controle e Tratamento dos Sinais e Sintomas da Doença de Chagas5 O controle da doença de Chagas por meio da vacinação contra o Trypanosoma cruzi tem tido relativo sucesso e com possibilidades e esperanças. São ainda trabalhos preliminares de cientistas, que têm dado o melhor de seus esforços para a obtenção de uma vacina eficaz. Muitos estudos estão sendo realizados, mas se reconhece que ainda não se dispõe nenhuma vacina para uso imediato. O tratamento específico da doença de Chagas tem como objetivo suprimir a parasitemia (presença de parasitos no sangue) e, consequentemente, seus efeitos patogênicos ao organismo. Esse tratamento está indicado na fase aguda da doença, em casos congênitos, na reativação da parasitemia por imunossupressão, como a AIDS e outras doenças imunossupressoras, para o transplantado cardíaco que recebeu órgão de doador infectado, quando a supressão da parasitemia ou a prevenção do seu aparecimento tem ação benéfica para os pacientes. Está contraindicado para gestantes, porque além de não impedir a infecção congênita, as drogas podem causar danos ao concepto. Os principais sintomas da doença de Chagas na forma digestiva são constipação intestinal (muitos dias e até meses sem evacuar), dor no abdome, dificuldades para engolir. O tratamento dos sintomas da doença de Chagas na forma digestiva dependerá do estágio em que a doença é diagnosticada, indicando-se medidas mais conservadoras com o uso de dietas, laxativos ou lavagens. Em estágios mais avançados, impõe-se a dilatação ou correção cirúrgica do órgão afetado. Para o "mal de engasgo" e a "prisão de ventre" do chagásico podem ser instituídas dietas especiais, havendo também operações que corrigem ou atenuam os problemas do esôfago e do intestino. 5 Informações colhidas em: Andrade J.P., Marin-Neto J.A., Paola A.A.V., Vilas-Boas F., Oliveira G.M.M., Bacal F., Bocchi E.A., Almeida D.R., Fragata Filho A.A., Moreira M.C.V., Xavier S.S., Oliveira Junior W. A., Dias J.C.P. et al. Sociedade Brasileira de Cardiologia. I Diretriz Latino Americana para o Diagnóstico e Tratamento da Cardiopatia Chagásica. Arq Bras Cardiol 2011; 97(2 supl.3): 1-48. Ministério da Saúde / Secretaria de Vigilância em Saúde. Consenso Brasileiro em Doença de Chagas. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Vol. 38 (Suplemento III), 2005. 87 O controle e tratamento do megaesôfago pode ser clínico, cirúrgico, por dilatação e por métodos alternativos, como o uso de drogas relaxantes do esfíncter inferior do esôfago. A escolha do tipo de tratamento a ser empregado depende da concordância do paciente, após esclarecimento acerca da natureza e dos riscos da doença, dos riscos e benefícios do tratamento proposto; relevância dos sintomas apresentados (disfagia, regurgitação, dor); estadiamento do megaesôfago, segundo a classificação radiológica; estado nutricional; condição clínica; comorbidades; idade; infraestrutura hospitalar disponível. O controle e tratamento da doença de Chagas no megacólon, pode ser clínico ou cirúrgico e dependem de: concordância do paciente, após esclarecimento acerca da natureza e dos riscos da doença e dos riscos e benefícios do tratamento proposto; relevância da constipação; estado nutricional; condição clínica; presença de comorbidades; idade; infraestrutura hospitalar disponível; seguimento médico periódico para reavaliações e ajuste na terapêutica. Tratamento dos sintomas da doença de Chagas na forma cardíaca As principais manifestações da doença no coração são palpitações, edemas, dor precordial, dispneia, dispneia paroxística noturna, tosse, tonturas, desmaios, desdobramento ou hipofonese de segunda bulha, sopro sistólico. As alterações mais comuns apresentadas no exame de eletrocardiograma são: bloqueio completo do ramo direito (BCRD), hemibloqueio anterior esquerdo (HBAE), bloqueio atrioventricular (BAV) de 1o, 2o e 3o graus, extrassístoles ventriculares, sobrecarga de cavidades cardíacas, alterações da repolarização ventricular. O exame radiológico de tórax pode revelar o aumento no tamanho do coração (cardiomegalia). O manejo da cardiopatia chagásica exige um conhecimento específico das respostas que as drogas utilizadas na prática cardiológica apresentam nesse tipo de doente. 88 Dessa maneira, o médico cardiologista recomenda o início precoce do tratamento da doença, que beneficia significativamente, o prognóstico de grande número de pacientes, que pode não só aumentar sua sobrevivência, mas também melhorar sua qualidade de vida, desenvolver atividades habituais desde que não redundem em grandes esforços físicos. As drogas utilizadas para o paciente chagásico cardíaco são as mesmas que se usam em outras cardiopatias: cardiotônicos, diuréticos, antiarrítmicos, vasodilatadores. Em alguns casos, indica-se a implantação de marcapasso cardíaco, com resultados bastante satisfatórios, na prevenção da morte súbita. Com o avanço do conhecimento, no que diz respeito ao manejo da cardiopatia chagásica e os bons resultados obtidos pelo Programa de Controle da Doença de Chagas, incluiu-se a doença no Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica, Portaria do Ministério da Saúde, nº 1.100, de 23 de maio de 1996, respeitando-se as características clínicas e epidemiológicas que lhes são próprias e que impõem métodos e técnicas diferenciadas de vigilância. O tratamento da insuficiência cardíaca no doente de Chagas visa reduzir os sintomas, retardar a evolução da disfunção ventricular e prolongar a sobrevida. Nos estádios assintomáticos ou brandos da insuficiência cardíaca, pode-se retardar a evolução da doença e nos estágios mais avançados, procura-se a melhoria da qualidade de vida e da sobrevida dos pacientes. As medidas gerais para o paciente chagásico cardiopatia são: dieta para correção da obesidade e manutenção do peso ideal; ingestão controlada de sal, para aqueles com doença leve, moderada e para os casos mais graves também, a restrição hídrica; não ingestão de bebida alcoólica; eliminação de fatores agravantes; atividade física individualizada de acordo com o grau da insuficiência cardíaca e a idade do paciente; vacinação anula contra influenza sazonal (gripe comum) e pneumonia. O tratamento medicamentoso da doença de Chagas no músculo cardíaco segue as recomendações preconizadas pelas Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). 89 O tratamento cirúrgico é indicado para os pacientes com Insuficiência Cardíaca refratária, sendo disponíveis os recursos da estimulação ventricular multissítio; transplante cardíaco; terapia celular (ainda em perspectiva). A cardiopatia chagásica crônica-CCC é essencialmente uma miocardiopatia dilatada em que a inflamação crônica, usualmente de baixa intensidade, mas incessante, provoca destruição tissular progressiva e fibrose extensa no coração. Essas indicações devem ser individualizadas em função de circunstâncias sociais e econômicas de cada paciente. Entre as alternativas invasivas, as técnicas de ablação do foco arrítmico por cateter ou cirurgia e, principalmente, o implante do cardiodesfibrilador são possibilidades terapêuticas nos casos mais graves. O tratamento etiológico (causas) da doença de Chagas pode ser realizado na fase aguda e crônica da doença. Na fase aguda, definida pela evidência do Trypanosoma cruzi no exame direto do sangue periférico, o tratamento deve ser realizado em todos os casos e o mais rápido possível, após confirmação diagnóstica, independentemente da via de transmissão. Além dos casos diagnosticados pela observação do parasito, a maioria dos pacientes é identificada pelos testes sorológicos. Na fase crônica recente (na prática, em crianças) é valido o mesmo raciocínio quanto à recomendação do tratamento na fase aguda. Nesse sentido, considera-se que devem ser tratadas todas as crianças com idade igual ou inferior a 12 anos, com sorologia positiva. Para adultos, embora faltem evidências que garantam o sucesso dessa terapia nas diferentes circunstâncias, o tratamento específico pode ser instituído na forma crônica recente. Para essa finalidade, considerou-se como recente o período de cinco a doze anos, após a infecção inicial. 90 Para a fase crônica de maior duração, o tratamento tem sido indicado na forma indeterminada e nas formas cardíacas leves e digestivas. No tratamento etiológico, quando há negativação da sorologia, na fase crônica, esta ocorre tardiamente, após dez/vinte anos do tratamento. Quanto ao tratamento em caso de transplante de órgãos, é necessário saber se o doador ou o receptor tem sorologia positiva, pelo risco de transmissão ou reativação da infecção chagásica. O tratamento na fase crônica tardia visa a reduzir os níveis de parasitemia, evitando o aparecimento ou a progressão de lesões viscerais e interrompendo a cadeia de transmissão. O tratamento nessa fase é indicado para pacientes com a forma indeterminada e com as formas cardíaca e digestiva leves. A indicação para o tratamento parasiticida em pacientes chagásicos crônicos com a forma indeterminada é política de saúde pública em alguns países sul-americanos, e constitui recomendação primordial a partir de seminários conduzidos pelo CDC norteamericano, tão logo a decisão federal implementou a obrigatoriedade de testes sorológicos para doadores de sangue e de órgãos em todo o território daquele país. O tratamento específico convencional está indicado nessas situações, por um período de 60 dias, podendo ser prolongado por até 90 dias na dependência das condições clínicas do paciente. O tratamento etiológico não deve ser instituído em gestantes ou mulheres em idade fértil e que não estejam em uso de contraceptivos. A indicação em pacientes com afecções graves deve ser avaliada criteriosamente. Avaliação de cura deve ser realizada por resultado negativo do exame de sorologia e tem sido considerado como o único método tradutor de cura. O tratamento específico pode ser feito em unidade ambulatorial por médico generalista que conheça as particularidades do medicamento e da doença de Chagas. O tratamento das causas da DC (etiológico) é controverso, especialmente quanto à sua indicação na fase crônica tardia. Atualmente, dispõe-se de apenas dois 91 medicamentos comprovadamente parasiticidas: Nifurtimox (nitrofurano) e o Benznidazol (nitroimidazólico), fato que comprova o pleno desinteresse da indústria farmacêutica no desenvolvimento de novas drogas para tratar a doença. No Brasil, o mais utilizado é o Benznidazol, que vem sendo produzido desde 2008, no Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco (LAFEPE), único fabricante mundial da droga, contra a doença de Chagas, quando a empresa Roche parou de fabricar o comprimido por não ser lucrativo e transferiu ao governo brasileiro os direitos de produção do remédio que o exporta também, para a Bolívia, Colômbia, Venezuela, Argentina, o Paraguai e Uruguai. Poucos estudos definitivos foram realizados para se avaliar o efeito do tratamento parasiticida sobre a história natural da doença, e o contexto de incerteza é agravado pela ausência de exames que assegurem a total erradicação do parasito e confirmem a cura da enfermidade.. Os efeitos colaterais produzidos pelo benzonidazol no organismo humano e observados pelos especialistas são alterações no sangue, dores abdominais e de cabeça, náuseas, vômitos, emagrecimento, alergias na pele e fadiga. Quando bem tolerado o Benzonidazol é absorvido pelo organismo e é eliminado através das fezes e da urina. Atualmente, alguns casos de doença chagásica cardíaca mais complexas e/ou graves, além do tratamento medicamentoso, requerem a necessidade de indicação ou realização de novos procedimento como: a ablação cirúrgica, implantes de marcapassos cardíacos, indicação de Dispositivos Cardíacos Eletrônicos Implantáveis - CDI e até o transplante cardíaco. A miocardiopatia chagásica é a 3ª causa mais comum de indicação para transplante cardíaco. Os desafios a serem enfrentados para o controle e tratamento da doença de Chagas: • Estabelecer estratégias de identificação dos pacientes com infecção HIV/Chagas. 92 • Criar mecanismos de encaminhamento para a acompanhamento dos casos positivos para T. cruzi na triagem assistência, e sorológica dos hemocentros. • Caracterizar o perfil desejável dos serviços para definir uma rede assistencial de referência para tratamento dos pacientes com cardiopatia chagásica. • Manter a interrupção da transmissão vetorial pelo Triatoma infestans e impedir a domiciliação de outras espécies. • Buscar, identificar e tratar os portadores crônicos da doença de Chagas com possibilidades de se beneficiar com o tratamento específico. • Fomentar pesquisa e desenvolvimento de novas drogas. • Pesquisa e desenvolvimento de testes rápidos para diagnóstico laboratorial da doença de Chagas e de teste indicativo de cura. • Capacitação de profissionais da atenção básica para tratamento dos pacientes crônicos com forma indeterminada da doença de Chagas. • Criar mecanismos efetivos de vigilância epidemiológica na Região Amazônica. • Fortalecer a vigilância sanitária na cadeia de extração produção e comercialização do açaí. • Implantação do Sistema de Informação de Operações de Campo SIOC. • Como prevenir a domiciliação de novas espécies? • Como manter o domicílio livre de espécies nativas antropofílicas e vetores que ocupam o peridomicílio? • Como realizar o controle de mecanismos excepcionais de transmissão vetorial? • Como manter a sustentabilidade das ações de controle na ausência de transmissão vetorial? • Como fazer a vigilância reservatórios) na Região Amazônica? (epidemiológica, entomológica e de 93 CAPÍTULO IV AS ASSOCIAÇÕES NACIONAIS E INTERNACIONAIS DE DOENÇA DE CHAGAS: SURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO Este capítulo apresenta a trajetória histórica, caracterização, organização e dinâmica de atuação e o processo de expansão das associações nacionais e internacionais de doença de Chagas. 1. TRAJETÓRIA HISTÓRICA As associações de doença de Chagas surgiram da disposição e união dos sujeitos, doentes de Chagas atendidos nas instituições de saúde, onde se conheceram e foram atendidos, com o apoio e estímulo dos profissionais de saúde. Desde a sua criação, as associações têm como intuito a mobilização democrática e política de seus associados, para superar obstáculos, individual e coletivamente, na luta por direitos e inclusão social, na integração de ações e projetos sociais coletivos e, assim, promover a melhoria de acesso aos serviços de saúde para todos. Desse modo, o processo associativo fortalece as pessoas que vivem com a doença de Chagas, as quais se tornam protagonistas de seu tratamento, passam a falar por si, lutar pela maior participação nos espaços reivindicatórios, agora não só no Brasil, mas também internacionalmente, ao se unir com as associações internacionais, o que aumenta ainda mais sua força coletiva e política. Essa união é importante para implementar o movimento associativo pela constituição de um espaço para: a articulação e o apoio às pessoas que convivem com a doença de Chagas; o enfrentamento e compartilhamento das dificuldades cotidianas; a pressão sobre os governos locais para a melhoria das políticas públicas de saúde e melhor acesso aos serviços de saúde; e a democratização e divulgação de informações sobre a doença. 94 O Brasil foi o primeiro país a formar uma associação de doença de Chagas e, até o momento, existem no País três associações. 2. CARACTERIZAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DINÂMICA DE ATUAÇÃO Apresentam-se a seguir a caracterização, a organização e a dinâmica de atuação das 14 associações nacionais e internacionais de doença de Chagas6. A primeira a ser criada, em 1987, foi a Associação dos Portadores de Doença de Chagas, Insuficiência Cardíaca e Miocardiopatia (APDCIM), de Recife, que tem como missão unir e prestar assistência aos sujeitos, doentes de Chagas, usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), atendidos no Pronto-Socorro Cardiológico de Pernambuco (PROCAPE) e Casa do Paciente Portador de Doença de Chagas e Insuficiência Cardíaca da Universidade de Pernambuco (UPE). Além da união dos doentes e profissionais de Saúde na luta contra a doença de Chagas na região, a Associação tem um caráter de solidariedade e de assistência social, pois supre algumas necessidades materiais de seus associados e conta com a ajuda beneficente de várias instituições para se manter, como a UPE, Hospitais Universitários Oswaldo Cruz e PROCAPE - UPE, FIOCRUZ, Hemocentro de Pernambuco, Associação Médicos Sem Fronteiras e DNDi. A Casa do Paciente Portador de Doença de Chagas e Insuficiência Cardíaca da UPE oferece atendimento médico e farmacêutico para os doentes de Chagas com o apoio dos estudantes da Universidade. A segunda associação a ser fundada no Brasil foi a Associação dos Chagásicos da Grande São Paulo (ACHAGRASP), em 11 de agosto de 1999. Para se constituir legalmente, seus componentes elaboraram o Estatuto da ACHAGRASP, produziram um logotipo que a representasse, ao mesmo tempo em que realizaram a eleição de sua primeira diretoria. 6 Informações obtidas nas apresentações das associações, realizadas na 1ª Reunião de Associações de pacientes com doença de Chagas em Uberaba (MG) e na 2ª Reunião Internacional de Associações de Pessoas Vivendo com Doença de Chagas em Olinda (PE), bem como no Documento matriz para elaboração de cartilhas “Mobilização Popular e doença de Chagas”. MSF: Rio de Janeiro, 2012. 95 A Associação surgiu a partir de um grupo de sujeitos doentes de Chagas atendidos no Laboratório de Doença de Chagas do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, que se reunia para compartilhar e discutir as questões que envolvem a doença, sob a coordenação de um médico cardiologista e desta pesquisadora. O grupo, desde o início, teve como abordagem educativa a informação e o conhecimento sobre a doença de Chagas, como conviver com a mesma e enfrentála, e o compartilhamento e a discussão de problemas comuns que possibilitam a reflexão e a resolução destes. Nesse sentido, elaboraram o folheto ilustrativo sobre a doença de Chagas, distribuído em vários locais. As conquistas dos membros da ACHAGRASP começaram a serem notadas na vida dos doentes de Chagas a partir de suas participações em diversos eventos de discussão sobre a doença, entre as quais, se destacam no Fórum de Patologias do Estado de São Paulo, no intercâmbio com os pacientes e profissionais do GEDOCH do Hospital das Clínicas da Unicamp, que tem possibilitado a troca de informações e conhecimentos e enriquecido e fortalecido a associação. O processo associativo também tem despertado a autoestima do doente, como sujeito pleno de desejos e realizações, apesar de ser afetado por uma doença crônica. No ano de 2000, a ACHAGRASP alcançou mais uma vitória ao organizar e realizar com a equipe de saúde do IDPC o I Encontro de Doença de Chagas do IDPC, que em 2013 realizou o XIV evento. A vivência associativa está proporcionando aos doentes de Chagas a percepção de se sentirem sujeitos capazes de transformar o rumo de sua história. A Associação dos Chagásicos de Campinas e Região (ACCAMP) foi fundada em 14 de maio de 2000, com sede em Campinas, junto ao Hospital de Clínicas da Unicamp, onde os doentes de Chagas são atendidos e participam das reuniões com a equipe de saúde do GEDOCH. A ACCAMP tem participações importantes em eventos científicos para a divulgação de seus trabalhos, na articulação com Serviços de Atenção Básica a Saúde de Campinas e com o Conselho Municipal de Saúde de Campinas. Seus 96 associados produziram folhetos, blogs e vídeo com a história da ACCAMP, material de divulgação e organização do Seminário Regional, realizado em 2011. A ACCAMP, de acordo com depoimentos de seus associados, proporcionou ainda melhorias na participação nas relações interpessoais de seus membros e possibilidades concretas de participar de um grupo organizado na luta por direitos, tendo em vista a construção de um movimento unificado em nível mundial, mesmo com as especificidades de cada território, para que as doenças negligenciadas possam ter a atenção que merecem, conforme deliberado na Carta de Uberaba, Minas Gerais, em 2009. Isso significou a crescente disposição em fortalecer a articulação entre as Associações de Chagas para a formação efetiva de uma rede social. Desde a sua criação, a ACCAMP reconhece a necessidade e a importância da formação de uma rede de sujeitos coletivos com vistas às mobilizações sociais, em busca da garantia de direitos, da melhoria dos serviços prestados e da efetivação de políticas de atenção e proteção social. Entre as associações internacionais, destacam-se: A associação Chagas Disease Alliance (CHADA), criada em 2006, com sede em Buenos Aires, Argentina, tem como lema: iniciativa todos frente a la enfermedad de Chagas. Pequenos passos na busca de grandes mudanças. Surgiu com o auxílio de diferentes aliados como a Fundación Luci Akatsuki, o Desenvolvimento Social da Província de Chaco, empresas privadas do município da Província de Corrientes e dos especialistas em doença de Chagas que formam o Network Alliance. A CHADA tem participação destacada nos Comitês de Saúde na área municipal, na promoção da regulamentação federal e adesão nos programas de atenção à doença de Chagas e também promovidos por empresas globais que desenvolvem programas de responsabilidade social. 97 A CHADA tem contribuído ainda em protocolos de pesquisa no controle da droga benzonidazol, controle vetorial e no diagnóstico e tratamento da doença de Chagas. A Argentina tem cerca de 1,6 milhão de pessoas infectadas pela doença de Chagas, segundo estimativa oficial do setor público nacional que também reconhece a existência de um déficit na rede de assistência primária de cuidados à saúde, no nível nacional e em algumas províncias argentinas. A CHADA também admite ser necessário um melhor registro do que acontece nas diferentes dimensões da doença de Chagas no país para que esforços de prevenção, tratamento e pesquisa possam ser otimizados. Esses três pilares definem desafios históricos, como: adicionar, expandir e consolidar os esforços de controle de todas as vias de transmissão do vetor; promover o desenvolvimento de novos modelos de gestão da prevenção; aumentar a pesquisa de novos medicamentos e vacinas preventivas (única solução eficaz em longo prazo); expandir o acesso ao diagnóstico e ao tratamento de muitas pessoas infectadas que desconhecem sua infecção; e investigar e desenvolver novas estratégias de controle de vetor na busca de soluções alternativas. A CHADA enfatiza ainda seu papel de força como representante da comunidade, no que se refere às questões de seus direitos e interesses. No tocante à Bolívia, país onde a doença de Chagas atinge a parcela mais pobre da população, existem duas associações: a Asociación de Lucha Contra el Mal de Chagas e a Associação Corações Unidos Contra a Doença de Chagas de Cochabamba. Cerca de 60% do país é endêmico, atingindo uma população de risco de mais de um milhão de pessoas e que causa 15% das mortes em adultos. A Asociación de Lucha contra el Mal de Chagas (ALCMC), de Aiquile/Bolívia, criada por meio de um trabalho conjunto com professores de biologia, os Médicos Sem Fronteiras e a Associação de Cochabamba. Tem como objetivos formar um grupo de pessoas interessadas na problemática apresentada pela doença de Chagas, influenciar as políticas públicas de saúde, no nível local, provincial e nacional, e criar um fórum de discussão e informação sobre a doença. 98 As atividades da associação são realizadas por meio de informação e sensibilização sobre os perigos da doença e da necessidade e do direito de acesso ao diagnóstico e ao tratamento da doença de Chagas e reunião com as pessoas interessadas em expor e compartilhar seus testemunhos sobre a doença e os problemas enfrentados para obter cuidados médicos. Essa associação obteve apoio de políticos locais para aprovação de uma Portaria Municipal declarando o dia 14 de abril como dia de combate à doença de Chagas. Apresenta como desafios: ampliar o atendimento aos doentes de Chagas na rede de serviços de saúde local; criar um serviço especializado de controle, diagnóstico e tratamento da doença com laboratórios, recursos humanos e técnicos especializados; obter mais medicamentos para o tratamento gratuito para toda a população; solicitar a doação de marcapassos cardíacos de instituições do exterior que atendam aos cidadãos locais; lutar por respostas das autoridades de saúde para questões da doença, como a vigilância, monitoramento e indicadores para o diagnóstico e seu tratamento; realizar novas pesquisas com outros medicamentos para o tratamento da doença e investigações de novos inseticidas para controlar e eliminar o seu vetor; produzir comerciais de televisão e material impresso sobre a doença e realizar visitas aos meios de comunicação para divulgação das atividades da associação. A Asociación Corações Unidos contra a Doença de Chagas (ACUCDC) foi criada em 2010, no município de Cochabamba, a partir do interesse de pessoas afetadas pela doença, profissionais de saúde dos Centros de Saúde Pública e o apoio da Associação Médicos sem Fronteiras. Tem como missão: assegurar que a população tenha acesso gratuito ao diagnóstico e tratamento da doença de Chagas; promover a prevenção e a informação; reduzir o número de doentes; realizar um trabalho de base para que os doentes de Chagas se associem e apoiem o regulamento do seu estatuto, as atividades desenvolvidas tanto pela Associação, como pelos Centros de Saúde que realizam o diagnóstico e o tratamento da doença. 99 A Fundación de Enfermos de Chagas por la Vida (FUNDECHVIDA) foi fundada em 2003, em Yopa, Casanare, na Colômbia. Estima-se que no país vivam cerca de três milhões de pessoas afetadas pela doença de Chagas, conforme informações da assessora científica da Fundechvida e secretária geral da Federação Internacional das Pessoas Afetadas pela Doença de Chagas (FINDECHAGAS). A Fundechvida tem como missão: assesorar seus afiliados e as pessoas com doença Chagas na defesa de seus direitos, buscando o bem-estar social, comunitário e familiar, mediante iniciativas e projetos que visam canalizar recursos e gestão das entidades do tipo municipal, nacional e internacional, público e privado, por meio da cooperação empírica, técnica e qualificada da força de trabalho, de pesquisa científica e tecnologia apropriada para melhorar as condições de vida e saúde dos doentes de Chagas em todo o mundo. A FUNDECHVIDA tem um projeto para desenvolver, em longo prazo, um serviço comunitário de aconselhamento familiar e social, formar profissionais especializados, pesquisar drogas para erradicar a doença de Chagas por meio da inovação e do trabalho em equipe. Com a cooperação e acordos internacionais, visa ainda criar um Centro de Investigação, Reabilitação e Tratamento da doença de Chagas. Quanto à Venezuela, há duas associações: a Fundação Amigos com Chagas (FUNDACHAGAS) e a Fundación Unidos Contra El Chagas (UNICHAGAS). A Fundación Amigos com Chagas (FUNDACHAGAS) foi criada em 2009 e está sediada em Caracas. Reúne pessoas afetadas pela doença de Chagas, professores, funcionários, trabalhadores e crianças, no sentido de combater a doença de Chagas no país. A FUNDACHAGAS tem como missão: contribuir para o combate à pobreza e melhorar a qualidade de vida das pessoas afetadas pela doença de Chagas; incentivar e promover planos sociais e projetos de saúde holística, por meio da educação e atendimento direto dos afetados, dando resposta imediata às suas necessidades; atuar no sentido da prevenção e conscientização da sociedade 100 venezuelana e de outros países sobre as questões relacionadas à doença, bem como as consequências e os riscos de sofrimentos dela decorrentes. A FUNDACHAGAS visa a um modelo de desenvolvimento social baseado no atendimento integral com critérios de excelência na assistência dos doentes de Chagas. Tem como compromisso a solidariedade, a integridade e o profissionalismo, conseguindo ser reconhecida nacional e internacionalmente como uma liderança. Objetiva desenvolver e implementar componentes e atividades que respondam às necessidades da população afetada pela doença de Chagas, capacitando e mobilizando recursos humanos e financeiros para promover ações nas áreas de saúde, bem-estar econômico, social, cultural e recreativo. A Fundación Unìdos Contra El Chagas (UNICHAGAS) foi criada em 2009 e está sediada em Caracas. Tem como missão promover o bem-estar dos doentes de Chagas, especialmente crianças e adolescentes, a fim de otimizar sua qualidade de vida, incentivar e desenvolver diversos projetos sociais que visam a processos de saúde, abrangendo toda a população afetada e seu ambiente, e colaborando em estudos e pesquisas sobre a doença, ampliando, assim, a divulgação, a compreensão e a prevenção no nível nacional e internacional. Define como objetivo geral: criar e implementar mecanismos que permitam dar respostas concretas às demandas e necessidades das pessoas afetadas pela doença de Chagas, utilizando o material humano, financeiro e tecnológico que permite incentivar ações nas áreas de assistência médica integral, de ciência e de ensino, pesquisa e extensão, social e preventiva, recreativas e esportivas, alcançando, assim, um nível ótimo de cuidados e prevenção da doença e também de bem-estar do sujeito afetado e sua família. Quanto aos objetivos específicos, prioriza: criar serviço social voluntário para atuar com organizações e comunidades; facilitar às famílias dos afetados aconselhamento, apoio, informação e formação necessária de modo a capacitá-las a lidar com os problemas causados pela doença no ambiente familiar e transmiti-las para a sua comunidade; incentivando a participação das famílias dos afetados, da comunidade e as várias organizações na gestão ativa de proteção à saúde. 101 Na Espanha, há quatro associações constituídas, em sua maioria, por imigrantes latinos que mudaram de seus países de origem em busca de trabalho e melhores condições de vida. A Associacion de Amigos de las Personas con la Enfermedad de Chagas (ASAPECHA), de Barcelona, foi criada em 2008. Tem como objetivos: trabalhar estratégias de acesso da comunidade latina aos serviços de saúde e detectar as necessidades das pessoas com doença de Chagas. Suas principais linhas de atuação são: o fortalecimento e a ampliação dos laços com outras ASAPECHA, o levantamento de comunidades da América Latina, das quais procedem os imigrantes; o cadastramento dos doentes de Chagas; o desenvolvimento de trabalho em rede com outras associações; a participação na contribuição às comunidades com informações sobre a Asapecha em eventos culturais e científicos. Desenvolve projetos com os Agentes Comunitários de Saúde que realizam estratégias de implementação de Saúde da Comunidade para os doentes de Chagas; atenção integrada às pessoas com doença de Chagas: promoção, diagnóstico, tratamento e acompanhamento da população migrante latino-americana na Catalunha; fortalecimento da rede de cuidados primários de saúde por meio da construção de um Modelo de Atenção Integral à Saúde da Catalunha sob a coordenação da Unidade de Medicina Tropical e Unidade de Saúde Internacional de Drassanes. A Asociación de Amigos de las Personas con la Enfermedad de Chagas (ASAPECHA) de Murcia foi criada em 2009 por meio da iniciativa de um grupo de pessoas afetadas pela doença de Chagas, da comunidade latina, especialmente da Bolívia, de seus familiares e amigos, sendo o tratamento realizado na Unidade de Medicina Tropical do Hospital Universitário Virgen de la Arrixaca, com apoio e cooperação dos colegas Asapecha de Valência. A ASAPECHA tem como objetivos reunir familiares, amigos e pessoas sensibilizadas com a doença de Chagas, a fim de informar sobre a patologia e o acesso aos serviços sociais e de saúde em áreas não endêmicas; executar projetos e convênios nacionais e internacionais com as esferas públicas e privadas para garantir o direito dos portadores da doença a uma vida digna em todos os níveis; fortalecer as redes de comunicação e informação entre as associações na Espanha e no mundo. 102 Para desenvolver suas atividades, a Asapecha conta com o apoio tanto profissional e pessoal de um grupo de médicos da Unidade de Medicina Tropical, vinculados ao Hospital Virgem de La Arrixaca local. Uma das principais formas de arrecadação e manutenção da Asapecha é obtida por meio da venda de camisetas com o logotipo da associação. A ASAPECHA, desenvolve ainda atividades com profissionais das áreas de psicologia e serviço social, que dão apoio aos doentes de Chagas e seus familiares e realizam reuniões tendo em vista a sua inclusão social. A Asociación de Amigos de las Personas con la Enfermedad de Chagas (ASAPECHA), de Valencia, foi criada em 2009 e conta com 150 associados ativos. Tem como objetivos colaborar e orientar para formar novas parcerias, ter uma rede oficial com trabalho de profissionais de saúde para desenvolver com o departamento de saúde da comunidade, com vistas a atender os imigrantes latino-americanos que residem na Espanha. Os trabalhos mais importantes da Asapecha tem sido: atuação com a Findechagas; formação de novas associações; e organização para obtenção de uma sede com oficinas de atenção psicológica e serviço social. A Asociación de Amigos de las Personas con la Enfermedad de Chagas (ASAPECHA), de Madrid, foi criada em 2011, como resultado do trabalho da comunidade da Unidade de Medicina Tropical do Hospital Ramón y Cajal e da comunidade latina. Seus objetivos são: melhorar a qualidade de vida dos portadores da doença de Chagas e sua família e ambiente social; organizar grupos de orientação com portadores, familiares e pessoas sensíveis à questão da doença de Chagas para melhorar o acesso à informação, à atenção integral em saúde e à assistência social; promover redes de comunicação entre os associados, doentes de Chagas, nos países de residência e de origem para que tenham atendimento de qualidade; e divulgar informações sobre a doença de Chagas nas redes de comunicação, entre as associações da Espanha e do mundo, viabilizando acordos com agências nacionais e 103 internacionais, dos setores público e privado para garantir o direito à saúde e a uma vida digna aos doentes de Chagas. A Australian Chaga’s Disease Association (ACDA) foi criada em 2006. Tem como objetivos: investigar e combater a doença de Chagas no país; auxiliar e prestar assistência aos doentes que sofrem discriminação, bem como aos que têm risco de contrair a doença. O trabalho desenvolvido pela Australian Chaga’s Disease Association é reconhecido pela Organização Mundial de Saúde, pela associação Médico Sem Fronteiras e por outras importantes organizações internacionais. O compromisso da ACDA é humanitário, sem vínculos políticos ou partidários, conotações étnicas ou religiosas. A origem e o desenvolvimento das associações nacionais e internacionais de doença de Chagas supracitadas expressam o novo associativismo civil, que, segundo Scherer-Warren (2004, p. 21), vincula-se à perspectiva de ampliação dos direitos de cidadania e participação na esfera pública e à realização de parcerias com a esfera governamental. 3. PROCESSO DE EXPANSÃO Cabe assinalar que em outubro de 2009, durante a realização da 1ª Reunião de Associações de Pacientes com doença de Chagas das Américas, Europa e Pacífico, em Uberaba, Minas Gerais, começou a ser alicerçada a ideia da formação da Federação Internacional de doença de Chagas, ao serem analisadas as questões que dizem respeito à doença no nível global, continental, regional e local, por meio de cada associação presente. A FINDECHAGAS foi constituída em outubro de 2010 pelos participantes, após essa 1ª Reunião, baseada na solidariedade e no compromisso democráticoparticipativo, individual e coletivo, como uma rede global de pessoas vivendo com a doença de Chagas. 104 Desse modo, a FINDECHAGAS definiu como objetivo: congregar todas as associações de doença de Chagas, nacionais e internacionais, em torno da luta conjunta com participação em todas as questões que envolvem a doença e o doente de Chagas. A FINDECHAGAS propõe-se a ser o caminho para fortalecer a luta coletiva, o controle social e ampliar a representatividade política para garantir direitos fundamentais e o exercício pleno de cidadania. A consolidação do Estatuto Social da FINDECHAGAS, sua aprovação e 1ª Diretoria, foram protocoladas em 31 de outubro de 2013, sob os registros nº 45232, no 1º Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil e Pessoa Jurídica de Campinas, São Paulo, Brasil. Sua sede é na cidade de Campinas, onde se situa a Diretoria Executiva, eleita em abril de 2012, na II Assembleia Internacional FINDECHAGAS, realizada em Barcelona. A Diretoria Executiva e Conselho Fiscal da FINDECHAGAS é composta por membros (presidência), das associações, ASAPECHA de distribuídos Valência da seguinte forma: (vice-presidência), ACCAMP FUNDECHVIDA (secretaria), APDCICM (tesouraria) e, por fim, ASAPECHA de Murcia e Barcelona e ACUCDC (conselho fiscal). Para sua manutenção, a FINDECHAGAS tem como orçamento a contribuição das associações participantes, a cooperação técnico-financeira dos organismos internacionais, como OMS, DNDi e MSF, as contribuições particulares como a do jogador de futebol, Lionel Messi, do Clube de Barcelona, e outras formas de arrecadação (vídeos, publicações, etc.). Com a institucionalização da FINDECHAGAS, inicia-se o processo de construção do trabalho em rede das associações nacionais e internacionais da doença de Chagas, apresentado como foco interpretativo do capítulo que se segue da presente pesquisa. 105 CAPÍTULO V APROXIMAÇÕES INTERPRETATIVAS: A EXPERIÊNCIA DAS ASSOCIAÇÕES NACIONAIS E INTERNACIONAIS DE DOENÇA DE CHAGAS O presente capítulo explicita as percepções colhidas dos sujeitos da pesquisa sobre as associações das quais são membros e analisa os seus significados. Conforme exposto na Introdução, são 10 os sujeitos da pesquisa, a saber: 6 dirigentes, entre os quais, 2 de associações brasileiras e 4 de associações internacionais; 2 profissionais de saúde de associações brasileiras e 2 membros de base de associações brasileiras. Os sujeitos da pesquisa são assim identificados: DA1 e DA2 para dirigentes das associações brasileiras, e DA3, DA4, DA5 e DA6 para os dirigentes das associações internacionais; PS para profissionais de saúde das associações brasileiras e MA para os membros de base das associações brasileiras. Para preservar o sigilo das associações dos entrevistados, foi considerada a ordem numérica de acordo com as respostas recebidas com DA1, PS1 e MA1 e assim sucessivamente. 1. PERCEPÇÕES DOS SUJEITOS DA PESQUISA 1.1 Dirigentes das Associações Todos os seis dirigentes, pesquisados sobre como se sentem na direção das associações que representam, responderam se sentirem felizes, orgulhosos e responsáveis pelo desempenho dessa função. Esse sentimento comum a todos os dirigentes sobre a importância para eles da função de direção da associação revela uma identificação pessoal e coletiva 106 com as lutas pelo direito ao atendimento da doença de Chagas, seja no Brasil, seja em todos os países e a todos que necessitarem. Os pacientes ficaram felizes de ter uma associação, pois unidos somos mais fortes, assim como eu de representá-los frente à associação (D1). Cada parente é uma pessoa que fala por si, compõe um pensamento comum, por isso fico orgulhoso de representar os doentes de Chagas, mas a responsabilidade também é grande. Agora os doentes de Chagas têm voz e vez diante da população e dos políticos (D2). La creación de la Asociación fue un momento importante. Pienso que la Asociación es el fruto de un esfuerzo conjunto, del diálogo de personas que nos unimos para buscar y encontrar respuestas a los diferentes aspectos de esta enfermedad, especialmente como un espacio de escucha y de compartir vivencias y unir voces (D4). La asociación es el organismo mas cercano al paciente, es aquel que defiende directamente los intereses de los pacientes, nuestra felicidad es demasiado grande para representar a la asociación Chagas (D5). Nuestra satisfacción es demasiado grande como para representar a la asociación de Chagas (D6). Com a criação da Associação, o dirigente a vê como uma rede de solidariedade que pode auxiliar no controle da doença de Chagas. As respostas ressaltaram que a associação de doença de Chagas também está contribuindo para o reconhecimento dos direitos humanos e sociais, para uma sociedade mais igualitária e justa. Quanto ao papel da associação de doença de Chagas, todos os dirigentes apontaram ser estimulador a participação de seus membros. Assinalaram que a união dos doentes de Chagas fortalece o grupo e destacaram serem facilitadores das relações com o Estado na luta por melhores condições de assistência à saúde. Assim, se manifestaram: [...] estimular os doentes de Chagas a falarem sobre os seus problemas e refletirem sobre as questões que envolvem a doença, desmistificar a doença e proporcionar condições de se fortalecerem no enfrentamento dos problemas do dia a dia, esclarecer os direitos dos usuários dos serviços públicos de saúde e, em especial a assistência dirigida às pessoas com doença de Chagas [...] O conhecimento sobre a doença começa a superar os problemas e despertar para a sua condição de ser uma pessoa que tem desejos e realizações, apesar da doença (D1). 107 [...] divulgar o trabalho desenvolvido [...] enquanto grupo organizado tem o folheto e o vídeo da Associação e os associados divulgam os objetivos da Associação na comunidade que moram, no Conselho de Saúde e em outros municípios que têm representantes da associação (D2). Nuestro rol está relacionado con que la sociedad civil sea protagonista activo en el proceso de búsqueda de respuestas consistentes con los determinantes que caracterizan la problemática del Chagas, en el ámbito local e internacional, por medio de nuestra cooperación con la Federación Internacional de Asociaciones de Personas afectadas por el Chagas y con el intercambio activo con cada una de las personas de las asociaciones de otros países (D3). El papel principal es ser un ente movilizador y aglutinador promotor del cumplimiento del derecho a la salud y las leyes nacionales que amparan a los pacientes. Esto, a través de la socialización de información y las vías que existen para su atención. Ser un nexo entre los pacientes y los centros de salud. En algunos casos, la gente de la directiva de la Asociación acompañaba a los pacientes al hospital, y jugaba un rol orientador, especialmente en pacientes jóvenes, cuyos padres no asumían una responsabilidad. Ser un apoyo moral a los pacientes para generar sentimientos de confianza y esperanza de que es posible tomar acciones para tratar la enfermedad o para prevenirla (D4). La asociación busca ser el puente de comunicación entre el paciente y el estado espera ser un organismo que encuentre la voluntad política de quienes toman decisiones, en favor de los pacientes. Buscamos además ser un organismo que este en contacto directo con el paciente dando a conocer los adelantos en el ámbito nacional y mundial sobre la enfermedad de Chagas (D5). La asociación reúne a todos los pacientes de Chagas y esto fortalece todo. El papel de nuestra asociación es de mucha importancia puesto que entre nuestros principales objetivos es luchar por los afectados por la patología, hacer escuchar sus voces, que no sean discriminados, que sean atendidos por el sistema sanitario local (D6). Para todos os dirigentes, o papel das associações é fundamental como meio e possibilidade concreta de congregar os associados em nome dos doentes de Chagas para juntos realizarem suas reivindicações ao Estado, mobilizando todos os esforços para conquista do direito à saúde e ao atendimento específico da doença de Chagas. Em relação às situações mais frequentes enfrentadas pela associação de doença de Chagas na sua cidade, no seu estado e/ou no seu país, os dirigentes assinalaram: 108 As situações mais frequentes enfrentadas pela Associação de doentes de Chagas são: falta de informações da doença nos serviços públicos, de esclarecimentos dos direitos dos usuários nos serviços públicos de saúde na Previdência Social, em especial a assistência dirigida às pessoas com a doença de Chagas no serviço público de saúde (D1). Falta de medicação, que foi um problema enfrentado recentemente com o Benzonidazol, ampliar o número de associados e a luta pela implantação de cuidados no sistema de saúde a partir do consenso com ações nos centros de saúde, clínicas de especialidades e serviços de referências (D2). Una indiferencia relativa a cuestiones culturales y/o políticas: así podríamos definir las barreras que enfrentamos con más frecuencia, pero como toda barrera, no es una limitación permanente, ya que en el mediano y largo plazo, la perseverancia, la transparencia, el respeto y el amor a la humanidad, nos permiten seguir adelante con más sabiduría y resiliencia (D3). Una situación que se repitió varias fue la falta de medicamento en el hospital. Sabemos que una cantidad grande ha sido diagnosticada, pero no ha hecho el tratamiento. Sin embargo cuando ya llegó medicamento, se debe enfrentar el temor de los médicos en el tratamiento por las reacciones adversas, pero igualmente desde los pacientes. Otro punto que se enfrenta es la falta de tiempo de los miembros de la Asociación para hacer más actividades. El cambio constante de personal de salud, por lo que no había continuidad en los acuerdos logrados y en la atención de Chagas (D4). Falta de voluntad política; Desconocimiento de la enfermedad tanto por profesionales como por los mismos pacientes y mucho mas por parte de quienes asignan los recursos para la Salud Publica; Falta de voluntad de los mismos pacientes para defender sus intereses, pues creen no tener esperanza por que no existe tratamiento para su enfermedad pues en la gran mayoría se descubren en etapa crónica y muy avanzada y no hay disponibilidad del medicamento y falta de recurso económico (D5). Entre las situaciones más comunes que nos encontramos está el desconocimiento y falta de concientización de la población sobre la enfermedad, ya sea entre la población española como por los mismas personas de las zonas endémicas, debido a éste desconocimiento se llega a discriminar a los afectados y los latinoamericanos no quieren conocer si están infectados (D6). Os dirigentes apontaram tanto dificuldades internas, relativas diretamente às associações, como externas, no tocante ao sistema público de saúde e à sociedade em geral. Quanto às dificuldades internas, são destacados: o número reduzido de participantes das associações; a falta de tempo para os associados realizarem maior número de atividades; certo espírito de passividade dos associados quanto à doença de Chagas, em virtude de não apresentar ainda a esperança de cura. 109 Quanto às dificuldades externas, são acentuadas as deficiências do sistema de saúde, com a falta constante de medicamentos, descontinuidade dos acordos para o atendimento da doença, falta de equipamentos e serviços especializados. Quanto à sociedade em geral, foi destacada, principalmente, a desinformação sobre a doença de Chagas e a necessidade de seu tratamento. Com relação às ações e estratégias utilizadas pela associação para efetivar o direito à saúde, os dirigentes assinalaram: A associação abriu caminho para os doentes de Chagas compartilharem informações e se comunicarem com doentes de outras associações brasileiras e estrangeiras; conhecer as ações da associação Médicos Sem Fronteiras, Conselho Municipal de Saúde, Fórum de Patologias e elaborar os folhetos explicativos e ilustrativos sobre a doença de Chagas. Participação como Delegada nas Conferências de Saúde Municipal, Estadual, Nacional, Feiras de Ciências, Eventos relacionados à divulgação da doença, Movimentos reivindicatórios de Saúde para troca de conhecimento, enriquecimento de informações e fortalecimento do grupo (D1). A associação tem favorecido o trabalho com outras associações de portadores de doenças, na participação no Conselho Superior do Hospital Universitário onde há uma representação do usuário que é eleito através de um fórum de associações do qual a Accamp participa. A Associação mobiliza a discussão junto ao Conselho Municipal de Saúde para a formação de um fórum de associações da saúde e também a reivindicação de um espaço comum, junto à administração pública para o funcionamento deste fórum (D2). Promoción de la creación de Capital Social, que potencie la demanda de respuestas consistentes con los diversos determinantes de la problemática del Chagas. Promoción para el desarrollo de herramientas jurídicas, entendiendo que si no existe una ley de Chagas, no existe una fuente de ejercicio del derecho de las personas afectadas y sin preceptos específicos, no hay una obligación ni responsables por la acción u omisión, ni hay sustento de las acciones intersectoriales. Educación para la concientización y participación activa del sector privado, canalizada en la promoción de la ampliación de los esfuerzos de prevención, control, diagnóstico, tratamiento y otros, por medio del desarrollo de programas relacionados con la sustentabilidad de las organizaciones con y sin fines de lucro (D3). Primero hacer conocer que los pacientes están organizados y que tienen una voz para reclamar su derecho a la salud y el acceso a la atención para Chagas. Se ha establecido contactos con la planta médica y gerencial del hospital del pueblo, a quiénes se ha invitado varias veces a las reuniones quincenales de la Asociación, espacio donde la gente presentaba con su propia voz sus demandas, sus dudas y hasta a veces quejas. Este proceso ha sido muy bueno, porque los médicos escucharon a pacientes organizados y no a una persona que reclama por su derecho individual, sino un grupo, un colectivo que reclama por mucha gente que, aunque no estaba en la 110 reunión, representaba la voz también de ellos. También se ha involucrado a estas reuniones a autoridades municipales (concejales y Director de Desarrollo Humano), quienes asistieron también a la reuniones de la Asociación y comprometieron su apoyo a esta causa (D4). La principal estrategia ha sido la a asociación se tornou importante na luta contra doença de Chagas, sensibilización de quienes toman decisiones en materia de salud pública, llamese presidencia, ministerios, direcciones de salud local o departamental (D5). Actualmente está muy complicada la situación al acceso a la sanidad debido a los recortes hechos por el gobierno, pero nosotros estamos en tratativas con las autoridades sanitarias, las asociaciones de médicos, ONG solidarias para que puedan ser atendidas, esto en el caso de las personas que no tienen tarjeta sanitaria. Sin embargo las que sí la tienen, son atendidos en el sistema sanitario completamente gratuito, incluyendo el tratamiento (D6). A associação é uma das principais, senão a principal, estratégia reconhecida pelos dirigentes. Ao favorecer e fortalecer o trabalho com outras associações, abre caminho para a participação, o compartilhamento de conhecimentos, a troca de informações e o exercício da cidadania ao reivindicar seus direitos aos órgãos governamentais. A respeito do que tem favorecido e/ou conseguido no intercâmbio entre as associações e no estabelecimento do trabalho em rede para a efetivação do direito de acesso à saúde, os dirigentes apontaram o que segue: [...] visibilidade e credibilidade, o intercâmbio com as outras associações [...] nos deu um enriquecimento de informações e fortalecimento para o grupo da Diretoria. [...] participar de vários eventos, em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Recife, [...] na Primeira Assembleia Internacional de Doentes de Chagas, [...] na eleição da Federação Internacional de Associações de Doença de Chagas a (FINDECHAGAS); [...] Segunda Assembleia e a Presidência da Federação Internacional de Doentes de Chagas ficou com o Brasil, sendo Campinas e São Paulo representando a Presidência, Recife, a Tesouraria da Federação, isto é um grande avanço da nossa associação, com isso nossa associação está tendo grande visibilidade no mundo (D1). [...] a associação estabeleceu uma rede de contato com a Associação dos Portadores de Doença de Chagas e Insuficiência Cardíaca de Recife-PE e a Associação dos Chagásicos da Grande São Paulo [...] o apoio do Grupo de Estudos em Doença de Chagas da Unicamp [...] está mobilizando uma discussão junto ao Conselho Municipal de Saúde para que seja discutida a formação de um fórum de associações da saúde e também a reivindicação de um espaço comum, junto à administração pública, para o funcionamento deste fórum (D2). 111 Más que organizaciones hemos conocido, personas afectadas por el Chagas de otros países. La estructura organizacional y la capacidad de una gestión que favorezca el intercambio de ideas, contactos y conocimientos para el mutuo beneficio es aún muy escasa (no significa que no exista, sino que nosotros no la hemos evidenciado ni reflejado con nuestros intercambios) y tal vez podríamos encontrar determinantes culturales, económicos y sociales. La voz de la asociación para los pacientes de Chagas era mucha alegría y todos. Claro que no podemos generalizar, pero mayormente hemos encontrado un predominio de una interacción organizacional pobre o no consecuente con nuestras expectativas. Hemos conocido personas con necesidades específicas, de diferentes países, con quiénes hemos cooperado en la urgencia, en la gestión de acceso e implante de marcapasos, por ejemplo, o acceso al diagnóstico y seguimiento, en el caso de pacientes crónicos de Santa Cruz y de Cochabamba, en Bolivia, que están fuera del sistema, no acceden a un seguro médico y no cuentan con recursos económicos para pagar por su asistencia médica (contamos con todos los intercambios por escrito que reflejan estas acciones concretas) (D3). Un caso concreto es la ayuda que se consiguió para nuestra compañera Cristina, que necesitaba un desfibrilador, que se gestionó a partir de la participación de Cristina e Yván Torrico a una reunión de Asociaciones en Brasil el año 2010. Esto fue una muestra de cómo el diálogo, el encuentro y el intercambio son vitales para despertar la solidaridad y encontrar respuestas a problemas como este caso de Chagas cardiológico. Esta respuesta, en el caso de Cristina, le ha devuelto a ella la esperanza de seguir con vida y con ganas de continuar en la lucha contra este mal. Se debe aclarar que la Asociación costó mucho iniciarla, pero luego tuvo una época de un año, aproximadamente que tuvo muchas actividades y con buenos resultados. En la actualidad está inactiva por problemas internos entre los miembros de la directiva (D4). En Colombia solo existe, y hemos logrado muchas cosas positivas para el país, entre ellas esta que presidencia de la Republica incluyera el Chagas dentro de su plan decenal de salud, y que la enfermedad de Chagas haya sido incluida dentro del plan obligatorio de salud, ahora su régimen de salud debe cubrirle el medicamento para el Chagas, pero aun hay problemas como que el paciente, ni él medico conoce la norma, y tampoco hay disponibilidad del medicamento (D5). Realmente la formación de las asociaciones de afectados por la enfermedad ha favorecido enormemente en la consecución de beneficios y derechos para los afectados, ya sea en el ámbito personal como del conjunto y sus familiares. Mediante ellas se ha logrado que sean reconocidos en el ámbito de instituciones sanitarias, ya sea de atención médica como psicológica, tanto en los países de origen como de destino. La formación de la asociación dio satisfacción a los pacientes de Chagas. Sobre todo uno de los grandes logros ha sido la conformación de la Federación Internacional de Personas afectadas por la enfermedad de Chagas (Findechagas), para ser reconocidos en el ámbito mundial y uniendo sus voces ser escuchados en todo el mundo (D6). O intercâmbio entre as associações deu credibilidade e visibilidade às associações de doentes de Chagas, de modo a permitir que os dirigentes e os 112 membros conhecessem as outras associações, tantos nacionais quanto internacionais. Esses intercâmbios apresentaram um leque de possibilidades, pois proporcionam o intercâmbio de ideias, contatos e conhecimento para si e em benefício de todos. O intercâmbio torna-se vital ao despertar a solidariedade mútua entre as associações e também tem favorecido a relação com as autoridades sanitárias dos países, bem como vai ao encontro do pensamento de D6 que expressa, ao dizer la unión hacela fuerza. De modo oportuno, é importante também registrar que nem sempre todas as ações vão ao encontro das necessidades e das expectativas das associações, conforme relatam: […] Claro que no podemos generalizar, pero mayormente hemos encontrado un predominio de una interacción organizacional pobre o no consecuente con nuestras expectativas […] (D3) e […] pero aun hay problemas como que el paciente, ni él medico conoce la norma, y tampoco hay disponibilidad del medicamento […] (D5). 1.2 Profissionais de Saúde Com relação à questão de como se sentem ao serem profissionais da saúde e membros das associações, assim se expressaram: A associação que participo enquanto membro do Conselho Científico tem registro, é de utilidade pública e composta por aproximadamente 50 associados. Nas reuniões mensais temos uma média de 15 participantes. Conta com dificuldades financeiras, pois a contribuição é espontânea, privilegiando a participação dos associados. As iniciativas para arrecadação são de poucos associados, tendo a maioria uma atuação pouco ativa. A preocupação central é por informações. Considero que há uma dificuldade dos associados, especialmente a Diretoria de ter uma atitude mais ativa, pois enfatizam muito a situação de dificuldade, na maioria das vezes não conseguindo identificar os avanços que tiveram desde a fundação. Há uma tendência de vitimização e com dificuldade de se colocarem também como sujeitos e responsáveis também pela transformação. É uma atitude contraditória. Acompanho as reuniões e procuro incentivar as iniciativas e trabalho na perspectiva do papel deles enquanto sujeitos coletivos (PS1). Como representante, acho que deveria ter mais pessoas comprometidas com a associação, tentar buscar alianças com associações mais fortes, como as ONGs. A experiência de fazer parte da associação, estar mais próximo dos doentes de Chagas tem sido muito gratificante e motivo de orgulho para mim. Apesar das dificuldades financeiras, a associação é um grande ganho para o doente de Chagas (PS2). 113 Ambos, em suas afirmações, demonstram a preocupação pelas questões financeiras e lembram-se da conquista significativa para o doente de Chagas. O PS2 relata a importância da associação para o doente de Chagas e a gratificação que é para si de sua função na associação. Por sua vez, o PS1 aponta sua inquietação quanto à dificuldade da Direção em reconhecer suas próprias conquistas. Com relação ao papel da associação, assim se manifestaram os profissionais de saúde: O papel é de agregar portadores de doença de Chagas, familiares e pessoas que se identificam com essa luta, procurando focalizar as questões mais amplas da saúde e de direitos enquanto cidadãos [...] informar os associados, a partir da participação de todos, multiplicar as informações para a comunidade e pessoas que possam ser portadoras e não fazem acompanhamento. Deve haver uma postura que contribua para que os associados superem as dificuldades com relação à doença, oferecendo apoio e esclarecimentos. Outro papel deve ser a articulação com conselhos de direitos, serviços de saúde, movimentos organizados da sociedade civis para fortalecimento das reivindicações e direitos (PS1). A associação é fundamental para os pacientes chagásicos, pois ela esclarece sobre a doença e derruba mitos. A união dos doentes de Chagas via associação faz com que a doença fique conhecida perante a sociedade e faz com que mais profissionais de saúde se interessem pelo tema, mais investigações sejam realizadas para descoberta de novas drogas para o tratamento e cura da doença (PS2). O papel de agregar é percebido de grande relevância para a associação, ao passo que informa e esclarece sobre seus direitos e desmitifica a doença perante a sociedade. Chama atenção dos profissionais de saúde pelas questões apresentadas pela mesma, para que mais investigações e estudos sejam realizados. No que tange às situações mais frequentes enfrentadas pela associação de doença de Chagas na sua cidade, no seu estado e/ou no seu país, os profissionais de saúde relataram: A dificuldade de acesso à assistência à saúde [...] atinge boa parte da população que não tem garantido a atenção de forma eficaz nas suas demandas, no acolhimento necessário, apesar da política de humanização na saúde. O usuário dos serviços de saúde, especialmente os portadores de doença de Chagas, conforme muitos relatam, enfrentam essa dificuldade quando buscam ou são contra referenciados para os serviços no nível de atenção básica. Há necessidade de uma melhor preparação da equipe de saúde no trato dessas questões, o que se encontra, nesse aspecto, nos serviços 114 especializados nesse atendimento, sendo a grande maioria integrada a centros de ensino e pesquisa, tendo também um papel fundamental na formação continuada. A associação enquanto movimento organizado tem seu papel na reivindicação de garantia e cumprimento dos direitos e algumas ações já ocorreram como de denunciar falta de medicamentos, encaminhamentos de moções em conferências nos níveis federal, estadual e municipal e para o Ministério da Saúde, o que fez com que o problema se tornasse público e a cobrança de solução para o mesmo. [...] as associações de doença de Chagas ainda não tiveram papel mais ativo junto aos conselhos locais de saúde e às secretarias municipais de saúde para divulgação do trabalho e colocação das demandas específicas na atenção ao doente de Chagas (PS1). A associação por ser constituída de pessoas simples, sem muitos recursos, não consegue patrocínio para o encontro anual. Devido aos seus poucos associados, talvez falta mais divulgação e um maior número de participantes, poderiam levar o assunto a outros hospitais, escolas públicas, etc. O atendimento pelo SUS ao doente de Chagas é ainda muito difícil, principalmente nas regiões mais desprovidas de recursos de saúde (PS2). Em ambos os relatos, fica explícita a ausência de uma equipe especializada nos serviços públicos de saúde para atendimento qualificado ao doente de Chagas, acompanhada da denúncia de falta de medicamentos. No que diz respeito às ações e às estratégias utilizadas pela associação para efetivar o direito à saúde, os profissionais de saúde assinalaram: [...] a articulação com o Conselho Municipal de Saúde para divulgar o trabalho e as demandas dos doentes de Chagas na luta por garantia de medicamentos, por uma atenção mais qualificada nos serviços de atenção básica; mobilização para formação do fórum de associações de saúde, reivindicação de um espaço junto à administração pública, para funcionamento da associação e/ou associações; representação no Conselho do Idoso considerando que grande parte dos portadores de Chagas são pessoas idosas, com demandas específicas neste ciclo de vida (PS1). A principal estratégia da Associação é a luta pelo direito à saúde de todos os doentes de Chagas, que também ajuda na divulgação no ambulatório para os doentes que vêm à consulta médica e/ou exames de laboratório, entregando o folheto informativo sobre a doença de Chagas. O paciente tem acesso à saúde através dos esclarecimentos de sua doença, o que acontece nas reuniões mensais. Há ainda a participação e organização dos encontros de doença de Chagas (PS2). 115 Os profissionais enfatizam a questão da luta pelo direito à saúde para todos, na articulação com os conselhos de saúde. A respeito do que tem favorecido e/ou conseguido no intercâmbio entre as associações e no estabelecimento do trabalho em rede, para a efetivação do direito de acesso à saúde, os profissionais de saúde assim apontaram: É fundamental a troca de saberes e experiências vividas em cada um dos territórios e também o apoio de representantes de organizações mundiais como Organização Mundial de Saúde, Médicos sem Fronteiras, DNDi. Há muitos desafios que são relativos a dificuldades internas e contradições especialmente na diretoria da FINDECHAGAS, na qual a ACCAMP ocupa a Presidência colegiada com a Associação de portadores de Chagas de São Paulo principalmente no que se refere ao papel de cada instância dessa diretoria, na concepção do papel de apoiador profissional e portador da doença de Chagas e também quanto à discussão do conteúdo de atividades, eventos dos quais a FINDECHAGAS é convidada a participar. Enfatizamos que as associações do Brasil que compõe esta diretoria têm conseguido fazer uma gestão colegiada de forma articulada e sem dificuldades, pois já têm participado de diversas atividades conjuntas ao longo de sua existência, como eventos, seminários, reuniões. A Accamp tem tido um papel de articular e sediar as reuniões da FINDECHAGAS no Brasil e se responsabilizado por todo o encaminhamento do registro da FINDECHAGAS, discutindo sempre neste coletivo brasileiro e informando e consultando os demais componentes da diretoria e da rede como um todo (PS1). Através do intercâmbio entre as associações, consegue-se esclarecer o maior número de pessoas, trocar informações, e ficamos sabendo das dificuldades de outras associações. Por exemplo: no encontro internacional que ocorreu na Espanha em 2012, soubemos das dificuldades que as associações da América do Sul enfrentam para adquirir medicamentos e esclarecimentos básicos sobre a doença (PS2). Diante dessa questão, destaca-se o surgimento da FINDECHAGAS, como um elemento impulsionador tanto no relacionamento do intercâmbio quanto na ideia de rede. Esse intercâmbio tem contribuído para a visibilidade das conquistas das associações, seus limites e dificuldades. 1.3 Membros Associados No que se refere a como se sentem ao participar da associação, os membros associados assim explicitaram: 116 Uma associação precisa de sócios, pessoas que se unem com objetivo comum, isso nos falta, elas querem só benefícios, não se aproximam daqueles que se esforçam para manter e fazer crescer a associação. A associação é um momento muito importante para todos nós doentes de Chagas. A doença será mais conhecida e podemos desejar mais e melhor atendimento para todos. Acho que todos deviam participar dessa alegria e satisfação de ter uma associação, para todo mundo lutar junto (MA1). A associação é interessante e precisa existir, nós, doentes de Chagas, temos que nos unir e se organizar para lutar pelos nossos direitos, agora vamos ficar mais conhecidos por causa da Associação e isso é importante para que centros saúde, em todo lugar, atendam os doentes de Chagas (MA2). Os membros associados, em suas respostas, revelam a consciência sobre a importância da existência da associação para os doentes de Chagas. A união dos doentes de Chagas e o compartilhamento de informações são vistos como papel relevante da associação. Com relação ao papel da associação, assim se manifestaram os membros das associações: A associação de doença de Chagas tem como buscar acesso ao tratamento, mesmo tendo direito não está disponível. Seu papel é muito importante na vida de todos nós, só assim podemos lutar e para termos mais serviços de saúde, mais médicos que se interessem por nós (MA1). Acho que vai unir todos os doentes de Chagas, vai ajudar e orientar pacientes e familiares de portadores de doença de Chagas (MA2). Os membros percebem o papel da associação para a união dos doentes de Chagas e na busca pela melhoria das condições de acesso aos direitos de saúde. A respeito das situações mais frequentes enfrentadas pela associação de doença de Chagas na sua cidade, no seu estado e/ou no seu país, os membros das associações relataram: Creio que a situação mais frequente enfrentada pela associação é que as pessoas só querem benefícios, não se envolvem. Isso dá muito trabalho. Os doentes de Chagas ainda não perceberam que a luta é de todos nós (MA1). A falta de membros na associação. Aqui em São Paulo é muito difícil trabalhar com pacientes de doença de Chagas, porque as pessoas 117 moram muito distante e isso faz com que pensem duas vezes antes de sair de casa para virem nas reuniões e quando vêm e assistem uma reunião, poucos voltam. Não sentem a importância da união, da força da Associação (MA2). A limitação no acesso aos serviços de saúde ainda é o problema mais frequente sentido pelo doente de Chagas, mas que critica a falta de participação de todos na luta para diminuir ou solucionar esses problemas. No que se refere às ações e estratégias utilizadas pela associação para efetivar o direito à saúde, os membros das associações manifestaram: Acho que as reuniões de orientações sobre doença, participação no Fórum de Patologia, no Conselho de Saúde: lugar que a gente discute a situação de saúde e divulgara doença de Chagas, a organização dos Encontros de Doença de Chagas e agora a criação da Federação. O direito nós temos e sabemos quais são, mas ainda está muito difícil garantir eles no nosso dia a dia! Apesar de tudo, ainda encontro muitas dificuldades para agendar consultas e exames. Os funcionários só dizem que é assim por causa de muita demanda, que não tem fim (MA1). A Associação em especial participa de reuniões no Fórum de patologia, tem representação e participação no Conselho de Saúde, para onde leva os problemas encontrados pelo doente de Chagas quando procura os serviços de saúde, a luta é continuada aqui em todos os lugares (MA2). Entre as principais ações e estratégias, está a possibilidade de levar os problemas para os fóruns competentes. No que se refere ao que tem favorecido e/ou conseguido no intercâmbio entre as associações e no estabelecimento do trabalho em rede para a efetivação do direito de acesso à saúde, os profissionais de saúde assim apontaram: A associação facilita a comunicação entre os doentes de Chagas, conhecer outras associações, saber que o problema da doença agora não está só aqui, mas em todo o mundo, agora com a Federação chamou mais atenção das autoridades para que o direito pelo atendimento médico seja reconhecido e dá mais forças para lutar todos juntos para melhoria de todos nós (MA1). A Associação, juntamente com outras associações, criou uma Federação internacional para que possamos juntos fortalecer e lutar a 118 nível mundial pelo direito à saúde e ao tratamento digno dos doentes de Chagas (MA2). A criação da FINDECHAGAS tem facilitado a troca de informações entre os pacientes, e eles identificam a criação dessa Federação como um meio propulsor das associações para avançarem na luta. As percepções obtidas dos participantes da pesquisa e registradas neste capítulo dão suporte à analise interpretativa dos seus significados, e que serão analisados à luz dos conceitos referenciais e autores apresentados no capítulo II desta tese. A concepção de democracia, segundo DAGNINO (1994), deve ser “ampliada e aprofundada de modo a incluir o conjunto de práticas sociais e culturais, [...] ir além de um regime democrático, uma sociedade democrática” Desse modo, o processo associativo da doença de Chagas pode ser pensado por meio de suas iniciativas coletivas como um meio promissor para o desenvolvimento de uma democracia ativa e participativa. As respostas apontam a união e a solidariedade como elementos presentes e muito destacados entre os participantes da pesquisa. Isso demonstra que o exercício de participar nas e entre as associações, junto com outros doentes de Chagas, de lugares e língua diferentes possibilita aos participantes o despertar de sua cidadania, ou seja, de ouvir e falar de problemas comuns e que podem ser amenizados ou solucionados pela ação política da associação, assim expressada: [...] Primero hacer conocer que los pacientes están organizados y que tienen una voz para reclamar su derecho a la salud y el acceso a la atención para Chagas.; […] A associação abriu caminho para os doentes de Chagas compartilharem informações e se comunicarem com doentes de outras associações brasileiras e estrangeiras; troca de conhecimento, enriquecimento de informações e fortalecimento do grupo. O espaço democrático das associações de doença de Chagas proporciona também a discussão e ação coletiva para combater a doença e os problemas dela decorrentes, os encoraja como sujeitos coletivos para encaminhar e retratar essas 119 questões às autoridades sanitárias competentes e, assim, reivindicar seu direito à saúde. […] y hemos logrado muchas cosas positivas para el país, entre ellas esta que presidencia de la Republica incluyera el Chagas dentro de su plan decenal de salud, y que la enfermedad de Chagas haya sido incluida dentro del plan obligatorio de salud, ahora su régimen de salud debe cubrirle el medicamento para el Chagas. O processo associativo da doença de Chagas, agora ampliado com a criação da FINDECHAGAS, favorece e é favorecido pelo trabalho em “rede, conceito propositivo utilizado por atores coletivos como estratégia de ação coletiva, uma nova forma de organização e ação coletiva” […] SCHERER-WARREN, (1999). Essas percepções sobre o trabalho em rede das associações são salientadas nas respostas dos participantes: a associação estabeleceu uma rede de contato com a [...] está mobilizando uma discussão junto ao Conselho Municipal de Saúde para que seja discutida a formação de um fórum de associações da saúde e também a reivindicação de um espaço comum, junto à administração pública, para o funcionamento deste fórum. La formación de la asociación dio satisfacción a los pacientes de Chagas. Sobre todo uno de los grandes logros ha sido la conformación de la Federación Internacional de Personas afectadas por la enfermedad de Chagas (Findechagas), para ser reconocidos en el ámbito mundial y uniendo sus voces ser escuchados en todo el mundo. A articulação e formação da FINDECHAGAS “desencadeou um processo de discussão em torno da garantia de seus direitos por uma assistência qualificada no acesso à saúde” (CAMARGO; GUARIENTO, 2011, p.34). O papel de participante coletivo e ativo na associação e agora da FINDECHAGAS traz um significado importante para todos no enfrentamento da doença e na busca de respostas consistentes para os problemas causados pela doença. As respostas dos profissionais de saúde, analisadas, evidenciam o papel importante da associação na vida dos doentes de Chagas que se apresentam mais reivindicadores e politicamente mais atentos às questões que os cercam e sujeitos protagonistas de sua história. [...] haver uma postura que contribua para que os associados superem as dificuldades com relação à doença oferecendo apoio e 120 esclarecimentos. [...] a articulação com conselhos de direitos, serviços de saúde, movimentos organizados da sociedade civis para fortalecimento das reivindicações e direitos. [...] faz com que a doença fique conhecida perante a sociedade e faz com que mais profissionais de saúde se interessem pelo tema, mais investigações sejam realizadas para descoberta de novas drogas para o tratamento e cura da doença. Algumas concepções ressaltam o papel das associações como instrumento de reivindicação da garantia e cumprimento de seus direitos, e isso acontece por meio das denúncias nos Conselhos gestores de saúde, dos quais alguns associados, doentes de Chagas, fazem parte. Nota-se que mesmo diante das adversidades apresentadas para sua existência e manutenção, as associações vão quebrando resistências, ao se valerem e quebrarem preconceitos e o estigma da doença. A exemplo de ajuda mútua e solidariedade, a relação entre associações, em uma perspectiva de colaboração e aproximação, tem efetivado a concessão de material, uma a outra, para o tratamento ao doente de Chagas. A realização do intercâmbio de informações e troca de saberes têm contribuído para percepção sobre as conquistas e, até então, limitações. Contudo, ressaltam-se alguns aspectos que têm sido apresentado de modo a não atingir as expectativas das associações como, por exemplo, o desinteresse da comunidade e por conseguinte da sociedade, o número insuficiente de associados, a questão da estrutura organizacional e, ocasionalmente, capacidade administrativa da associação. Os doentes de Chagas, associados ao mesmo tempo em que ressaltam as dificuldades e limitações da participação de seu pares na associação, assinalam como principal preocupação de todos a insuficiência de oferta de serviços de saúde. Observa, ainda, as falhas de comunicação internas entre seus membros associados e com a FINDECHAGAS, os interesses individuais, postos acima dos da Associação ou do país que representam, o desinteresse da sociedade e do Estado perante a doença e o doente de Chagas. 121 A força da associação é demonstrada por diálogo, encontro e troca para construir a solidariedade e encontrar respostas para problemas da doença de Chagas. Assim, nota-se a dificuldade que o dirigente tem em meio a diversas questões que implicam uma gestão, de perceber seu próprio amadurecimento e reconhecimento. O associativismo exerce relevante papel como espaço de articulação das demandas do doente de Chagas e das reflexões sobre as questões que apresentam, representando, assim, um sinal de interesse, mobilização e integração de todos os envolvidos. Seus sujeitos coletivos e políticos surgem com uma nova postura como cidadãos, como DAGNINO salienta: A nova cidadania assume uma redefinição da idéia de direitos, cujo ponto de partida é a concepção de um direito a ter direitos [...] inclui não somente o direito à igualdade, como também o direito à diferença, que especifica, aprofunda e amplia o direito à igualdade (DAGNINO 2004, p. 104) Enfim, se pode afirmar que a criação e organização das associações de doença de Chagas e a experiência de construção do trabalho em rede se tornam estratégia importantes, reconhecidas pelos dirigentes, pelos portadores da doença e pelos profissionais de saúde de Chagas, ao favorecer e fortalecer o trabalho com outras associações, abrindo caminho para a participação, o compartilhamento de conhecimentos, a troca de informações e o exercício da cidadania ao reivindicar seus direitos aos órgãos governamentais. 122 2. TECENDO SIGNIFICADO SOBRE O PROTAGONISMO DAS ASSOCIAÇÕES NACIONAIS E INTERNACIONAIS DE DOENÇA DE CHAGAS 2.1 A Federação Internacional das Pessoas Afetadas pela Doença de Chagas (FINDECHAGAS): uma rede social em construção A partir da construção da FINDECHAGAS, em 2013, embora idealizada em 2009, conforme exposto no final do Capítulo IV, pode-se observar seus primeiros passos no nível interno e externo. No nível interno, cabe ressaltar como significativas, no aspecto de fortalecimento de sua organização, as seguintes iniciativas: a produção de um logotipo para sua identificação; a proposta de criação de um grupo consultivo para ampliar a assessoria e colaboração dos membros das associações e de outras organizações; a elaboração do plano de captação de recursos; e a realização das primeiras reuniões semestrais de avaliação das ações da FINDECHAGAS. No nível externo, vale destacar como significativas: a carta enviada aos Ministros de Saúde dos países que têm associações de doença de Chagas; o estreitamento das relações com a OMS, DNDi e MSF; a participação na Reunião da Plataforma de Investigação Clínica, realizada em 2012, no Rio de Janeiro; a ratificação do dia 14 de abril como data internacional da doença de Chagas; o logotipo da FINDECHAGAS traduzindo a figura de um enorme coração emergindo do globo terrestre, em busca da visibilidade da doença de Chagas no mundo; e a criação de uma página da FINDECHAGAS na web como instrumento de ligação e intercâmbio entre todas as associações filiadas e organizações da área da saúde, para troca de informações e comunicações em geral. São esses níveis que têm viabilizado a materialização da FINDECHAGAS como rede social em construção. E, a partir daí, lutar por suas bandeiras, dentre as quais se destacam: 123 • O desenvolvimento de ações que combatam a discriminação e o estigma que envolve os portadores da doença; • A intensificação da comunicação e ações conjuntas entre as associações; • O fortalecimento e apoio técnico para que os portadores sejam os sujeitos protagonistas da FINDECHAGAS; • A democratização das informações à rede de associações que compõem a FINDECHAGAS em um processo amplo de discussão para tomada de decisões; • A melhoria da atenção das várias políticas sociais em nível mundial, especialmente a de saúde, com ações destinadas ao portador de doença de Chagas quanto à prevenção, ao diagnóstico, ao tratamento e à medicação; • A proteção social (garantia de benefícios); • O fortalecimento da rede de associações que integram a FINDECHAGAS na perspectiva do associativismo e da participação social; • A articulação com organizações, instituições governamentais e não governamentais, para o avanço de estudos, pesquisas e ações que visem à melhoria da atenção ao portador de doença de Chagas; • A participação em eventos, seminários, assembleias, tendo como sujeito central o portador da doença de Chagas. A consecução dessas propostas tem implicado em determinados avanços, limites e desafios. Podemos caracterizar como avanços: a afirmação e o fortalecimento da FINDECHAGAS com a ampliação de novas associações7, enquanto uma rede; a democratização de ações conjuntas das associações para a garantia de direitos do portador em nível mundial; o lançamento da luta mundial de combate à Enfermidade 7 Novas associações filiadas à Findechagas: Associazione Italiana per la Lotta alla Malattia di Chagas (AILMAC) (2013, na Itália); Associação Mexicana de Pessoas Afetadas pela Doença de Chagas (AMEPACH) (2012, na cidade de Oaxaca, no México), e Latin American Society of Chagas disease (LASOCHA), (2013 em Virgina, EUA). 124 de Chagas; a realização de eventos em vários países para disseminar conhecimento sobre a doença de Chagas; a efetivação do registro formal da FINDECHAGAS e o apoio à aprovação da Lei que institui 14 de abril como dia do portador e de combate à doença de Chagas; as reivindicações aos governos dos países associados à FINDECHAGAS de políticas sociais e de saúde que contemplem as necessidades dos doentes de Chagas. A FINDECHAGAS, no que se refere aos seus limites iniciais, tem encontrado dificuldades, principalmente na comunicação entre os seus membros que não dominam uma das três línguas utilizadas: português, espanhol e inglês. Quanto à divulgação dos projetos e ações desenvolvidas, há dificuldades para atingir todos os portadores de doença de Chagas, particularmente aqueles que não têm acesso à internet. Com relação à captação de recursos financeiros para o desenvolvimento das ações propostas, há dificuldades entre as diferentes associações, o que leva algumas a participarem de maneira restrita. Cabe ainda uma preocupação quanto à adequada capacitação técnico-político-administrativa dos dirigentes das associações e da FINDECHAGAS, em virtude do pioneirismo do trabalho em rede na área da doença de Chagas. Quanto à participação dos pacientes, dos familiares e de outras pessoas interessadas na doença de Chagas e no trabalho em rede, não é semelhante, variando conforme as diferentes associações e países envolvidos e atuantes. Como desafios, evidenciam-se: a necessidade de fortalecimento da FINDECHAGAS, sempre tendo o associativismo e a participação como metas fundamentais; a garantia de uma política de atenção na prevenção, no diagnóstico e no tratamento sustentável ao portador de doença de Chagas; a vigilância para que as pesquisas avancem na eficácia dos medicamentos e o acompanhamento e reivindicação aos governos de cada país quanto às políticas com ações efetivas na atenção à saúde, assistência e previdência social, em especial ao portador de doença de Chagas, garantindo, assim, sua proteção social. A experiência inicial do trabalho em rede da FINDECHAGAS explicita a disseminação dos conhecimentos sobre a doença de Chagas, a ampliação da 125 visibilidade dos problemas de saúde pública acarretados pela doença, a necessidade de uma luta contínua pelo acesso universal ao tratamento integral e acompanhamento adequado da doença de Chagas, a ativa participação da sociedade na proposição ao Estado de políticas sociais. Dessa forma, a FINDECHAGAS, enquanto rede social, pode ser vista como “uma estratégia de ação coletiva, baseada numa cultura solidarística, cooperativa, horizontalizada e mais democrática, para uma nova forma de organização da sociedade”, conforme preconiza Scherer-Warren (1999, p. 23). Pode-se afirmar que a FINDECHAGAS tem realizado o desenvolvimento de sua proposta, mediante trabalho em rede. Conforme aponta Scherer-Warren (1999), as redes sociais são estratégias fundamentais nesta era da globalização e das novas tecnologias, não para adaptar os sujeitos ou para ocupar o lugar do Estado, que não responde às expressões da questão social, mas são entendidas como uma das formas potenciais de arregimentar forças coletivas diante do capitalismo globalizado, potencializando as lutas dos trabalhadores em todo o mundo. A FINDECHAGAS, enquanto rede social em construção, expressa o pensamento de Scherer-Warren (2006) de que a nova sociedade civil organizada, consciente e participativa, tende a ser uma sociedade de redes organizacionais de redes interorganizacionais e de redes de movimento e de formação de parcerias entre as esferas públicas e privadas, criando novos espaços de governança com o crescimento da participação cidadã. Desse modo, as redes de mobilizações sociais possibilitam a transposição de fronteiras territoriais, articulando as ações locais às regionais, nacionais e transnacionais; temporais, lutando pela indivisibilidade de direitos humanos de diversas gerações históricas de suas respectivas plataformas; sociais, em seu sentido amplo, compreendendo o pluralismo de concepções de mundo dentro de determinados limites éticos, o respeito às diferenças e à radicalização da democracia por meio do aprofundamento da autonomia relativa da sociedade civil organizada. 126 Dessa maneira, o processo organizativo e participativo da FINDECHAGAS, baseado nas associações de doença de Chagas, prossegue e desenvolve em seus participantes laços significativos de afetividade e solidariedade que marcam seu protagonismo. O protagonismo em construção da FINDECHAGAS pela ação coletiva, organizada e participada das associações de doença de Chagas, possibilita a viabilização de uma rede de relações que se sustenta, paralelamente com os laços afetivos, em trocas recíprocas de vivências e busca de soluções comuns. As aproximações interpretativas aqui realizadas sobre as experiências das associações nacionais e internacionais da doença de Chagas e da FINDECHAGAS permitem afirmar que a ação estratégica democrática e participativa dos dirigentes e associados possibilita uma nova visão e compreensão da doença de Chagas nos âmbitos nacional e internacional, buscando que esta não seja mais considerada uma doença negligenciada. Concluindo, pode-se ressaltar que o processo associativo da doença de Chagas no âmbito nacional e internacional, em termos de trabalho em rede, protagonizado pela FINDECHAGAS, revela uma competência que vai se configurando em torno do compromisso de luta permanente de seus membros pelo direito de acesso à saúde, pela qualidade dos serviços públicos oferecidos em prol dos portadores da doença de Chagas e da sociedade em geral e pela contribuição ao aprofundamento da democracia participativa e da cidadania ativa em um mundo em rápida e contínua transformação econômica, social, política, cultural e ambiental. 127 CONSIDERAÇÕES FINAIS A título de síntese, o tema desta tese tem sua origem histórica tanto no Brasil quanto no plano internacional. No Brasil, sua gênese relaciona-se desde o MRS até a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a construção do SUS, entre 1986 e 1990. No plano internacional, a partir da década de 1980, acentua-se o processo de globalização e o desenvolvimento acelerado da eletrônica, da informática e dos meios de comunicação de massa. No Brasil e no plano internacional, há, em consequência, grandes e profundas transformações nas áreas social, econômica, cultural, política e de imigração com hegemonia do capitalismo global neoliberal e das lutas pelo processo de democratização dos países sob ditaduras, principalmente da América do Sul. Foi nesse contexto que, a partir da sociedade civil, surgiram os movimentos sociais, o associativismo civil, as redes sociais pela democratização, participação social e construção de uma cidadania ativa para a proposição e efetivação de políticas sociais ao Estado, com ênfase inicial na saúde, definida constitucionalmente como um direito social com a assistência social e a previdência social, formando a seguridade social. Para a compreensão desse contexto, examinou-se a produção acadêmica e bibliográfica das Ciências Sociais, com destaque para a Sociologia Brasileira Contemporânea, bem como para a produção do Serviço Social, especialmente na área da Saúde. Em relação às Ciências da Saúde, fundamentou-se o estudo da doença de Chagas em autores/pesquisadores brasileiros, bem como em documentos históricos/institucionais. Com base nesses elementos, foi possível uma aproximação objetiva ao tema, ou seja, a trajetória histórica das associações nacionais e internacionais de doença de Chagas, seu processo e desenvolvimento até a constituição efetiva da FINDECHAGAS, enquanto trabalho em rede global para o enfrentamento da doença de Chagas, tendo em vista a concretização do direito à saúde no Brasil e nos países das Américas, Europa e Austrália. 128 A pesquisa em questão teve sua hipótese confirmada à resposta norteadora, isto é, as associações de doença de Chagas nacionais e internacionais, enquanto rede nacional e internacional - FINDECHAGAS - constituem-se em estratégia democrática ao dar crescente visibilidade à doença de Chagas como um problema de saúde pública e oportuniza aos seus membros possibilidades de participação ativa e coletiva, com vistas à efetividade de assistência integral a essa doença e às melhores condições de vida e saúde de seus portadores. A partir desses resultados, as aproximações interpretativas sobre as experiências das associações nacionais e internacionais de doença de Chagas, enquanto rede global - FINDECHAGAS - permitem destacar que, embora idealizada em 2009 e constituída oficialmente em 2013, portanto, ainda dando seus primeiros passos, já apresenta avanços significativos, bem como dificuldades, limites e desafios, nos quais seus dirigentes e membros se empenham comprometidamente, individual e coletivamente, para solucioná-los. Trata-se de uma experiência inovadora e promissora, tanto no nível das associações de cada país associado quanto no nível da FINDECHAGAS, enquanto instituição/rede internacional que dá crescentemente visibilidade à doença de Chagas, até então pouco relevante para os centros de pesquisa científica, para o tratamento especializado de seus portadores, para as políticas públicas no controle e prevenção da doença. Vale ressaltar, porém, que o Brasil foi o pioneiro no descobrimento da doença, pelo médico sanitarista Carlos Chagas, em 1909, bem como o criador da primeira associação da doença de Chagas, a Associação dos Portadores de Doença de Chagas, Insuficiência Cardíaca e Miocardiopatia (APDCIM), em Recife, em 1987, seguida da ACHAGRASP, em 1999, e da ACCAMP, em 2000. Com a criação dessas primeiras associações, os doentes de Chagas passaram a ser sujeitos protagonistas participantes das questões referentes não só ao processo de seu tratamento, como dos problemas de saúde em geral. As associações internacionais, a partir da Espanha, em 2002, surgiram com o processo de imigração de doentes de Chagas brasileiros e latino-americanos, 129 tendo em vista a necessidade da criação de uma assistência especializada, até então inexistente, e o estímulo à participação e à maior inserção dos doentes na vida social e política das suas cidades-sede. É possível considerar que essas associações internacionais, apoiadas e incentivadas pela OMS, MSF e DNDi, passam a reconhecer a doença de Chagas como uma questão de saúde pública mundial. O trabalho em rede da FINDECHAGAS demonstra e confirma, progressivamente, essa dimensão mundial da doença de Chagas, bem como articula as lutas para efetividade do direito à saúde. Nesse sentido, pode-se assinalar que, embora o reconhecimento da dimensão mundial da doença de Chagas signifique um avanço relevante, no tocante à perspectiva da efetividade do direito à saúde, o trabalho em rede pela FINDECHAGAS exige contínua articulação e participação nos níveis nacional, regional e local, tendo em vista que o portador de doença de Chagas mora e vive em um município. Daí que a integração entre o local/global e global/local constitui um núcleo desafiador para as relações sociais no processo da globalização contemporânea. Essa interação requer que cada associação membro da FINDECHAGAS, no trabalho em rede, busque melhor qualificação técnico-político-administrativa de todos os participantes para que suas ações tenham convergência e força de união e para promover transformações necessárias à concretização do direito à saúde. Cabe dizer ainda que, para o aprofundamento do tema aqui pesquisado, outros estudos se fazem necessários, a exemplo da questão da dinâmica do trabalho em rede de cada associação constituinte da FINDECHAGAS com suas particularidades, possibilidades e formas de compartilhamento de experiências. No que se refere ao Serviço Social, sua presença e ação na FINDECHAGAS é, na atualidade, restrita a associações brasileiras, realizando capacitações, assessorias e outras ações para que se constituam e se consolidem enquanto sujeitos coletivos e políticos que lutam por uma sociedade democrática, justa e solidária. 130 A expansão da atuação profissional dos assistentes sociais em associações internacionais de doença de Chagas é, assim, uma aspiração e um desafio, tendo em vista que, com os demais profissionais, a proposta da FINDECHAGAS certamente terá condições mais adequadas para alcançar e desenvolver seus objetivos. O importante, como diz Paulo Freire, é que “[...] ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, sem aprender a refazer e retocar o sonho por causa do qual a gente se pôs a caminhar” (1992, p. 155). 131 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Celia Maria. O. SUS que queremos: sistema nacional de saúde ou subsetor público para pobres?. 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Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 1993. 147 APÊNDICE 148 FORMULÁRIO PARA OS DIRIGENTES DAS ASSOCIAÇÕES, PROFISSIONAIS DE SAÚDE, DOENTES DE CHAGAS ASSOCIADOS. Exponha sua percepção sobre os seguintes tópicos: 1. A associação que você participa e representa. 2. O papel da Associação de Doença de Chagas. 3. As situações mais frequentes enfrentadas pela associação de doença de Chagas na sua cidade, no seu estado e no seu país. 4. As ações e estratégias utilizadas pela sua associação na busca da efetivar o direito de acesso à saúde. 5. O que tem favorecido e /ou conseguido as associações de Doença de Chagas no intercâmbio entre as associações e no estabelecimento do trabalho em rede com todas as associações para a efetivação do direito de acesso à saúde. 149 Relatório 7 de dezembro de 2011 – Visita ao Instituto Catalão de Saúde e Unidade de Medicina Tropical de Saúde Internacional Drassanes em Barcelona, Espanha, previamente agendada com a secretaria e agente de saúde Estefa Choque, onde entrevistamos a presidente da ASAPECHA Barcelona, Giovana Moleira, o médico Dr. Jordi Gómez i Prat e a enfermeira Isabel Claveria Guiu. O primeiro a nos transmitir informações foi Dr Jordi Gómez i Prat, médico especialista em doenças tropicais, título obtido pela Fundação Osvaldo Cruz-FIOCRUZ, no Rio de Janeiro, onde estudou e morou durante 5 anos. Ele nos informa que o Instituto Catalão de Saúde e Unidade de Medicina Tropical de Saúde Internacional Drassanes em Barcelona fez um trabalho de treinamento/orientação com os médicos clínicos gerais, das Unidades de Saúde da Espanha, sobre a detecção, diagnóstico e tratamento da doença de Chagas principalmente com os usuários latinos, procedentes de regiões endêmicas da América do Sul. O Instituto Catalão de Saúde e Unidade de Medicina Tropical de Saúde Internacional Drassanes em Barcelona tem em seu quadro de funcionários 7 médicos, 7 enfermeiros efetivos e 8 Agentes de Saúde, de várias nacionalidades (Bolívia, África, Paquistão, etc.), com contrato de trabalho mantido pelo próprio Instituto, com verbas advindas pelos vários projetos desenvolvidos com doentes de Chagas. A característica principal do trabalho de Agente de Saúde é ser mediador entre a comunidade de latinos e os serviços de saúde. Giovana, atual presidente da ASAPECHA Barcelona doente de Chagas, natural de Cochabamba, Bolívia, onde trabalhava no campo, veio para a Espanha à procura de melhores condições de vida, saúde e trabalho. Na Espanha foi morar próxima a Comunidade Boliviana, onde é realizado um trabalho de aproximação, realizado pelos Agentes de Saúde com os migrantes latinos, para informações e orientações sobre doenças, como e onde procurar assistência médica. Ela refere que a maior preocupação dos migrantes latinos é com relação aos filhos e outros familiares que ficaram no país de origem ao saber que estes não têm acesso aos recursos de saúde e tratamento da doença de Chagas, como tem na Espanha. Quanto à resistência ao controle e tratamento da doença nos serviços de saúde na Espanha, alguns migrantes resistem, porque sabem que a doença não tem cura e, assim, esperam os 150 sinais e sintomas da doença aparecerem no organismo e também porque estão mais preocupados em garantir seu posto de trabalho, ainda mais agora com a crise econômica e social que abala os países da zona do euro. A Asociación de Amigos de las Personas Con La enfermedad de Chagas – ASAPECHA de Barcelona nasceu pela mobilização e organização dos migrantes latinos, em sua maior parte constituída por bolivianos que são assistidos nos serviços de saúde espanhóis. A ASAPECHA tem algumas características que unem e mobilizam a comunidade latina na Espanha, como a criação de um time de futebol com migrantes latinos, estratégias de acesso da comunidade latina aos serviços de saúde, a detecção das necessidades das pessoas com a doença de Chagas, intervenções em caráter individual por parte do agente comunitário de saúde para informar, acompanhar, localizar as pessoas com doença de Chagas e mediar questões que impedem a permanência e/ou acesso ao tratamento do migrante doente. As novas linhas de trabalho da ASAPECHA de Barcelona são: fortalecer e ampliar os laços com as outras ASAPECHA na Espanha, continuar levantando outras comunidades da América Latina, procurar inscrever novos associados e trabalhar em rede com outras associações. 151 ANEXOS 152 Carta de Olinda Manifesto de Olinda Em Uberaba, do dia 19 a 20 de outubro de 2009, após haver sido analisadas as questões que dizem respeito à Doença de Chagas em nível global, continental, regional e local, por meio de cada associação presente ao primeiro encontro – Associação dos Chagásicos de Grande São Paulo (São Paulo, Brasil); Asociación de Amigos de las Personas con la Enfermedad de Chagas (Valencia e Barcelona, Espanha); Associação dos Chagásicos de Campinas e Região (Campinas, Brasil); Associação de Portadores de Doença de Chagas e Insuficiência Cardíaca (Recife, Brasil); Fundación Amigos con Chagas (Venezuela) – subescrevemos por unanimidade que, Ratificando na Segunda Reunião ocorrida em Olinda de 4 ao 6 de outubro de 2010, com a presença das associações Chagas Disease Alliance (Argentina); Asociación de Amigos de las Personas con la Enfermedad de Chagas (Valencia, Barcelona e Murcia, Espanha); Fundación de enfermos de Chagas por la vida (Colombia); Fundación Unidos contra el Chagas (Venezuela); Corazones Unidos por el Chagas (Cochabamba, Bolívia); Asociación de Lucha contra el Chagas (Aiquile, Bolívia); Associação dos Chagásicos de Grande São Paulo (São Paulo, Brasil); Associação dos Chagásicos de Campinas e Região (Campinas, Brasil); Associação de Portadores de Doença de Chagas e Insuficiência Cardíaca (Recife Brasil); Fundación Amigos con Chagas (FUNDACHAGAS, Venezuela) emitimos o presente manifesto afirmando que, Por meio da formação de uma Federação Internacional de Pessoas Afetadas pela Doença de Chagas, abordamos este complexo problema de uma forma integral, interpretando as realidades das pessoas afetadas por esta enfermidade. Considerando a multiplicidade e complexidade destas realidades, estes são os princípios que guiam nosso trabalho de solidariedade e luta coletiva em favor das pessoas afetadas pela doença de Chagas. Formamos um grupo de pessoas que convivem diariamente com a doença de Chagas. Somos pessoas, familiares e amigos afetados pela doença de Chagas; 153 somos equipes que atuam diretamente com as pessoas afetadas por ela. Buscamos incluir nesta rede o maior número possível de pessoas sensibilizadas e afetadas pela enfermidade para poder garantir nossa identidade e voz. Independente de origem e condição social, afirmamos que somos todos indivíduos com direitos e deveres diante do cotidiano social, e nenhum esforço será em vão para garantir o respeito a estes direitos. Reconhecemos a informação, educação e comunicação como ferramentas essenciais para aumentar o conhecimento e combater estigmas e a indiferença e garantir os direitos das pessoas. Informar, educar e comunicar sobre os meios de transmissão é tão importante quanto às orientações acerca de diagnóstico, tratamento e acompanhamento, assim como a compreensão de qualidade de vida em sua totalidade. Urgimos a continuidade e o fortalecimento das iniciativas de prevenção. Entendemos que as ações de prevenção são um componente fundamental no combate à doença. Um comprometimento maior dos Estados e das sociedades será exposto quando sua atuação contemplar, de maneira sistematizada e contínua, o controle vetorial, controle de bancos de sangue e serviços de transplante, prevenção de transmissão oral e vertical, e outras formas de transmissão, e ao mesmo tempo favorecendo condições dignas e qualidade de vida para as pessoas. Reivindicamos o acesso universal ao diagnóstico. É preciso que os médicos e demais profissionais de saúde recebam o treinamento adequado para identificar a infecção, do ponto de vista clínico e laboratorial, e saber tratá-la profissionalmente e assessorar adequadamente os afetados. A disponibilidade dos testes nas unidades de saúde garante o direito de que todos tenham acesso gratuito aos mesmos. Exigimos o acesso universal ao tratamento e ao acompanhamento adequado nas diferentes fases da doença. O tratamento integral do paciente e dos afetados pela doença de Chagas inclui a atuação de especialistas em diversas áreas, como as esferas social, jurídica, e psicológica. O alto custo de tecnologias e a burocracia não podem representar uma barreira para o acesso. A Federação pretende denunciar e buscar soluções coletivas para ultrapassar obstáculos. 154 Incentivamos a realização de pesquisa e desenvolvimento de melhores ferramentas tecnológicas. É preciso priorizar as necessidades de desenvolvimentos tecnológicos, considerando as particularidades dos contextos onde vivem as pessoas afetadas. O estabelecimento e fortalecimento de alianças estratégicas com as instituições que desenvolvem essas tecnologias permitem uma aproximação delas com as reais necessidades dos afetados pela doença de Chagas. É importante que essas novas ferramentas apresentem menos efeitos colaterais, possibilitando uma melhor qualidade de vida. Somos incondicionais na crença de que a doença de Chagas não é sinônimo de morte. Precisamos conhecer, enfrentar e difundir os desafios que afetam a pessoa que convive com a infecção. O ciclo de associação da pobreza e fome com a doença deve ser quebrado. Afirmamos a capacidade e direito das pessoas a um trabalho digno e garantias de proteção social, buscando combater a fome, o preconceito e outros estigmas sociais. Nenhum indivíduo deve ser submetido, sob nenhum pretexto, a exames de diagnóstico ou ter o resultado de seus exames divulgado e usado contra si. Nenhuma pessoa deve ser discriminada por ter a doença de Chagas. A Federação é o caminho para fortalecer a luta coletiva, o controle social e ampliar a representatividade política para garantir direitos fundamentais e o exercício pleno de cidadania. Com uma base de solidariedade e compromisso, afirmamos nesta carta de princípios a constituição de uma rede global de pessoas vivendo com a Doença de Chagas. Olinda, 5 de outubro de 2010.