Maria Barbosa da Silva - TEDE - PUC-SP

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP
MARIA BARBOSA DA SILVA
AS ASSOCIAÇÕES NACIONAIS E INTERNACIONAIS DE DOENÇA DE CHAGAS:
uma rede social para a efetividade do direito à saúde 1987/2012
DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL
SÃO PAULO
2014
2
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP
MARIA BARBOSA DA SILVA
AS ASSOCIAÇÕES NACIONAIS E INTERNACIONAIS DE DOENÇA DE CHAGAS:
uma rede social para a efetividade do direito à saúde 1987/2012
DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de Doutor em Serviço
Social, sob a orientação da Profª Drª Maria Lúcia Carvalho
da Silva.
SÃO PAULO
2014
3
FICHA CATALOGRÁFICA
Silva, Maria Barbosa.
AS ASSOCIAÇÕES NACIONAIS E INTERNACIONAIS DE DOENÇA DE
CHAGAS: uma rede social para a efetividade do direito à saúde 1987/2012,
154 p.; 30 cm
Tese Doutorado em Serviço Social - Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, São Paulo, 2014.
Orientadora: Silva, Maria Lucia Carvalho da
1. Associativismo. 2. Direito à saúde. 3. Doença de Chagas.
4. Rede social.
4
BANCA EXAMINADORA
__________________________________
__________________________________
__________________________________
__________________________________
__________________________________
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço a DEUS por dar-me capacidade de superar as dificuldades e iluminar o
meu caminho.
A meus pais (in memoriam), por terem me ensinado os valores sólidos da
honestidade, da justiça e, sobretudo, da solidariedade, que é o melhor de vocês que
permanece em mim.
À minha família; irmão(as); sobrinhos(as), pelo incentivo e apoio.
À professora doutora Maria Lúcia Carvalho da Silva, minha orientadora, por ter
aceitado a orientação, pelo acolhimento, respeito e por compartilhar de sua
sapiência.
Aos componentes da banca de qualificação pelas sugestões e contribuições.
Ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação da PUC-SP, um coletivo de
mestres que muito contribuiu para o meu enriquecimento intelectual, pessoal e
profissional, meu carinho e gratidão eterno.
À Professora Doutora Maria Emilia Ferreira, da Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologia (ULHT), pelo apoio e orientação durante o estágio em
Lisboa, Portugal.
Aos integrantes da banda de qualificação pelas contribuições que muito
enriqueceram o nosso trabalho.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pela
concessão de bolsa no exterior e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Agradeço às assistentes sociais da Seção de Serviço Social do Instituto Dante
Pazzanese de Cardiologia, pela compreensão, apoio, generosidade e acolhimento.
Aos companheiros de trabalho do Laboratório de Doença de Chagas do Instituto
Dante Pazzanese de Cardiologia, em especial, ao Dr. Abílio Augusto Fragata, pela
compreensão e por compartilharem comigo seus conhecimentos.
À assistente social Ana Maria de Arruda Camargo do Hospital de Clínicas da
Universidade de Campinas, pela atenção e companheirismo.
À Vânia Lima, meu agradecimento especial pelo companheirismo, pela paciência na
digitação e estética na tese.
Aos sujeitos doentes de Chagas, pela aceitação e participação na realização desta
pesquisa.
6
Às Associações Nacionais e Internacionais de Doença de Chagas e a todas as
pessoas que, de alguma maneira, me auxiliaram nessa conquista.
Às pessoas que acreditam e lutam por uma sociedade justa, solidária e fraterna, a
todos, o meu MUITO OBRIGADA.
7
É
A gente quer valer o nosso amor
A gente quer valer nosso suor
A gente quer valer o nosso humor
A gente quer do bom e do melhor...
A gente quer carinho e atenção
A gente quer calor no coração
A gente quer suar, mas de prazer
A gente quer é ter muita saúde
A gente quer viver a liberdade
A gente quer viver felicidade...
É!
A gente não tem cara de panaca
A gente não tem jeito de babaca
A gente não está
Com a bunda exposta na janela
Pra passar a mão nela...
É!
A gente quer viver pleno direito
A gente quer viver todo respeito
A gente quer viver uma nação
A gente quer é ser um cidadão
A gente quer viver uma nação...
É! É! É! É! É! É! É!... (Gonzaguinha).
8
SILVA, Maria Barbosa da. As associações nacionais e internacionais de Doença
de Chagas: uma rede social para a efetividade do direito à saúde 1987/2012. 154
f. Tese (Doutorado em Serviço Social) - Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 2014.
RESUMO
A presente tese tem como objeto o estudo da experiência do processo de construção
de uma rede de associações nacionais e internacionais de doença de Chagas voltada
para a efetividade do direito à saúde. O objetivo geral é analisar o processo de
criação e desenvolvimento das associações nacionais e internacionais de doença de
Chagas, no período de 1987 a 2012, culminado com a construção de uma rede de
natureza democrática e de assistência integral a essa doença e a melhores
condições de vida e saúde aos seus portadores. Definiu-se como pergunta
norteadora: as associações de doença de Chagas nacionais e internacionais, por si
próprias e em rede, constituem estratégia democrática para a concretização do
direito de acesso e efetividade de assistência a essa doença e a melhores condições
de vida e saúde de seus portadores? A hipótese formulada foi: as associações de
doença de Chagas, enquanto rede nacional e internacional – FINDECHAGAS –
constituem-se em uma estratégia democrática ao dar crescente visibilidade à doença
de Chagas como um problema de saúde pública e oportuniza aos seus membros
possibilidades de participação ativa e coletiva, com vistas à concretização e à
efetividade de assistência integral a essa doença e às melhores condições de vida e
saúde de seus portadores. Os referenciais conceituais centrais incidem sobre o
associativismo, a democracia, a cidadania, a participação e a rede social, em autores
notórios das Ciências Sociais e Saúde. Do ponto de vista metodológico, a pesquisa é
de natureza qualitativa e compreende pesquisa documental, bibliográfica e de campo.
Foram colhidos 10 relatos dos sujeitos participantes da pesquisa, cuja análise de
conteúdo, paralelamente com a observação participante da pesquisadora, revelaram
que a experiência em construção de uma rede das associações nacionais e
internacionais da doença de Chagas - FINDECHAGAS - constitui-se em uma
estratégia democrática, confirmando a hipótese levantada. Esse resultado, apesar da
etapa de construção/implementação da FINDECHAGAS, evidencia, contudo, tanto a
necessidade de crescente fortalecimento de vínculos, relações e articulação em rede
da FINDECHAGAS, quanto os desafios para a ampliação e melhoria de qualidade de
assistência aos doentes de Chagas nos níveis nacional e global, considerando,
nesse sentido, os contextos históricos de aprofundamento democrático dos países,
no presente e no futuro.
Palavras-chave: Associativismo. Direito à saúde. Doença de Chagas. Rede social.
Serviço Social.
9
SILVA, Maria Barbosa da. National and international associations of Chagas
disease: a social network for the effectiveness of the right to health
1987/2012. 154 f. Tese (Doutorado em Serviço Social) - Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2014.
ABSTRACT
This thesis studies the experience of the process of foundation of a network of
national and international Chagas disease associations that focuses on the
effectiveness of the human right to health care. The general objective is to analyze the
foundation and the development process of the national and international Chagas
disease associations during the years of 1987 to 2012, culminated with the
construction of a democratic full time network of assistance to the carrier of the
disease that also aims at better life and health conditions to them. The guiding
question of this thesis is: do the national and international Chagas disease
associations, on their own and on networks, constitute a democratic strategy that
enables the accomplishment of the right of access and the effectiveness of the
assistance to the carriers of the disease and of better life and health conditions? The
hypothesis is: the Chagas disease associations, as national and international
networks - FINDECHAGAS -, are constituted by a democratic strategy as they enable
an increasing awareness of the Chagas disease as a public health issue and gives
the opportunity to its partners to participate actively and collectively aiming the
achievement and effectiveness of the full time assistance to the disease and for better
life and health conditions to its carriers. The main conceptual references handle
associativism, democracy, citizenship, participation and social network approached by
notorious authors of the Biological and Social Sciences field. From the methodological
point of view, nature of the research is qualitative and includes documental,
bibliographic and field researches. Ten testimonies of participants of the research
were collected and they showed, along with the observer opinion of this researcher,
that the experience of the process of foundation of a network of national and
international Chagas disease associations is constituted by a democratic strategy,
and it confirms the hypothesis first proposed. This outcome, despite the
foundation/implement stage of the FINDECHAGAS, evidences, however, the need of
strengthening the bounds, relations and articulation among the network in face of the
challenges such as the increase and improvement of the quality of assistance in
national and global levels to the carriers of the Chagas disease, considering, in this
sense, the deepening democratic historic contexts of countries, in the present and in
the future.
Keywords: Associativism. Human right to health care. Chagas disease. Social
network. Social Work.
10
LISTA DE SIGLAS
ABRASCO
Associação Brasileira de Saúde Coletiva
ABRAMGE
Associação Brasileira de Medicina de Grupo
AIS
Ações Integradas de Saúde
ACCAMP
Associação dos Chagásicos de Campinas e Região
ACDA
Australian Chaga’s Disease Association
ACHAGRASP
Associação de Doentes de Chagas da Grande São Paulo
ACUCDC
Associação Corações Unidos contra a Doença de Chagas
AILMAC
Associazione Italiana per la Lotta alla Malattia di Chagas
ALCMC
Asociación de Lucha contra el Mal de Chagas
AMEPACH
Associação Mexicana de Pessoas Afetadas pela Doença de
Chagas
Assembleia Nacional Constituinte
ANC
APDCIM
CCC
Associação dos Portadores de Doença de Chagas,
Insuficiência Cardíaca e Miocardiopatia
Associación de amigos de Las Personas con la Enfermedad
de Chagas – Barcelona, Espanha
Cardiopatia Chagásica Crônica
CDI
Dispositivos Cardíacos Eletrônicos Implantáveis
CEBES
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
CEM
Campanha de Erradicação da Malária
CEV
Campanha de Erradicação da Varíola
CHADA
Chagas Disease Alliance
CIS
Comissões Institucionais de Saúde
CONASP
Conselho Consultivo de Administração Previdenciária
DENERU
Departamento Nacional de Endemias Rurais
DNDi
Iniciativa de Medicamentos para Doenças Negligenciadas
ENS-Fiocruz
Escola Nacional de Saúde da Fundação Osvaldo Cruz
FAS
Fundo da Assistência Social
FBH
Federação Brasileira de Hospitais
FINDECHAGAS
FSP-USP
Federação Internacional das Pessoas Afetadas pela Doença
de Chagas
Faculdade de Saúde Pública da Universidade São Paulo
FUNASA
Fundação Nacional de Saúde
FUNDACHAGAS
Fundación Amigos Con Chagas
ASAPECHA
11
FUNDECHVIDA
Fundación de Enfermos de Chagas por la Vida
GEDOCH
Grupo de Estudos de Doença de Chagas
GNCHE
Global Network for Chagas Elimination
HC-Unicamp
Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas
IAPAS
IDPC
Instituto de Administração Financeira da Previdência e
Assistência Social
Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
INAMPS
Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
INPS
Instituto Nacional de Previdência Social
LASOCHA
Latin American Society of Chagas disease
MPAS
Ministério da Previdência e Assistência Social
MRS
Movimento da Reforma Sanitária
MSF
Médico Sem Fronteiras
OMS
Organização Mundial da Saúde
OPAS
Organização Pan-americana de Saúde
PCDCH
Programa de Controle da doença de Chagas
PIASS
Programa de Interiorização de Ações de Saúde e Saneamento
POI
Programação e Orçamentação Integrada
PPA
Plano de Pronta Ação
PREV-Saúde
Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde
PROCAPE
Pronto-Socorro Cardiológico de Pernambuco
PUC-SP
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
SINAM
Sistema de Informação de Agravos de Notificação
SINPAS
Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social
SIOC
Sistema de Informação de Operações de Campo
SUCAM
Superintendência de Campanhas de Saúde Pública
SUDS
Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde
SUS
Sistema Único de Saúde
TCLE
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UERJ
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UNESP
Universidade Estadual Paulista
UNICHAGAS
Fundación Unidos Contra El Chagas
UPE
Universidade de Pernambuco
12
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .....................................................................................................
14
CAPÍTULO I – DO MOVIMENTO DA REFORMA SANITÁRIA (MRS) À
CRIAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS): CONTEXTUALIZANDO O
DIREITO À SAÚDE NO BRASIL .....................................................................
23
1. O surgimento do MRS (1975-1985) .............................................................
23
2. Percurso do MRS: a VIII Conferência Nacional de Saúde, a Constituição
Cidadão e o SUS (1986-1990) .............................................................................. 34
CAPÍTULO II – APROXIMAÇÕES CONCEITUAIS QUE EMBASAM O
DIREITO À SAÚDE.........................................................................................
41
1. Democratização/Cidadania..........................................................................
2. Participação Social............................................................................................
3. Associativismo Civil...........................................................................................
4. Rede Social.......................................................................................................
41
48
55
63
CAPÍTULO III – A DOENÇA DE CHAGAS NO CENÁRIO BRASILEIRO E
INTERNACIONAL.................................................................................................. 68
1. Alguns Elementos Históricos da Doença de Chagas.......................................
2. Aspectos Clínicos, Epidemiológicos e Sociais da Doença de Chagas ............
3. Controle e Tratamento dos Sinais e Sintomas da Doença de Chagas ............
68
73
86
CAPÍTULO IV – AS ASSOCIAÇÕES NACIONAIS E INTERNACIONAIS DE
DOENÇA DE CHAGAS: SURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO .................... 93
1. Trajetória Histórica .....................................................................................
2. Caracterização, Organização e Dinâmica de Atuação ...................................
3. Processo de Expansão .....................................................................................
93
94
103
CAPÍTULO V – APROXIMAÇÕES INTERPRETATIVAS: AS EXPERIÊNCIAS
DAS ASSOCIAÇÕES NACIONAIS E INTERNACIONAIS DE DOENÇA DE
CHAGAS .............................................................................................................. 105
1. Percepções dos Sujeitos da Pesquisa .........................................................
1.1 Dirigentes das Associações .......................................................................
1.2 Profissionais de Saúde ..............................................................................
1.3 Membros Associados ................................................................................
2. Tecendo Significados sobre o protagonismo das Associações Nacionais e
Internacionais de Doença de Chagas.................................................................
2.1 A Federação Internacional das Pessoas Afetadas pela Doença de Chagas
(FINDECHAGAS): uma rede social em construção.......................................
105
105
112
115
122
122
13
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................
127
REFERÊNCIAS...................................................................................................... 131
APÊNDICE
ANEXOS
14
INTRODUÇÃO
A escolha do tema da presente tese tem relação direta com a nossa
inserção como profissional na área da saúde, assistente social e pesquisadora
científica, no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia (IDPC), onde realizamos um
trabalho com um grupo de doentes de Chagas desde 1998, ao mesmo tempo em que
sentimos a necessidade de ampliar as investigações sobre o tema, a partir do
mestrado em Serviço Social na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – campus Franca),
em 2004, com a dissertação A participação como fator da construção da identidade
de um grupo de pessoas com Doença de Chagas.
Com a crescente visibilidade do trabalho com o grupo de doentes de
Chagas, passamos a participar, com eles, de eventos promovidos por outras
associações de patologias, em fóruns e feiras de ciências da rede escolar para tratar
sobre a doença de Chagas. Esse trabalho consistia na orientação socioeducativa da
doença e suas repercussões na vida familiar e social, na divulgação das informações
sobre a mesma à sociedade em geral e, posteriormente, na assessoria para a
formação e constituição de uma associação, a exemplo da primeira associação de
doença de Chagas, criada em Recife, Pernambuco.
Foi fundada, então, a Associação de Doentes de Chagas da Grande São
Paulo (ACHAGRASP), em 11 de agosto de 1999, que se propunha a reunir doentes
de Chagas, familiares e profissionais interessados na luta por uma assistência
médico-social especializada e de qualidade, tanto para a prevenção quanto para o
controle e tratamento da doença de Chagas.
A ACHAGRASP também se propunha a estabelecer intercâmbio e trocar
experiências com as duas associações brasileiras de doença de Chagas: a
Associação dos Chagásicos de Campinas e Região (ACCAMP), criada em 2000, com
o apoio do Grupo de Estudos de Doença de Chagas (GEDOCH) do Hospital das
Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (HC-UNICAMP) e a Associação dos
Portadores de Doença de Chagas, Insuficiência Cardíaca e Miocardiopatia de Recife
15
(APDCIM), fundada em 1987, pioneira no Brasil e no mundo. Essa troca
de experiências foi estratégica para o fortalecimento coletivo das três associações.
Nesse sentido, no decorrer dos anos de 2001 até 2012, a ACHAGRASP
organizou e realizou os Encontros Anuais de Doença de Chagas, contando com o
apoio de profissionais de saúde do IDPC e do GEDOCH e a participação dos
membros da ACCAMP.
Em 2009, ano do centenário da descoberta da doença de Chagas, a
ACHAGRASP recebeu a visita no Brasil de um representante da associação Médico
Sem
Fronteiras
(MSF),
que
realizava
um
documentário
sobre
doenças
negligenciadas1, entre as quais, a doença de Chagas.
Dessa aproximação, decorreu a realização da I Reunião de Associações de
Doença de Chagas nos dias 20 e 21 de outubro de 2009, em Uberaba, Minas Gerais.
O evento contou com o apoio da organização Iniciativa de Medicamentos para
Doenças Negligenciadas (DNDi, sigla em inglês2) e da Organização Mundial da
Saúde (OMS) e a participação de associados do Brasil, da Colômbia, da Espanha, da
Venezuela e da Austrália.
A I Reunião teve como objetivo promover um encontro entre as diversas
associações de doença de Chagas já existentes no âmbito nacional e internacional,
tendo em vista a possibilidade da criação de uma rede global de associações,
entendendo que muitos problemas vivenciados por esses doentes, nas diferentes
partes do mundo, são semelhantes.
Durante a Reunião foram discutidas as múltiplas questões que envolvem a
doença e os doentes de Chagas. Ao final, foi elaborada a Carta de
1
Doenças negligenciadas são aquelas que não só prevalecem em condições de pobreza, mas
também contribuem para a manutenção do quadro de desigualdade, visto que representam forte
entrave ao desenvolvimento dos países. As principais doenças negligenciadas são: dengue, doença
de Chagas, sarampo, febre amarela, malária, leishmaniose, hanseníase (lepra). (Fonte:
http://www.cdts.fiocruz.br).
2
A DNDi é uma parceria sem fins lucrativos guiada pelas necessidades dos pacientes, dedicada à
pesquisa de medicamentos e que está desenvolvendo novos tratamentos para a malária, leishmaniose
visceral (LV), doença do sono (tripanossomíase humana africana, THA) e doença de Chagas. Sediada
em Genebra, conta com uma equipe de 30 pesquisadores científicos permanentes e diversos
profissionais. A organização possui uma filial na América do Norte, quatro escritórios regionais no
Quênia, na Índia, no Brasil e na Malásia, e dois escritórios que apoiam projetos regionais na República
Democrática do Congo e no Japão.
16
Uberaba, documento que afirmava os princípios e a constituição de uma rede de
pessoas vivendo com a Doença de Chagas, baseada na solidariedade e no
compromisso com vistas a fortalecer a luta coletiva pelo direito de acesso à saúde e
ao exercício pleno da cidadania, ampliando a representatividade política dos doentes
de Chagas. Nessa ocasião, foi lançada também a proposta de criação de uma data
mundial comemorativa do combate à doença de Chagas.
Em 2010, a APDCIM de Recife organizou a II Reunião de Associações de
Pessoas Vivendo com Doença de Chagas, da qual participaram associações
nacionais e internacionais. Na ocasião, foi proposta a criação da Federação
Internacional das Pessoas Afetadas pela Doença de Chagas (FINDECHAGAS). Em
2012, ocorreu a III Reunião das Associações em Barcelona, na Espanha.
O tema desta pesquisa, As Associações Nacionais e Internacionais de
Doença de Chagas: uma Rede Social para a efetividade do Direito à Saúde
(1987/2012), é relevante, pois procura resgatar, sistematizar e analisar a experiência
do processo de construção de uma rede de associações nacionais e internacionais
de doença de Chagas voltada para a efetividade do direito à saúde. Por sua vez,
essa rede é de grande importância por disseminar o conhecimento sobre a doença
de Chagas no Brasil e no mundo e buscar novos conhecimentos na área da
medicina, das ciências biológicas, farmacêuticas e ciências sociais.
Para o serviço social, o presente tema é também de especial relevância,
porque significa a possibilidade de contribuir com novos conhecimentos e novas
formas de atuação para o desenvolvimento de relações participativas, coletivas e
políticas no processo associativo dos doentes de Chagas.
Definimos como pergunta norteadora deste estudo: as associações de
doença de Chagas, nacionais e internacionais, por si próprias e em rede, constituem
estratégia democrática para a concretização do direito de acesso e efetividade de
assistência a essa doença e a melhores condições de vida e saúde de seus
portadores?
A partir dessa pergunta norteadora, formulamos, como hipótese, que: as
associações de doença de Chagas, enquanto rede nacional e internacional,
17
constituem-se em estratégia democrática ao proporcionar crescente visibilidade à
doença de Chagas como um problema de saúde pública e ao permitir aos seus
membros a possibilidade de participação ativa e coletiva com vistas à concretização e
efetividade de assistência integral a essa doença e às melhores condições de vida e
saúde de seus participantes.
Delimitamos como objeto da pesquisa, portanto, o estudo das associações
de doença de Chagas nacionais e internacionais, enquanto rede nacional e
internacional, como uma estratégia democrática que reúne doentes de Chagas, seus
familiares e profissionais de saúde em processos participativos e ações coletivas,
para a concretização do direito de acesso e efetividade de assistência integral à
doença e a melhores condições de saúde e de vida de seus portadores.
O objetivo geral é analisar o processo de criação e desenvolvimento das
associações nacionais e internacionais de doença de Chagas, no período de 1987 a
2012, culminado com a construção de uma rede de natureza democrática e de
assistência integral a essa doença e a melhores condições de vida e saúde aos seus
portadores.
Do objetivo geral, desdobraram-se os seguintes objetivos específicos:
• Conhecer o histórico, as formas de organização e participação coletiva,
bem como as lutas das associações nacionais e internacionais de doença de
Chagas, ao se constituírem numa rede nacional e internacional, enquanto estratégia
democrática;
• Conhecer as percepções dos sujeitos da pesquisa sobre sua
participação na associação à qual pertencem, bem como o papel das associações
em rede;
• Analisar os significados das associações nacionais e internacionais de
doença de Chagas enquanto estratégia democrática.
Para fundamentação teórica da pesquisa, na perspectiva histórico crítica,
adotamos como conceitos de referência: associativismo, democracia, participação
social e rede social que se inter-relacionam e se imbricam mutuamente.
18
Para o estudo de associativismo, recorremos a autores clássicos: Aléxis
Tocqueville e Max Weber, e a autores brasileiros contemporâneos: Ilse Scherer
Warren, Maria da Glória Gohn e Leonardo Avritzer; para o conceito de democracia,
entre outros, recorremos a Boaventura de Souza Santos, para participação social, a
Pedro Jacobi, e para rede social, a Manoel Castells e Ilse Scherer-Warren. No
tocante à área de saúde, destacamos Jairnilson Paim, Sarah Escorel e Maria Inêz
Souza Bravo, entre outros.
Do ponto de vista da metodologia, a pesquisa é de caráter qualitativo,
conforme define Minayo:
A pesquisa qualitativa responde as questões muito particulares. Ela
trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças,
valores e atitudes. Esse conjunto de fenômenos humanos é entendido
como parte da realidade social, pois o ser humano se distingue não só
por agir mas por pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações
dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com seus
semelhantes (MINAYO, 2007, p. 21).
A pesquisa compreendeu os seguintes passos inter-relacionados:
• Pesquisa bibliográfica em dissertações e teses na área de Serviço
Social, sobre os temas: associativismo, saúde e movimentos sociais na área da
saúde do Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Realizamos, também, pesquisa
bibliográfica de autores e estudos acadêmicos produzidos nas áreas de Ciências
Sociais, Políticas Sociais e de Saúde, bem como pesquisas sobre doença de
Chagas, associativismo e movimentos sociais na área da saúde na biblioteca digital
da Faculdade de Saúde Pública da Universidade São Paulo (FSP-USP) e Escola
Nacional de Saúde da Fundação Osvaldo Cruz (ENS-Fiocruz). Ao realizarmos o
levantamento das teses produzidas nessas universidades, observamos que muitas
são da área da saúde, mas poucas trabalham com o tema rede social e
associativismo. Encontramos duas teses relacionadas ao tema associativismo e uma
dissertação de mestrado sobre controle social e associações (Marila Ribeiro
Santos Aprigliano, Francisca Fátima de Farias e Maria Inês Gandara Graciano).
19
• Pesquisa documental que compreendeu atas, estatutos, folhetos
educativos das associações nacionais e internacionais, Guia de Mobilização Popular
sobre Doença de Chagas produzido pela associação MSF, Manifesto de Uberaba e
relatórios das Reuniões de Associações Nacionais e Internacionais de Doença de
Chagas realizadas em 2009, em Uberaba, Minas Gerais; em 2010, em Olinda,
Pernambuco; e em 2012, em Barcelona, Espanha, referentes aos diversos aspectos
de atuação dessas associações nacionais e internacionais.
• Pesquisa de campo, cujo universo é constituído de 14 associações: 3
brasileiras e 11 internacionais. A amostra da pesquisa compreende seis associações,
sendo duas nacionais e quatro internacionais.
Os sujeitos da pesquisa, representantes das seis associações, foram
assim organizados: seis dirigentes, entre os quais dois de associações brasileiras e
quatro de associações internacionais; dois profissionais de saúde de associações
brasileiras e dois membros de base de associações brasileiras, perfazendo um total
de 10 sujeitos significativos da pesquisa.
A escolha dos sujeitos obedeceu aos seguintes critérios: 1. Ser doente de
Chagas de ambos os sexos, fundador e dirigente de associação nacional e
internacional; 2. Ser profissional de saúde, apoiador que atua junto ao Conselho
Científico da Associação de Doença de Chagas; e 3. Ser doente de Chagas
associado.
Enviamos convite formal, via e-mail para os dirigentes, representantes de
14 associações de doença de Chagas: 3 brasileiras e 11 internacionais para
participarem da pesquisa.
Das associações, as brasileiras participantes são:
• Associação dos Portadores de Doença de Chagas, Insuficiência
Cardíaca e Miocardiopatia - (APDCIM) - Recife.
• Associação dos Chagásicos da Grande São Paulo (ACHAGRASP)
• Associação dos Chagásicos de Campinas e Região (ACCAMP)
20
As associações internacionais participantes são:
• Chagas Disease Alliance
(CHADA) Buenos Aires, Argentina.
• Asociación de Lucha contra el Mal de Chagas
(ALCMC) - Aiquile, Bolívia.
• Associação Corações Unidos contra a Doença de Chagas
(ACUCDC) Cochabamba, Bolívia.
• Fundación de Enfermos de Chagas por la Vida
(FUNDECHVIDA) - Yopa, Colômbia.
• Fundación Amigos com Chagas
(FUNDACHAGAS) Caracas, Venezuela.
• Fundación Unìdos Contra El Chagas
(UNICHAGAS) Caracas, Venezuela.
• Asociación de Amigos de las Personas con la Enfermedad de Chagas
(ASAPECHA) Barcelona, Espanha.
• Asociación de Amigos de las Personas con la Enfermedad de Chagas
(ASAPECHA) Murcia, Espanha.
• Asociación de Amigos de las Personas con la Enfermedad de Chagas
(ASAPECHA) Valencia, Espanha.
• Asociación de Amigos de las Personas con la Enfermedad de Chagas
(ASAPECHA) - Madrid, Espanha.
• Australian Chaga’s Disease Association - ACDA - Camberra, Austrália
( ACDA) - Camberra, Austrália.
Dos 14 dirigentes de associações que contatamos, seis responderam ao
nosso convite e aceitaram participar da pesquisa: dois brasileiros (ACCAMP e
ACHAGRASP) e quatro internacionais (ASAPECHA Valencia/Espanha; CHADA
Buenos
Aires/Argentina;
ALCMC
Aiquile/Bolívia
e
FUNDACHAGAS
Caracas/Venezuela).
Todos os participantes da pesquisa foram esclarecidos sobre os objetivos
do estudo e receberam os tópicos para expor suas percepções sobre a Associação
21
de Doença de Chagas, considerando: 1) a associação que você participa e
representa; 2) o papel da Associação de Doença de Chagas; 3) as situações mais
frequentes enfrentadas pela associação de doença de Chagas na sua cidade, no seu
Estado e no seu país; 4) as ações e estratégias utilizadas pela sua associação na
busca da efetivação do direito de acesso à saúde; e 5) o que tem favorecido e/ou
conquistado as associações de Doença de Chagas no intercâmbio entre as
associações e no estabelecimento do trabalho em rede com todas as associações
para a efetivação do direito de acesso à saúde.
Todos os sujeitos foram comunicados sobre as condições e as finalidades
das informações coletadas, que são de único e exclusivo uso acadêmico, por meio de
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), assinado pela pesquisadora e
pelo sujeito. Este projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética
em Pesquisa da PUC-SP.
O registro das respostas dos sujeitos da pesquisa ao formulário foi
organizado destacando-se seus aspectos análogos e diferentes e interpretado com
base na análise de conteúdo, que, segundo CHIZZOTTI, 2008:
[...] é uma dentre as diferentes formas de interpretação do conteúdo de
um texto que se desenvolveu, adotando normas sistemáticas de extrair
os significados lexicais, por meio dos elementos mais simples de um
texto. Consiste em relacionar a frequência da citação de alguns temas,
palavras ou ideais em um texto para medir o peso relativo atribuído a
um determinado assunto pelo seu autor (CHIZZOTTI, 2008, p.114).
A presente tese está estruturada em cinco capítulos, articulados da
seguinte forma:
O Capítulo I, Do Movimento da Reforma Sanitária (MRS) à criação do
Sistema Único de Saúde (SUS): contextualizando o direito à saúde no Brasil,
apresenta a trajetória histórica do MRS de 1975 a 1990, passando pela VIII
Conferência Nacional de Saúde, pela Constituição Federal até a Lei Orgânica da
Saúde.
O Capítulo II, intitulado Aproximações conceituais que embasam o
direito à saúde, aborda os conceitos de democracia, cidadania, participação social,
22
associativismo civil e rede social, presentes e referenciais no MRS e no SUS, bem
como na formação de associações de doentes de Chagas.
O Capítulo III, denominado A Doença de Chagas no cenário brasileiro e
internacional, discorre sobre o histórico da doença de Chagas, perpassando por
aspectos clínicos, epidemiológicos e sociais da doença de Chagas, bem como do
controle e tratamento de seus sinais e sintomas.
O Capítulo IV, nomeado As Associações Nacionais e Internacionais de
Doença de Chagas: origem e desenvolvimento, descreve a trajetória histórica, a
caracterização, a organização e a dinâmica de atuação e seu processo de expansão.
O Capítulo V, intitulado Aproximações interpretativas: as experiências
das Associações Nacionais e Internacionais de Doença de Chagas, apresenta as
percepções que o doente de Chagas, os dirigentes de associações e os profissionais
de saúde têm sobre a associação que representa e participa, e, principalmente, a
FINDECHAGAS, enquanto uma rede social em construção. Aborda também a
construção em rede do processo associativo da doença de Chagas nacional e
internacional.
As
Considerações
Finais
trazem
algumas
reflexões,
limites,
possibilidades e desafios em relação às associações e o desenvolvimento de suas
ações, bem
como as
aprofundamento do tema.
novas
questões
para
novos
estudos
voltados
ao
23
CAPÍTULO I
DO MOVIMENTO DA REFORMA SANITÁRIA (MRS) À CRIAÇÃO DO
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS): CONTEXTUALIZANDO O DIREITO
À SAÚDE NO BRASIL
O presente capítulo apresenta a trajetória histórica do Movimento da
Reforma Sanitária (MRS) de 1975 até 1990, passando pela VIII Conferência Nacional
de Saúde, pela Constituição Cidadã até a criação do Sistema Único de Saúde.
1. O SURGIMENTO DO MRS (1975-1985)
O MRS se originou no contexto e na luta contra a ditadura militar
instaurada no País em 1964, tendo como marco central a democratização da saúde.
O Movimento estruturou-se nas periferias das grandes cidades com a participação de
organizações populares e sindicais e universidades. Cabe destaque, nesse período,
ao movimento de saúde da Zona Leste da cidade de São Paulo, constituído por
donas de casa, usuários dos serviços de saúde, apoiados pelos médicos sanitaristas,
que teve grande repercussão ao impulsionar as lutas pela Reforma Sanitária3.
Com os médicos sanitaristas, destacavam-se também os médicos
residentes de hospitais públicos, que, na época, trabalhavam com uma carga horária
excessiva, bem como os representantes dos sindicatos médicos que estavam em
fase de transformação.
O regime ditatorial, ao desencadear a repressão política, cultural,
econômica e o aumento da pobreza, que duramente atingiu a população pela falta de
políticas de assistência social, saúde, educação, habitação, entre outras, levou a
organização popular para o enfrentamento dessa realidade.
3
A Reforma Sanitária refere-se a um processo de transformação da norma legal e do aparelho
institucional que regulamenta e se responsabiliza pela proteção à saúde dos cidadãos e corresponde a
um efetivo deslocamento de poder político em direção às camadas populares, cuja expressão material
se concretiza na busca do direito universal à saúde e na criação de um sistema único de serviços sob
a égide do Estado (TEIXEIRA, 1989, p. 39).
24
Sader designou esses grupos reivindicativos de direitos e de organização
popular como
[...] os novos movimentos de bairros, que se constituíram num
processo de auto organização, reivindicando direitos e não trocando
favores como os do passado; era o surgimento de uma nova
sociabilidade em associações comunitárias onde a solidariedade e
auto ajuda se contrapunham aos valores da sociedade inclusiva; eram
os novos movimentos sociais que politizavam espaços antes
silenciados na esfera privada. De onde ninguém esperava, pareciam
emergir novos sujeitos coletivos, que criavam seu próprio espaço e
requeriam novas categorias para sua inteligibilidade (SADER,1988,
p.35).
Além disso, outros fatores contribuíram para a eclosão dos movimentos
populares, como o arrocho salarial sofrido pelos trabalhadores, a queda do poder
aquisitivo dos assalariados, o aumento da concentração de renda entre os mais ricos
e a consequente ampliação das desigualdades socioeconômicas geradas pelo
interesse dominante existente no País, em especial, o econômico, para se assegurar
no poder.
Concomitantemente a essas conturbações que afligiam o País, a situação
da saúde também apresentava vários problemas, que provocaram indignação e
questionamentos em vários segmentos da sociedade, pela precariedade de ações e
serviços oferecidos à população e que, de alguma forma, relacionavam-se à política
vigente.
Nesse sentido, Vaitsman explicita que:
O movimento sanitário não é um grupo de interesses e nem é formado
por grupos de interesses [...]. O que o caracteriza enquanto movimento
é o fato de ele aglutinar, além de indivíduos, entidades de diferentes
naturezas funcionais organizacionais e políticas, com uma proposta
ético-política visando interesses coletivos [...]. O movimento se
identifica como condutor das aspirações de grupos de consumidores,
de usuários dos serviços de saúde enquanto cidadãos (VAITSMAN
1989, p.153-154).
Em sua processualidade, o MRS atingiu sua maturidade a partir da
segunda metade da década de 1970 e princípio da década de 1980, mantendo-se
mobilizado. Conforme BRAVO,
25
[...] No final dos anos 1970, com o processo de abertura política e,
posteriormente, com a redemocratização do país, ocorreu na saúde
um movimento significativo que contou com a participação de novos
sujeitos sociais na discussão das condições de vida da população
brasileira e com propostas governamentais apresentadas para o setor,
o que contribuiu para um amplo debate. A saúde passou a assumir
uma dimensão política, vinculada à democracia (BRAVO, 2012, p.1).
O MRS definiu a saúde como um dos direitos sociais e mudou a percepção
sobre a vigilância sanitária, colocando-a como uma ação de saúde fundamental.
Entre as bandeiras que defendia, ressaltava-se o acesso de todo brasileiro às ações
de saúde de forma integral, a descentralização e a participação social nas políticas
públicas de saúde.
O MRS foi significativo, ao despertar o País para os desmandos que a
área da saúde sofria naquele momento na história e se converteu em uma forte
motivação para se reverter a perspectiva perversa do sistema de saúde vigente.
MENDES assinala que:
É preciso compreender que o MRS se caracteriza como um processo
modernizador e democratizante de transformação nos âmbitos políticojurídico, político-institucional e político-operativo, para dar conta da
saúde dos cidadãos, entendida como um direito universal e suportada
por um sistema único de saúde, constituído sob regulação do Estado,
que objetive a eficiência, eficácia e equidade, e que se construa
permanentemente através do incremento de sua base social, da
ampliação da consciência sanitária dos cidadãos, da implantação de
outro paradigma assistencial, do desenvolvimento de uma nova ética
profissional e da criação de mecanismos de gestão e controle
populares sobre o sistema (MENDES,1993, p.42).
FLEURY aponta o MRS como
[...] um processo de transformação da norma legal e do aparelho
institucional que regulamenta e se responsabiliza pela proteção à
saúde dos cidadãos e corresponde a um efetivo deslocamento do
poder político em direção às camadas populares, cuja expressão
material se concretiza na busca do direito universal à saúde e na
criação de um sistema único sob a égide do Estado (FLEURY, 1989,
p.39).
Um dos grandes ativistas do MRS, o médico sanitarista AROUCA
costumava dizer “que o movimento nasceu dentro da perspectiva da luta contra a
ditadura e tinha claro que na área da saúde era preciso integrar as duas dimensões:
ser médico e lutar contra a ditadura” (AROUCA, 2002, p.18).
26
Os departamentos de Medicina Preventiva da USP e da Unicamp e o
Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
foram os espaços adequados para a luta contra a ditadura e um novo debate para a
saúde. Essas instituições abriram brechas para a entrada do novo pensamento crítico
sobre a saúde, lançado pelo MRS. Essa mudança, que se iniciou em 1970 – o
período mais repressivo do autoritarismo no Brasil –, quando se constituiu a base
teórica e ideológica do pensamento médico-social, também chamado de abordagem
marxista da saúde e teoria social da medicina, prosseguiu no decorrer dessa década.
A forma de olhar, pensar e refletir o setor da saúde nessa época
concentrava-se nas ciências biológicas e na maneira como as doenças eram
transmitidas. Há uma primeira mudança quando as teorias das ciências sociais
começam a ser incorporadas. Essas primeiras teorias, no entanto, estavam muito
ligadas às correntes funcionalistas, que olhavam para a sociedade como um lugar
que tendia a viver harmonicamente e precisava apenas aparar arestas entre
diferentes interesses. A grande virada da abordagem da saúde foi a entrada da teoria
marxista, o materialismo dialético e o materialismo histórico, que mostram que a
doença está socialmente determinada.
Durante todo o processo de modificação da abordagem da saúde, várias
correntes se juntaram como protagonistas. O movimento estudantil teve papel
fundamental na propagação das ideias e fez com que diversos jovens estudantes
começassem a se incorporar nessa nova maneira de ver a saúde.
Simultaneamente, em 1974, foi realizada, pela primeira vez, a Semana de
Estudos sobre Saúde Comunitária e, entre 1976 e 1978, os Encontros Científicos dos
Estudantes de Medicina, que foram espaços políticos importantes para as discussões
sobre a realidade social brasileira e as questões de saúde. Essas discussões
ocorreram também no Conselho Nacional de Medicina, na Associação Médica
Brasileira, nos Conselhos Regionais de Medicina, entidades que passaram a ser
renovadas.
Assim, entre 1974 e 1979, com o processo de emergência de organização
da sociedade civil diante do Regime Militar, diversas experiências institucionais
27
tentaram colocar em prática diretrizes definidas pelo MRS, como a descentralização,
a participação e a organização.
Várias tentativas do governo de melhorar as deficiências médico
assistenciais foram colocadas em prática no País. Desse modo, ainda em 1974, foi
criado o Plano de Pronta Ação (PPA), que estendeu a cobertura de assistência
médica
a
qualquer
pessoa
em
situação
de
urgência
ou
emergência,
independentemente da posse de vínculo previdenciário. O PPA “visava dar acesso,
aos previdenciários, à consulta médico ambulatorial através da rede privada
contratada e conveniada, universalizando o atendimento de urgência” (PUGIN e
NASCIMENTO, 1999, p. 4). Nesse sentido, o Plano foi um marco por reverter a
tendência da absorção de consultas ambulatoriais pela rede própria do Instituto
Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS).
Em 1975, a Lei n. 6.229, de 17 de julho de 1975, instituiu o Sistema
Nacional de Saúde, que estabelecia de forma sistemática o campo de ação na área
de saúde, dos setores públicos (federal, estadual e municipal) e privados para o
desenvolvimento das atividades de promoção, proteção e recuperação da saúde.
Nesse contexto, vale ressaltar a criação do Centro Brasileiro de Estudos
de Saúde (CEBES), em 1976, que foi igualmente importante na luta pela reforma
sanitária. A entidade surgiu com o propósito de lutar pela democracia, de ser um
espaço de divulgação do movimento sanitário e de reunir pessoas que já pensavam
dessa forma e realizavam projetos inovadores.
O CEBES publicou diversos estudos e artigos, que atestam a vitalidade do
MRS e contemplam com distintas ênfases seus aspectos político-ideológicos,
organizativos e técnico operacionais. Foi importante ao questionar a concepção de
saúde restrita à dimensão biológica e individual, além de apontar diversas relações
entre a organização dos serviços de saúde e a estrutura social (FLEURY, 1994).
A partir de 1976, foi criado ainda o Programa de Interiorização de Ações
de Saúde e Saneamento (PIASS), cujas diretrizes tinham como objetivo a
organização de uma estrutura básica de saúde nos municípios com até 20 mil
habitantes, utilizando pessoal de nível auxiliar e da própria comunidade. Tratava-se
28
de um programa de interiorização do atendimento, buscando maior eficiência e
baixos custos, além de propiciar expansão de ações básicas de saúde e saneamento
básico às pequenas comunidades desassistidas.
O PIASS representou uma das primeiras iniciativas concretas de
articulação entre o Movimento da Reforma Sanitária, a assistência médica da
Previdência Social e as Secretarias de Estado da Saúde, estimulando o repasse de
recursos, via convênios, para essas.
Toda essa conjuntura política possibilitou a expansão dos movimentos
sociais e a formulação de propostas que atendessem aos excluídos de qualquer
sistema de proteção social, evidenciando-se a área da saúde e o movimento da
reforma sanitária.
Nesse mesmo período, foi instituído o Sistema Nacional de Previdência e
Assistência Social (SINPAS), pela Lei n. 6.439 de 1º de julho de 1977, com o objetivo
de reorganizar a Previdência Social, do qual faziam parte o INAMPS e o Instituto de
Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS), que mantém
a estratégia de compra de serviços do setor privado, justificada, na época, por ser
tecnicamente mais viável, mas que se tratava, em síntese, de “uma perversa
conjugação entre estatismo e privatismo” (CARVALHO e GOULART, 1998, p. 76).
O INAMPS passou a prestar assistência médica aos servidores civis da
União, aos trabalhadores urbanos e aos trabalhadores rurais. O IAPAS ficou
encarregado de acompanhar a execução orçamentária das entidades integradas ao
sistema, incluindo-se a arrecadação, fiscalização e cobrança de contribuições ao
setor, a distribuição de recursos às entidades e a execução e fiscalização de obras e
serviços de programas e projetos do SINPAS.
A lógica da prestação de assistência à saúde pelo Instituto Nacional de
Previdência Social (INPS) privilegiava a compra de serviços às grandes corporações
médicas
privadas,
notadamente
hospitais
e
multinacionais
fabricantes
de
medicamentos. Estabelece-se, assim, o complexo previdenciário médico-industrial
composto pelo sistema próprio e o contratado (conveniado ou credenciado).
29
O SINPAS reconhece e oficializa a dicotomia da questão da saúde,
afirmando que a medicina curativa seria de competência do Ministério da
Previdência, e a medicina preventiva de responsabilidade do Ministério da Saúde.
No entanto, o governo federal destinou poucos recursos ao Ministério da
Saúde, que, dessa forma, foi incapaz de desenvolver as ações de saúde pública
propostas, o que significou, na prática, uma clara opção pela medicina curativa, que
era mais cara e que, no entanto, contava com recursos garantidos por meio da
contribuição dos trabalhadores para o INPS.
O Ministério da Saúde tornou-se muito mais um órgão burocrato normativo
do que um órgão executivo de política de saúde.
O SINPAS entrou em crise explícita, consequência da má aplicação dos
recursos, uso dos recursos em obras sem retorno para o caixa, incorporação
tecnológica e aumento dos custos da assistência, baseada, predominantemente, no
hospital e no privilegiamento do setor privado. Somado a isso, estava um quadro
social de grande desigualdade, condições de vida insalubres e saneamento precário.
Nesse mesmo período, internacionalmente, a discussão sobre a atenção
primária à saúde ganhava destaque com a realização da Conferência Internacional
sobre Cuidados Primários de Saúde, de Alma-Ata, que aconteceu no Cazaquistão, na
antiga União Soviética, entre 6 e 12 de setembro de 1978, expressando a
necessidade de ação urgente de todos os governos, de todos os que trabalham no
campo da saúde, do desenvolvimento e da comunidade mundial para promover a
saúde de todos os povos do mundo. Isso significava promover a saúde e prevenir
doenças, garantindo a extensão dos serviços de saúde à população, tornando-se
referência na definição das políticas de saúde.
Em 1979, ocorreu um dos primeiros marcos do MRS: o I Simpósio
Nacional de Política de Saúde, conduzido pela Comissão de Saúde da Câmara dos
Deputados. No Simpósio foram apresentadas algumas propostas, como a
descentralização, estratégia para atingir uma maior eficácia do sistema, assim como
a democratização do Estado e a ampliação da participação popular.
30
Nesse
momento,
já
emergia
na
discussão
dessas
propostas
a
reorganização do sistema de saúde e a menção a um Sistema Único de Saúde, de
caráter universal e descentralizado (TEIXEIRA, 1989; WERNECK, 1998).
Assim, o MRS buscava reverter a lógica da assistência à saúde e
denunciar a forma autoritária do Estado ditatorial: crise, gastos, privilegiamento,
concentração de renda. O MRS tinha como princípios:
a) universalizar o direito à saúde (Universalidade);
b) integralizar as ações de cunho preventivo e curativo, desenvolvidas
separadamente, pelos Ministérios da Saúde e da Previdência (Integralidade);
c) inverter a entrada do paciente no sistema de atenção em vez de buscar
o hospital quando já estiver doente e priorizar o preventivo sobre o curativo na
promoção da saúde (Hierarquização);
d) descentralizar a gestão administrativa e financeira (Descentralização);
e) promover a participação e o controle social (Participação).
Em setembro de 1979, durante a I Reunião sobre Formação e Utilização
de Pessoal de Nível Superior na Área da Saúde Pública em Brasília, foi criada a
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), que se constituiu em um
importante interlocutor político nos debates e embates das políticas de saúde, ao
mesmo tempo em que, desde então, promove a divulgação e o intercâmbio de
informações e estudos sobre a questão.
A ABRASCO é constituída por instituições de ensino, pesquisa ou
prestadoras de serviços que desenvolvem formação pós-graduada em Saúde
Coletiva e por profissionais que exercem atividades nessas áreas. Paralelamente
com o CEBES, propiciou a base institucional para alavancar as lutas e propostas do
MRS (PAIM et al., 2011, p.18).
Com a intensificação dos movimentos sociais e das pressões de
organismos internacionais, o governo militar começou a se preocupar mais em
31
minimizar os efeitos das políticas excludentes, por meio de uma expansão na
cobertura dos serviços (LUZ, 1991; MENDES, 1993).
No bojo das lutas por políticas mais universalistas e do processo de
abertura política no fim da década de 1970, ampliou-se o movimento dos
profissionais de saúde e de intelectuais da área de saúde coletiva.
O crescimento da insatisfação popular se expressou, politicamente, na
vitória da oposição em eleições parlamentares. Refletiu também sobre o MRS, que se
ampliou ainda mais com a incorporação de lideranças políticas sindicais e populares
e de parlamentares interessados na causa.
Em 1980, foi criado o Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde
(PREV-Saúde), que se orientava pelos princípios de hierarquização e integração da
rede de serviços, participação comunitária e regionalização e teve uma passagem
rápida, sendo substituído, em 1981, pelo plano do Conselho Consultivo de
Administração Previdenciária (CONASP), vinculado ao INAMPS.
O CONASP iniciou suas ações com a fiscalização mais rigorosa da
prestação de contas dos serviços credenciados, com objetivo de combater as
fraudes; propôs a reversão gradual do modelo médico-assistencial por meio do
aumento da produtividade do sistema, da melhoria da qualidade da atenção, da
equalização dos serviços prestados às populações urbanas e rurais, da eliminação
da capacidade ociosa do setor público, da hierarquização, da criação do domicílio
sanitário, da montagem de um sistema de auditoria médico-assistencial e da revisão
dos mecanismos de financiamento do Fundo da Assistência Social (FAS). Desse
modo, passou a absorver em postos de importância alguns técnicos ligados ao
movimento sanitário, o que deu início à ruptura interna da dominância dos elos
burocráticos previdenciários.
O CONASP encontrou oposição da Federação Brasileira de Hospitais
(FBH) e da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (ABRAMGE), que viam
nessa tentativa de mudança a perda do seu status e da sua hegemonia dentro do
sistema de saúde.
32
Esses grupos de assistência médica privados tinham grande poder de
manipulação para atuarem. Fizeram oposição e conseguiram derrotar dentro do
governo, com a ajuda de parlamentares, um dos projetos mais interessantes de
modelo sanitário: o PREV-Saúde, que, depois de seguidas distorções, acabou por ser
arquivado.
O CONASP, na perspectiva da Reforma Sanitária, criou e implantou em
1983 as Ações Integradas de Saúde (AIS), novo modelo assistencial, integrando e
articulando ações curativas, preventivas e educativas ao mesmo tempo, de caráter
interministerial, ou seja, da Previdência, Saúde e Educação.
Segundo Pugin e Nascimento, as
[...] AIS foram formalizadas através de convênios entre as esferas de
governo que definiam objetivos, estrutura e mecanismos de
funcionamento nos Estados, termos aditivos que operacionalizavam
projetos específicos com compromissos financeiros e de programas e
termos de adesão, definição de programas e recursos na
incorporação de Municípios às AIS (PUGIN, S.; NASCIMENTO,1996,
p.14).
Com as AIS, vieram as Comissões Institucionais de Saúde (CIS),
colegiados com representação da sociedade civil, nos âmbitos estadual e municipal.
As AIS vigoraram até 1987 e representaram a primeira experiência de sistema de
saúde integrado, envolvendo a transferência de recursos, por meio de convênio, a
estados e municípios para o custeio da assistência à saúde. Dessa forma, a
Previdência Social passa a comprar e pagar serviços prestados por Estados,
municípios, hospitais filantrópicos, públicos e universitários.
Até o fim da década de 1980, as políticas sociais brasileiras poderiam ser
qualificadas apenas como residuais, por limitarem a proteção social a uma parte da
população, e meritocrático corporativas, pelo fato dos direitos sociais ficarem restritos
a uma vinculação ao sistema previdenciário, sendo o exercício da cidadania
determinado pela participação em alguma categoria trabalhadora reconhecida por lei
e que contribuísse para a Previdência.
A assistência médica, até então, era prestada somente ao trabalhador
vinculado formalmente ao mercado de trabalho. Essa assistência era denominada
33
cidadania regulada4, uma vez que os direitos do cidadão estavam condicionados, não
só à sua profissão, mas ao modo como a exercia. A outra parcela da população
deveria pagar diretamente pelo atendimento ou ser atendida em instituições
filantrópicas.
No entanto, cabe assinalar que já em 1983 a sociedade civil organizada
reivindicou, no Congresso Nacional, novas políticas sociais que pudessem assegurar
plenos direitos de cidadania aos brasileiros, inclusive direito à saúde, visto também,
como dever do Estado. “Pela primeira vez na história do país, a saúde era vista
socialmente como um direito universal e dever do Estado, isto é, como dimensão
social da cidadania” (LUZ, 1991, p. 84).
A influência dos movimentos populares, que lutavam pela democratização
e por uma política sanitária de caráter mais universalista, e o cenário mundial, ao
apontar para a concretização de novas alternativas de sistemas de saúde centradas
na Atenção Primária, levaram, institucionalmente, a muitos avanços conquistados a
partir da atuação dos técnicos do movimento sanitário já pertencentes à estrutura
governamental.
Após as manifestações do “Movimento das Diretas Já”, de 1984, o Regime
Militar chegou ao fim em 1985, com a eleição indireta da chapa de oposição do
parlamentar Tancredo Neves, eleito presidente e morto antes de tomar posse. Em
seu lugar, assumiu o vice-presidente José Sarney, iniciando-se a Nova República,
que convocou, em 1986, a Assembleia Nacional Constituinte (ANC) para a
elaboração da Nova Constituição Federal. O governo de José Sarney foi marcado
pela corrupção generalizada. Para combater a inflação, congelou os preços e
implantou o Plano Cruzado.
Nesse contexto, emergiram novos movimentos sociais que trazem ao
centro do debate político a dívida social como parte obrigatória da transição para a
democracia. O resgate dessa dívida social passou a ser bandeira política
legitimadora da instauração de uma nova ordem democrática (TELLES, 1994).
4
Cidadania regulada foi o nome proposto pelo sociólogo brasileiro Wanderley Guilherme dos Santos
para designar uma cidadania restrita e sempre vigiada pelo Estado (SANTOS, 1994).
34
ESCOREL, nessa perspectiva teórica e crítica, ao analisar o desenrolar
histórico do MRS até o ano de 1988, divide sua atuação em três períodos:
No primeiro, a partir de meados da década de 1970, sob a ditadura, o
Movimento Sanitário tinha como diretriz saúde e democracia. No
segundo, junto à abertura política, traçou-se a estratégia de
penetração nos aparelhos de Estado, numa clara busca de tentar dar
uma nova direcionalidade à política pública. E no terceiro período, ao
iniciar-se a chamada democrática política, com a Constituinte, o
Movimento Sanitário soube organizar-se para conseguir inscrever o
direito à saúde como elementar ao cidadão brasileiro
(ESCOREL,1995, p. 85).
A autora, dessa forma, faz uma síntese sobre o percurso do MRS e sua
importância para o início da democracia política no País e para a criação do SUS.
2. PERCURSO DO MRS: A VIII CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE,
A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ E O SUS (1986-1990)
A Nova República no Brasil compreendeu o período de 1985 a 1990, e
caracterizou-se como o ciclo do regime ditatorial militar, encerrando a transição que
estabeleceu a hegemonia política do partido de oposição ao regime, promulgou a
Constituição e realizou uma eleição popular para presidente.
O MRS consolidou-se na VIII Conferência Nacional de Saúde, ocorrida em
1986, na qual, pela primeira vez, houve ampla participação popular, com mais de 5
mil representantes de todos os segmentos da sociedade civil brasileira. Foi
considerada um marco político importante, trazendo a saúde para a arena, com um
amplo debate público sobre os princípios da Reforma Sanitária, sintetizados na
participação popular, equidade, descentralização, universalidade e integralidade das
ações de saúde.
Durante a VIII Conferência Nacional de Saúde, foi discutido e aprovado
outro conceito de saúde para o Brasil, ampliando o seu entendimento anterior,
definido pela OMS como um estado de completo bem-estar físico, mental e social e
não consistindo somente da ausência de uma doença ou enfermidade (1948).
35
Assim, para a VIII Conferência Nacional de Saúde, a saúde passou a ser
vista como um direito e conceituada em seu sentido mais abrangente como
[...] resultante das condições de alimentação, habitação, educação,
renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade,
acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. [...] o resultado
das formas de organização social da produção, que podem gerar
desigualdades nos níveis de vida. Assim saúde além de ser um direito
do cidadão, tornou-se um dever do Estado e propiciou o acesso a
todos os bens e serviços que a promovam e recuperem seja universal.
(BRASIL, 1986, p. 4).
A saúde é reafirmada como um “conceito amplo” e o direito à saúde é
enfatizado como “conquista social”, e que seu pleno exercício implica na garantia,
entre outros fatores, “da participação da população na organização, gestão e controle
dos serviços e ações de saúde” (BRASIL, 1986, p. 5).
Assim, a VIII Conferência Nacional de Saúde registrou um conjunto de
significativas conquistas da Reforma Sanitária no Brasil, destacando-se o
reconhecimento formal do direito à saúde e a descentralização com comando único
em cada esfera de governo. Após o seu término, realizou-se uma série de debates
prévios e de conferências estaduais e municipais sobre temáticas específicas.
Representou ainda a grande arrancada para o embate público que aconteceria com a
eleição e instalação da Assembleia Nacional Constituinte.
Em 1987, foi implantado o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde
(SUDS), com o objetivo de transferir a rede de serviços do Ministério da Previdência
e Assistência Social (MPAS) para estados e municípios, o que significava, na prática,
um movimento de descentralização em direção à esfera estadual, de modo que cada
um dos estados constituísse seu sistema de saúde e fosse responsável pelos
serviços municipais e do Estado. O SUDS aprofundou a experiência de transferência
de recursos por meio de convênio, adotado anteriormente pelas AIS.
No
campo
da
gestão
do
SUDS,
adotou-se
a
Programação
e
Orçamentação Integrada (POI), instrumento de planejamento que procurava integrar
os orçamentos e ações dos órgãos federais, estaduais e municipais, e das instâncias
colegiadas pluri-institucionais, já vigentes desde o advento das AIS (NORONHA e
LEVCOVITZ, 1994).
36
Apesar de todas essas iniciativas, estima-se que, à época, cerca de
metade da população não estava coberta por nenhum sistema previdenciário e
dependia do atendimento das instituições filantrópicas.
Concomitantemente a convocação da ANC, em 1987, o MRS aliou-se à
frente parlamentar ligada à saúde, conseguindo, assim, a aprovação na Constituição
Federal de 1988, que concebeu que a saúde fosse considerada um direito de todos e
dever do Estado, bem como a participação dos movimentos sociais na elaboração de
políticas de saúde e controle de sua execução, descentralização dos serviços por
meio da criação e implantação do SUS.
Historicamente ressalta-se que, pela primeira vez, o direito à saúde é
consagrado na Carta Magna Brasileira.
Assim o direito à saúde foi concebido na Constituição Federal de 1988, e
inscrito no Artigo 196 como:
direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de doença e de
outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988).
Dessa forma, a saúde se insere como um direito público individual, um
benefício assegurado à generalidade das pessoas.
Esse período retratou todo o processo desenvolvido ao longo dessas duas
décadas, pelos movimentos sociais e principalmente pelo MRS, constituindo-se o
SUS, cuja regulamentação ocorreria em 1990.
Segundo PAIM,
[...] a Constituição Federal de 1988 incorporou uma concepção de
seguridade social como expressão dos direitos sociais inerentes à
cidadania, integrando saúde, previdência e assistência. Assimilando
proposições formuladas pelo MRS Brasileira, reconheceu o direito à
saúde e o dever do Estado, mediante a garantia de um conjunto de
políticas econômicas e sociais, incluindo a criação do Sistema Único
de Saúde (SUS), universal, público, participativo, descentralizado e
integral (PAIM, 2013, p.1928).
37
A Constituição Federal do Brasil de 1988, denominada Constituição
Cidadã, é um marco da redemocratização brasileira, considerada uma das mais
avançadas do mundo no âmbito dos direitos sociais e das garantias individuais.
Estabeleceu a reforma eleitoral, com voto direto inclusive para analfabetos,
acrescentou a função social à terra, instituiu parâmetros concretos para o combate ao
preconceito e concedeu novos direitos trabalhistas, como a redução da jornada
semanal, o seguro-desemprego e as férias remuneradas acrescidas de 1/3 do salário
(BRASIL, 1988).
O SUS foi regulamentado pela Lei Orgânica da Saúde, nº 8.080, de 19 de
setembro de 1990 e pela Lei nº. 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que regulam as
ações, a organização e o funcionamento dos serviços e dispõem sobre a participação
da comunidade na gestão do SUS, sobre a alocação dos recursos financeiros e sobre
a estrutura dos conselhos e das conferências de saúde (BRASIL, 1990).
A Lei nº 8.142/1990, além de dispor sobre a participação da comunidade
na gestão do SUS, institui sem prejuízo das funções do Poder Legislativo, das
instâncias colegiadas de participação, conferências e conselhos de saúde, atribuindolhes papéis deliberativos e fiscalizadores (BRASIL, 1990).
Paim define o SUS como
[...] um sistema que foi institucionalizado a partir da Constituição de
1988, resultante de um amplo movimento social, que envolveu
estudantes, profissionais de saúde, setores populares, professores e
pesquisadores, defendendo o direito à saúde. A partir deste
movimento social se conseguiu incluir na Constituição um conjunto de
princípios e diretrizes para a organização de um sistema de saúde. Da
década de 1990 em diante, foi possível ir implantando de forma
progressiva essa nova organização do sistema de serviços de saúde
no Brasil. Nesse sistema, dentre os princípios que mais se destacam,
encontram-se a universalidade – saúde como um direito de todos, com
acesso universal, a igualdade – dar serviços iguais para todos –, a
participação social e a descentralização. Além desses grandes
princípios, temos outra orientação, que é a integralidade. Então, é um
sistema que tem como característica básica o fato de ter sido criado a
partir de um movimento da sociedade civil e não do Estado, de
governo ou de partido (PAIM, et al. 2011, p. 1).
Na Lei Orgânica da Saúde, a regulamentação do SUS reforça seus
princípios e diretrizes, a saber:
38
• Universalidade: constitui atender a toda população de acordo com
suas necessidades, independentemente de contribuição à Previdência Social e
sem cobrar nada pelo atendimento.
• Integralidade: significa atuar de maneira integral, isto é, deve ver a
pessoa como um todo que integra uma sociedade, ou seja, as ações de saúde
devem estar voltadas, ao mesmo tempo, para o indivíduo e para a comunidade,
para a prevenção, tratamento, recuperação e promoção da saúde e respeitando a
dignidade humana.
• Equidade: designa que todos os brasileiros, independentemente de
sexo, da idade, da religião ou da situação de emprego têm direito à mesma
assistência à saúde. FLEURY traduz a equidade como
[...] acesso universal e igualitário ao sistema de saúde, abolindo
qualquer tipo de discriminação [...] Em outros termos, trata-se de
reconhecer a igualdade como valor e princípio normativo de acesso ao
sistema sem considerar a diferenciação preexistente como imperativo
para a estruturação do sistema (FLEURY, 1994, p. 46).
• Descentralização: denota que o poder de decisão deve ser dos
responsáveis pela execução das ações de saúde, ou seja, as ações e serviços de
saúde oferecidos à população devem ser administrados por um gestor em cada
esfera do governo. A secretaria de saúde de cada município tem de ser
responsável por todos os serviços de saúde municipais; aquelas que servem e
alcançam vários municípios devem ser estaduais e aquelas que são dirigidas a
todo o território nacional devem ser federais.
PAIM assinala que:
A descentralização do sistema de saúde foi a lógica subjacente da
implementação do SUS; para isso, foram necessárias legislação
complementar, novas regras e reforma administrativa em todos os
níveis do governo. Desde 2006, algumas dessas normas foram
substituídas pelo Pacto pela Saúde, um acordo no qual os gestores de
cada nível de governo assumem compromissos mútuos sobre as
metas e responsabilidades em saúde (PAIM, et al. 2011, p.13).
A saúde como o direito de todos e dever do Estado assegurado em 1988
foi regulamentada no artigo 2º da lei nº 8.080/90, Lei Orgânica da Saúde, que
39
assinala a saúde como “um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado
prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício” (BRASIL,1990).
Assim, a Constituição Federal e o SUS, em seus dispositivos, garantem o
acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e
recuperação da saúde, assegurando, portanto, a sua proteção nas órbitas genérica e
individual.
O SUS é um sistema em contínuo desenvolvimento na luta pela garantia
da cobertura universal, equitativa e do direito de acesso à saúde por toda a
população. Dessa maneira, no plano administrativo, a divisão de tarefas entre os
órgãos governamentais e a organização do SUS enfrentam alguns limites como o
direito individual ao receber medicamentos e/ou tratamentos indispensáveis, que
devem ser superados em médio e em longo prazo.
Desse modo, a participação do setor privado no mercado aumentou as
interações com o setor público, criando contradições e uma competição injusta, que
gerou resultados negativos na equidade, no acesso aos serviços e nas condições de
saúde da população.
No plano financeiro, desde sua implantação, o orçamento federal
destinado ao SUS não cresceu, limitando seu financiamento, infraestrutura e recursos
humanos.
PAIM et al. assinalaram que outros desafios surgem pelas transformações
demográficas e epidemiológicas ocorridas na população brasileira, que obrigam a
transição de um modelo de atenção centrado nas doenças agudas para um modelo
baseado na promoção intersetorial da saúde e na integração dos serviços de saúde e
consequentemente a necessidade de uma nova estrutura financeira e uma revisão
profunda das relações público privadas (PAIM et al, 2011).
As questões administrativas, financeiras, público-privada e a contínua
desigualdade social não podem ser resolvidas, somente tecnicamente, portanto, o
maior desafio enfrentado pelo SUS é político, visto que tem de garantir
sustentabilidade política, econômica, científica e tecnológica (PAIM et al., 2011).
40
Os desafios colocados ao Estado para a implantação do SUS, desde 1990,
implicam na adequação dos princípios da Constituição Federal de 1988 nos avanços
democráticos e sociais alcançados e na regulamentação para que se transformem
efetivamente em direitos.
41
CAPÍTULO II
APROXIMAÇÕES CONCEITUAIS QUE EMBASAM O DIREITO À
SAÚDE
Este capítulo apresenta os conceitos de democratização, cidadania,
participação social, bem como de associativismo civil e rede social, presentes e
referenciais no MRS e no SUS, bem como na formação de associações de doentes
de Chagas.
1. DEMOCRATIZAÇÃO/CIDADANIA
A Constituição Federal de 1988 define em seu artigo 1º que a República
Federativa do Brasil, como Estado democrático de direito, tendo como princípios
fundamentais: a soberania; a cidadania; a dignidade do ser humano; os valores
sociais do trabalho e da livre-iniciativa; o pluralismo político; estabelecendo ainda que
todo poder emana do povo, exercido por meio de representantes eleitos diretamente
(Brasil, 1988).
Essa consagração da democracia no plano constitucional foi decorrente,
principalmente, da organização e mobilização coletiva da sociedade brasileira e das
lutas dos diversos movimentos sociais, compreendendo os trabalhadores urbanos e
do campo, os estudantes, os intelectuais, os artistas, bem como as ações pastorais
da Igreja progressista, o apoio de órgãos de imprensa de esquerda, que vivenciaram
o difícil período da ditadura e buscaram restabelecer o diálogo com o Estado.
Desse
modo,
essas
práticas
democráticas
foram
expressas
na
consolidação legal de direitos civis, sociais e políticos e legitimadas nas políticas
públicas, com participação da sociedade civil, por meio de órgãos deliberativos
institucionalizados, como as Conferências e os Conselhos Gestores.
Dagnino, ao tratar da democracia, esclarece que
O restabelecimento da democracia formal, com eleições livres e a
reorganização partidária, que abriu a possibilidade de que este projeto,
configurado no interior da sociedade e que orientou a prática de vários
42
dos seus setores, pudesse ser levado para o âmbito do poder do
Estado, no nível dos executivos municipais e estaduais e dos
parlamentos [..]. (DAGNINO, 2005 p. 25).
Muitos autores e cientistas políticos ao descreverem a democracia
brasileira argumentam que, apesar dos avanços conquistados na Constituição de
1988, ainda não atendem totalmente aos interesses e necessidades da sociedade em
geral, a qual, apesar de reconhecidos os direitos políticos e alguns direitos civis e
sociais, nem todos são adotados na prática, igualitariamente, para todas as camadas
sociais.
BOBBIO (1994) encontra dois sentidos básicos para o conceito de
democracia:
É inegável que historicamente “democracia” tem dois significados
prevalecentes, ao menos na origem, conforme se ponha em maior
evidência o conjunto das regras cuja observância é necessária para
que o poder político seja efetivamente distribuído entre a maior parte
dos cidadãos, as chamadas regras do jogo, ou o ideal em que um
governo democrático deveria se inspirar, que é o da igualdade. À base
dessa distinção costuma-se distinguir a democracia formal da
substancial... (BOBBIO, 1994 p. 37).
Dessa maneira, para o autor, a democracia deveria destacar o peso igual
dos votos e a ausência de distinções econômicas, sociais, religiosas e étnicas na
constituição do eleitorado.
Considera-se, assim, a grande influência do poder econômico que faz com
quem minorias privilegiadas tenham poder de representação maior aos dos setores
populares, que são sua maioria.
Essa deformação da representatividade, acrescida das deficiências
cultural, educacional e social, faz com que os sistemas eleitorais distorçam a
representação.
É a partir dessa deformação e dos desafios apresentados pela sociedade
moderna que se discutem as concepções contra-hegemônicas de democracia, que
propõem novas formas de representação e participação.
Conforme afirma SANTOS (2000), o sistema democrático representativo
ainda deixa de fora do debate político as minorias e grupos com maiores dificuldades
43
de ter seus direitos reconhecidos, evidenciando que a representatividade do modelo
democrático liberal não é capaz de alcançar as aspirações e necessidades
específicas desses grupos.
SANTOS (2002) concebe ainda a democracia sob duas concepções: a
hegemônica e a não hegemônica. A democracia hegemônica caracteriza-se pela
prática restrita de legitimação de governos, em que as regras do jogo democrático
ocorrem
simplesmente
com
o
processo
eleitoral,
admitindo
assim
a
representatividade como a única solução possível para o desenvolvimento das
democracias em grande escala.
SANTOS (2000), ao propor uma democracia contra hegemônica, alerta
sobre a necessidade de se ir além das barreiras impostas pelo espaço da cidadania
próprio dos Estado-nacionais, do direito estatal e da teoria política liberal. O autor
ainda enfatiza que
para haver uma completa democratização social e política, é
necessário democratizar os demais espaços componentes da vida
social, tais como o espaço do trabalho, o espaço doméstico, o espaço
da produção, o espaço da troca, o espaço da comunidade e o espaço
mundial (SANTOS, 2000, p. 290).
Na concepção contra-hegemônica, a democracia passa a ser encarada
como uma forma de aperfeiçoamento contínuo da convivência humana e como um
exercício coletivo do poder político, cuja base está no processo livre de apresentação
de razões entre iguais.
Na direção da análise de SANTOS (2002), uma das práticas adotadas pela
sociedade civil na busca de uma construção ou aprofundamento da democracia não
hegemônica é a formação de organizações, associações e movimentos que buscam
uma transformação das práticas dominantes, um aumento da cidadania e uma maior
inserção na política de atores sociais excluídos. O associativismo civil pode ser
caracterizado então como um dos vários mecanismos utilizados na busca de formas
alternativas ou não hegemônicas de democracia.
Desse modo, a proposta de SANTOS (2002) busca uma ampliação do
experimentalismo democrático nos diversos ambientes que compõem a vida social.
44
Dessa forma, o atual período democrático brasileiro pode ser analisado e
debatido tanto na ótica na relação entre Estado e sociedade, como em função do
comportamento dos sujeitos sociais. Assim, podemos dizer que na atual democracia
brasileira as conquistas sociais não acompanharam os avanços políticos, ou seja, as
instituições funcionam razoavelmente bem sob o aspecto formal, mas a
representatividade delegada pela sociedade não se traduz em benefícios para os
cidadãos, ao contrário do que aconteceu nos países desenvolvidos.
Esse cenário expõe, de certa forma, uma democracia representativa na
sua forma hegemônica limitada, pois requer novas formas de formação de poder e de
participação da sociedade.
Os fatores dessa limitação foram assinaladas por SANTOS (2002), ao
afirmar que o Brasil representa
[...] uma sociedade com uma longa tradição de política autoritária. A
predominância de um modelo de representação oligárquico,
patrimonialista e burocrático resultou em uma formação de Estado, um
sistema político e uma cultura caracterizados pelos seguintes
aspectos: a marginalização, política e social das classes populares, ou
sua integração através do populismo e do clientelismo; a restrição da
esfera pública e a sua privatização pelas elites patrimonialistas, a
artificialidade do jogo democrático e da ideologia liberal, originado uma
imensa discrepância entre o país legal e o país real.
A sociedade e a política brasileira são, em suma, caracterizadas pela
total predominância do Estado sobre a sociedade civil e pelos
obstáculos enormes à construção da cidadania, ao exercício dos
direitos e à participação popular autônoma (SANTOS, 2002, p. 458).
Portanto, um país realmente democrático só é possível na medida em que
as deficiências e mazelas apontadas sejam superadas, principalmente ascendência
do Estado, autoritário e privatizado pelas elites sobre a sociedade.
Nesse contexto, o processo de construção da democracia no País ainda
carece de espaços que propiciem ações direcionadas à participação efetiva da
população, nos processos de discussão e tomada de decisão relacionados à questão
social e política pública.
A democratização viabiliza-se pela participação e compartilhamento do
poder e, assim, contempla todos os sujeitos envolvidos no processo, suas vontades e
necessidades.
45
A afirmação dos valores democráticos perpassa pela construção de uma
consciência cidadã.
DAGNINO (1994),
[...] afirmar a cidadania com estratégia política significa enfatizar o seu
caráter de construção histórica, definida portanto por interesses
concretos e práticas concretas de luta e pela sua contínua
transformação. Significa dizer que não há uma essência única
imanente ao conceito de cidadania, que seu conteúdo e significado
não são universais, não estão definidos e delimitados previamente,
mas respondem a dinâmica dos conflitos reais, tais como os vividos
pela sociedade em determinado momento histórico. Esse contexto e
significado, portanto, serão sempre definidos pela luta política
(DAGNINO p. 107).
Dessa forma, podemos entender cidadania construída historicamente e
enfrentando dilemas e limites que necessitam de transformação tanto na sociedade,
como nas estruturas de poder. Esse contexto se constitui em um processo de
aprendizagem e luta política na busca da ampliação de espaços para a atividade
política, para que a sociedade civil se vincule ao espaço público democrático.
O surgimento e a evolução da cidadania são analisados por MARSHALL
(1967), no contexto da Inglaterra, demonstrando que a cidadania
[...] é um processo historicamente construído, tendo seu início com o
reconhecimento dos direitos civis no século XVIII (à vida, à liberdade
de ir e vir, de imprensa, de pensamento e de religião, o direito à
propriedade e à justiça); posteriormente, surgem os direitos políticos,
no século XIX (expressão livre, participar em partidos, movimentos,
associações e sindicatos, votar e ser votado, e de exercer cargos
públicos); e, finalmente, no século XX, são consagrados os direitos
sociais (alimentação, habitação, saúde, educação, lazer, trabalho com
salário condizente) e os direitos ambientais referentes à defesa e à
proteção do meio ambiente [...] a idéia de que os direitos sociais
reconhecidos no século XX não significaram a criação de novos
direitos mas a doação de velhos direitos a setores novos da população
(MARSHALL, 1967, p.66-69).
MARSHALL (1967) descreve, ainda, a constituição dos direitos da
cidadania, definindo-a como uma espécie de igualdade humana básica associada ao
conceito de participação integral na comunidade (p. 62).
46
Nesse sentido, DAGNINO, OLVERA e PANFICHI, (2006) visualizam um
desenho democrático fundamentado na participação da sociedade, na construção
dos direitos e na implementação da cidadania, ao explicitarem que:
[...] surgem também novas formas de pensar a agência na luta pela
democracia, a estrutura ou desenho de um regime democrático e os
tipos de direitos e de cidadania necessários a um projeto democrático
que não somente pede o cumprimento das promessas do Estado
democrático de direito, mas que propõe mudanças radicais na forma
de pensar e exercer a política, isto é, o poder, a representação e a
participação da sociedade. (DAGNINO, OLVERA e PANFICHI, 2006,
p. 21).
Esse pensamento é complementado com BAVA (2000), ao afirmar que:
a luta pela cidadania está intimamente associada à construção de
novas formas de regulação democrática de nossas sociedades.
Cidadania e democracia são dimensões de um mesmo processo que
aponta para a construção de capacidades na sociedade para que
todos possam saber escolher, poder escolher e efetivar suas escolhas
(BAVA, 2000, p1).
Dagnino reafirma a necessidade de uma nova cidadania que:
[...] começou a ser formulada pelos movimentos sociais que, a partir
do final dos anos 70 e ao longo da década de 80, se organizaram no
Brasil em torno de demandas de acesso aos equipamentos urbanos
como moradia, água, luz, transporte, educação, saúde, etc. e de
questões como gênero, raça, etnia, etc. (DAGNINO, 2004, p 103).
A autora assinala também que:
O processo de construção de cidadania como afirmação e
reconhecimento de direitos é, especialmente na sociedade brasileira,
um processo de transformação de práticas arraigadas na sociedade
como um todo, cujo significado está longe de ficar limitado à aquisição
formal ilegal de um conjunto de direitos e, portanto, ao sistema
político-jurídico. A nova cidadania é um projeto para uma nova
sociabilidade: não somente a incorporação no sistema político em
sentido estrito, mas um formato mais igualitário de relações sociais em
todos os níveis, inclusive novas regras para viver em sociedade
(negociação de conflitos, um novo sentido de ordem pública e de
responsabilidade pública, um novo contrato social etc.). (DAGNINO,
2005, p 56).
As manifestações e transições políticas, ocorridas na década de 1980,
propiciaram a criação de novos espaços de participação política, por meio de suas
47
formas de luta e organização, se estabelecendo enquanto sujeitos coletivos e
políticos.
Outros autores como LÜCHMANN (2011) também aponta os anos de
1980,
[...] como um marco na constituição de diversas associações e
movimentos sociais que desencadeiam diferentes mobilizações e
reivindicações, como as questões urbanas, de gênero, de
sexualidade, ambientais, culminando com articulações mais gerais,
como as de defesa de uma Constituição pautada por princípios de
participação e de justiça social (LÜCHMANN, 2011, p 45).
A dimensão da participação na nova conjuntura política atinge os direitos e
deveres dos cidadãos, ampliando e diversificando o conceito de cidadania.
Após esse período, no início da década de 1990, entra em pauta a
questão do neoliberalismo econômico que vai influir decisivamente na sociedade.
GOHN (2005) introduz esse momento, afirmando que a:
[...] cidadania nos anos 1990 foi incorporada nos discursos oficiais e
ressignificada na direção próxima à ideia de participação civil, de
exercício da civilidade, de responsabilidade social dos cidadãos como
um todo, porque ela trata não apenas dos direitos, mas também de
deveres, ela homogeneiza os atores. Esses deveres envolvem a
tentativa de responsabilização dos cidadãos em arenas públicas via
parcerias nas políticas sociais e governamentais. (GOHN, 2005,
p. 76).
A prática democrática e o exercício da cidadania estão interrelacionados, e
a definição dessas práticas tem sido buscada, incessantemente pelos teóricos das
Ciências Sociais, como SCHERER-WARREN (1998), que traz uma reflexão sobre o
principio universal da igualdade e justiça social.
A democracia e seu correlato, a cidadania, tem se colocado na
contemporaneidade ante um aparente paradoxo: surge enquanto um
princípio universal e, ao mesmo tempo como um anseio de
autodeterminação das minorias. Isso exige uma resolução mediante
um processo dialógico que contemple a diversidade (especificidades
das minorias) e princípio universal da igualdade. Essa aparente
contradição apenas se resolve a partir da introdução do princípio da
justiça social nas relações societárias (SCHERER-WARREN,1998, p.
26).
48
Dagnino reafirma ainda que
[...] o processo de construção de cidadania como afirmação e
reconhecimento de direitos é, especialmente na sociedade brasileira,
um processo de transformação de práticas arraigadas na sociedade
como um todo, cujo significado está longe de ficar limitado à aquisição
formal e legal de um conjunto de direitos e, portanto, ao sistema
político-jurídico. A nova cidadania é um projeto para uma nova
sociabilidade: não somente a incorporação no sistema político em
sentido estrito, mas um formato mais igualitário de relações sociais em
todos os níveis, inclusive novas regras para viver em sociedade
(negociação de conflitos, um novo sentido de ordem pública e de
responsabilidade pública, um novo contrato social, etc.). Um formato
mais igualitário de relações sociais em todos os níveis implica o
“reconhecimento do outro como sujeito portador de interesses válidos
e de direitos legítimos”. (DAGNINO, 2004, p.154).
Santos (1997) corrobora esses princípios, prática democrática e o
exercício da cidadania, ao avançar nos princípios democráticos e da cidadania.
[...] é constituída por diferentes tipos de direitos e instituições; é
produto de histórias sociais diferenciadas protagonizadas por grupos
sociais diferentes. Os direitos cívicos correspondem ao primeiro
momento do desenvolvimento da cidadania; são os mais universais
em termos de base social que atingem e apoiam-se nas instituições do
direito moderno e do sistema judicial que o aplica. Os direitos políticos
são mais tardios e de universalização mais difícil e traduzem-se
institucionalmente nos parlamentos, nos sistemas eleitorais e nos
sistemas políticos em geral. Por último, os direitos sociais só se
desenvolvem no nosso século e, com plenitude, depois da Segunda
Guerra Mundial; têm como referência social as classes trabalhadoras e
são aplicados através de múltiplas instituições que, no conjunto,
constituem o Estado-Providência. (SANTOS, 1997, p. 244)
As referências conceituais de democracia e cidadania, histórica e
socialmente construídas, têm permeado vida em sociedade, na busca e na
reafirmação dos direitos humanos e sociais.
2. PARTICIPAÇÃO SOCIAL
O tema participação está presente na agenda política nacional há mais de
quatro décadas, se constitui e ganha materialidade na democracia uma vez que seu
conceito diz respeito, em grande parte, à tomada de decisão e ao controle do poder
político nas várias esferas de mediação entre os indivíduos nos processos de
constituição da sociedade.
49
A questão da participação é abordada, de diferentes modos, por distintas
correntes de pensamento. Autores, como GASCÓN, TAMARGO, CARLES,
conceituam a participação,
através do qual se podem perceber as transformações nos contextos
históricos, econômicos, políticos e sociais nos quais a noção de
participação foi assumindo distintos matizes em relação à amplitude ou
restrição de seus alcances e implicações (GASCÓN, TAMARGO,
CARLES, 2005, p. 2).
Admitem também a definição genérica de participação como “a capacidade
que têm os indivíduos de intervir na tomada de decisões em todos aqueles aspectos
de sua vida cotidiana que os afetam e envolvem” (GASCÓN, TAMARGO, CARLES,
2005, 2).
ESCOREL; MOREIRA (2008) definem a participação social como:
Um conjunto de relações culturais, sociopolíticas e econômicas em
que os sujeitos, individuais ou coletivos, diretamente ou por meio de
seus representantes, direcionam seus objetivos para o ciclo de
políticas públicas, procurando participar ativamente da formulação,
implementação, implantação, execução, avaliação e discussão
orçamentária das ações, programas e estratégias que regulam a
distribuição dos bens públicos e, por isso, interferem diretamente nos
direitos de cada cidadão (ESCOREL; MOREIRA, 2008, p. 986).
Os autores ao adotarem essa definição ampla de participação social,
sugerem que seu exercício pode ser direcionado tanto às ações de controle do poder
executivo, como às outras questões decorrentes de uma sociedade democrática.
(ESCOREL; MOREIRA, 2008).
Como apresentado no capítulo II desta tese, a participação social na saúde
foi ressaltada pelo MRS, ao ter um papel decisivo em prol da ampliação de direitos
sociais e políticos e ao reivindicar o direito universal e igualitário à saúde.
A inclusão da participação social pelo MRS, como estratégia pela
democracia, foi salientada conforme LOBATO(2009):
como eixo central da proposta da reforma sanitária se relacionava à
sua compreensão para além da expansão do direito e da reforma
setorial, mas como estratégia de democratização social, a saúde vista
como potente conteúdo transformador. De fato, a associação entre
democracia e questão social foi o mote da transição democrática
brasileira. A ausência de democracia seria responsável pela grave
50
situação de desigualdade, indicando que a democracia seria o canal
de construção da justiça social (LOBATO, 2009; p. 9).
A participação da sociedade foi evidenciada, na Constituição Federal de
1988, no direcionamento e organização do novo sistema de saúde como forma
institucionalizada, para a democratização do SUS e a criação de mecanismos de
controle social, para a formulação, gestão e acompanhamento da política de saúde.
Posteriormente, a participação da sociedade foi institucionalizada, com a
promulgação da lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, e passa a ser feita em
cada esfera de Governo, por meio de duas instâncias colegiadas, ou seja, as
Conferências de Saúde e os Conselhos de Saúde, sendo compreendida, assim,
como uma forma de controle social e participativo sobre as ações do Estado, na luta
pela garantia da saúde como um direito de todos (BRASIL, 1990).
VIEIRA, (2004), assinala que
numa sociedade democrática, o controle social na gestão dos serviços
públicos só acontece quando existe “participação de todos os
indivíduos nos mecanismos de controle das decisões havendo,
portanto, real participação deles nos rendimentos da produção” [...]
Criar uma sociedade de bem-estar, sem dar a todos participação
efetiva no controle das decisões e também nos rendimentos da
produção, consiste unicamente na adoção dos homens para
transformá-los em consumidores obedientes e bem humorados
(VIEIRA, 2004, p. 134-135).
A participação da sociedade organizada na gestão pública assegurada
pelo mecanismo de conselhos de saúde, existentes em cada uma das esferas de
governo, foi denominada por CARVALHO (1997) de:
[...] arranjo institucional e é visto como tendente a produzir impactos
modernizantes e democratizantes sobre o padrão de processamento
das demandas no setor, porque introduz novos filtros à seletividade da
demanda permitindo maior permeabilidade aos interesses populares,
tornando público e técnico o seu processamento. Permite também o
enfrentamento dos diferentes atores na esfera pública e obriga os
governantes a prestarem contas de suas ações (CARVALHO, 1997, p.
1.005).
Gonçalves e Almeida designam os conselhos de saúde como espaços nos
quais há “possibilidade de transformação dos sujeitos sociais em sujeitos políticos”,
51
que podem exercer a cidadania, com habilidade e potencial para intervir
positivamente na implementação do SUS” (GONÇALVES, ALMEIDA, 2002, p. 169).
JACOBI (1992), ao analisar a participação popular, como uma exigência
legal para a implantação do SUS, via Conselhos de Saúde, contraditoriamente, a
assinala como uma ação pouco eficaz no comprometimento dos cidadãos, limitando
suas possibilidades de interferir realmente no processo decisório do sistema de
saúde. Ressalta ainda que o resultado tem sido uma pseudoparticipação, ao não se
efetivar a descentralização do processo decisório e, em decorrência da sedimentação
de
uma
lógica
verticalizada
de
participação,
patrocinada
pelas
esferas
governamentais, ou seja, uma participação restrita e limitada. O autor pondera ainda
que
[...] um contexto de pressão social a participação deve existir num
constante processo de interação entre Estado e cidadãos, onde a
administração se configura como uma efetiva potencializadora de
ampliação das práticas comunitárias, por meio do estabelecimento de
um conjunto de mecanismos institucionais que reconheçam direitos
efetivamente exercíveis (JACOBI. 1992, p. 34).
CORTES revela três perspectivas em relação à abordagem da
participação, na área da saúde:
Inicialmente à capacidade dos indivíduos influenciarem ou intervirem
nas decisões políticas referentes à sociedade em que vivem. [...]
aparece como um valor em si, participar, independente dos resultados
imediatos, é algo intrinsecamente positivo, um processo inclusivo,
capaz de agregar excluídos, difundir uma visão integral da saúde e,
sobretudo, propiciar seu reconhecimento como um direito universal.
Nesta perspectiva considera-se a participação, em suas diversas
formas ou graus de envolvimento, um estímulo à cidadania, por
fomentar o capital social e por contribuir para o empoderamento dos
participantes. O segundo aspecto observado diz respeito ao caráter
político da participação como meio de democratização do Estado. [...]
que diz respeito à capacidade gerencial dos governos, à eficácia das
políticas, e ao processo decisório envolvido na promoção do
desenvolvimento socioeconômico sustentável, em
contextos
democráticos. A terceira perspectiva, mais instrumental, deriva da
concepção americana de medicina comunitária em que os indivíduos,
as famílias e a comunidade dividem com o Estado a responsabilidade
pela atenção à saúde da população (CORTES,1996, p. 33).
Nesse sentido, a participação social em saúde é vista e discutida de
diversas maneiras por profissionais e pela população, expressando uma posição
52
clara e favorável à possibilidade de participação nas políticas públicas de saúde.
Capacita ainda os indivíduos a influenciarem as decisões políticas que dizem respeito
à sociedade em que vivem.
ALMEIDA (2002) aponta que a participação representa uma conquista na
construção da cidadania e tem como foco o Estado e a consolidação do sistema de
saúde, apesar de que esse fator por si só não garante a participação plena e efetiva,
inicialmente idealizada pelo MRS.
O debate da população com o Estado, efetivado por meio dos conselhos
de saúde é um meio que qualifica os indivíduos como cidadãos, com capacidade de
interação que vão além da fiscalização.
Assim, nesses espaços, os sujeitos atores não estariam mais em lados
opostos, o que favoreceria o contato com o discurso do outro, como a fala técnica,
por exemplo, “podendo resultar (...) formação da consciência sanitária”. (SILVA,
EGYDIO; SOUZA, 1999:39-40).
Caminhando nesse sentido,
[...] a discussão da participação social como fator essencial para a
preservação do direito universal à saúde, construção da cidadania e
fortalecimento da sociedade civil liga-se diretamente à concepção da
participação como parte do processo de democratização do Estado
(VIANNA, CAVALCANTI, CABRAL, 2009, p 244).
A incorporação da participação na área da saúde não é uma tarefa
simples, pois depende da interação de fatores culturais, econômicos, históricos,
políticos e sociais relacionados aos gestores, comunidade e trabalhadores de saúde.
A participação gera uma nova maneira deliberativa que permite aos atores sociais e
ao governo pautarem suas ações de forma mais horizontal e democrática.
A compreensão das concepções de participação e práticas participativas,
bem como seus fatores limitantes e potencializadores, é importante para entender
como a questão da participação em saúde é operacionalizada no cotidiano.
Esses conceitos enfatizam aspectos como o dever, o compromisso e a
colaboração com os serviços de saúde, refletindo, por um lado, o autoritarismo e
53
negação de direitos, mas também a atuação tradicional dos serviços de saúde que
promoveram a participação como ajuda aos próprios programas.
Por outro lado, outros conceitos correlatos de participação encontrados,
como a mobilização da população, a reivindicação dos direitos e fiscalização da
atuação dos serviços de saúde estão mais próximos do enfoque da política de saúde
atual, que promovem a participação social no controle do sistema de saúde e que,
também tem um potencial para ampliá-los.
No País ainda persistem os conceitos tradicionais de participação, como
adaptação aos serviços de saúde que muitas vezes inviabiliza ou limita a utilização
dos serviços de saúde pela população, pelas dificuldades de acesso aos mesmos,
bem como sobre a necessidade de melhorar a oferta de serviços.
Se a meta da sociedade brasileira é a participação na tomada de decisão
relacionada à gestão do sistema de saúde, esforços devem ser implementados para
a divulgação à população sobre os seus direitos e sobre o funcionamento do sistema
público de saúde.
A mobilização e campanhas para chamar a população à participação
social devem ser implementadas pela equipe de saúde dos serviços, pelo fato de sua
influência sobre a população e também, como passo inicial, para a garantia do
acesso à saúde.
Dessa maneira, deve-se pensar os processos participativos no âmbito da
prática social, como elemento de mediação na disputa entre projetos de sociedade e
de homem, tal qual evidenciados pelos estudos teóricos e empíricos, e se colocar
como desafio de acionar estratégias técnicas e políticas, teóricas e práticas que
tenham como norte a compreensão, e, sobretudo, a transformação social.
O fortalecimento dos espaços deliberativos tem sido fundamental para a
consolidação de uma gestão democrática, integrada e compartilhada. A ampliação
desses espaços de participação cidadã promove um avanço qualitativo na
capacidade de representação dos interesses e na qualidade e equidade da resposta
pública às demandas sociais.
54
Os espaços de formulação de políticas, onde a sociedade civil participa,
são marcados pelas contradições e tensões, representando um avanço na medida
em que dão visibilidade ao conflito e oferecem procedimentos de discussão,
negociação e voto de forma legítima. Seu maior desafio é garantir para que esses
espaços sejam efetivamente públicos, tanto no seu formato quanto nos resultados,
pela presença crescente de uma pluralidade de atores com potencial de participação,
para uma atuação efetiva e sem tutela nos processos decisórios de interesse público.
Assim, não basta assegurar legalmente à população o direito de participar
da gestão dos serviços públicos, estabelecendo-se conselhos, audiências públicas,
fóruns, procedimentos e práticas, mas também, garantir que mudanças ocorram no
sistema de prestação de contas à sociedade pelos gestores públicos e privados,
mudanças culturais e de comportamento, para se assegurar uma cidadania efetiva,
uma maior participação e avanços em políticas que promovam e ampliem ações
pautadas na construção de políticas sociais, que favoreçam melhorias, tanto na
qualidade como no acesso à saúde, de forma equitativa, e que ações efetivas da
população organizada e informada conheça e reivindique seus direitos e também
exercer sua cidadania na busca de resposta do Estado e na perspectiva da
democracia e justiça social (JACOBI; BARBI, 2007, p. 2).
Esses significados vêm se contrapor ao conteúdo propriamente político da
participação, tal como concebida no interior do projeto participativo, marcada pelo
objetivo da “partilha efetiva do poder” entre Estado e sociedade civil (DAGNINO,
2002), por meio do exercício da deliberação no interior dos novos espaços públicos.
Assim, a participação, em suas diversas formas ou graus de envolvimento
é um estímulo à ampliação da cidadania, por contribuir para o fortalecimento dos
sujeitos.
55
3. ASSOCIATIVISMO CIVIL
O associativismo não é um fenômeno novo que permeia a sociedade
moderna. Ele foi tecido e projetado, desde os tempos antigos com as grandes ordens
religiosas formadas para catequizar, aumentar o número de seguidores e ao mesmo
tempo assegurar certa cumplicidade aos seus desígnios. Desse modo, tinham
domínio da sua realidade, condições de satisfazer as exigências e necessidades
individuais. AVRITZER (1997) caracteriza o novo associativismo em alguns
componentes básicos como:
um aumento expressivo no número e no ritmo de constituição de
associações civis em diversos países da América Latina, com pouca
tradição anterior de associativismo, levando à alteração de uma
tradição política caracterizada pela falta de densidade no espaço
público; uma ruptura com um padrão homogeneizante de ação
coletiva. O que se percebe a partir de meados dos anos 70, nas
sociedades latino-americanas, é um movimento na direção da
pluralização da ação social. Destaca a ação de novos atores, como a
classe média, de novos temas, como os direitos humanos, a ecologia
e a questão do gênero e da raça, passam a constituir elementos
centrais nas formas de ação coletiva e no motivo para a constituição
de novas associações civis. Ocorre também uma importante mudança
na auto concepção pelos atores das suas próprias ações. Esses novos
atores já não buscam a sua incorporação ao Estado, nem a sua
inserção no setor popular. Ao mesmo tempo, percebe-se uma
capacidade de atuar conjuntamente em questões específicas
relacionadas com o aprofundamento da democracia [...], uma ação
integrada dos grupos da sociedade civil na direção da maior
visibilidade do sistema político (AVRITZER, 1997,152).
Ainda segundo esse autor, o novo associativismo civil pode contribuir com
a “superação dos elementos de continuidade que caracterizam a relação entre
Estado e sociedade política na América Latina” (AVRITZER, 1997, p.153).
No Brasil, particularmente na década de 1980, vivenciou-se um momento
favorável à prática associativista. Nesse período de redemocratização do País, o
associativismo foi estimulado pela legislação, que consagrou a liberdade de
associação no artigo 174, § 2 da Constituição Federal Brasileira que define:
a lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de
associativismo”. Determinou-se no artigo 5º, inciso XVIII, que “a
criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas
independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em
seu funcionamento (BRASIL, 1988)
56
SCHERER-WARREN (2004), em sua obra Associativismo Civil em
Florianópolis: da ditadura à redemocratização, aponta o período de 1984-1993, como
o de instiucionalidade da democracia, em que há o surgimento de um novo tipo de
associativismo vinculado à ampliação dos direitos da cidadania, à participação na
esfera pública e à parceria com a esfera governamental (SHERER-WARREN 2004,
p. 21).
A autora define
[...] as associações civis são formas organizadas de ações coletivas,
empiricamente localizáveis e delimitadas, criadas pelos sujeitos em
torno de identificações e propostas comuns, como para a melhoria da
qualidade de vida, defesa de direitos de cidadania, reconstrução ou
reivindicação em torno de interesses comunitários de variados tipos
sociais. (SHERER-WARREN, 2004, p.14).
A literatura aponta em um certo consenso, o valor das associações para o
aprofundamento da democracia, na compreensão do direito individual, tendo em vista
a satisfação de interesses.
Dessa forma, a prática associativa tem relevância na construção e
instituição de uma sociedade democrática, pela sua capacidade de defender
demandas de grupos mais vulneráveis e excluídos e pelo seu caráter político de
confiabilidade, cooperativismo e espírito público.
O associativismo, além disso, enriquece as bases da participação e da
representação política nas democracias modernas ao promover e ocupar os espaços
de cogestão de políticas públicas.
As mudanças sociais, novas solicitações do mundo moderno, trazidas
principalmente pela revolução tecnoindustrial vão ao longo do tempo influenciar e
desconfigurar as estruturas dessas instituições e vão dar lugar ao associativismo.
No Brasil, as associações têm exercido papéis de representação política
em diferentes espaços institucionais, de definição e de controle de políticas públicas.
Diferentemente de outros espaços e políticas participativas, na maioria delas a
participação institucional ocorre sob prerrogativas legais que determinam com algum
reconhecimento nas respectivas áreas de intervenção governamental.
57
A forma de se aderir ou formar uma associação vai depender das
necessidades e interesses de cada indivíduo. Desse modo, o nascimento de uma
associação está ligado a uma intenção de superar obstáculos, fortalecer relações e
promover a melhoria individual e coletiva. Os sujeitos que dela participam, comungam
dos mesmos objetivos na busca e geração de benefícios e ou fornecer serviços.
WEBER (2002) aponta que:
[...] o termo associação é uma relação social regulada, fechada e
restrita para admissão de estranhos. Sua ação consiste na conduta do
quadro administrativo cuja autoridade governante ou com posse de
plenos poderes direciona-se para o exercício de sua autoridade e no
agir dos associados. Se a relação social tem o caráter comunitário não
se faz diferença na sua conceituação. A posição de autoridade
reconhecida, como o chefe de família, o conselho de diretores, o
príncipe, o presidente ou chefe de igreja, autoriza à execução das leis
e regulamentos que gerenciam a associação (WEBER, 2002 p. 73).
A articulação entre práticas associativas, participação sociopolítica e
democracia é defendida também por Alexis de Tocqueville no livro A democracia na
América, no qual o autor explica os avanços da sociedade norte-americana, em
termos de igualdade e liberdade, na existência de uma base associativa sólida entre
a população. Nessa vida associativa se formou o contraponto às tendências de
individualização excessiva e, como a outra face dessa individualização, de ameaça
de despotismo por parte de um Estado que concentra poder e não encontra mais os
limites impostos pelos poderes particulares das sociedades aristocráticas.
Desse
modo, por meio
da
vida
associativa,
indivíduos
comuns
aprenderiam a desenvolver práticas coletivas e a importância dessas para si e para a
vida em sociedade. Como salienta TOCQUEVILLE,
[...] os homens, nas associações, aprendem a submeter sua vontade à
de todos os outros e a subordinar seus esforços particulares à ação
comum, coisas que não é menos necessário saber nas associações
civis do que nas associações políticas. (...) Portanto, as associações
políticas podem ser consideradas como grandes escolas gratuitas, em
que todos os cidadãos vão aprender a teoria geral das associações.
(...) Quando os deixam [os indivíduos] associar-se livremente em todas
as coisas, acabam vendo, na associação, o meio universal e, por
assim dizer, único, que os homens podem utilizar para atingir os
diversos fins que se propõem. Cada nova necessidade desperta
imediatamente a idéia de se associar (TOCQUEVILLE, 2000, p. 143).
58
Aqui, novamente, encontra-se a noção de que a participação social e
política constitui uma verdadeira “escola” de associativismo, ensinando as
habilidades necessárias ao agir coletivo e, ao mesmo tempo, forjando uma
predisposição a tal agir, em contraposição às tendências individualizantes da
sociedade moderna.
No Brasil observa-se nos últimos 30 anos o surgimento de práticas
participativas populares, marcadas inicialmente por reivindicações políticas e sociais
e manifestações contrárias ao regime militar instaurado. O processo de abertura
democrática, na segunda metade da década de 1980 dá uma nova dinâmica a esses
grupos e organizações, que aprendem e apresentam diferentes projetos comunitários
reivindicatórios da demanda populacional.
YAZBEK (2002) lembra que muitas delas surgiram e se consolidaram no
País, já na década de 1970, em tempos de ditadura e repressão, ligadas à educação
popular, à promoção social e a outros trabalhos sociais dessa época. Outros autores
conferem às associações um movimento próprio que
[...] Acompanham um padrão característico da sociedade brasileira,
onde o período autoritário convive com a modernização e
diversificação social do país e com a gestação de uma nova sociedade
organizada, baseada em práticas e ideários de autonomia em relação
ao Estado, num contexto em que sociedade civil tende a se confundir,
por si só, com oposição política. (LANDIM, 1998, p. 30)
O movimento que tomou corpo nesse período se apresenta mais
amadurecido e consistente com resistência à força política presente. Assim, nesse
cenário emergem as associações civis com ações não só de protestos, mas
renovadoras e representativas de participação coletiva, assumindo um papel
importante na mobilização e organização interna dos seus membros, de suas
atividades e na externa ao apresentar questões, definir e propor meios para o seu
equacionamento e vislumbrar uma transformação social.
O associativismo entre os doentes de Chagas se estabeleceu como
agente articulador da união dos sujeitos acometidos pela doença, com ações
destinadas ao desenvolvimento do conhecimento e visibilidade da doença, como um
problema de saúde pública formando uma comunidade com um mesmo ideal.
59
Esse associativismo se caracterizou ainda pela busca de melhoria das
condições de vida e bem-estar social do doente de Chagas, na medida em que são
propositivos diante das condições difíceis de acesso aos serviços de saúde. As
atividades iniciais das associações foram direcionadas à atuação do Estado no que
se refere às políticas sociais públicas.
Segundo NEDER (1997), as associações apresentam, como essência
central, uma ação política na qual difundem a construção de identidades
democráticas no marco de instituições representativas com a constituição de formas
coletivas de solidariedade e de ajuda mútua, que colocam no dia a dia normas e
valores do comportamento democrático.
Demo (2001), ao analisar dados do Suplemento da Pesquisa Mensal de
Emprego de 1996, do IBGE, sobre associativismo, relativos a seis Regiões
Metropolitanas (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e
Salvador) assinala que:
[...] o associativismo representa o direito dos direitos, porque é ele que
funda a proposta da organização em torno do bem comum, como é a
Constituição para qualquer país: nela surge a nação, organizada em
torno de uma carta de intenções que define direitos e deveres de
todos. Enquanto as pessoas não se associam de alguma forma, temos
uma população dispersa. (DEMO 2001, p.23)
As associações e/ou movimentos sociais, no âmbito da sociedade civil,
tentam criar ou ampliar espaços de participação e definição de políticas sociais. O
fundamento desse tipo particular de grupo é normativo, o que significa tratar-se de
uma entidade organizada de indivíduos coligados entre si por um conjunto de regras
reconhecidas e repartidas, que definem os fins, os meios, os poderes, os
procedimentos dos participantes, com base em determinados modelos de
comportamento oficialmente aprovados.
Barcelo (1986) afirma que o fato de associar-se é voluntário: um conjunto
de cidadãos se agrupam livremente pra conseguir seus objetivos, que são explícitos,
comuns e definidos previamente, a serviço dos quais se colocam e que
individualmente não seriam atingidos. O nascimento de uma associação é produzida,
60
portanto, em função de seus objetivos, que podem ser econômicos, sociais, políticos,
culturais, recreativos, gerais e outros.
O autor ressalta que a maioria das associações está configurada por
objetivos setoriais, ou seja, esporte, cultura e outros, mas para que a questão da
territorialidade seja vista de forma global como um sistema capaz de impulsionar
transformações que transcendem inclusive o território, é importante que haja a
participação de diferentes entidades setoriais, o que favoreceria a inter-relação de
projetos comuns de diferentes associações.
Um associativismo democrático deve ter uma estrutura organizativa com
alto grau de representatividade, assessoramento na formação e dinamização das
atividades, bem como propiciar a comunicação e geração de opinião entre os
cidadãos para sua credibilidade.
A partir desses elementos, entende-se que o associativismo é uma forma
ideal de capacitação da ação coletiva e definição de certos interesses dos cidadãos,
que cria espaços de solidariedade e de intercâmbio de ideias e experiências, portanto
de relações, dependendo da força dos associados.
A reunião de várias associações em torno de um problema comum tornase menos determinante do que o grau de influência de uma associação, mais ainda
do que a quantidade de associações reunidas diante daqueles com quem será
negociado determinado tema. Assim,
[...] qualquer que seja sua forma e consistência, a principal função da
coalizão não é simplesmente a de mostrar força numérica (muitos
grupos); mas tão importante (ou mesmo mais) é o prestígio e a
diversidade dos membros, prova de que a agenda política pela qual
ela luta é encampada por uma ampla e diversificada fatia da opinião
pública, talvez mais ampla do que os interesses representados
diretamente pela coalizão. (GRAZIANO, 1994, p. 328)
Farias (1987), em um estudo sobre associativismo e participação assinala
que
prática
associativista
permite
o
desenvolvimento
de
atividades
que
correspondem às necessidades e/ou interesses de uma determinada camada da
população envolvida nessa prática. Às atividades alia-se também o treinamento para
a vivência dessa mesma prática. Com base nessas duas ocorrências, o
61
associativismo poderá vir a ser encarado como um possível campo de aprendizado
da participação popular.
Nesse sentido, um dos fatores que determina a participação é o motivo
que leva à criação das associações, ou seja, quando as associações nascem como
resposta à iniciativa dos próprios associados podem ter sua ação voltada para
atividades de caráter mais amplo. A autora enfoca o associativismo como um campo
de participação que ganha significância, pois a população passa a expressar suas
reivindicações. Alerta, porém, que quando a participação significa acesso às
decisões, os espaços nem sempre estão garantidos para a maioria dos sócios.
As colocações de FARIAS, 1987 encontram apoio nos princípios da teoria
associativista que asseguram aos associados o direito de discutir seus problemas, de
gerir os seus assuntos e de controlar seus mecanismos de funcionamento das
associações.
[...] Observa-se que no Brasil, há um conjunto valioso de práticas
participativas populares, que se manifestam através da dinâmica
interna de seus grupos e organizações, no aprendizado com diferentes
projetos comunitários alternativos e com ações renovadoras.
Entretanto, sua importância reside no que elas representam como
aprendizagem de participação, e na forma como esta aprendizagem se
realiza. A participação, porém não deve ocorrer somente na execução
ou avaliação de serviços ou no acesso aos mesmos, mas também na
definição e formulação de políticas de organizações, na definição de
seus objetivos, na elaboração de planos, programas e projetos e na
destinação de recursos. (GRACIANO, 2003, p. 89).
Assim, abordar o tema da participação popular via atividade associativa é
colocar a questão nos marcos de uma perspectiva democrática. Para tanto, deve no
sentido universal, representar os interesses de todos os associados, ser transparente
nas decisões, no oferecimento das informações, na alocação de recursos, criar
possibilidades de controle social. Esse caráter democrático também deve incluir
abertura de meios e instrumentos para que haja acesso às informações, participação
nas decisões, respeito às diferentes ideologias, estímulo à construção de laços fortes
entre dirigentes e associados, divisão de responsabilidades, estabelecimento de
regras para o comprometimento individual, orientação da gestão pela relevância
social e pelos critérios da equidade.
62
O caráter de eficiência deve ser assegurado, por meio de avaliações
periódicas, que estimulem um relacionamento franco e aberto entre os dirigentes, os
associados e os técnicos (devidamente selecionados), bem como o desenvolvimento
do processo participativo em relação à causa defendida.
GOHN (2008), ao analisar o associativismo civil em São Paulo, assinala
que:
[...] o município passou a refletir no início deste milênio, em escala
ampliada, um novo cenário de associativismo militante originário dos
movimentos populares de 1970 e 1980, quando ocorre uma retomada
de ações, mobilizações, e movimentos dos anos 1980 mas com uma
nova configuração em que as redes e os fóruns desempenham um
papel fundamental, as articulações ocorrem não apenas no plano
local, mas nacional e internacional. (GOHN, 2008 p. 137-138)
Desse modo, pode-se se afirmar que o associativismo configura-se na
contemporaneidade com uma nova roupagem.
No final da década de 1980, várias lutas sociais emergem no País,
dentre as quais se destaca o movimento sanitarista, que direciona suas energias para
a construção e defesa de políticas públicas universais e garantidoras de direitos por
meio da criação de sistemas descentralizados e participativos nas políticas públicas.
Isso resultou na criação de milhares de conselhos de políticas públicas nos três
níveis federativos, além da regulamentação e estruturação das políticas públicas, por
meio de diversos instrumentos institucionais e jurídicos com base nos princípios
democráticos previstos na Constituição de 1988 (BRASIL, 1988).
No artigo 5º, inciso XVII, da Constituição de 1988, lê-se: “(...) é plena a
liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar”. (BRASIL,
1988).
O inciso XX estipula que
[...] o direito de associação é de livre escolha individual e independe da
interferência estatal. Já o inciso XIX determina que, além disso, só
uma decisão judicial poderá dissolver uma associação ou suspender
suas atividades, podendo os associados representarem-se judicial ou
extrajudicialmente pelas respectivas associações (BRASIL, 1988,
p. 7).
63
Gohn, ao descrever o associativismo, a participação da sociedade civil na
gestão compartilhada de políticas públicas como os conselhos gestores na área da
saúde:
[...] supõe que só se compreende a questão do associativismo civil se
a inserirmos no quadro de desenvolvimento histórico de algumas
formas de participação da sociedade civil em passado recente. 2o É
necessário examinarmos as formas mais recentes de participação a
exemplo das organizações do Terceiro Setor, os inúmeros conselhos e
fóruns de participação nos marcos institucionais que estabeleceram
novas relações entre o governo e a sociedade civil e criaram canais de
gestão compartilhada (GOHN, 2003, p. 42).
A autora revela ainda que,
[...] O associativismo predominante nos anos 90 não deriva de
processos de mobilização de massa, mas de processos de
mobilizações pontuais. [...] a mobilização se faz a partir do
atendimento a um apelo feito por alguma entidade plural,
fundamentada em objetivos humanitários. (GOHN, 2000 p. 26).
4. REDE SOCIAL
O conceito de rede vem sendo amplamente estudado e utilizado dentro do
campo científico em geral. Desde a década de 1940, foi incorporado pelas Ciências
Sociais e, atualmente, constitui-se “[...] num paradigma de análise bastante usado,
porém com significados diversos” (SCHERER-WARREN, 1999, p. 21).
O conceito original de rede vem do latim, retis e significa entrelaçamento
de fios com aberturas regulares, que formam uma espécie de tecido.
Nesse sentido, OLIVERI (2002) assinala que a rede é tecida por atores
sociais que representam seus interesses, objetivos e temáticas comuns (2002, p. 3).
Para SCHERER-WARREN ainda, a noção de rede é polissêmica e vem
sendo construída como um conceito analítico e propositivo, pelos movimentos
sociais, assim aponta que,
[...] a ideia de rede como conceito propositivo utilizado por atores
coletivos e movimentos sociais refere-se a uma estratégia de ação
coletiva, isto é, a uma nova forma de organização e de ação (como
rede). Subjacente a essa ideia encontra-se, pois, uma nova visão do
processo de mudança social – que considera fundamental a
64
participação cidadã – e da forma de organização dos atores sociais
para conduzir esse processo [...] contém significados ideológicos e
simbólicos e comporta resultados sociais políticos (SCHERERWARREN 1999, p. 23;24).
Scherer-Warren observa ainda que o apoderamento das redes pelos
movimentos sociais tornou-se uma estratégia empregada pela sociedade civil para a
disseminação da informação e do conhecimento por meio das relações entre os seus
sujeitos,
de
modo
a
propiciar
suas
próprias
articulações
políticas
na
contemporaneidade, como sujeitos de resistência, proponentes de políticas públicas
(1999, p. 207).
Nessa perspectiva, as redes assumem duas dimensões distintas,
organizacional e estratégica, tendo vários poderes instituídos, considerando as
possibilidades de estabelecimento de relações horizontais, descentralizadas e
democráticas.
SCHERER-WARREN (1999) aborda também as redes como estratégias
fundamentais para a sociedade contemporânea, na era globalizada e tecnológica,
percebidas como um dos meios potenciais de reunir forças coletivas diante do
capitalismo globalizado, uma vez que tem potencializado significativamente as lutas
dos trabalhadores em todo o mundo.
FALEIROS (2001) apresenta as redes sociais, como um meio fortalecedor
dos sujeitos na atual realidade social. Na construção do paradigma da correlação de
forças, define este como:
[...] a concepção da intervenção profissional como confrontação de
interesses, recursos, energias, conhecimentos, inscrita no processo de
hegemonia/contra-hegemonia,
de
dominação/resistência
e
conflito/consenso que os grupos sociais desenvolvem a partir de
projetos societários básicos (FALEIROS, 2001, p. 44).
SCHERER-WARREN (1999) faz uma análise do local, enquanto espaço
territorial definidor de identidade e de formas de sociabilidade, e apresenta uma
divisão das redes sociais em dois tipos de redes permeáveis entre si.
O primeiro tipo são as soberanias, que têm uma definição muito próxima
ao conceito de rede primária de FALEIROS (2001), ou seja, que se constituem, a
65
partir de uma base social informal, dos círculos sociais dos indivíduos, “[...] sua
ênfase recai no entendimento das relações no cotidiano mais imediato dos
indivíduos, de seus vínculos culturais e simbólicos” (SCHERER-WARREN, 1999, p.
35). O segundo tipo de rede social apresentado pela autora são as associativistas,
que formam o tecido social local associativo por meio das relações estabelecidas
entre os diversos coletivos sociais. Nelas, “[...] buscam-se as interações políticas
entre grupos, tendo em vista a formulação de movimentos, organizações
reivindicatórias, etc. (a politização)” (SCHERER-WARREN, 1999, p. 35-36).
Esse entendimento permite que se compreenda a rede social local como
uma expressão dialética entre o particular e o geral, e SCHERER-WARREN (1999)
complementa esse argumento, ao se referir a esse movimento constitutivo do real na
dinâmica das redes de movimentos sociais, expressando-se assim:
[...] A análise em termos de redes de movimentos implica buscar as
formas de articulação entre o local e global, entre o particular e o
universal, entre o uno e o diverso, nas interconexões das identidades
dos atores sociais com o pluralismo. Enfim, trata-se de buscar os
significados dos movimentos sociais num mundo que se apresenta
cada vez mais interdependente, intercomunicativo, no qual surge um
número cada vez maior de movimentos de caráter transnacional, como
os dos direitos humanos, pela paz, ecologistas, feministas, étnicos e
outros. (SCHERER WARREN, 1993, p. 9-10).
A construção dos estudos sobre rede social vem, ao longo da história,
combinando várias contribuições das disciplinas para a compreensão e a
operacionalização das redes sociais, principalmente nas Ciências Sociais Aplicadas,
que visam, além de explicar a realidade, transformá-la.
Na rede social, cada sujeito tem sua função e identidade cultural. A relação
entre os indivíduos forma um todo coerente que representa a rede, assim se
organizam por temáticas com configurações diferenciadas e mutantes.
Castells estabelece uma relação direta das redes com a sociedade e as
descreve
[...] como um conjunto de nós interconectados. Nó é o ponto no qual
uma curva se entrecorta. Concretamente, o que um nó é depende do
tipo de redes concretas de que falamos, [...] podem ser formal ou
informal e os nós podem também ser representados por indivíduos ou
grupos de indivíduos (CASTELLS,1999, p. 498).
66
Castells (1997), apud Scherer-Warren (1998), relata ainda que as redes de
novos movimentos sociais fazem mais do que organizar atividades e socializar
informações, são de fato “produtoras e distribuidoras de códigos culturais” (p. 27).
Para Scherer-Warren, as redes retratam a sociedade civil pela lógica da
integração de diversidades. Assim, a sociedade civil passa a ser representada por
vários níveis de interesses e valores da cidadania organizados em cada sociedade,
para encaminhar suas ações a favor de políticas sociais e públicas, protestos sociais
e manifestações simbólicas. (2006, p. 110).
A rede social é uma estrutura constituída por pessoas ou organizações,
conectadas por um ou vários tipos de relações, que partilham valores e objetivos
comuns. As redes como estratégia de comunicação e de empoderamento da
sociedade civil são as formas mais expressivas das articulações políticas
contemporâneas, segundo SCHERER-WARREN (2007, p. 42).
Contudo, destaca-se a importância da organização da rede social de cada
órgão que a compõe, que considere sua determinação e motivação ética e política.
Os desafios são grandes e encontram-se relacionados às necessidades de
mudanças
e
transformações
culturais,
organizacionais,
políticas,
as
quais
representam as dinâmicas que integram a sociedade como um todo. Pode-se afirmar
que os conceitos de movimentos sociais e redes constituem-se numa importante
chave analítica para a compreensão das novas configurações dos movimentos
sociais no século XXI, desvelando novas articulações, formas organizativas e de
comunicação que ultrapassam fronteiras físicas, culturais, de tempo e espaço.
Scherer-Warren ressalta que a
[...] análise em termos de redes de movimentos implica buscar as
formas de articulação entre o local e o global, entre o particular e o
universal, entre o uno e o diverso, nas interconexões das identidades
dos atores com o pluralismo. Enfim trata-se de buscar os significados
dos movimentos sociais num mundo que se apresenta cada vez mais
como interdependente, intercomunicativo, no qual surge um número
cada vez maior de movimentos de caráter transnacional, como os de
direitos humanos, pela paz, ecologistas, feministas, étnicos e outros.
(SCHERER-WARREN, 1996, p.10)
67
Destaca ainda que o estudo como caminho investigativo para as análises
de redes em ações coletivas tem apontado a ideia de que essas ações surgem das
próprias redes – que interagem e influenciam-se mutuamente (Scherer-Warren,
1996).
Assim, essas redes são reconhecidas como agentes facilitadores da
compreensão dos processos de mobilização, de formação das redes, como também
dos caminhos percorridos pela informação no processo associativo. Dessa forma, as
várias dimensões de análise são articuladas de forma complementar, passando por
diferentes espaços, interação entre diversos territórios e articulação entre as redes.
CASTELLS (1999) identifica a lógica de redes como uma das
características de qualquer sistema nas novas tecnologias da informação devido à
complexidade das interações. [...] aponta como características desse novo
paradigma: tecnologias para agir sobre a informação; penetrabilidade de seus efeitos;
lógica de redes; flexibilidade; convergência de tecnologias específicas para um
sistema altamente integrado (p.77-78).
Para esse autor, a viabilização do trabalho em rede é enriquecida pelo
sistema de novas tecnologias que permeia a sociedade contemporânea.
As relações que se estabelecem entre os diversos movimentos sociais e
organizações da sociedade civil, bem como as relações desses agrupamentos com o
Estado e com os partidos políticos ganham novos contornos e significados, que
devem ser desvelados e compreendidos em profundidade pelos estudiosos desses
sujeitos sociopolíticos (SILVA, 2012).
VALLA&STOTZ (1994), ao trabalharem o tema participação popular em
busca da cidadania:
[...] quais as respostas do movimento popular ao estado de
emergência permanente, apontam ainda que a rede de relações
estabelecidas entre as associações de moradores e o Estado, em
seus diversos níveis de governo, indica uma progressiva extensão dos
direitos sociais de cidadania (1994, p. 104).
68
CAPÍTULO III
A
DOENÇA
DE
CHAGAS
NO
CENÁRIO
BRASILEIRO
E
INTERNACIONAL
1. Alguns Elementos Históricos da Doença de Chagas
No Brasil, a virada do século XIX para o século XX foi marcada pela
abolição da escravatura em 1888, pela proclamação da República em 1889, pela
imigração, pelo avanço do capitalismo industrial e reformas urbanas.
Numerosos inventos foram se incorporando à vida dos brasileiros. A
Capital Federal, Rio de Janeiro e a cidade de São Paulo perdem suas feições
provincianas e começam a se tornar metrópoles civilizadas.
As transformações foram sentidas a partir dos avanços da medicina e do
pensamento médico, principalmente entre os estudiosos das doenças tropicais.
A institucionalização das pesquisas e organização dos serviços sanitários
também tomaram vulto nesse período.
As novas ideias geradas pelo cientificismo e experiências evolucionistas
começam a marcar o ensino e a prática médica. No fim do século XIX, são criados os
institutos de pesquisa em medicina experimental e acontecem as primeiras reformas
sanitárias comandadas por Oswaldo Cruz (EDLER,1998).
A teoria que predominava até então, na área da medicina e em vários
segmentos da sociedade, era a teoria miasmática, segundo a qual as doenças se
originavam da falta de higiene pública e eram transmitidas pela exalação do ar fétido
dos dejetos acumulados nas ruas.
A sujeira urbana começou a ser vista como algo prejudicial à saúde da
população, sendo introduzidas novas regras sociais de higienização dos centros
urbanos, para prevenir as epidemias.
69
Naquela época, os pensadores dividiam-se entre os “contagionistas”, para
quem as doenças se davam pelo contágio com outra pessoa doente ou com os
objetos por ela utilizados e os “infeccionistas”, para os quais a infecção se propagava
por substâncias animais e vegetais podres que exalavam os “miasmas mórbidos”
(CHAGAS FILHO,1968).
O alvorecer do século XX traz uma série de outros avanços nos estudos
sobre as doenças tropicais em terras brasileiras. É fundada em 25 de maio de 1900 a
Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), inicialmente denominada Instituto Soroterápico
Federal, com a missão de combater os problemas da saúde pública do Brasil.
Os cientistas brasileiros não ficaram distantes das ideias que circulavam
na Europa. Adolpho Lutz, Oswaldo Cruz e Emílio Ribas estavam entre aqueles que
rapidamente aderiram à onda da baciloscopia e da experimentação como forma de
comprovar a origem de algumas doenças epidêmicas (CHAGAS FILHO, 1968).
Os estudos se concentravam na microbiologia e a formação dos
sanitaristas centrava-se em práticas em laboratório, os demais ramos da medicina
eram subordinados a este conhecimento.
Nesse período prevalecia na atuação dos cientistas brasileiros:
• A incorporação dos princípios da escola pasteuriana e da introdução da
medicina tropical mansoniana no ensino médico;
• A inserção em uma “rede de relações” com os mais importantes
pesquisadores, principalmente alemães, franceses e ingleses;
• A partir do reconhecimento político e público, a capacidade de influir
com os governos estaduais e central para a implantação de uma nova forma de
pensar a formulação e execução de políticas públicas para a recuperação e
preservação da saúde como parte de um modelo de desenvolvimento;
• O entendimento da saúde como um bem coletivo com reflexos em todos
os segmentos da sociedade;
• O desenvolvimento das pesquisas dentro dos Institutos Públicos de
Pesquisa com financiamento oficial;
70
• A necessidade de contribuição inovadora no emergente campo da
medicina tropical e nos estudos das doenças transmitidas por insetos. Na maioria das
vezes, os resultados alcançados trataram não apenas da descrição de novas
doenças, mas desnudaram a verdadeira realidade.
Em 1905, Carlos Chagas é indicado por Oswaldo Cruz para controlar um
surto de malária que se alastrava entre trabalhadores da usina hidroelétrica, que a
Companhia Docas de Santos construía na Serra de Santos.
Carlos Chagas foi o primeiro cientista que apontou os mosquitos
domésticos como vetores da malária e que a transmissão seria de caráter domiciliar,
introduzindo, assim, nesse episódio a profilaxia da doença com base na luta contra
os anofelinos adultos no interior das moradias.
Em 14 de abril de 1909, Carlos Chagas, trabalhando em Lassance, Minas
Gerais, realizou aquele que mesmo hoje, cem anos após a sua descoberta, é
reconhecido como um dos mais importantes feitos da ciência brasileira, a descoberta
da tripanossomíase americana, conhecida como a doença de Chagas.
Caso único na história da medicina em que o mesmo pesquisador
descreveu o inseto vetor; um novo protozoário agente etiológico e o ciclo da doença.
Como reconhecimento de seu trabalho, Chagas recebeu quatro indicações ao prêmio
Nobel de Medicina (DIAS,1979).
A doença de Chagas foi descrita, em 1909, por Carlos Chagas, como uma
doença infecciosa, transmissível, causada pelo parasito Trypanossoma cruzi e
transmitida ao homem pelas fezes do Triatoma infestans, inseto conhecido
popularmente como barbeiro, bicudo, chupança, chupão, fincões, procotó e ou "bicho
de parede”, que se alimenta do sangue de mamíferos.
A transmissão acontece quando a pessoa picada pelo inseto, coça o local
picado onde ficaram as fezes eliminadas pelo inseto e se encontra o parasito, que
entra em contato com a pele lesada ou com a mucosa indo para corrente sanguínea.
Ao atingir a corrente sanguínea, a doença pode afetar o coração, o esôfago e o
intestino.
71
O protozoário Trypanosoma cruzi, assim denominado em homenagem a
Oswaldo Cruz é o principal hospedeiro da doença de Chagas, sendo encontrado nas
fezes do triatomíneo.
Carlos Chagas, em 1911, chamava atenção dos governos dos países
afetados, para que se encarregassem da luta sem tréguas aos triatomíneos, ligando
essa luta ao desenvolvimento das nações, à ocupação do solo e ao aprimoramento
da raça.
O perfil epidemiológico da pessoa com doença de Chagas no Brasil é o de
um indivíduo adulto, de origem rural, de baixo nível instrucional e que vive em centros
urbanos no chamado extrato terciário de trabalho. Um dos Estados brasileiros com
maior número de sujeitos acometido pela doença de Chagas é Minas Gerais,
destacando-se o município de Bambuí, onde as ações de controle da transmissão
vetorial da enfermidade tiveram início na década de 1940.
[...] A doença de Chagas era considerada uma doença rural até
meados da década de 1970. O homem foi o causador da mudança do
habitat natural do barbeiro, inseto transmissor, ao devastar as matas e
flora, desviando rios e alterando todo o meio ambiente. Deste modo, o
inseto saiu das matas e adentrou nas casas feitas de adoubo ou barro,
material ideal para se esconder e se proliferar, aumentando o número
de pessoas na zona rural (DIAS, 2007, p.17).
A partir da década de 1970, a atuação da Superintendência de Controle de
Endemias (SUCEN), órgão da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, na
cobertura da área endêmica chagásica com inseticida de ação residual, associada às
modificações socioeconômicas da zona rural, levou à eliminação do Triatoma
infestans e da transmissão vetorial da doença no Estado.
Em 22 de maio de 1970, o Decreto nº 66.263 criou a Superintendência de
Campanhas de Saúde Pública (SUCAM), órgão que resultou da fusão do
Departamento Nacional de Endemias Rurais (DENERu), da Campanha de
Erradicação da Malária (CEM) e da Campanha de Erradicação da Varíola (CEV).
A atuação da SUCAM caracterizou-se por equipes preparadas para as
condições de trabalho em campo, de grande mobilidade e eficácia, realizando a
72
busca ativa de pessoas e insetos transmissores de doenças, que eram
cuidadosamente documentados.
A partir de 1975, a SUCAM, posteriormente Fundação Nacional de Saúde
(FUNASA), sistematizou o Programa de Controle da doença de Chagas (PCDCh),
em todo território nacional.
O PCDCh foi inicialmente dividido em três etapas:
reconhecimento geográfico;
planejamento e
fase de ataque ao vetor domiciliado e vigilância
epidemiológica, para evitar o retorno do vetor.
Desde 1991 funciona a Comissão Intergovernamental para Doença de
Chagas, constituída pelos ministérios da Saúde dos países do Cone Sul (Brasil,
Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai) e secretariada pela Organização Pan-americana
de Saúde - OPAS.
Em junho de 2006, o Brasil recebeu uma certificação relativa à eliminação
da transmissão da doença de Chagas pelo principal vetor (Triatoma infestans) e pela
via transfusional, concedida pela OMS/OPAS (DIAS, 2006; RISI JUNIOR;
NOGUEIRA, 2002).
Em julho de 2007, a Organização Mundial de Saúde – OMS aprova, na
primeira reunião mundial sobre doença de Chagas, a Rede Global para Eliminação
da doença de Chagas (Global Network for Chagas Elimination – GNChE), que inicia
suas atividades em 2008.
A Rede é composta por uma equipe de especialistas de todo o mundo,
aponta a mudança de paradigma sobre o entendimento da doença como primeiro
passo para seu enfrentamento global e alerta sobre riscos como a emergência da
doença também em países desenvolvidos.
73
2. Aspectos Clínicos, Epidemiológicos e Sociais da Doença de
Chagas
Aspectos Clínicos da Doença de Chagas
A doença de Chagas pode afetar o organismo humano principalmente nos
órgãos do aparelho digestivo: esôfago e megaesôfago e no músculo cardíaco ou
ainda se apresentar de forma indeterminada. Ao afetar esses órgãos, a doença pode
se desenvolver clinicamente de forma aguda e crônica.
A forma aguda corresponde ao período inicial da infecção pelo
Trypanosoma cruzi no homem e em vários mamíferos, podendo apresentar-se
aparente ou inaparente. Define-se basicamente pela alta parasitemia detectada por
exames parasitológicos diretos do sangue, com duração transitória no ser humano
(entre três e oito semanas),
A forma aguda pode ser letal em crianças e indivíduos com sistema
imunológico comprometido ou evoluir para uma forma crônica de longa duração, que
se caracteriza por baixíssima parasitemia e um elevado e consistente teor de
anticorpos.
A notificação de um caso suspeito de doença de Chagas é obrigatória pelo
SINAN, a partir de dados clínicos e epidemiológicos sugestivos e com confirmação
por meio dos procedimentos laboratoriais. A notificação deve ser feita o mais
precocemente possível, para viabilizar pronta investigação epidemiológica, eventual
descoberta de outros casos e para a detecção e o bloqueio do mecanismo de
transmissão envolvido.
A
investigação
deve
ser realizada
pelos
sistemas de
vigilância
epidemiológica municipais ou regionais, os quais devem prover o acesso a
laboratórios de referência para completar o esclarecimento do caso e as demais
investigações pertinentes, como a pesquisa de vetores, a avaliação de serviços de
transfusão de sangue, o estudo familiar dos casos suspeitos de doença congênita e a
pesquisa de transmissão oral.
74
Apresentação no músculo cardíaco: é a mais importante forma de
apresentação da doença de Chagas no organismo humano, trazendo limitações à
pessoa afetada pela doença e a principal causa de morte. Pode se apresentar sem
sintomas, mas com alterações do exame de eletrocardiograma, como uma síndrome
de insuficiência cardíaca progressiva, insuficiência cardíaca fulminante ou com
arritmias graves e morte súbita.
A apresentação da doença de Chagas, nos órgãos do aparelho digestivo,
caracteriza-se por alterações ao longo do aparelho digestivo, ocasionadas por lesões
dos plexos nervosos, com consequentes alterações da motilidade e morfologia do
trato digestivo, sendo o megaesôfago e o megacólon as manifestações mais comuns.
São sinais e sintomas do megaesôfago: disfagia, dificuldade para deglutir
os alimentos, sintoma mais frequente e dominante, regurgitação, dores no estômago
(epigastralgia) ou dor retroesternal, odinofagia (dor à deglutição), soluço, ptialismo
(excesso de salivação), emagrecimento (podendo chegar à caquexia), hipertrofia das
parótidas.
O megacólon se caracteriza por: constipação intestinal (instalação lenta e
insidiosa), meteorismo, distensão abdominal, fecaloma. Os exames radiológicos são
importantes no diagnóstico da forma digestiva.
Apresentação latente ou indeterminada – o critério para o diagnóstico da
forma indeterminada, adotado pela Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, em
1985, prevê indivíduos assintomáticos, com evidências de resultados de exames
sorológicos e/ou parasitológicos de infecção pelo T. cruzi, com eletrocardiograma e
estudo radiológico contrastado do esôfago e cólon dentro dos limites normais.
De acordo com Portela-Lindoso e Shikanai-Yasuda (2003), é considerado
portador da forma indeterminada da doença de Chagas o indivíduo soropositivo e/ou
com exame parasitológico positivo para Trypanosoma cruzi, que não apresenta
quadro sintomatológico próprio da doença e com resultados de eletrocardiograma de
repouso, estudo radiológico de tórax, esôfago e cólon normais. Nesse caso, não são
necessários outros exames complementares para a classificação do portador da
forma indeterminada.
75
A grande maioria dos pacientes infectados pelo Trypanosoma cruzi não
morre durante a fase aguda, que pode ser assintomática. Cerca de 10 anos ou mais
após a fase aguda, parte dos indivíduos passa a ter sintomas cardíacos ou
digestivos, constituindo a fase crônica sintomática. Entretanto, a maioria dos
pacientes não desenvolve sinais ou sintomas atribuíveis à fase crônica da doença de
Chagas, indivíduos com a forma indeterminada.
Estudos com biópsias miocárdicas realizados na década de 1980
mostraram que, em 15% dos indivíduos com a forma indeterminada da doença,
apresentam discreta inflamação no miocárdio, pequenos focos de agressão
miocárdica, enquanto os pacientes sintomáticos mostram maior frequência e maior
intensidade de miocardite em atividade.
Forma Crônica Cardíaca – é a forma mais importante da doença de
Chagas que compromete o músculo cardíaco, acarretando alterações do ritmo
cardíaco, fenômenos tromboembólicos e insuficiência cardíaca congestiva.
Frequentemente apresenta uma miocardite crônica intensa por células
mononucleares, fibrosante, com grande hipertrofia de miocardiócitos, sendo
infrequente o encontro de ninhos do T. cruzi.
O Consenso Brasileiro em Doenças de Chagas, em 2005, considerou
como cardiopatia chagásica crônica a presença de anormalidades no exame de
eletrocardiograma, como sugestivas de comprometimento cardíaco, em indivíduo
sintomático ou não.
Em pacientes com sintomas ou sinais clínicos compatíveis com
acometimento cardíaco, mas sem alterações eletrocardiográficas, sugere a
necessidade de investigação adicional, por outros métodos complementares, para se
excluir outras etiologias e se definir a existência ou não de cardiopatia chagásica, sua
gravidade e seu significado prognóstico.
As consequências apresentadas pela doença de Chagas, no coração,
variam desde a arritmia: quando o coração pode ser pouco ou moderadamente
aumentado de volume e a insuficiência cardíaca congestiva: apresenta o coração
bastante aumentado de volume, dilatado e com intensa hipertrofia. Além das
76
arritmias, da insuficiência cardíaca congestiva, outras manifestações correspondem à
aneurisma
de
ponta
e
fenômenos
tromboembólicos
das
arritmias,
outras
manifestações podem aparecer como o aneurisma de ponta e fenômenos
tromboembólicos completos de ramo esquerdo e extrassístoles ventriculares
multifocais.
Os casos mais severos de Cardiopatia Chagásica Crônica (CCC) ocorrem
mais nas 3ª e 4ª décadas de vida, sendo importante causa de morte em áreas
endêmicas.
As
complicações
são:
insuficiência
cardíaca
congestiva
(com
predominância do tipo direto), derrame pericárdico e arritmias (extrassístoles
ventriculares, bloqueios completos de ramo direito associados ou não a um
hemibloqueio anterior esquerdo e, especialmente grave e com pior prognóstico, os
bloqueios auriculoventriculares completos de ramo esquerdo e extrassístoles
ventriculares multifocais).
Aspectos Epidemiológicos da Doença de Chagas
A doença de Chagas se distribui no continente americano, desde o sul dos
Estados Unidos até o sul da Argentina e do Chile, atingindo principalmente a
população latina e por regiões neotropicais extensas dos continentes africanos e
asiático (SUCAM,1990).
Assim, do ponto de vista epidemiológico e político, a doença de Chagas se
constitui basicamente um problema da América Latina, mais especificamente de seus
países continentais. Atualmente, no limiar do século XXI, a doença de Chagas
continua a se manifestar e se propaga para outros continentes.
No Brasil, a doença de Chagas se manifesta endemicamente em todos os
Estados, do Ceará ao Rio Grande do Sul, principalmente Minas Gerais e Bahia,
afetando cerca de três milhões e meio de pessoas na idade produtiva. Em Minas
Gerais, destaca-se o município de Bambuí, onde as ações de controle da
transmissão vetorial da enfermidade tiveram início na década de 1940 (DIAS, 2007).
77
No Brasil, na década de 1970, a endemia chegou a atingir em torno de
36% do território nacional, e a principal via de transmissão era vetorial, que se dava
nas áreas rurais e os Estados com maior número de casos, Minas Gerais. Goiás, São
Paulo, Bahia, Paraná e
Rio Grande do Sul, com uma
prevalência de
aproximadamente cinco milhões de brasileiros infectados.
No final da década de 1970 e até 1980, o quadro epidemiológico da
doença de Chagas começou a apresentar fortes tendências de urbanização, em
consequência da imigração interna e do êxodo rural, gerando novas formas de
transmissão por meio da transfusão sanguínea e transplante de órgãos.
Atualmente, estima-se que entre 12 e 14 milhões de indivíduos estão
infectados pelo Trypanosoma cruzi em 19 países americanos de colonização Ibérica,
com a ocorrência de 100 mil a 200 mil novos casos a cada ano.
VIÑAS (2008), assinala que nos Estados Unidos, levantamento recente
apontou que, de 1981 a 2005, entre 56 mil e 357 mil dos 7,2 milhões de imigrantes
legais (8 a 50 por 1 mil) podiam estar infectados. A crescente migração de
chagásicos para os Estados Unidos, tem preocupado as autoridades sanitárias do
país com os naturais riscos de transmissão transfusional, congênita e por
transplantes de órgão, acarretando assim, gastos com a assistência para os
pacientes crônicos, especialmente os cardíacos.
Na Austrália, vivem 65.255 imigrantes latino-americanos, dos quais 1.067
podem estar infectados com o Trypanosoma cruzi, protozoário causador da doença;
no Canadá, em 2001, 1.218 dos 131.135 imigrantes estavam infectados; na Espanha,
5.125 dos 241.866 imigrantes legais podem estar infectados.
A OMS estima que pelo menos 10 milhões de pessoas no mundo estejam
infectadas pela doença de Chagas, que matou mais de 10 mil pessoas, em 2008. A
grande maioria dos infectados ou em risco de desenvolver a doença vive em países
latino-americanos, mas o problema já atinge outras regiões e tem chegado a países
desenvolvidos.
Segundo Tsutomu Takeuchi, diretor do Instituto de Medicina Tropical da
Universidade de Nagasaki, no Japão,
78
[...] A doença de Chagas é uma realidade que começa a desafiar o
setor de saúde. Fatores como a estagnação econômica e a repressão
política resultaram no significativo fluxo de pessoas de 17 países
latino-americanos endêmicos para a doença de Chagas rumo a países
desenvolvidos. Por causa dessa migração, a doença de Chagas tem
se tornado uma ameaça à saúde em nível global (TAKEUCHI, 2013,
p.1).
O número de pessoas infectadas pela doença de Chagas no Japão ainda
é pequeno, mas significativo: de 42 casos suspeitos analisados, 16 deram positivos,
e destes, 5 desenvolveram sintomas cardíacos associados à doença.
Além de a doença ser desconhecida, outro problema da presença da
doença de Chagas no Japão é a pouca disponibilidade de medicamentos para o
tratamento dos infectados.
[...] A doença de Chagas tem sido ignorada no Japão, assim como em
outros países desenvolvidos, o que traz uma série de estigmas e malentendidos contra imigrantes latino-americanos. Por causa do grande
número de pessoas nessa população sem seguro-saúde, da
dificuldade de comunicação, bem como pela ausência de medidas
preventivas contra a infecção por T. Cruzi, uma série de preconceitos
surgiu em comunidades japonesas contra os portadores da doença,
levando à possibilidade de discriminação social. Por conta disso, é
essencial que sejam adotadas medidas urgentes para melhorar a
compreensão e o tratamento médico da doença de Chagas e de
outras doenças negligenciadas no Japão e em outros países
desenvolvidos (TAKEUCHI. 2013, p.1).
A partir do ciclo enzoótico primitivo, a doença humana dispersou-se nas
Américas por ações desenvolvidas pelo homem no meio ambiente e questões político
sociais, retratadas em ranchos rurais de má qualidade, população socialmente
excluída, bolsões de pobreza e baixa produção, sistemas de saúde ineficientes e
espaços geograficamente abertos, principalmente por desmatamentos intensivos.
Situada na parte mais pobre do Novo Mundo, essa tripanossomíase não
tem a repercussão nem a motivação ao estudo de outras doenças causadas por
protozoários, como a malária e as leishmanioses. Configura-se basicamente um
problema da região, mercê de sua incidência, distribuição e impacto médico social,
gerando naturalmente maior interesse e expertise no segmento latino-americano a
começar por sua descoberta.
79
A doença de Chagas não é um impedimento ao processo de ocupação de
espaços por potências estrangeiras, dada a sua lenta evolução clínica e a época
recente de seus picos epidêmicos, ocorridos principalmente no século XX, quando os
países afetados já eram politicamente independentes.
Os estudiosos da doença de Chagas corroboravam sobre a ideia de que a
enfermidade ainda hoje é um problema continental e disso decorrem as
responsabilidades dos governos e das autoridades sanitárias dos países endêmicos.
Duas situações foram importantes para o avanço dos estudos sobre a
doença de Chagas, nos países da América Latina, de um lado, a evolução científica
dos estudiosos latino-americanos, desde a produção de ferramentas e estratégias de
prospecção da enfermidade, como a sorologia e o eletrocardiografia e, de outro, o
envolvimento da Organização Pan-americana da Saúde (OPAS) assumindo um papel
catalisador e motivador com os governos regionais e a comunidade científica.
De modo geral, ambas as situações se deram a partir da segunda metade
da década de 1950, graças aos esforços de pesquisadores e sanitaristas envolvidos
com a doença, que descreveram os principais quadros clínicos e formas de
transmissão, bem como disponibilizaram as ferramentas básicas de investigação e de
controle vetorial e transfusional.
O crescimento de publicações, experiências de controle e levantamentos
sobre a doença tornou-se logarítmico a partir do final da década de 1950, época que
coincidiu com uma grande efervescência sanitária na luta contra a malária na região.
Entre 1958 e 1959, os pesquisadores da doença denunciavam às
autoridades sanitárias do país e à Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) o
descaso para com a doença de Chagas por estas.
Aos poucos essa situação começou a mudar, especialmente com a maior
inserção da OPAS na luta contra a doença e com o maior envolvimento dos cientistas
em programas regionais, como Programa Integrado de Doenças Endêmicas do CNPq
(Brasil), Programa de Salud Humana (Argentina), Sociedade Brasileira de Medicina
Tropical e o Tropical Disease Research (OMS/PNUD, WB).
80
Em 1975, as autoridades sanitárias do País começaram a dar mais
atenção e recursos direcionados à doença de Chagas. O programa de controle foi
então revisto, normalizado e redimensionado para ter alcance nacional, sendo
estruturado a partir do modelo de operações de campo contra a malária.
A informação epidemiológica até então produzida era dispersa, os dados
pouco uniformes e comparáveis, o que justificou a realização de dois amplos
inquéritos nacionais, um de soro prevalência da infecção humana e outro
entomológico, para delimitar a área de risco de transmissão vetorial da doença.
Na década seguinte houve coalizão e maior cooperação entre vários
países da América Latina, com ações preventivas para o controle da doença,
configurando-se, assim, as iniciativas internacionais de luta contra a doença, em um
prenúncio de novos tempos e de avanços substanciais sobre a transmissão do
T. cruzi. (COURA; DIAS, 1988: OMS, 2002). Após o controle vetorial da doença de
Chagas, os dados disponíveis indicam que o impacto das ações realizadas foi
bastante positivo.
No período de 2000 a 2010, foram registrados no Brasil 1.036 casos
isolados e surtos de doença de Chagas aguda (DCA). Os anos de 2007 e 2009
apresentaram os maiores números de casos. A forma oral de transmissão foi a
predominante em todo o período. Os casos de DCA nesse período ocorreram em 91
municípios: cinco destes (5,5%) eram da região Sudeste, 15 (16,5%) da Nordeste e
os demais 71 (78%) da Norte.
Embora o Brasil, em 2006, tenha sido certificado como país livre da
transmissão por T. infestans, principal vetor intradomiciliar, a existência de habitações
cujas condições físicas intra e peridomicílio favorecem a presença de triatomíneos
mantém o risco de domiciliação de novas espécies do vetor e, consequentemente, o
risco do reaparecimento da doença
Na verdade, o grande problema da doença de Chagas humana foi sua
enorme expansão regional, dependente da relação de produção e da consequente
exclusão política e social das populações afetadas, situações essas de difícil, lenta e
complexa solução (Martins, 1968; Dias 1994).
81
Embora a doença seja antiga e não ocupe um espaço de atenção nas
políticas de saúde, os problemas advindos, após ser diagnosticada, são significativos.
Os gastos da Seguridade Social com tratamento cirúrgico do megaesôfago e
megacólon, quando a doença atinge o aparelho digestivo e a implantação de
marcapassos cardíacos, poderiam ser revertidos se fosse realizado o trabalho
contínuo de profilaxia da doença de Chagas.
Apesar das dificuldades no controle e cura da doença de Chagas, ela tem
contribuído para o aprimoramento e a maturidade da comunidade científica latinoamericana, detentora da maior expertise sobre a endemia e propulsora engajada em
seu controle.
Tem servido ainda, na região, como motivadora para importantes análises
médico-sociais, ao desvendar e ajudar no entendimento de problemas e fatores
causais de natureza política e social contidos na produção, expansão e controle da
endemia.
Aspectos Sociais da Doença de Chagas
A doença de Chagas apresenta um quadro epidemiológico e clínico
complexo, o qual desafia os trabalhadores da saúde para um trabalho de assistência
e pesquisa na área da saúde, onde a prática profissional se desenvolve.
A necessidade de investimento público na implantação de equipamentos
nas áreas da educação, habitação e saúde nessas regiões, com o devido controle
social deveria ser prioridade das três esferas governamentais: federal, estadual e
municipal, para minimizar o sofrimento da população atingida pela moléstia.
Apesar de a doença de Chagas ter sido descoberta há mais de um século,
continua a ser um sério problema de saúde pública no Brasil, principalmente na zona
rural das regiões Norte e Nordeste, onde ainda prevalece a pobreza, a falta de
infraestrutura sanitária básica.
82
A doença de Chagas provoca importantes gastos financeiros e sociais no
País, como o absenteísmo, custos previdenciários e médico-hospitalares, processos
de perpetuação de pobreza familiar em zonas endêmicas, baixa produtividade e
custos de programas de controle e vigilância (inclusive em bancos de sangue).
A insuficiência de recursos e equipamentos de saúde nas regiões mais
atingidas pela endemia faz com que as pessoas se sacrifiquem, peçam ajuda aos
amigos e familiares ou gastem suas poucas economias nas viagens para os grandes
centros urbanos à procura de assistência.
A atração pela vida da cidade, aliada à situação de expulsão do homem do
campo motivada pelas condições precárias de saúde e sobrevivência, gera o
fenômeno da migração interna, intensificado a partir da implantação de indústrias
nas cidades.
Ao chegar às grandes cidades, na maioria das vezes, o migrante, além das
dificuldades para entrar no mercado de trabalho, por não possuir qualificação exigida
pelas indústria, vai ainda se defrontar com a questão da doença descoberta no
momento do exame de admissão, que o levará à exclusão do processo produtivo.
No Brasil, atualmente, predominam os casos crônicos de DC decorrentes
de infecções adquiridas no passado, sendo a maioria infectada pela via vetorial,
forma de transmissão intimamente relacionada às baixas condições socioeconômicas
da população (OMS, 2009).
A prevalência da doença de Chagas no Brasil estima-se em torno de
1.900.000 casos, a maioria concentrando-se nas regiões Sudeste, Nordeste e Sul
principalmente no Rio Grande do Sul. Em 1980, um inquérito nacional de prevalência
indicou 4,2% da população rural infectada, estimando-se em 5,5 milhões o número
total de infectados. Como não tem havido transmissão importante desde a década de
1980, a imensa maioria dos infectados corresponde a pacientes crônicos em idades
de 40 anos ou mais (TRINDADE et al., 2009).
A doença de Chagas considerada um problema de saúde pública no
Brasil, agora também o é no mundo, por afetar milhares de sujeitos devido ao fluxo
migratório e a globalização.
83
Os movimentos populacionais gerados pela imigração aumentam o
potencial de disseminação da doença de Chagas para países não endêmicos, onde
não é feita a vigilância em bancos de sangue, fato que eleva o risco de transmissão
transfusional, congênita e por transplantes de órgãos.
Na América Latina, no plano mais contextual do continente, o
reconhecimento da doença e seu manejo passam por questões políticas complexas,
como a fragmentação das políticas sociais e internacionais, a região que depende de
ajuda externa e carente de valores éticos e democráticos.
A doença de Chagas abre a questão das consequências sociais e
econômicas produzidas pelo descaso com a saúde pública no Brasil. A implicação
desse descaso foi transformar a doença em uma endemia urbana devido ao êxodo
rural e a industrialização do país, mostrando-se também como um problema
localizado não tratado, que pode vir a se tornar uma praga mundial.
Hoje a assistência à saúde, o atendimento médico, o encaminhamento à
previdência e a vigilância sobre a moléstia são feitos pelo SUS. Observa-se ainda
hoje que não há acesso pleno e igual ao tratamento para todos os sujeitos
acometidos pela doença de Chagas.
Existem entraves administrativos que dificultam o processo e boa parte da
mão de obra não está treinada para atender o chagásico. O direito à saúde do
cidadão, consagrado no artigo 196 da Constituição brasileira como um direito de
todos e dever do Estado, ainda está muito longe de se concretizar na realidade.
O direito que envolve, principalmente, a existência de políticas que
reduzam o risco da propagação de quaisquer males à saúde da população, bem
como a possibilidade de acesso universal e igualitário às ações e serviços para a
promoção, proteção e recuperação da saúde de todos os cidadãos, também requer
uma luta contínua para que tudo isso se materialize na prática.
Nesse sentido, nasceram as associações de doentes de Chagas, cujo
principal objetivo é mobilizar e chamar a atenção da sociedade para questões
relativas à saúde humana, conferindo destaque aos principais problemas relativos a
ela e incentivando ações para combatê-los.
84
Nosso processo de trabalho como pesquisadora e assistente social com os
doentes de Chagas se desenvolve através de ações de discussão e esclarecimento
sobre seu direito à saúde, no exercício da cidadania, no desvelamento da realidade
social e no estabelecimento conjunto, de solução das questões sociais que envolvem
o processo saúde doença. Esse trabalho desenvolvido em equipe multidisciplinar,
conta com a participação de médico cardiologista, biólogo e enfermeiro.
Como profissional de serviço social operacionalizamos mediações através
de ações participativas de cunho sócio-educativo e político-organizativo na
socialização
de informações para o exercício pleno dos direitos sociais.Como
pesquisadora científica em serviço social temos a possibilidade de contribuir com
novos conhecimentos e novas formas de atuação para o desenvolvimento de
relações participativas, coletivas e políticas no processo associativo dos doentes de
Chagas.
Realizamos a articulação com outras instituições as quais contribuem para
a efetivação da condição de cidadania dos doentes de Chagas, ao facilitar o acesso
aos serviços e à informação, com o intuito de refletir junto aos mesmos e seus
familiares sobre as formas de promoção, proteção e recuperação da saúde.
As atividades de mobilização e participação social são voltadas para a
sensibilização e articulação com a população em geral e, autoridades no sentido de
esclarecer e dar visibilidade à doença, como uma questão de saúde pública. Temos
ainda, por meio dessas ações o propósito de ampliar o processo democrático de
discussão coletiva, compartilhar problemas comuns que envolvem a doença e o
doente de Chagas e potencializar a capacidade de análise e de intervenção dos
sujeitos.
Assim, nosso trabalho consiste em assessorar e colaborar na construção
de estratégias para efetivação do direito à saúde, do exercício da cidadania, por meio
da participação e sensibilização dos doentes de Chagas para a criação, organização
e funcionamento do processo associativo.
Nossa ação profissional transcende o caráter de apoio e assessoria aos
doentes de Chagas e passa a ser um estudo observacional com uma direção
85
socioeducativa, reflexiva relacionada às condições sócio historicas a que são
submetidos os sujeitos e ao trazer um novo conhecimento sobre a prática associativa
na luta em defesa do direito de acesso à saúde.
Desse modo, nossas ações socioeducativas individuais e coletivas
pautam-se não só pela socialização de informações e/ou esclarecimentos mas
também, pesquisam intencionalmente a dimensão da liberação, a constituição de
uma nova cultura, da participação dos sujeitos, doentes de Chagas no conhecimento
crítico da sua realidade e a construção de estratégias democráticas e coletivas, na
busca da tomada de consciência de que a saúde é um direito.
Nesta perspectiva, a prática reflexiva conduz os doentes de Chagas à
analise e desvendamento das situações que vivenciam no seu cotidiano, por meio de
reflexão crítica e participativa, de forma consciente, do processo de transformação
dessa realidade enquanto ser histórico.
Esse processo prioriza a atenção coletiva, possibilita a troca de
experiência entre os sujeitos, a manifestação da força que a organização tem ao
discutir e reivindicar seus interesses e necessidades com o Estado e consciência de
classe.
A vivência participativa sócio-educativa e político-organizativa no processo
associativo tem nos proporcionado a ampliação e o desvelamento de
novas
perspectivas como assistente social e pesquisadora científica e para os doentes de
Chagas a percepção de se sentir sujeitos capazes de transformar o rumo de sua
história (CFESS, 2009).
86
3. Controle e Tratamento dos Sinais e Sintomas da Doença de
Chagas5
O controle da doença de Chagas por meio da vacinação contra o
Trypanosoma cruzi tem tido relativo sucesso e com possibilidades e esperanças. São
ainda trabalhos preliminares de cientistas, que têm dado o melhor de seus esforços
para a obtenção de uma vacina eficaz. Muitos estudos estão sendo realizados, mas
se reconhece que ainda não se dispõe nenhuma vacina para uso imediato.
O tratamento específico da doença de Chagas tem como objetivo suprimir
a parasitemia (presença de parasitos no sangue) e, consequentemente, seus efeitos
patogênicos ao organismo. Esse tratamento está indicado na fase aguda da doença,
em casos congênitos, na reativação da parasitemia por imunossupressão, como a
AIDS e outras doenças imunossupressoras, para o transplantado cardíaco que
recebeu órgão de doador infectado, quando a supressão da parasitemia ou a
prevenção do seu aparecimento tem ação benéfica para os pacientes.
Está contraindicado para gestantes, porque além de não impedir a
infecção congênita, as drogas podem causar danos ao concepto.
Os principais sintomas da doença de Chagas na forma digestiva são
constipação intestinal (muitos dias e até meses sem evacuar), dor no abdome,
dificuldades para engolir.
O tratamento dos sintomas da doença de Chagas na forma digestiva
dependerá do estágio em que a doença é diagnosticada, indicando-se medidas mais
conservadoras com o uso de dietas, laxativos ou lavagens. Em estágios mais
avançados, impõe-se a dilatação ou correção cirúrgica do órgão afetado. Para o "mal
de engasgo" e a "prisão de ventre" do chagásico podem ser instituídas dietas
especiais, havendo também operações que corrigem ou atenuam os problemas do
esôfago e do intestino.
5
Informações colhidas em: Andrade J.P., Marin-Neto J.A., Paola A.A.V., Vilas-Boas F., Oliveira
G.M.M., Bacal F., Bocchi E.A., Almeida D.R., Fragata Filho A.A., Moreira M.C.V., Xavier S.S., Oliveira
Junior W. A., Dias J.C.P. et al. Sociedade Brasileira de Cardiologia. I Diretriz Latino Americana para
o Diagnóstico e Tratamento da Cardiopatia Chagásica. Arq Bras Cardiol 2011; 97(2 supl.3): 1-48.
Ministério da Saúde / Secretaria de Vigilância em Saúde. Consenso Brasileiro em Doença de Chagas.
Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Vol. 38 (Suplemento III), 2005.
87
O controle e tratamento do megaesôfago pode ser clínico, cirúrgico, por
dilatação e por métodos alternativos, como o uso de drogas relaxantes do esfíncter
inferior do esôfago.
A escolha do tipo de tratamento a ser empregado depende da
concordância do paciente, após esclarecimento acerca da natureza e dos riscos da
doença, dos riscos e benefícios do tratamento proposto; relevância dos sintomas
apresentados (disfagia, regurgitação, dor); estadiamento do megaesôfago, segundo a
classificação radiológica; estado nutricional; condição clínica; comorbidades; idade;
infraestrutura hospitalar disponível.
O controle e tratamento da doença de Chagas no megacólon, pode ser
clínico ou cirúrgico e dependem de: concordância do paciente, após esclarecimento
acerca da natureza e dos riscos da doença e dos riscos e benefícios do tratamento
proposto; relevância da constipação; estado nutricional; condição clínica; presença de
comorbidades; idade; infraestrutura hospitalar disponível; seguimento médico
periódico para reavaliações e ajuste na terapêutica.
Tratamento dos sintomas da doença de Chagas na forma cardíaca
As principais manifestações da doença no coração são palpitações,
edemas, dor precordial, dispneia, dispneia paroxística noturna, tosse, tonturas,
desmaios, desdobramento ou hipofonese de segunda bulha, sopro sistólico.
As alterações mais comuns apresentadas no exame de eletrocardiograma
são: bloqueio completo do ramo direito (BCRD), hemibloqueio anterior esquerdo
(HBAE), bloqueio atrioventricular (BAV) de 1o, 2o e 3o graus, extrassístoles
ventriculares, sobrecarga de cavidades cardíacas, alterações da repolarização
ventricular. O exame radiológico de tórax pode revelar o aumento no tamanho do
coração (cardiomegalia).
O manejo da cardiopatia chagásica exige um conhecimento específico das
respostas que as drogas utilizadas na prática cardiológica apresentam nesse tipo de
doente.
88
Dessa maneira, o médico cardiologista recomenda o início precoce do
tratamento da doença, que beneficia significativamente, o prognóstico de grande
número de pacientes, que pode não só aumentar sua sobrevivência, mas também
melhorar sua qualidade de vida, desenvolver atividades habituais desde que não
redundem em grandes esforços físicos.
As drogas utilizadas para o paciente chagásico cardíaco são as mesmas
que se usam em outras cardiopatias: cardiotônicos, diuréticos, antiarrítmicos,
vasodilatadores. Em alguns casos, indica-se a implantação de marcapasso cardíaco,
com resultados bastante satisfatórios, na prevenção da morte súbita.
Com o avanço do conhecimento, no que diz respeito ao manejo da
cardiopatia chagásica e os bons resultados obtidos pelo Programa de Controle da
Doença de Chagas, incluiu-se a doença no Sistema Nacional de Vigilância
Epidemiológica, Portaria do Ministério da Saúde, nº 1.100, de 23 de maio de 1996,
respeitando-se as características clínicas e epidemiológicas que lhes são próprias e
que impõem métodos e técnicas diferenciadas de vigilância.
O tratamento da insuficiência cardíaca no doente de Chagas visa reduzir
os sintomas, retardar a evolução da disfunção ventricular e prolongar a sobrevida.
Nos estádios assintomáticos ou brandos da insuficiência cardíaca, pode-se retardar a
evolução da doença e nos estágios mais avançados, procura-se a melhoria da
qualidade de vida e da sobrevida dos pacientes.
As medidas gerais para o paciente chagásico cardiopatia são: dieta para
correção da obesidade e manutenção do peso ideal; ingestão controlada de sal, para
aqueles com doença leve, moderada e para os casos mais graves também, a
restrição hídrica; não ingestão de bebida alcoólica; eliminação de fatores agravantes;
atividade física individualizada de acordo com o grau da insuficiência cardíaca e a
idade do paciente; vacinação anula contra influenza sazonal (gripe comum) e
pneumonia.
O tratamento medicamentoso da doença de Chagas no músculo cardíaco
segue as recomendações preconizadas pelas Diretrizes da Sociedade Brasileira de
Cardiologia (SBC).
89
O tratamento cirúrgico é indicado para os pacientes com Insuficiência
Cardíaca refratária, sendo disponíveis os recursos da estimulação ventricular
multissítio; transplante cardíaco; terapia celular (ainda em perspectiva).
A
cardiopatia
chagásica
crônica-CCC
é
essencialmente
uma
miocardiopatia dilatada em que a inflamação crônica, usualmente de baixa
intensidade, mas incessante, provoca destruição tissular progressiva e fibrose
extensa no coração. Essas indicações devem ser individualizadas em função de
circunstâncias sociais e econômicas de cada paciente.
Entre as alternativas invasivas, as técnicas de ablação do foco arrítmico
por cateter ou cirurgia e, principalmente, o implante do cardiodesfibrilador são
possibilidades terapêuticas nos casos mais graves.
O tratamento etiológico (causas) da doença de Chagas pode ser realizado
na fase aguda e crônica da doença.
Na fase aguda, definida pela evidência do Trypanosoma cruzi no exame
direto do sangue periférico, o tratamento deve ser realizado em todos os casos e o
mais rápido possível, após confirmação diagnóstica, independentemente da via de
transmissão.
Além dos casos diagnosticados pela observação do parasito, a maioria dos
pacientes é identificada pelos testes sorológicos.
Na fase crônica recente (na prática, em crianças) é valido o mesmo
raciocínio quanto à recomendação do tratamento na fase aguda. Nesse sentido,
considera-se que devem ser tratadas todas as crianças com idade igual ou inferior a
12 anos, com sorologia positiva.
Para adultos, embora faltem evidências que garantam o sucesso dessa
terapia nas diferentes circunstâncias, o tratamento específico pode ser instituído na
forma crônica recente. Para essa finalidade, considerou-se como recente o período
de cinco a doze anos, após a infecção inicial.
90
Para a fase crônica de maior duração, o tratamento tem sido indicado na
forma indeterminada e nas formas cardíacas leves e digestivas. No tratamento
etiológico, quando há negativação da sorologia, na fase crônica, esta ocorre
tardiamente, após dez/vinte anos do tratamento.
Quanto ao tratamento em caso de transplante de órgãos, é necessário
saber se o doador ou o receptor tem sorologia positiva, pelo risco de transmissão ou
reativação da infecção chagásica.
O tratamento na fase crônica tardia visa a reduzir os níveis de parasitemia,
evitando o aparecimento ou a progressão de lesões viscerais e interrompendo a
cadeia de transmissão. O tratamento nessa fase é indicado para pacientes com a
forma indeterminada e com as formas cardíaca e digestiva leves. A indicação para o
tratamento parasiticida em pacientes chagásicos crônicos com a forma indeterminada
é política de saúde pública em alguns países sul-americanos, e constitui
recomendação primordial a partir de seminários conduzidos pelo CDC norteamericano, tão logo a decisão federal implementou a obrigatoriedade de testes
sorológicos para doadores de sangue e de órgãos em todo o território daquele país.
O tratamento específico convencional está indicado nessas situações, por
um período de 60 dias, podendo ser prolongado por até 90 dias na dependência das
condições clínicas do paciente.
O tratamento etiológico não deve ser instituído em gestantes ou mulheres
em idade fértil e que não estejam em uso de contraceptivos.
A indicação em pacientes com afecções graves deve ser avaliada
criteriosamente.
Avaliação de cura deve ser realizada por resultado negativo do exame de
sorologia e tem sido considerado
como o único método tradutor de cura. O
tratamento específico pode ser feito em unidade ambulatorial por médico generalista
que conheça as particularidades do medicamento e da doença de Chagas.
O tratamento das causas da DC (etiológico) é controverso, especialmente
quanto à sua indicação na fase crônica tardia. Atualmente, dispõe-se de apenas dois
91
medicamentos
comprovadamente
parasiticidas:
Nifurtimox
(nitrofurano)
e
o
Benznidazol (nitroimidazólico), fato que comprova o pleno desinteresse da indústria
farmacêutica no desenvolvimento de novas drogas para tratar a doença.
No Brasil, o mais utilizado é o Benznidazol, que vem sendo produzido
desde 2008, no Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco (LAFEPE),
único fabricante mundial da droga, contra a doença de Chagas, quando a empresa
Roche parou de fabricar o comprimido por não ser lucrativo e transferiu ao governo
brasileiro os direitos de produção do remédio que o exporta também, para a Bolívia,
Colômbia, Venezuela, Argentina, o Paraguai e Uruguai.
Poucos estudos definitivos foram realizados para se avaliar o efeito do
tratamento parasiticida sobre a história natural da doença, e o contexto de incerteza é
agravado pela ausência de exames que assegurem a total erradicação do parasito e
confirmem a cura da enfermidade..
Os efeitos colaterais produzidos pelo benzonidazol no organismo humano
e observados pelos especialistas são alterações no sangue, dores abdominais e de
cabeça, náuseas, vômitos, emagrecimento, alergias na pele e fadiga. Quando bem
tolerado o Benzonidazol é absorvido pelo organismo e é eliminado através das fezes
e da urina.
Atualmente, alguns casos de doença chagásica cardíaca mais complexas
e/ou graves, além do tratamento medicamentoso, requerem a
necessidade de
indicação ou realização de novos procedimento como: a ablação cirúrgica, implantes
de marcapassos cardíacos, indicação de Dispositivos Cardíacos Eletrônicos
Implantáveis - CDI e até o transplante cardíaco.
A miocardiopatia chagásica é a 3ª causa mais comum de indicação para
transplante cardíaco.
Os desafios a serem enfrentados para o controle e tratamento da doença
de Chagas:
• Estabelecer estratégias de identificação dos pacientes com infecção
HIV/Chagas.
92
• Criar
mecanismos
de
encaminhamento
para
a
acompanhamento dos casos positivos para T. cruzi na triagem
assistência,
e
sorológica dos
hemocentros.
• Caracterizar o perfil desejável dos serviços para definir uma rede
assistencial de referência para tratamento dos pacientes com cardiopatia chagásica.
• Manter a interrupção da transmissão vetorial pelo Triatoma infestans e
impedir a domiciliação de outras espécies.
• Buscar, identificar e tratar os portadores crônicos da doença de Chagas
com possibilidades de se beneficiar com o tratamento específico.
• Fomentar pesquisa e desenvolvimento de novas drogas.
• Pesquisa e desenvolvimento de testes rápidos para diagnóstico
laboratorial da doença de Chagas e de teste indicativo de cura.
• Capacitação de profissionais da atenção básica para tratamento dos
pacientes crônicos com forma indeterminada da doença de Chagas.
• Criar mecanismos efetivos de vigilância epidemiológica na Região
Amazônica.
• Fortalecer a vigilância sanitária na cadeia de extração produção e
comercialização do açaí.
• Implantação do Sistema de Informação de Operações de Campo SIOC.
• Como prevenir a domiciliação de novas espécies?
• Como manter o domicílio livre de espécies nativas antropofílicas e
vetores que ocupam o peridomicílio?
• Como realizar o controle de mecanismos excepcionais de transmissão
vetorial?
• Como manter a sustentabilidade das ações de controle na ausência de
transmissão vetorial?
• Como
fazer
a
vigilância
reservatórios) na Região Amazônica?
(epidemiológica,
entomológica
e
de
93
CAPÍTULO IV
AS ASSOCIAÇÕES NACIONAIS E INTERNACIONAIS DE DOENÇA DE
CHAGAS: SURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO
Este capítulo apresenta a trajetória histórica, caracterização, organização e
dinâmica de atuação e o processo de expansão das associações nacionais e
internacionais de doença de Chagas.
1. TRAJETÓRIA HISTÓRICA
As associações de doença de Chagas surgiram da disposição e união dos
sujeitos, doentes de Chagas atendidos nas instituições de saúde, onde se
conheceram e foram atendidos, com o apoio e estímulo dos profissionais de saúde.
Desde a sua criação, as associações têm como intuito a mobilização
democrática e política de seus associados, para superar obstáculos, individual e
coletivamente, na luta por direitos e inclusão social, na integração de ações e
projetos sociais coletivos e, assim, promover a melhoria de acesso aos serviços de
saúde para todos.
Desse modo, o processo associativo fortalece as pessoas que vivem com
a doença de Chagas, as quais se tornam protagonistas de seu tratamento, passam a
falar por si, lutar pela maior participação nos espaços reivindicatórios, agora não só
no Brasil, mas também internacionalmente, ao se unir com as associações
internacionais, o que aumenta ainda mais sua força coletiva e política.
Essa união é importante para implementar o movimento associativo pela
constituição de um espaço para: a articulação e o apoio às pessoas que convivem
com a doença de Chagas; o enfrentamento e compartilhamento das dificuldades
cotidianas; a pressão sobre os governos locais para a melhoria das políticas públicas
de saúde e melhor acesso aos serviços de saúde; e a democratização e divulgação
de informações sobre a doença.
94
O Brasil foi o primeiro país a formar uma associação de doença de Chagas
e, até o momento, existem no País três associações.
2. CARACTERIZAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DINÂMICA DE ATUAÇÃO
Apresentam-se a seguir a caracterização, a organização e a dinâmica de
atuação das 14 associações nacionais e internacionais de doença de Chagas6.
A primeira a ser criada, em 1987, foi a Associação dos Portadores de
Doença de Chagas, Insuficiência Cardíaca e Miocardiopatia (APDCIM), de Recife,
que tem como missão unir e prestar assistência aos sujeitos, doentes de Chagas,
usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), atendidos no Pronto-Socorro
Cardiológico de Pernambuco (PROCAPE) e Casa do Paciente Portador de Doença
de Chagas e Insuficiência Cardíaca da Universidade de Pernambuco (UPE).
Além da união dos doentes e profissionais de Saúde na luta contra a
doença de Chagas na região, a Associação tem um caráter de solidariedade e de
assistência social, pois supre algumas necessidades materiais de seus associados e
conta com a ajuda beneficente de várias instituições para se manter, como a UPE,
Hospitais Universitários Oswaldo Cruz e PROCAPE - UPE, FIOCRUZ, Hemocentro
de Pernambuco, Associação Médicos Sem Fronteiras e DNDi. A Casa do Paciente
Portador de Doença de Chagas e Insuficiência Cardíaca da UPE oferece atendimento
médico e farmacêutico para os doentes de Chagas com o apoio dos estudantes da
Universidade.
A segunda associação a ser fundada no Brasil foi a Associação dos
Chagásicos da Grande São Paulo (ACHAGRASP), em 11 de agosto de 1999. Para
se constituir legalmente, seus componentes elaboraram o Estatuto da ACHAGRASP,
produziram um logotipo que a representasse, ao mesmo tempo em que realizaram a
eleição de sua primeira diretoria.
6
Informações obtidas nas apresentações das associações, realizadas na 1ª Reunião de Associações
de pacientes com doença de Chagas em Uberaba (MG) e na 2ª Reunião Internacional de Associações
de Pessoas Vivendo com Doença de Chagas em Olinda (PE), bem como no Documento matriz para
elaboração de cartilhas “Mobilização Popular e doença de Chagas”. MSF: Rio de Janeiro, 2012.
95
A Associação surgiu a partir de um grupo de sujeitos doentes de Chagas
atendidos no Laboratório de Doença de Chagas do Instituto Dante Pazzanese de
Cardiologia, que se reunia para compartilhar e discutir as questões que envolvem a
doença, sob a coordenação de um médico cardiologista e desta pesquisadora.
O grupo, desde o início, teve como abordagem educativa a informação e o
conhecimento sobre a doença de Chagas, como conviver com a mesma e enfrentála, e o compartilhamento e a discussão de problemas comuns que possibilitam a
reflexão e a resolução destes. Nesse sentido, elaboraram o folheto ilustrativo sobre a
doença de Chagas, distribuído em vários locais.
As conquistas dos membros da ACHAGRASP começaram a serem
notadas na vida dos doentes de Chagas a partir de suas participações em diversos
eventos de discussão sobre a doença, entre as quais, se destacam no Fórum de
Patologias do Estado de São Paulo, no intercâmbio com os pacientes e profissionais
do GEDOCH do Hospital das Clínicas da Unicamp, que tem possibilitado a troca de
informações e conhecimentos e enriquecido e fortalecido a associação.
O processo associativo também tem despertado a autoestima do doente,
como sujeito pleno de desejos e realizações, apesar de ser afetado por uma doença
crônica.
No ano de 2000, a ACHAGRASP alcançou mais uma vitória ao organizar e
realizar com a equipe de saúde do IDPC o I Encontro de Doença de Chagas do
IDPC, que em 2013 realizou o XIV evento. A vivência associativa está
proporcionando aos doentes de Chagas a percepção de se sentirem sujeitos capazes
de transformar o rumo de sua história.
A Associação dos Chagásicos de Campinas e Região (ACCAMP) foi
fundada em 14 de maio de 2000, com sede em Campinas, junto ao Hospital de
Clínicas da Unicamp, onde os doentes de Chagas são atendidos e participam das
reuniões com a equipe de saúde do GEDOCH.
A ACCAMP tem participações importantes em eventos científicos para a
divulgação de seus trabalhos, na articulação com Serviços de Atenção Básica a
Saúde de Campinas e com o Conselho Municipal de Saúde de Campinas. Seus
96
associados produziram folhetos, blogs e vídeo com a história da ACCAMP, material
de divulgação e organização do Seminário Regional, realizado em 2011.
A ACCAMP, de acordo com depoimentos de seus associados,
proporcionou ainda melhorias na participação nas relações interpessoais de seus
membros e possibilidades concretas de participar de um grupo organizado na luta por
direitos, tendo em vista a construção de um movimento unificado em nível mundial,
mesmo com as especificidades de cada território, para que as doenças
negligenciadas possam ter a atenção que merecem, conforme deliberado na Carta de
Uberaba, Minas Gerais, em 2009. Isso significou a crescente disposição em fortalecer
a articulação entre as Associações de Chagas para a formação efetiva de uma rede
social.
Desde a sua criação, a ACCAMP reconhece a necessidade e a
importância da formação de uma rede de sujeitos coletivos com vistas às
mobilizações sociais, em busca da garantia de direitos, da melhoria dos serviços
prestados e da efetivação de políticas de atenção e proteção social.
Entre as associações internacionais, destacam-se:
A associação Chagas Disease Alliance (CHADA), criada em 2006, com
sede em Buenos Aires, Argentina, tem como lema: iniciativa todos frente a la
enfermedad de Chagas. Pequenos passos na busca de grandes mudanças.
Surgiu com o auxílio de diferentes aliados como a Fundación Luci
Akatsuki, o Desenvolvimento Social da Província de Chaco, empresas privadas
do município da Província de Corrientes e dos especialistas em doença de Chagas
que formam o Network Alliance.
A CHADA tem participação destacada nos Comitês de Saúde na área
municipal, na promoção da regulamentação federal e adesão nos programas de
atenção à doença de Chagas e também promovidos por empresas globais que
desenvolvem programas de responsabilidade social.
97
A CHADA tem contribuído ainda em protocolos de pesquisa no controle da
droga benzonidazol, controle vetorial e no diagnóstico e tratamento da doença de
Chagas.
A Argentina tem cerca de 1,6 milhão de pessoas infectadas pela doença
de Chagas, segundo estimativa oficial do setor público nacional que também
reconhece a existência de um déficit na rede de assistência primária de cuidados à
saúde, no nível nacional e em algumas províncias argentinas.
A CHADA também admite ser necessário um melhor registro do que
acontece nas diferentes dimensões da doença de Chagas no país para que esforços
de prevenção, tratamento e pesquisa possam ser otimizados.
Esses três pilares definem desafios históricos, como: adicionar, expandir e
consolidar os esforços de controle de todas as vias de transmissão do vetor;
promover o desenvolvimento de novos modelos de gestão da prevenção; aumentar a
pesquisa de novos medicamentos e vacinas preventivas (única solução eficaz em
longo prazo); expandir o acesso ao diagnóstico e ao tratamento de muitas pessoas
infectadas que desconhecem sua infecção; e investigar e desenvolver novas
estratégias de controle de vetor na busca de soluções alternativas.
A CHADA enfatiza ainda seu papel de força como representante da
comunidade, no que se refere às questões de seus direitos e interesses.
No tocante à Bolívia, país onde a doença de Chagas atinge a parcela mais
pobre da população, existem duas associações: a Asociación de Lucha Contra el Mal
de Chagas e a Associação Corações Unidos Contra a Doença de Chagas de
Cochabamba. Cerca de 60% do país é endêmico, atingindo uma população de risco
de mais de um milhão de pessoas e que causa 15% das mortes em adultos.
A Asociación de Lucha contra el Mal de Chagas (ALCMC), de
Aiquile/Bolívia, criada por meio de um trabalho conjunto com professores de biologia,
os Médicos Sem Fronteiras e a Associação de Cochabamba. Tem como objetivos
formar um grupo de pessoas interessadas na problemática apresentada pela doença
de Chagas, influenciar as políticas públicas de saúde, no nível local, provincial e
nacional, e criar um fórum de discussão e informação sobre a doença.
98
As atividades da associação são realizadas por meio de informação e
sensibilização sobre os perigos da doença e da necessidade e do direito de acesso
ao diagnóstico e ao tratamento da doença de Chagas e reunião com as pessoas
interessadas em expor e compartilhar seus testemunhos sobre a doença e os
problemas enfrentados para obter cuidados médicos.
Essa associação obteve apoio de políticos locais para aprovação de uma
Portaria Municipal declarando o dia 14 de abril como dia de combate à doença de
Chagas.
Apresenta como desafios: ampliar o atendimento aos doentes de Chagas
na rede de serviços de saúde local; criar um serviço especializado de controle,
diagnóstico e tratamento da doença com laboratórios, recursos humanos e técnicos
especializados; obter mais medicamentos para o tratamento gratuito para toda a
população; solicitar a doação de marcapassos cardíacos de instituições do exterior
que atendam aos cidadãos locais; lutar por respostas das autoridades de saúde para
questões da doença, como a vigilância, monitoramento e indicadores para o
diagnóstico e seu tratamento; realizar novas pesquisas com outros medicamentos
para o tratamento da doença e investigações de novos inseticidas para controlar e
eliminar o seu vetor; produzir comerciais de televisão e material impresso sobre a
doença e realizar visitas aos meios de comunicação para divulgação das atividades
da associação.
A Asociación Corações Unidos contra a Doença de Chagas (ACUCDC) foi
criada em 2010, no município de Cochabamba, a partir do interesse de pessoas
afetadas pela doença, profissionais de saúde dos Centros de Saúde Pública e o
apoio da Associação Médicos sem Fronteiras.
Tem como missão: assegurar que a população tenha acesso gratuito ao
diagnóstico e tratamento da doença de Chagas; promover a prevenção e a
informação; reduzir o número de doentes; realizar um trabalho de base para que os
doentes de Chagas se associem e apoiem o regulamento do seu estatuto, as
atividades desenvolvidas tanto pela Associação, como pelos Centros de Saúde que
realizam o diagnóstico e o tratamento da doença.
99
A Fundación de Enfermos de Chagas por la Vida (FUNDECHVIDA) foi
fundada em 2003, em Yopa, Casanare, na Colômbia. Estima-se que no país vivam
cerca de três milhões de pessoas afetadas pela doença de Chagas, conforme
informações da assessora científica da Fundechvida e secretária geral da Federação
Internacional das Pessoas Afetadas pela Doença de Chagas (FINDECHAGAS).
A Fundechvida tem como missão: assesorar seus afiliados e as pessoas
com doença Chagas na defesa de seus direitos, buscando o bem-estar social,
comunitário e familiar, mediante iniciativas e projetos que visam canalizar recursos e
gestão das entidades do tipo municipal, nacional e internacional, público e privado,
por meio da cooperação empírica, técnica e qualificada da força de trabalho, de
pesquisa científica e tecnologia apropriada para melhorar as condições de vida e
saúde dos doentes de Chagas em todo o mundo.
A FUNDECHVIDA tem um projeto para desenvolver, em longo prazo, um
serviço comunitário de aconselhamento familiar e social, formar profissionais
especializados, pesquisar drogas para erradicar a doença de Chagas por meio da
inovação e do trabalho em equipe. Com a cooperação e acordos internacionais, visa
ainda criar um Centro de Investigação, Reabilitação e Tratamento da doença de
Chagas.
Quanto à Venezuela, há duas associações: a Fundação Amigos com
Chagas (FUNDACHAGAS) e a Fundación Unidos Contra El Chagas (UNICHAGAS).
A Fundación Amigos com Chagas (FUNDACHAGAS) foi criada em 2009 e
está sediada em Caracas. Reúne pessoas afetadas pela doença de Chagas,
professores, funcionários, trabalhadores e crianças, no sentido de combater a doença
de Chagas no país.
A FUNDACHAGAS tem como missão: contribuir para o combate à pobreza
e melhorar a qualidade de vida das pessoas afetadas pela doença de Chagas;
incentivar e promover planos sociais e projetos de saúde holística, por meio da
educação e atendimento direto dos afetados, dando resposta imediata às suas
necessidades; atuar no sentido da prevenção e conscientização da sociedade
100
venezuelana e de outros países sobre as questões relacionadas à doença, bem
como as consequências e os riscos de sofrimentos dela decorrentes.
A FUNDACHAGAS visa a um modelo de desenvolvimento social baseado
no atendimento integral com critérios de excelência na assistência dos doentes de
Chagas. Tem como compromisso a solidariedade, a integridade e o profissionalismo,
conseguindo ser reconhecida nacional e internacionalmente como uma liderança.
Objetiva desenvolver e implementar componentes e atividades que respondam às
necessidades da população afetada pela doença de Chagas, capacitando e
mobilizando recursos humanos e financeiros para promover ações nas áreas de
saúde, bem-estar econômico, social, cultural e recreativo.
A Fundación Unìdos Contra El Chagas (UNICHAGAS) foi criada em 2009
e está sediada em Caracas. Tem como missão promover o bem-estar dos doentes de
Chagas, especialmente crianças e adolescentes, a fim de otimizar sua qualidade de
vida, incentivar e desenvolver diversos projetos sociais que visam a processos de
saúde, abrangendo toda a população afetada e seu ambiente, e colaborando em
estudos e pesquisas sobre a doença, ampliando, assim, a divulgação, a
compreensão e a prevenção no nível nacional e internacional.
Define como objetivo geral: criar e implementar mecanismos que permitam
dar respostas concretas às demandas e necessidades das pessoas afetadas pela
doença de Chagas, utilizando o material humano, financeiro e tecnológico que
permite incentivar ações nas áreas de assistência médica integral, de ciência e de
ensino, pesquisa e extensão, social e preventiva, recreativas e esportivas,
alcançando, assim, um nível ótimo de cuidados e prevenção da doença e também de
bem-estar do sujeito afetado e sua família.
Quanto aos objetivos específicos, prioriza: criar serviço social voluntário
para atuar com organizações e comunidades; facilitar às famílias dos afetados
aconselhamento, apoio, informação e formação necessária de modo a capacitá-las a
lidar com os problemas causados pela doença no ambiente familiar e transmiti-las
para a sua comunidade; incentivando a participação das famílias dos afetados, da
comunidade e as várias organizações na gestão ativa de proteção à saúde.
101
Na Espanha, há quatro associações constituídas, em sua maioria, por
imigrantes latinos que mudaram de seus países de origem em busca de trabalho e
melhores condições de vida.
A Associacion de Amigos de las Personas con la Enfermedad de Chagas
(ASAPECHA), de Barcelona, foi criada em 2008. Tem como objetivos: trabalhar
estratégias de acesso da comunidade latina aos serviços de saúde e detectar as
necessidades das pessoas com doença de Chagas. Suas principais linhas de
atuação são: o fortalecimento e a ampliação dos laços com outras ASAPECHA, o
levantamento de comunidades da América Latina, das quais procedem os imigrantes;
o cadastramento dos doentes de Chagas; o desenvolvimento de trabalho em rede
com outras associações; a participação na contribuição às comunidades com
informações sobre a Asapecha em eventos culturais e científicos. Desenvolve
projetos com os Agentes Comunitários de Saúde que realizam estratégias de
implementação de Saúde da Comunidade para os doentes de Chagas; atenção
integrada às pessoas com doença de Chagas: promoção, diagnóstico, tratamento e
acompanhamento
da
população
migrante
latino-americana
na
Catalunha;
fortalecimento da rede de cuidados primários de saúde por meio da construção de
um Modelo de Atenção Integral à Saúde da Catalunha sob a coordenação da
Unidade de Medicina Tropical e Unidade de Saúde Internacional de Drassanes.
A Asociación de Amigos de las Personas con la Enfermedad de Chagas
(ASAPECHA) de Murcia foi criada em 2009 por meio da iniciativa de um grupo de
pessoas afetadas pela doença de Chagas, da comunidade latina, especialmente da
Bolívia, de seus familiares e amigos, sendo o tratamento realizado na Unidade de
Medicina Tropical do Hospital Universitário Virgen de la Arrixaca, com apoio e
cooperação dos colegas Asapecha de Valência.
A ASAPECHA tem como objetivos reunir familiares, amigos e pessoas
sensibilizadas com a doença de Chagas, a fim de informar sobre a patologia e o
acesso aos serviços sociais e de saúde em áreas não endêmicas; executar projetos e
convênios nacionais e internacionais com as esferas públicas e privadas para garantir
o direito dos portadores da doença a uma vida digna em todos os níveis; fortalecer as
redes de comunicação e informação entre as associações na Espanha e no mundo.
102
Para desenvolver suas atividades, a Asapecha conta com o apoio tanto
profissional e pessoal de um grupo de médicos da Unidade de Medicina Tropical,
vinculados ao Hospital Virgem de La Arrixaca local.
Uma das principais formas de arrecadação e manutenção da Asapecha é
obtida por meio da venda de camisetas com o logotipo da associação.
A ASAPECHA, desenvolve ainda atividades com profissionais das áreas
de psicologia e serviço social, que dão apoio aos doentes de Chagas e seus
familiares e realizam reuniões tendo em vista a sua inclusão social.
A Asociación de Amigos de las Personas con la Enfermedad de Chagas
(ASAPECHA), de Valencia, foi criada em 2009 e conta com 150 associados ativos.
Tem como objetivos colaborar e orientar para formar novas parcerias, ter uma rede
oficial com trabalho de profissionais de saúde para desenvolver com o departamento
de saúde da comunidade, com vistas a atender os imigrantes latino-americanos que
residem na Espanha.
Os trabalhos mais importantes da Asapecha tem sido: atuação com a
Findechagas; formação de novas associações; e organização para obtenção de uma
sede com oficinas de atenção psicológica e serviço social.
A Asociación de Amigos de las Personas con la Enfermedad de Chagas
(ASAPECHA), de Madrid, foi criada em 2011, como resultado do trabalho da
comunidade da Unidade de Medicina Tropical do Hospital Ramón y Cajal e da
comunidade latina.
Seus objetivos são: melhorar a qualidade de vida dos portadores da
doença de Chagas e sua família e ambiente social; organizar grupos de orientação
com portadores, familiares e pessoas sensíveis à questão da doença de Chagas para
melhorar o acesso à informação, à atenção integral em saúde e à assistência social;
promover redes de comunicação entre os associados, doentes de Chagas, nos
países de residência e de origem para que tenham atendimento de qualidade; e
divulgar informações sobre a doença de Chagas nas redes de comunicação, entre as
associações da Espanha e do mundo, viabilizando acordos com agências nacionais e
103
internacionais, dos setores público e privado para garantir o direito à saúde e a uma
vida digna aos doentes de Chagas.
A Australian Chaga’s Disease Association (ACDA) foi criada em 2006. Tem
como objetivos: investigar e combater a doença de Chagas no país; auxiliar e prestar
assistência aos doentes que sofrem discriminação, bem como aos que têm risco de
contrair a doença.
O trabalho desenvolvido pela Australian Chaga’s Disease Association é
reconhecido pela Organização Mundial de Saúde, pela associação Médico Sem
Fronteiras e por outras importantes organizações internacionais. O compromisso da
ACDA é humanitário, sem vínculos políticos ou partidários, conotações étnicas ou
religiosas.
A origem e o desenvolvimento das associações nacionais e internacionais
de doença de Chagas supracitadas expressam o novo associativismo civil, que,
segundo Scherer-Warren (2004, p. 21), vincula-se à perspectiva de ampliação dos
direitos de cidadania e participação na esfera pública e à realização de parcerias com
a esfera governamental.
3. PROCESSO DE EXPANSÃO
Cabe assinalar que em outubro de 2009, durante a realização da 1ª
Reunião de Associações de Pacientes com doença de Chagas das Américas,
Europa e Pacífico, em Uberaba, Minas Gerais, começou a ser alicerçada a ideia
da formação da Federação Internacional de doença de Chagas, ao serem analisadas
as questões que dizem respeito à doença no nível global, continental, regional e
local, por meio de cada associação presente.
A FINDECHAGAS foi constituída em outubro de 2010 pelos participantes,
após essa 1ª Reunião, baseada na solidariedade e no compromisso democráticoparticipativo, individual e coletivo, como uma rede global de pessoas vivendo com a
doença de Chagas.
104
Desse modo, a FINDECHAGAS definiu como objetivo: congregar todas as
associações de doença de Chagas, nacionais e internacionais, em torno da luta
conjunta com participação em todas as questões que envolvem a doença e o doente
de Chagas.
A FINDECHAGAS propõe-se a ser o caminho para fortalecer a luta
coletiva, o controle social e ampliar a representatividade política para garantir direitos
fundamentais e o exercício pleno de cidadania.
A consolidação do Estatuto Social da FINDECHAGAS, sua aprovação e 1ª
Diretoria, foram protocoladas em 31 de outubro de 2013, sob os registros nº 45232,
no 1º Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil e Pessoa Jurídica de
Campinas, São Paulo, Brasil.
Sua sede é na cidade de Campinas, onde se situa a Diretoria Executiva,
eleita em abril de 2012, na II Assembleia Internacional FINDECHAGAS, realizada em
Barcelona.
A Diretoria Executiva e Conselho Fiscal da FINDECHAGAS é composta
por membros
(presidência),
das associações,
ASAPECHA
de
distribuídos
Valência
da
seguinte forma:
(vice-presidência),
ACCAMP
FUNDECHVIDA
(secretaria), APDCICM (tesouraria) e, por fim, ASAPECHA de Murcia e Barcelona e
ACUCDC (conselho fiscal).
Para sua manutenção, a FINDECHAGAS tem como orçamento a
contribuição das associações participantes, a cooperação técnico-financeira dos
organismos internacionais, como OMS, DNDi e MSF, as contribuições particulares
como a do jogador de futebol, Lionel Messi, do Clube de Barcelona, e outras formas
de arrecadação (vídeos, publicações, etc.).
Com a institucionalização da FINDECHAGAS, inicia-se o processo de
construção do trabalho em rede das associações nacionais e internacionais da
doença de Chagas, apresentado como foco interpretativo do capítulo que se segue
da presente pesquisa.
105
CAPÍTULO V
APROXIMAÇÕES
INTERPRETATIVAS:
A
EXPERIÊNCIA
DAS
ASSOCIAÇÕES NACIONAIS E INTERNACIONAIS DE DOENÇA DE
CHAGAS
O presente capítulo explicita as percepções colhidas dos sujeitos da
pesquisa sobre as associações das quais são membros e analisa os seus
significados.
Conforme exposto na Introdução, são 10 os sujeitos da pesquisa, a saber:
6 dirigentes, entre os quais, 2 de associações brasileiras e 4 de associações
internacionais; 2 profissionais de saúde de associações brasileiras e 2 membros de
base de associações brasileiras.
Os sujeitos da pesquisa são assim identificados: DA1 e DA2 para
dirigentes das associações brasileiras, e DA3, DA4, DA5 e DA6 para os dirigentes
das associações internacionais; PS para profissionais de saúde das associações
brasileiras e MA para os membros de base das associações brasileiras. Para
preservar o sigilo das associações dos entrevistados, foi considerada a ordem
numérica de acordo com as respostas recebidas com DA1, PS1 e MA1 e assim
sucessivamente.
1. PERCEPÇÕES DOS SUJEITOS DA PESQUISA
1.1 Dirigentes das Associações
Todos os seis dirigentes, pesquisados sobre como se sentem na direção
das associações que representam, responderam se sentirem felizes, orgulhosos e
responsáveis pelo desempenho dessa função.
Esse sentimento comum a todos os dirigentes sobre a importância para
eles da função de direção da associação revela uma identificação pessoal e coletiva
106
com as lutas pelo direito ao atendimento da doença de Chagas, seja no Brasil, seja
em todos os países e a todos que necessitarem.
Os pacientes ficaram felizes de ter uma associação, pois unidos
somos mais fortes, assim como eu de representá-los frente à
associação (D1).
Cada parente é uma pessoa que fala por si, compõe um pensamento
comum, por isso fico orgulhoso de representar os doentes de Chagas,
mas a responsabilidade também é grande. Agora os doentes de
Chagas têm voz e vez diante da população e dos políticos (D2).
La creación de la Asociación fue un momento importante. Pienso que
la Asociación es el fruto de un esfuerzo conjunto, del diálogo de
personas que nos unimos para buscar y encontrar respuestas a los
diferentes aspectos de esta enfermedad, especialmente como un
espacio de escucha y de compartir vivencias y unir voces (D4).
La asociación es el organismo mas cercano al paciente, es aquel que
defiende directamente los intereses de los pacientes, nuestra felicidad
es demasiado grande para representar a la asociación Chagas (D5).
Nuestra satisfacción es demasiado grande como para representar a la
asociación de Chagas (D6).
Com a criação da Associação, o dirigente a vê como uma rede de
solidariedade que pode auxiliar no controle da doença de Chagas.
As respostas ressaltaram que a associação de doença de Chagas também
está contribuindo para o reconhecimento dos direitos humanos e sociais, para uma
sociedade mais igualitária e justa.
Quanto ao papel da associação de doença de Chagas, todos os dirigentes
apontaram ser estimulador a participação de seus membros. Assinalaram que a
união dos doentes de Chagas fortalece o grupo e destacaram serem facilitadores das
relações com o Estado na luta por melhores condições de assistência à saúde.
Assim, se manifestaram:
[...] estimular os doentes de Chagas a falarem sobre os seus
problemas e refletirem sobre as questões que envolvem a doença,
desmistificar a doença e proporcionar condições de se fortalecerem no
enfrentamento dos problemas do dia a dia, esclarecer os direitos dos
usuários dos serviços públicos de saúde e, em especial a assistência
dirigida às pessoas com doença de Chagas [...] O conhecimento sobre
a doença começa a superar os problemas e despertar para a sua
condição de ser uma pessoa que tem desejos e realizações, apesar da
doença (D1).
107
[...] divulgar o trabalho desenvolvido [...] enquanto grupo organizado
tem o folheto e o vídeo da Associação e os associados divulgam os
objetivos da Associação na comunidade que moram, no Conselho de
Saúde e em outros municípios que têm representantes da associação
(D2).
Nuestro rol está relacionado con que la sociedad civil sea protagonista
activo en el proceso de búsqueda de respuestas consistentes con los
determinantes que caracterizan la problemática del Chagas, en el
ámbito local e internacional, por medio de nuestra cooperación con la
Federación Internacional de Asociaciones de Personas afectadas por
el Chagas y con el intercambio activo con cada una de las personas de
las asociaciones de otros países (D3).
El papel principal es ser un ente movilizador y aglutinador promotor del
cumplimiento del derecho a la salud y las leyes nacionales que
amparan a los pacientes. Esto, a través de la socialización de
información y las vías que existen para su atención. Ser un nexo entre
los pacientes y los centros de salud. En algunos casos, la gente de la
directiva de la Asociación acompañaba a los pacientes al hospital, y
jugaba un rol orientador, especialmente en pacientes jóvenes, cuyos
padres no asumían una responsabilidad. Ser un apoyo moral a los
pacientes para generar sentimientos de confianza y esperanza de que
es posible tomar acciones para tratar la enfermedad o para prevenirla
(D4).
La asociación busca ser el puente de comunicación entre el paciente y
el estado espera ser un organismo que encuentre la voluntad política
de quienes toman decisiones, en favor de los pacientes. Buscamos
además ser un organismo que este en contacto directo con el paciente
dando a conocer los adelantos en el ámbito nacional y mundial sobre
la enfermedad de Chagas (D5).
La asociación reúne a todos los pacientes de Chagas y esto fortalece
todo. El papel de nuestra asociación es de mucha importancia puesto
que entre nuestros principales objetivos es luchar por los afectados por
la patología, hacer escuchar sus voces, que no sean discriminados,
que sean atendidos por el sistema sanitario local (D6).
Para todos os dirigentes, o papel das associações é fundamental como
meio e possibilidade concreta de congregar os associados em nome dos doentes de
Chagas para juntos realizarem suas reivindicações ao Estado, mobilizando todos os
esforços para conquista do direito à saúde e ao atendimento específico da doença de
Chagas.
Em relação às situações mais frequentes enfrentadas pela associação de
doença de Chagas na sua cidade, no seu estado e/ou no seu país, os dirigentes
assinalaram:
108
As situações mais frequentes enfrentadas pela Associação de doentes
de Chagas são: falta de informações da doença nos serviços públicos,
de esclarecimentos dos direitos dos usuários nos serviços públicos de
saúde na Previdência Social, em especial a assistência dirigida às
pessoas com a doença de Chagas no serviço público de saúde (D1).
Falta de medicação, que foi um problema enfrentado recentemente
com o Benzonidazol, ampliar o número de associados e a luta pela
implantação de cuidados no sistema de saúde a partir do consenso
com ações nos centros de saúde, clínicas de especialidades e
serviços de referências (D2).
Una indiferencia relativa a cuestiones culturales y/o políticas: así
podríamos definir las barreras que enfrentamos con más frecuencia,
pero como toda barrera, no es una limitación permanente, ya que en el
mediano y largo plazo, la perseverancia, la transparencia, el respeto y
el amor a la humanidad, nos permiten seguir adelante con más
sabiduría y resiliencia (D3).
Una situación que se repitió varias fue la falta de medicamento en el
hospital. Sabemos que una cantidad grande ha sido diagnosticada,
pero no ha hecho el tratamiento. Sin embargo cuando ya
llegó medicamento, se debe enfrentar el temor de los médicos en el
tratamiento por las reacciones adversas, pero igualmente desde los
pacientes. Otro punto que se enfrenta es la falta de tiempo de los
miembros de la Asociación para hacer más actividades. El cambio
constante de personal de salud, por lo que no había continuidad en los
acuerdos logrados y en la atención de Chagas (D4).
Falta de voluntad política; Desconocimiento de la enfermedad tanto
por profesionales como por los mismos pacientes y mucho mas por
parte de quienes asignan los recursos para la Salud Publica; Falta de
voluntad de los mismos pacientes para defender sus intereses, pues
creen no tener esperanza por que no existe tratamiento para su
enfermedad pues en la gran mayoría se descubren en etapa crónica y
muy avanzada y no hay disponibilidad del medicamento y falta de
recurso económico (D5).
Entre las situaciones más comunes que nos encontramos está el
desconocimiento y falta de concientización de la población sobre la
enfermedad, ya sea entre la población española como por los mismas
personas de las zonas endémicas, debido a éste desconocimiento se
llega a discriminar a los afectados y los latinoamericanos no quieren
conocer si están infectados (D6).
Os dirigentes apontaram tanto dificuldades internas, relativas diretamente
às associações, como externas, no tocante ao sistema público de saúde e à
sociedade em geral.
Quanto às dificuldades internas, são destacados: o número reduzido de
participantes das associações; a falta de tempo para os associados realizarem maior
número de atividades; certo espírito de passividade dos associados quanto à doença
de Chagas, em virtude de não apresentar ainda a esperança de cura.
109
Quanto às dificuldades externas, são acentuadas as deficiências do
sistema de saúde, com a falta constante de medicamentos, descontinuidade dos
acordos para o atendimento da doença, falta de equipamentos e serviços
especializados. Quanto à sociedade em geral, foi destacada, principalmente, a
desinformação sobre a doença de Chagas e a necessidade de seu tratamento.
Com relação às ações e estratégias utilizadas pela associação para
efetivar o direito à saúde, os dirigentes assinalaram:
A associação abriu caminho para os doentes de Chagas
compartilharem informações e se comunicarem com doentes de outras
associações brasileiras e estrangeiras; conhecer as ações da
associação Médicos Sem Fronteiras, Conselho Municipal de Saúde,
Fórum de Patologias e elaborar os folhetos explicativos e ilustrativos
sobre a doença de Chagas. Participação como Delegada nas
Conferências de Saúde Municipal, Estadual, Nacional, Feiras de
Ciências, Eventos relacionados à divulgação da doença, Movimentos
reivindicatórios de Saúde para troca de conhecimento, enriquecimento
de informações e fortalecimento do grupo (D1).
A associação tem favorecido o trabalho com outras associações de
portadores de doenças, na participação no Conselho Superior do
Hospital Universitário onde há uma representação do usuário que é
eleito através de um fórum de associações do qual a Accamp
participa. A Associação mobiliza a discussão junto ao Conselho
Municipal de Saúde para a formação de um fórum de associações da
saúde e também a reivindicação de um espaço comum, junto à
administração pública para o funcionamento deste fórum (D2).
Promoción de la creación de Capital Social, que potencie la demanda
de respuestas consistentes con los diversos determinantes de la
problemática del Chagas. Promoción para el desarrollo de
herramientas jurídicas, entendiendo que si no existe una ley de
Chagas, no existe una fuente de ejercicio del derecho de las personas
afectadas y sin preceptos específicos, no hay una obligación ni
responsables por la acción u omisión, ni hay sustento de las acciones
intersectoriales.
Educación para la concientización y participación activa del sector
privado, canalizada en la promoción de la ampliación de los esfuerzos
de prevención, control, diagnóstico, tratamiento y otros, por medio del
desarrollo de programas relacionados con la sustentabilidad de las
organizaciones con y sin fines de lucro (D3).
Primero hacer conocer que los pacientes están organizados y que
tienen una voz para reclamar su derecho a la salud y el acceso a la
atención para Chagas. Se ha establecido contactos con la planta
médica y gerencial del hospital del pueblo, a quiénes se ha invitado
varias veces a las reuniones quincenales de la Asociación, espacio
donde la gente presentaba con su propia voz sus demandas, sus
dudas y hasta a veces quejas. Este proceso ha sido muy bueno,
porque los médicos escucharon a pacientes organizados y no a una
persona que reclama por su derecho individual, sino un grupo, un
colectivo que reclama por mucha gente que, aunque no estaba en la
110
reunión, representaba la voz también de ellos. También se ha
involucrado a estas reuniones a autoridades municipales (concejales y
Director de Desarrollo Humano), quienes asistieron también a la
reuniones de la Asociación y comprometieron su apoyo a esta causa
(D4).
La principal estrategia ha sido la a asociación se tornou importante na
luta contra doença de Chagas, sensibilización de quienes toman
decisiones en materia de salud pública, llamese presidencia,
ministerios, direcciones de salud local o departamental (D5).
Actualmente está muy complicada la situación al acceso a la sanidad
debido a los recortes hechos por el gobierno, pero nosotros estamos
en tratativas con las autoridades sanitarias, las asociaciones de
médicos, ONG solidarias para que puedan ser atendidas, esto en el
caso de las personas que no tienen tarjeta sanitaria. Sin embargo las
que sí la tienen, son atendidos en el sistema sanitario completamente
gratuito, incluyendo el tratamiento (D6).
A associação é uma das principais, senão a principal, estratégia
reconhecida pelos dirigentes. Ao favorecer e fortalecer o trabalho com outras
associações,
abre
caminho
para
a
participação,
o
compartilhamento
de
conhecimentos, a troca de informações e o exercício da cidadania ao reivindicar seus
direitos aos órgãos governamentais.
A respeito do que tem favorecido e/ou conseguido no intercâmbio entre as
associações e no estabelecimento do trabalho em rede para a efetivação do direito
de acesso à saúde, os dirigentes apontaram o que segue:
[...] visibilidade e credibilidade, o intercâmbio com as outras
associações [...] nos deu um enriquecimento de informações e
fortalecimento para o grupo da Diretoria. [...] participar de vários
eventos, em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Recife, [...] na Primeira
Assembleia Internacional de Doentes de Chagas, [...] na eleição da
Federação Internacional de Associações de Doença de Chagas a
(FINDECHAGAS); [...] Segunda Assembleia e a Presidência da
Federação Internacional de Doentes de Chagas ficou com o Brasil,
sendo Campinas e São Paulo representando a Presidência, Recife, a
Tesouraria da Federação, isto é um grande avanço da nossa
associação, com isso nossa associação está tendo grande visibilidade
no mundo (D1).
[...] a associação estabeleceu uma rede de contato com a Associação
dos Portadores de Doença de Chagas e Insuficiência Cardíaca de
Recife-PE e a Associação dos Chagásicos da Grande São Paulo [...] o
apoio do Grupo de Estudos em Doença de Chagas da Unicamp [...]
está mobilizando uma discussão junto ao Conselho Municipal de
Saúde para que seja discutida a formação de um fórum de
associações da saúde e também a reivindicação de um espaço
comum, junto à administração pública, para o funcionamento deste
fórum (D2).
111
Más que organizaciones hemos conocido, personas afectadas por el
Chagas de otros países. La estructura organizacional y la capacidad
de una gestión que favorezca el intercambio de ideas, contactos y
conocimientos para el mutuo beneficio es aún muy escasa (no significa
que no exista, sino que nosotros no la hemos evidenciado ni reflejado
con nuestros intercambios) y tal vez podríamos encontrar
determinantes culturales, económicos y sociales. La voz de la
asociación para los pacientes de Chagas era mucha alegría y todos.
Claro que no podemos generalizar, pero mayormente hemos
encontrado un predominio de una interacción organizacional pobre o
no consecuente con nuestras expectativas. Hemos conocido personas
con necesidades específicas, de diferentes países, con quiénes hemos
cooperado en la urgencia, en la gestión de acceso e implante de
marcapasos, por ejemplo, o acceso al diagnóstico y seguimiento, en el
caso de pacientes crónicos de Santa Cruz y de Cochabamba, en
Bolivia, que están fuera del sistema, no acceden a un seguro médico y
no cuentan con recursos económicos para pagar por su asistencia
médica (contamos con todos los intercambios por escrito que reflejan
estas acciones concretas) (D3).
Un caso concreto es la ayuda que se consiguió para nuestra
compañera Cristina, que necesitaba un desfibrilador, que se gestionó a
partir de la participación de Cristina e Yván Torrico a una reunión de
Asociaciones en Brasil el año 2010. Esto fue una muestra de cómo el
diálogo, el encuentro y el intercambio son vitales para despertar la
solidaridad y encontrar respuestas a problemas como este caso de
Chagas cardiológico. Esta respuesta, en el caso de Cristina, le ha
devuelto a ella la esperanza de seguir con vida y con ganas de
continuar en la lucha contra este mal. Se debe aclarar que la
Asociación costó mucho iniciarla, pero luego tuvo una época de un
año, aproximadamente que tuvo muchas actividades y con buenos
resultados. En la actualidad está inactiva por problemas internos entre
los miembros de la directiva (D4).
En Colombia solo existe, y hemos logrado muchas cosas positivas
para el país, entre ellas esta que presidencia de la Republica incluyera
el Chagas dentro de su plan decenal de salud, y que la enfermedad de
Chagas haya sido incluida dentro del plan obligatorio de salud, ahora
su régimen de salud debe cubrirle el medicamento para el Chagas,
pero aun hay problemas como que el paciente, ni él medico conoce la
norma, y tampoco hay disponibilidad del medicamento (D5).
Realmente la formación de las asociaciones de afectados por la
enfermedad ha favorecido enormemente en la consecución de
beneficios y derechos para los afectados, ya sea en el ámbito personal
como del conjunto y sus familiares. Mediante ellas se ha logrado que
sean reconocidos en el ámbito de instituciones sanitarias, ya sea de
atención médica como psicológica, tanto en los países de origen como
de destino. La formación de la asociación dio satisfacción a los
pacientes de Chagas. Sobre todo uno de los grandes logros ha sido la
conformación de la Federación Internacional de Personas afectadas
por la enfermedad de Chagas (Findechagas), para ser reconocidos en
el ámbito mundial y uniendo sus voces ser escuchados en todo el
mundo (D6).
O intercâmbio entre as associações deu credibilidade e visibilidade às
associações de doentes de Chagas, de modo a permitir que os dirigentes e os
112
membros
conhecessem
as
outras
associações,
tantos
nacionais
quanto
internacionais. Esses intercâmbios apresentaram um leque de possibilidades, pois
proporcionam o intercâmbio de ideias, contatos e conhecimento para si e em
benefício de todos. O intercâmbio torna-se vital ao despertar a solidariedade mútua
entre as associações e também tem favorecido a relação com as autoridades
sanitárias dos países, bem como vai ao encontro do pensamento de D6 que
expressa, ao dizer la unión hacela fuerza.
De modo oportuno, é importante também registrar que nem sempre todas
as ações vão ao encontro das necessidades e das expectativas das associações,
conforme relatam:
[…] Claro que no podemos generalizar, pero mayormente hemos
encontrado un predominio de una interacción organizacional pobre o
no consecuente con nuestras expectativas […] (D3) e […] pero aun
hay problemas como que el paciente, ni él medico conoce la norma, y
tampoco hay disponibilidad del medicamento […] (D5).
1.2 Profissionais de Saúde
Com relação à questão de como se sentem ao serem profissionais da
saúde e membros das associações, assim se expressaram:
A associação que participo enquanto membro do Conselho Científico
tem registro, é de utilidade pública e composta por aproximadamente
50 associados. Nas reuniões mensais temos uma média de 15
participantes. Conta com dificuldades financeiras, pois a contribuição é
espontânea, privilegiando a participação dos associados. As iniciativas
para arrecadação são de poucos associados, tendo a maioria uma
atuação pouco ativa. A preocupação central é por informações.
Considero que há uma dificuldade dos associados, especialmente a
Diretoria de ter uma atitude mais ativa, pois enfatizam muito a situação
de dificuldade, na maioria das vezes não conseguindo identificar os
avanços que tiveram desde a fundação. Há uma tendência de
vitimização e com dificuldade de se colocarem também como sujeitos
e responsáveis também pela transformação. É uma atitude
contraditória. Acompanho as reuniões e procuro incentivar as
iniciativas e trabalho na perspectiva do papel deles enquanto sujeitos
coletivos (PS1).
Como representante, acho que deveria ter mais pessoas
comprometidas com a associação, tentar buscar alianças com
associações mais fortes, como as ONGs. A experiência de fazer parte
da associação, estar mais próximo dos doentes de Chagas tem sido
muito gratificante e motivo de orgulho para mim. Apesar das
dificuldades financeiras, a associação é um grande ganho para o
doente de Chagas (PS2).
113
Ambos, em suas afirmações, demonstram a preocupação pelas questões
financeiras e lembram-se da conquista significativa para o doente de Chagas. O PS2
relata a importância da associação para o doente de Chagas e a gratificação que é
para si de sua função na associação. Por sua vez, o PS1 aponta sua inquietação
quanto à dificuldade da Direção em reconhecer suas próprias conquistas.
Com relação ao papel da associação, assim se manifestaram os
profissionais de saúde:
O papel é de agregar portadores de doença de Chagas, familiares e
pessoas que se identificam com essa luta, procurando focalizar as
questões mais amplas da saúde e de direitos enquanto cidadãos [...]
informar os associados, a partir da participação de todos, multiplicar as
informações para a comunidade e pessoas que possam ser portadoras
e não fazem acompanhamento. Deve haver uma postura que
contribua para que os associados superem as dificuldades com
relação à doença, oferecendo apoio e esclarecimentos. Outro papel
deve ser a articulação com conselhos de direitos, serviços de saúde,
movimentos organizados da sociedade civis para fortalecimento das
reivindicações e direitos (PS1).
A associação é fundamental para os pacientes chagásicos, pois ela
esclarece sobre a doença e derruba mitos. A união dos doentes de
Chagas via associação faz com que a doença fique conhecida perante
a sociedade e faz com que mais profissionais de saúde se interessem
pelo tema, mais investigações sejam realizadas para descoberta de
novas drogas para o tratamento e cura da doença (PS2).
O papel de agregar é percebido de grande relevância para a associação,
ao passo que informa e esclarece sobre seus direitos e desmitifica a doença perante
a sociedade. Chama atenção dos profissionais de saúde pelas questões
apresentadas pela mesma, para que mais investigações e estudos sejam realizados.
No que tange às situações mais frequentes enfrentadas pela associação
de doença de Chagas na sua cidade, no seu estado e/ou no seu país, os
profissionais de saúde relataram:
A dificuldade de acesso à assistência à saúde [...] atinge boa parte da
população que não tem garantido a atenção de forma eficaz nas suas
demandas, no acolhimento necessário, apesar da política de
humanização na saúde. O usuário dos serviços de saúde,
especialmente os portadores de doença de Chagas, conforme muitos
relatam, enfrentam essa dificuldade quando buscam ou são contra
referenciados para os serviços no nível de atenção básica. Há
necessidade de uma melhor preparação da equipe de saúde no trato
dessas questões, o que se encontra, nesse aspecto, nos serviços
114
especializados nesse atendimento, sendo a grande maioria integrada
a centros de ensino e pesquisa, tendo também um papel fundamental
na formação continuada. A associação enquanto movimento
organizado tem seu papel na reivindicação de garantia e cumprimento
dos direitos e algumas ações já ocorreram como de denunciar falta de
medicamentos, encaminhamentos de moções em conferências nos
níveis federal, estadual e municipal e para o Ministério da Saúde, o
que fez com que o problema se tornasse público e a cobrança de
solução para o mesmo. [...] as associações de doença de Chagas
ainda não tiveram papel mais ativo junto aos conselhos locais de
saúde e às secretarias municipais de saúde para divulgação do
trabalho e colocação das demandas específicas na atenção ao doente
de Chagas (PS1).
A associação por ser constituída de pessoas simples, sem muitos
recursos, não consegue patrocínio para o encontro anual. Devido aos
seus poucos associados, talvez falta mais divulgação e um maior
número de participantes, poderiam levar o assunto a outros hospitais,
escolas públicas, etc. O atendimento pelo SUS ao doente de Chagas é
ainda muito difícil, principalmente nas regiões mais desprovidas de
recursos de saúde (PS2).
Em ambos os relatos, fica explícita a ausência de uma equipe
especializada nos serviços públicos de saúde para atendimento qualificado ao doente
de Chagas, acompanhada da denúncia de falta de medicamentos.
No que diz respeito às ações e às estratégias utilizadas pela associação
para efetivar o direito à saúde, os profissionais de saúde assinalaram:
[...] a articulação com o Conselho Municipal de Saúde para divulgar o
trabalho e as demandas dos doentes de Chagas na luta por garantia
de medicamentos, por uma atenção mais qualificada nos serviços de
atenção básica; mobilização para formação do fórum de associações
de saúde, reivindicação de um espaço junto à administração pública,
para funcionamento da associação e/ou associações; representação
no Conselho do Idoso considerando que grande parte dos portadores
de Chagas são pessoas idosas, com demandas específicas neste ciclo
de vida (PS1).
A principal estratégia da Associação é a luta pelo direito à saúde de
todos os doentes de Chagas, que também ajuda na divulgação no
ambulatório para os doentes que vêm à consulta médica e/ou exames
de laboratório, entregando o folheto informativo sobre a doença de
Chagas. O paciente tem acesso à saúde através dos esclarecimentos
de sua doença, o que acontece nas reuniões mensais. Há ainda a
participação e organização dos encontros de doença de Chagas
(PS2).
115
Os profissionais enfatizam a questão da luta pelo direito à saúde para
todos, na articulação com os conselhos de saúde.
A respeito do que tem favorecido e/ou conseguido no intercâmbio entre as
associações e no estabelecimento do trabalho em rede, para a efetivação do direito
de acesso à saúde, os profissionais de saúde assim apontaram:
É fundamental a troca de saberes e experiências vividas em cada um
dos territórios e também o apoio de representantes de organizações
mundiais como Organização Mundial de Saúde, Médicos sem
Fronteiras, DNDi. Há muitos desafios que são relativos a dificuldades
internas e contradições especialmente na diretoria da FINDECHAGAS,
na qual a ACCAMP ocupa a Presidência colegiada com a Associação
de portadores de Chagas de São Paulo principalmente no que se
refere ao papel de cada instância dessa diretoria, na concepção do
papel de apoiador profissional e portador da doença de Chagas e
também quanto à discussão do conteúdo de atividades, eventos dos
quais a FINDECHAGAS é convidada a participar. Enfatizamos que as
associações do Brasil que compõe esta diretoria têm conseguido fazer
uma gestão colegiada de forma articulada e sem dificuldades, pois já
têm participado de diversas atividades conjuntas ao longo de sua
existência, como eventos, seminários, reuniões. A Accamp tem tido
um papel de articular e sediar as reuniões da FINDECHAGAS no
Brasil e se responsabilizado por todo o encaminhamento do registro da
FINDECHAGAS, discutindo sempre neste coletivo brasileiro e
informando e consultando os demais componentes da diretoria e da
rede como um todo (PS1).
Através do intercâmbio entre as associações, consegue-se esclarecer
o maior número de pessoas, trocar informações, e ficamos sabendo
das dificuldades de outras associações. Por exemplo: no encontro
internacional que ocorreu na Espanha em 2012, soubemos das
dificuldades que as associações da América do Sul enfrentam para
adquirir medicamentos e esclarecimentos básicos sobre a doença
(PS2).
Diante dessa questão, destaca-se o surgimento da FINDECHAGAS, como
um elemento impulsionador tanto no relacionamento do intercâmbio quanto na ideia
de rede. Esse intercâmbio tem contribuído para a visibilidade das conquistas das
associações, seus limites e dificuldades.
1.3 Membros Associados
No que se refere a como se sentem ao participar da associação, os
membros associados assim explicitaram:
116
Uma associação precisa de sócios, pessoas que se unem com
objetivo comum, isso nos falta, elas querem só benefícios, não se
aproximam daqueles que se esforçam para manter e fazer crescer a
associação. A associação é um momento muito importante para todos
nós doentes de Chagas. A doença será mais conhecida e podemos
desejar mais e melhor atendimento para todos. Acho que todos
deviam participar dessa alegria e satisfação de ter uma associação,
para todo mundo lutar junto (MA1).
A associação é interessante e precisa existir, nós, doentes de Chagas,
temos que nos unir e se organizar para lutar pelos nossos direitos,
agora vamos ficar mais conhecidos por causa da Associação e isso é
importante para que centros saúde, em todo lugar, atendam os
doentes de Chagas (MA2).
Os membros associados, em suas respostas, revelam a consciência sobre
a importância da existência da associação para os doentes de Chagas. A união dos
doentes de Chagas e o compartilhamento de informações são vistos como papel
relevante da associação.
Com relação ao papel da associação, assim se manifestaram os membros
das associações:
A associação de doença de Chagas tem como buscar acesso ao
tratamento, mesmo tendo direito não está disponível. Seu papel é
muito importante na vida de todos nós, só assim podemos lutar e para
termos mais serviços de saúde, mais médicos que se interessem por
nós (MA1).
Acho que vai unir todos os doentes de Chagas, vai ajudar e orientar
pacientes e familiares de portadores de doença de Chagas (MA2).
Os membros percebem o papel da associação para a união dos doentes
de Chagas e na busca pela melhoria das condições de acesso aos direitos de saúde.
A respeito das situações mais frequentes enfrentadas pela associação de
doença de Chagas na sua cidade, no seu estado e/ou no seu país, os membros das
associações relataram:
Creio que a situação mais frequente enfrentada pela associação é que
as pessoas só querem benefícios, não se envolvem. Isso dá muito
trabalho. Os doentes de Chagas ainda não perceberam que a luta é de
todos nós (MA1).
A falta de membros na associação. Aqui em São Paulo é muito difícil
trabalhar com pacientes de doença de Chagas, porque as pessoas
117
moram muito distante e isso faz com que pensem duas vezes antes de
sair de casa para virem nas reuniões e quando vêm e assistem uma
reunião, poucos voltam. Não sentem a importância da união, da força
da Associação (MA2).
A limitação no acesso aos serviços de saúde ainda é o problema mais
frequente sentido pelo doente de Chagas, mas que critica a falta de participação de
todos na luta para diminuir ou solucionar esses problemas.
No que se refere às ações e estratégias utilizadas pela associação para
efetivar o direito à saúde, os membros das associações manifestaram:
Acho que as reuniões de orientações sobre doença, participação no
Fórum de Patologia, no Conselho de Saúde: lugar que a gente discute
a situação de saúde e divulgara doença de Chagas, a organização dos
Encontros de Doença de Chagas e agora a criação da Federação. O
direito nós temos e sabemos quais são, mas ainda está muito difícil
garantir eles no nosso dia a dia! Apesar de tudo, ainda encontro
muitas dificuldades para agendar consultas e exames. Os funcionários
só dizem que é assim por causa de muita demanda, que não tem fim
(MA1).
A Associação em especial participa de reuniões no Fórum de
patologia, tem representação e participação no Conselho de Saúde,
para onde leva os problemas encontrados pelo doente de Chagas
quando procura os serviços de saúde, a luta é continuada aqui em
todos os lugares (MA2).
Entre as principais ações e estratégias, está a possibilidade de levar os
problemas para os fóruns competentes.
No que se refere ao que tem favorecido e/ou conseguido no intercâmbio
entre as associações e no estabelecimento do trabalho em rede para a efetivação do
direito de acesso à saúde, os profissionais de saúde assim apontaram:
A associação facilita a comunicação entre os doentes de Chagas,
conhecer outras associações, saber que o problema da doença agora
não está só aqui, mas em todo o mundo, agora com a Federação
chamou mais atenção das autoridades para que o direito pelo
atendimento médico seja reconhecido e dá mais forças para lutar
todos juntos para melhoria de todos nós (MA1).
A Associação, juntamente com outras associações, criou uma
Federação internacional para que possamos juntos fortalecer e lutar a
118
nível mundial pelo direito à saúde e ao tratamento digno dos doentes
de Chagas (MA2).
A criação da FINDECHAGAS tem facilitado a troca de informações entre
os pacientes, e eles identificam a criação dessa Federação como um meio propulsor
das associações para avançarem na luta.
As percepções obtidas dos participantes da pesquisa e registradas neste
capítulo dão suporte à analise interpretativa dos seus significados, e que serão
analisados à luz dos conceitos referenciais e autores apresentados no capítulo II
desta tese.
A concepção de democracia, segundo DAGNINO (1994), deve ser
“ampliada e aprofundada de modo a incluir o conjunto de práticas sociais e culturais,
[...] ir além de um regime democrático, uma sociedade democrática”
Desse modo, o processo associativo da doença de Chagas pode ser
pensado por meio de suas iniciativas coletivas como um meio promissor para o
desenvolvimento de uma democracia ativa e participativa.
As respostas apontam a união e a solidariedade como elementos
presentes e muito destacados entre os participantes da pesquisa. Isso demonstra
que o exercício de participar nas e entre as associações, junto com outros doentes de
Chagas, de lugares e língua diferentes possibilita aos participantes o despertar de
sua cidadania, ou seja, de ouvir e falar de problemas comuns e que podem ser
amenizados ou solucionados pela ação política da associação, assim expressada:
[...] Primero hacer conocer que los pacientes están organizados y que
tienen una voz para reclamar su derecho a la salud y el acceso a la
atención para Chagas.; […] A associação abriu caminho para os
doentes de Chagas compartilharem informações e se comunicarem
com doentes de outras associações brasileiras e estrangeiras; troca
de conhecimento, enriquecimento de informações e fortalecimento do
grupo.
O espaço democrático das associações de doença de Chagas proporciona
também a discussão e ação coletiva para combater a doença e os problemas dela
decorrentes, os encoraja como sujeitos coletivos para encaminhar e retratar essas
119
questões às autoridades sanitárias competentes e, assim, reivindicar seu direito à
saúde.
[…] y hemos logrado muchas cosas positivas para el país, entre ellas
esta que presidencia de la Republica incluyera el Chagas dentro de su
plan decenal de salud, y que la enfermedad de Chagas haya sido
incluida dentro del plan obligatorio de salud, ahora su régimen de
salud debe cubrirle el medicamento para el Chagas.
O processo associativo da doença de Chagas, agora ampliado com a
criação da FINDECHAGAS, favorece e é favorecido pelo trabalho em “rede, conceito
propositivo utilizado por atores coletivos como estratégia de ação coletiva, uma nova
forma de organização e ação coletiva” […] SCHERER-WARREN, (1999).
Essas percepções sobre o trabalho em rede das associações são
salientadas nas respostas dos participantes:
a associação estabeleceu uma rede de contato com a [...] está
mobilizando uma discussão junto ao Conselho Municipal de Saúde
para que seja discutida a formação de um fórum de associações da
saúde e também a reivindicação de um espaço comum, junto à
administração pública, para o funcionamento deste fórum.
La formación de la asociación dio satisfacción a los pacientes de
Chagas. Sobre todo uno de los grandes logros ha sido la conformación
de la Federación Internacional de Personas afectadas por la
enfermedad de Chagas (Findechagas), para ser reconocidos en el
ámbito mundial y uniendo sus voces ser escuchados en todo el
mundo.
A articulação e formação da FINDECHAGAS “desencadeou um processo
de discussão em torno da garantia de seus direitos por uma assistência qualificada
no acesso à saúde” (CAMARGO; GUARIENTO, 2011, p.34). O papel de participante
coletivo e ativo na associação e agora da FINDECHAGAS traz um significado
importante para todos no enfrentamento da doença e na busca de respostas
consistentes para os problemas causados pela doença.
As respostas dos profissionais de saúde, analisadas, evidenciam o papel
importante da associação na vida dos doentes de Chagas que se apresentam mais
reivindicadores e politicamente mais atentos às questões que os cercam e sujeitos
protagonistas de sua história.
[...] haver uma postura que contribua para que os associados
superem as dificuldades com relação à doença oferecendo apoio e
120
esclarecimentos. [...] a articulação com conselhos de direitos, serviços
de saúde, movimentos organizados da sociedade civis para
fortalecimento das reivindicações e direitos.
[...] faz com que a doença fique conhecida perante a sociedade e faz
com que mais profissionais de saúde se interessem pelo tema, mais
investigações sejam realizadas para descoberta de novas drogas para
o tratamento e cura da doença.
Algumas
concepções
ressaltam
o
papel
das
associações
como
instrumento de reivindicação da garantia e cumprimento de seus direitos, e isso
acontece por meio das denúncias nos Conselhos gestores de saúde, dos quais
alguns associados, doentes de Chagas, fazem parte.
Nota-se que mesmo diante das adversidades apresentadas para sua
existência e manutenção, as associações vão quebrando resistências, ao se
valerem e quebrarem preconceitos e o estigma da doença.
A exemplo de ajuda mútua e solidariedade, a relação entre associações,
em uma perspectiva de colaboração e aproximação, tem efetivado a concessão de
material, uma a outra, para o tratamento ao doente de Chagas. A realização do
intercâmbio de informações e troca de saberes têm contribuído para percepção
sobre as conquistas e, até então, limitações.
Contudo, ressaltam-se alguns aspectos que têm sido apresentado de
modo a não atingir as expectativas das associações como, por exemplo, o
desinteresse da comunidade e por conseguinte da sociedade, o número insuficiente
de associados, a questão da estrutura organizacional e, ocasionalmente, capacidade
administrativa da associação.
Os doentes de Chagas, associados ao mesmo tempo em que ressaltam as
dificuldades e limitações da participação de seu pares na associação, assinalam
como principal preocupação de todos a insuficiência de oferta de serviços de saúde.
Observa, ainda, as falhas de comunicação internas entre seus membros
associados e com a FINDECHAGAS, os interesses individuais, postos acima dos da
Associação ou do país que representam, o desinteresse da sociedade e do Estado
perante a doença e o doente de Chagas.
121
A força da associação é demonstrada por diálogo, encontro e troca para
construir a solidariedade e encontrar respostas para problemas da doença de
Chagas.
Assim, nota-se a dificuldade que o dirigente tem em meio a diversas questões
que
implicam
uma
gestão,
de
perceber
seu
próprio
amadurecimento
e
reconhecimento.
O associativismo exerce relevante papel como espaço de articulação das
demandas do doente de Chagas e das reflexões sobre as questões que apresentam,
representando, assim, um sinal de interesse, mobilização e integração de todos os
envolvidos. Seus sujeitos coletivos e políticos surgem com uma nova postura como
cidadãos, como DAGNINO salienta:
A nova cidadania assume uma redefinição da idéia de direitos, cujo
ponto de partida é a concepção de um direito a ter direitos [...] inclui
não somente o direito à igualdade, como também o direito à diferença,
que especifica, aprofunda e amplia o direito à igualdade (DAGNINO
2004, p. 104)
Enfim, se pode afirmar que a criação e organização das associações de
doença de Chagas e a experiência de construção do trabalho em rede se tornam
estratégia importantes, reconhecidas pelos dirigentes, pelos portadores da doença e
pelos profissionais de saúde de Chagas, ao favorecer e fortalecer o trabalho com
outras associações, abrindo caminho para a participação, o compartilhamento de
conhecimentos, a troca de informações e o exercício da cidadania ao reivindicar seus
direitos aos órgãos governamentais.
122
2. TECENDO SIGNIFICADO SOBRE O PROTAGONISMO DAS
ASSOCIAÇÕES NACIONAIS E INTERNACIONAIS DE DOENÇA DE
CHAGAS
2.1 A Federação Internacional das Pessoas Afetadas pela Doença de
Chagas (FINDECHAGAS): uma rede social em construção
A partir da construção da FINDECHAGAS, em 2013, embora idealizada
em 2009, conforme exposto no final do Capítulo IV, pode-se observar seus primeiros
passos no nível interno e externo.
No nível interno, cabe ressaltar como significativas, no aspecto de
fortalecimento de sua organização, as seguintes iniciativas: a produção de um
logotipo para sua identificação; a proposta de criação de um grupo consultivo para
ampliar a assessoria e colaboração dos membros das associações e de outras
organizações; a elaboração do plano de captação de recursos; e a realização das
primeiras reuniões semestrais de avaliação das ações da FINDECHAGAS.
No nível externo, vale destacar como significativas: a carta enviada aos
Ministros de Saúde dos países que têm associações de doença de Chagas; o
estreitamento das relações com a OMS, DNDi e MSF; a participação na Reunião da
Plataforma de Investigação Clínica, realizada em 2012, no Rio de Janeiro; a
ratificação do dia 14 de abril como data internacional da doença de Chagas; o
logotipo da FINDECHAGAS traduzindo a figura de um enorme coração emergindo do
globo terrestre, em busca da visibilidade da doença de Chagas no mundo; e a criação
de uma página da FINDECHAGAS na web como instrumento de ligação e
intercâmbio entre todas as associações filiadas e organizações da área da saúde,
para troca de informações e comunicações em geral.
São esses níveis que têm viabilizado a materialização da FINDECHAGAS
como rede social em construção. E, a partir daí, lutar por suas bandeiras, dentre as
quais se destacam:
123
• O desenvolvimento de ações que combatam a discriminação e
o estigma que envolve os portadores da doença;
• A intensificação da comunicação e ações conjuntas entre as
associações;
• O fortalecimento e apoio técnico para que os portadores sejam os
sujeitos protagonistas da FINDECHAGAS;
• A democratização das informações à rede de associações que
compõem a FINDECHAGAS em um processo amplo de discussão para
tomada de decisões;
• A melhoria da atenção das várias políticas sociais em nível mundial,
especialmente a de saúde, com ações destinadas ao portador de
doença de Chagas quanto à prevenção, ao diagnóstico, ao tratamento e à
medicação;
• A proteção social (garantia de benefícios);
• O
fortalecimento
da
rede
de
associações
que
integram
a
FINDECHAGAS na perspectiva do associativismo e da participação social;
• A
articulação
com organizações,
instituições
governamentais
e
não governamentais, para o avanço de estudos, pesquisas e ações que
visem à melhoria da atenção ao portador de doença de Chagas;
• A participação em eventos, seminários, assembleias, tendo como
sujeito central o portador da doença de Chagas.
A consecução dessas propostas tem implicado em determinados avanços,
limites e desafios.
Podemos caracterizar como avanços: a afirmação e o fortalecimento da
FINDECHAGAS com a ampliação de novas associações7, enquanto uma rede; a
democratização de ações conjuntas das associações para a garantia de direitos do
portador em nível mundial; o lançamento da luta mundial de combate à Enfermidade
7
Novas associações filiadas à Findechagas: Associazione Italiana per la Lotta alla Malattia di Chagas
(AILMAC) (2013, na Itália); Associação Mexicana de Pessoas Afetadas pela Doença de Chagas
(AMEPACH) (2012, na cidade de Oaxaca, no México), e Latin American Society of Chagas disease
(LASOCHA), (2013 em Virgina, EUA).
124
de Chagas; a realização de eventos em vários países para disseminar conhecimento
sobre a doença de Chagas; a efetivação do registro formal da FINDECHAGAS e o
apoio à aprovação da Lei que institui 14 de abril como dia do portador e de combate à
doença de Chagas; as reivindicações aos governos dos países associados à
FINDECHAGAS de políticas sociais e de saúde que contemplem as necessidades
dos doentes de Chagas.
A FINDECHAGAS, no que se refere aos seus limites iniciais, tem
encontrado dificuldades, principalmente na comunicação entre os seus membros que
não dominam uma das três línguas utilizadas: português, espanhol e inglês. Quanto à
divulgação dos projetos e ações desenvolvidas, há dificuldades para atingir todos os
portadores de doença de Chagas, particularmente aqueles que não têm acesso à
internet.
Com relação à captação de recursos financeiros para o desenvolvimento
das ações propostas, há dificuldades entre as diferentes associações, o que leva
algumas a participarem de maneira restrita. Cabe ainda uma preocupação quanto
à adequada
capacitação
técnico-político-administrativa
dos
dirigentes
das
associações e da FINDECHAGAS, em virtude do pioneirismo do trabalho em rede na
área da doença de Chagas. Quanto à participação dos pacientes, dos familiares e de
outras pessoas interessadas na doença de Chagas e no trabalho em rede,
não é semelhante, variando conforme as diferentes associações e países envolvidos
e atuantes.
Como desafios, evidenciam-se: a necessidade de fortalecimento da
FINDECHAGAS, sempre tendo o associativismo e a participação como metas
fundamentais; a garantia de uma política de atenção na prevenção, no diagnóstico e
no tratamento sustentável ao portador de doença de Chagas; a vigilância para que as
pesquisas avancem na eficácia dos medicamentos e o acompanhamento e
reivindicação aos governos de cada país quanto às políticas com ações efetivas na
atenção à saúde, assistência e previdência social, em especial ao portador de
doença de Chagas, garantindo, assim, sua proteção social.
A experiência inicial do trabalho em rede da FINDECHAGAS explicita a
disseminação dos conhecimentos sobre a doença de Chagas, a ampliação da
125
visibilidade dos problemas de saúde pública acarretados pela doença, a necessidade
de
uma
luta
contínua
pelo
acesso
universal
ao
tratamento
integral
e
acompanhamento adequado da doença de Chagas, a ativa participação da
sociedade na proposição ao Estado de políticas sociais.
Dessa forma, a FINDECHAGAS, enquanto rede social, pode ser vista
como “uma estratégia de ação coletiva, baseada numa cultura solidarística,
cooperativa, horizontalizada e mais democrática, para uma nova forma de
organização da sociedade”, conforme preconiza Scherer-Warren (1999, p. 23).
Pode-se afirmar que a FINDECHAGAS tem realizado o desenvolvimento
de sua proposta, mediante trabalho em rede. Conforme aponta Scherer-Warren
(1999), as redes sociais são estratégias fundamentais nesta era da globalização e
das novas tecnologias, não para adaptar os sujeitos ou para ocupar o lugar do
Estado, que não responde às expressões da questão social, mas são entendidas
como uma das formas potenciais de arregimentar forças coletivas diante do
capitalismo globalizado, potencializando as lutas dos trabalhadores em todo o
mundo.
A FINDECHAGAS, enquanto rede social em construção, expressa o
pensamento de Scherer-Warren (2006) de que a nova sociedade civil organizada,
consciente e participativa, tende a ser uma sociedade de redes organizacionais de
redes interorganizacionais e de redes de movimento e de formação de parcerias
entre as esferas públicas e privadas, criando novos espaços de governança com o
crescimento da participação cidadã.
Desse modo, as redes de mobilizações sociais possibilitam a transposição
de fronteiras territoriais, articulando as ações locais às regionais, nacionais e
transnacionais; temporais, lutando pela indivisibilidade de direitos humanos de
diversas gerações históricas de suas respectivas plataformas; sociais, em seu
sentido amplo, compreendendo o pluralismo de concepções de mundo dentro de
determinados limites éticos, o respeito às diferenças e à radicalização da democracia
por meio do aprofundamento da autonomia relativa da sociedade civil organizada.
126
Dessa
maneira,
o
processo
organizativo
e
participativo
da
FINDECHAGAS, baseado nas associações de doença de Chagas, prossegue e
desenvolve em seus participantes laços significativos de afetividade e solidariedade
que marcam seu protagonismo.
O protagonismo em construção da FINDECHAGAS pela ação coletiva,
organizada e participada das associações de doença de Chagas, possibilita a
viabilização de uma rede de relações que se sustenta, paralelamente com os laços
afetivos, em trocas recíprocas de vivências e busca de soluções comuns.
As aproximações interpretativas aqui realizadas sobre as experiências das
associações nacionais e internacionais da doença de Chagas e da FINDECHAGAS
permitem afirmar que a ação estratégica democrática e participativa dos dirigentes e
associados possibilita uma nova visão e compreensão da doença de Chagas nos
âmbitos nacional e internacional, buscando que esta não seja mais considerada uma
doença negligenciada.
Concluindo, pode-se ressaltar que o processo associativo da doença de
Chagas no âmbito nacional e internacional, em termos de trabalho em rede,
protagonizado
pela
FINDECHAGAS,
revela
uma
competência
que
vai
se
configurando em torno do compromisso de luta permanente de seus membros pelo
direito de acesso à saúde, pela qualidade dos serviços públicos oferecidos em prol
dos portadores da doença de Chagas e da sociedade em geral e pela contribuição ao
aprofundamento da democracia participativa e da cidadania ativa em um mundo em
rápida e contínua transformação econômica, social, política, cultural e ambiental.
127
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A título de síntese, o tema desta tese tem sua origem histórica tanto no
Brasil quanto no plano internacional. No Brasil, sua gênese relaciona-se desde o
MRS até a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a construção do SUS,
entre 1986 e 1990. No plano internacional, a partir da década de 1980, acentua-se o
processo de globalização e o desenvolvimento acelerado da eletrônica, da
informática e dos meios de comunicação de massa. No Brasil e no plano
internacional, há, em consequência, grandes e profundas transformações nas áreas
social, econômica, cultural, política e de imigração com hegemonia do capitalismo
global neoliberal e das lutas pelo processo de democratização dos países sob
ditaduras, principalmente da América do Sul.
Foi nesse contexto que, a partir da sociedade civil, surgiram os
movimentos sociais, o associativismo civil, as redes sociais pela democratização,
participação social e construção de uma cidadania ativa para a proposição e
efetivação de políticas sociais ao Estado, com ênfase inicial na saúde, definida
constitucionalmente como um direito social com a assistência social e a previdência
social, formando a seguridade social.
Para a compreensão desse contexto, examinou-se a produção acadêmica
e bibliográfica das Ciências Sociais, com destaque para a Sociologia Brasileira
Contemporânea, bem como para a produção do Serviço Social, especialmente na
área da Saúde. Em relação às Ciências da Saúde, fundamentou-se o estudo da
doença de Chagas em autores/pesquisadores brasileiros, bem como em documentos
históricos/institucionais.
Com base nesses elementos, foi possível uma aproximação objetiva ao
tema, ou seja, a trajetória histórica das associações nacionais e internacionais de
doença de Chagas, seu processo e desenvolvimento até a constituição efetiva da
FINDECHAGAS, enquanto trabalho em rede global para o enfrentamento da doença
de Chagas, tendo em vista a concretização do direito à saúde no Brasil e nos países
das Américas, Europa e Austrália.
128
A pesquisa em questão teve sua hipótese confirmada à resposta
norteadora, isto é, as associações de doença de Chagas nacionais e internacionais,
enquanto rede nacional e internacional - FINDECHAGAS - constituem-se em
estratégia democrática ao dar crescente visibilidade à doença de Chagas como um
problema de saúde pública e oportuniza aos seus membros possibilidades de
participação ativa e coletiva, com vistas à efetividade de assistência integral a essa
doença e às melhores condições de vida e saúde de seus portadores.
A partir desses resultados, as aproximações interpretativas sobre as
experiências das associações nacionais e internacionais de doença de Chagas,
enquanto rede global - FINDECHAGAS - permitem destacar que, embora idealizada
em 2009 e constituída oficialmente em 2013, portanto, ainda dando seus primeiros
passos, já apresenta avanços significativos, bem como dificuldades, limites e
desafios, nos quais seus dirigentes e membros se empenham comprometidamente,
individual e coletivamente, para solucioná-los.
Trata-se de uma experiência inovadora e promissora, tanto no nível das
associações de cada país associado quanto no nível da FINDECHAGAS, enquanto
instituição/rede internacional que dá crescentemente visibilidade à doença de
Chagas, até então pouco relevante para os centros de pesquisa científica, para o
tratamento especializado de seus portadores, para as políticas públicas no controle e
prevenção da doença.
Vale ressaltar, porém, que o Brasil foi o pioneiro no descobrimento da
doença, pelo médico sanitarista Carlos Chagas, em 1909, bem como o criador da
primeira associação da doença de Chagas, a Associação dos Portadores de Doença
de Chagas, Insuficiência Cardíaca e Miocardiopatia (APDCIM), em Recife, em 1987,
seguida da ACHAGRASP, em 1999, e da ACCAMP, em 2000.
Com a criação dessas primeiras associações, os doentes de Chagas
passaram a ser sujeitos protagonistas participantes das questões referentes não
só ao processo de seu tratamento, como dos problemas de saúde em geral.
As associações internacionais, a partir da Espanha, em 2002, surgiram
com o processo de imigração de doentes de Chagas brasileiros e latino-americanos,
129
tendo em vista a necessidade da criação de uma assistência especializada, até então
inexistente, e o estímulo à participação e à maior inserção dos doentes na vida social
e política das suas cidades-sede.
É possível considerar que essas associações internacionais, apoiadas e
incentivadas pela OMS, MSF e DNDi, passam a reconhecer a doença de Chagas
como uma questão de saúde pública mundial.
O trabalho em rede da FINDECHAGAS demonstra e confirma,
progressivamente, essa dimensão mundial da doença de Chagas, bem como articula
as lutas para efetividade do direito à saúde.
Nesse sentido, pode-se assinalar que, embora o reconhecimento da
dimensão mundial da doença de Chagas signifique um avanço relevante, no tocante
à perspectiva da efetividade do direito à saúde, o trabalho em rede pela
FINDECHAGAS exige contínua articulação e participação nos níveis nacional,
regional e local, tendo em vista que o portador de doença de Chagas mora e vive em
um município. Daí que a integração entre o local/global e global/local constitui um
núcleo desafiador para as relações sociais no processo da globalização
contemporânea.
Essa interação requer que cada associação membro da FINDECHAGAS,
no trabalho em rede, busque melhor qualificação técnico-político-administrativa de
todos os participantes para que suas ações tenham convergência e força de união e
para promover transformações necessárias à concretização do direito à saúde.
Cabe dizer ainda que, para o aprofundamento do tema aqui pesquisado,
outros estudos se fazem necessários, a exemplo da questão da dinâmica do trabalho
em
rede
de
cada
associação
constituinte
da
FINDECHAGAS
com
suas
particularidades, possibilidades e formas de compartilhamento de experiências.
No que se refere ao Serviço Social, sua presença e ação na
FINDECHAGAS é, na atualidade, restrita a associações brasileiras, realizando
capacitações, assessorias e outras ações para que se constituam e se consolidem
enquanto sujeitos coletivos e políticos que lutam por uma sociedade democrática,
justa e solidária.
130
A expansão da atuação profissional dos assistentes sociais em
associações internacionais de doença de Chagas é, assim, uma aspiração e um
desafio, tendo em vista que, com os demais profissionais, a proposta da
FINDECHAGAS certamente terá condições mais adequadas para alcançar e
desenvolver seus objetivos.
O importante, como diz Paulo Freire, é que “[...] ninguém caminha sem
aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, sem aprender a
refazer e retocar o sonho por causa do qual a gente se pôs a caminhar” (1992, p.
155).
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147
APÊNDICE
148
FORMULÁRIO PARA OS DIRIGENTES DAS ASSOCIAÇÕES, PROFISSIONAIS DE
SAÚDE, DOENTES DE CHAGAS ASSOCIADOS.
Exponha sua percepção sobre os seguintes tópicos:
1. A associação que você participa e representa.
2. O papel da Associação de Doença de Chagas.
3. As situações mais frequentes enfrentadas pela associação de doença de Chagas
na sua cidade, no seu estado e no seu país.
4. As ações e estratégias utilizadas pela sua associação na busca da efetivar o direito
de acesso à saúde.
5. O que tem favorecido e /ou conseguido as associações de Doença de Chagas no
intercâmbio entre as associações e no estabelecimento do trabalho em rede com
todas as associações para a efetivação do direito de acesso à saúde.
149
Relatório
7 de dezembro de 2011 – Visita ao Instituto Catalão de Saúde e Unidade de
Medicina Tropical de Saúde Internacional Drassanes em Barcelona, Espanha,
previamente agendada com a secretaria e agente de saúde Estefa Choque, onde
entrevistamos a presidente da ASAPECHA Barcelona, Giovana Moleira, o médico Dr.
Jordi Gómez i Prat e a enfermeira Isabel Claveria Guiu. O primeiro a nos transmitir
informações foi Dr Jordi Gómez i Prat, médico especialista em doenças tropicais,
título obtido pela Fundação Osvaldo Cruz-FIOCRUZ, no Rio de Janeiro, onde
estudou e morou durante 5 anos.
Ele nos informa que o Instituto Catalão de Saúde e Unidade de Medicina Tropical de
Saúde
Internacional
Drassanes
em
Barcelona
fez
um
trabalho
de
treinamento/orientação com os médicos clínicos gerais, das Unidades de Saúde da
Espanha, sobre a detecção, diagnóstico e tratamento da doença de Chagas
principalmente com os usuários latinos, procedentes de regiões endêmicas da
América do Sul.
O Instituto Catalão de Saúde e Unidade de Medicina Tropical de Saúde Internacional
Drassanes em Barcelona tem em seu quadro de funcionários 7 médicos, 7
enfermeiros efetivos e 8 Agentes de Saúde, de várias nacionalidades (Bolívia, África,
Paquistão, etc.), com contrato de trabalho mantido pelo próprio Instituto, com verbas
advindas pelos vários projetos desenvolvidos com doentes de Chagas. A
característica principal do trabalho de Agente de Saúde é ser mediador entre a
comunidade de latinos e os serviços de saúde.
Giovana, atual presidente da ASAPECHA Barcelona doente de Chagas, natural de
Cochabamba, Bolívia, onde trabalhava no campo, veio para a Espanha à procura de
melhores condições de vida, saúde e trabalho. Na Espanha foi morar próxima a
Comunidade Boliviana, onde é realizado um trabalho de aproximação, realizado
pelos Agentes de Saúde com os migrantes latinos, para informações e orientações
sobre doenças, como e onde procurar assistência médica. Ela refere que a maior
preocupação dos migrantes latinos é com relação aos filhos e outros familiares que
ficaram no país de origem ao saber que estes não têm acesso aos recursos de saúde
e tratamento da doença de Chagas, como tem na Espanha. Quanto à resistência ao
controle e tratamento da doença nos serviços de saúde na Espanha, alguns
migrantes resistem, porque sabem que a doença não tem cura e, assim, esperam os
150
sinais e sintomas da doença aparecerem no organismo e também porque estão mais
preocupados em garantir seu posto de trabalho, ainda mais agora com a crise
econômica e social que abala os países da zona do euro.
A Asociación de Amigos de las Personas Con La enfermedad de Chagas –
ASAPECHA de Barcelona nasceu pela mobilização e organização dos migrantes
latinos, em sua maior parte constituída por bolivianos que são assistidos nos serviços
de saúde espanhóis.
A ASAPECHA tem algumas características que unem e mobilizam a comunidade
latina na Espanha, como a criação de um time de futebol com migrantes latinos,
estratégias
de
acesso
da
comunidade
latina
aos
serviços
de
saúde,
a detecção das necessidades das pessoas com a doença de Chagas, intervenções
em caráter individual por parte do agente comunitário de saúde para informar,
acompanhar,
localizar
as
pessoas
com
doença
de
Chagas
e mediar questões que impedem a permanência e/ou acesso ao tratamento do
migrante doente. As novas linhas de trabalho da ASAPECHA de Barcelona são:
fortalecer e ampliar os laços com as outras ASAPECHA na Espanha, continuar
levantando
outras
comunidades
da
América
Latina,
procurar inscrever novos associados e trabalhar em rede com outras associações.
151
ANEXOS
152
Carta de Olinda
Manifesto de Olinda
Em Uberaba, do dia 19 a 20 de outubro de 2009, após haver sido analisadas as
questões que dizem respeito à Doença de Chagas em nível global, continental,
regional e local, por meio de cada associação presente ao primeiro encontro –
Associação dos Chagásicos de Grande São Paulo (São Paulo, Brasil); Asociación de
Amigos de las Personas con la Enfermedad de Chagas (Valencia e Barcelona,
Espanha); Associação dos Chagásicos de Campinas e Região (Campinas, Brasil);
Associação de Portadores de Doença de Chagas e Insuficiência Cardíaca (Recife,
Brasil); Fundación Amigos con Chagas (Venezuela) – subescrevemos por
unanimidade que,
Ratificando na Segunda Reunião ocorrida em Olinda de 4 ao 6 de outubro de 2010,
com a presença das associações Chagas Disease Alliance (Argentina); Asociación
de Amigos de las Personas con la Enfermedad de Chagas (Valencia, Barcelona e
Murcia, Espanha); Fundación de enfermos de Chagas por la vida (Colombia);
Fundación Unidos contra el Chagas (Venezuela); Corazones Unidos por el Chagas
(Cochabamba, Bolívia); Asociación de Lucha contra el Chagas (Aiquile, Bolívia);
Associação dos Chagásicos de Grande São Paulo (São Paulo, Brasil); Associação
dos Chagásicos de Campinas e Região (Campinas, Brasil); Associação de
Portadores de Doença de Chagas e Insuficiência Cardíaca (Recife Brasil); Fundación
Amigos con Chagas (FUNDACHAGAS, Venezuela) emitimos o presente manifesto
afirmando que,
Por meio da formação de uma Federação Internacional de Pessoas Afetadas pela
Doença de Chagas, abordamos este complexo problema de uma forma integral,
interpretando
as
realidades
das
pessoas
afetadas
por
esta
enfermidade.
Considerando a multiplicidade e complexidade destas realidades, estes são os
princípios que guiam nosso trabalho de solidariedade e luta coletiva em favor das
pessoas afetadas pela doença de Chagas.
Formamos um grupo de pessoas que convivem diariamente com a doença de
Chagas. Somos pessoas, familiares e amigos afetados pela doença de Chagas;
153
somos equipes que atuam diretamente com as pessoas afetadas por ela. Buscamos
incluir nesta rede o maior número possível de pessoas sensibilizadas e afetadas pela
enfermidade para poder garantir nossa identidade e voz. Independente de origem e
condição social, afirmamos que somos todos indivíduos com direitos e deveres diante
do cotidiano social, e nenhum esforço será em vão para garantir o respeito a estes
direitos.
Reconhecemos a informação, educação e comunicação como ferramentas
essenciais para aumentar o conhecimento e combater estigmas e a indiferença
e garantir os direitos das pessoas. Informar, educar e comunicar sobre os meios
de transmissão é tão importante quanto às orientações acerca de diagnóstico,
tratamento e acompanhamento, assim como a compreensão de qualidade de vida em
sua totalidade.
Urgimos a continuidade e o fortalecimento das iniciativas de prevenção.
Entendemos que as ações de prevenção são um componente fundamental no
combate à doença. Um comprometimento maior dos Estados e das sociedades será
exposto quando sua atuação contemplar, de maneira sistematizada e contínua, o
controle vetorial, controle de bancos de sangue e serviços de transplante, prevenção
de transmissão oral e vertical, e outras formas de transmissão, e ao mesmo tempo
favorecendo condições dignas e qualidade de vida para as pessoas.
Reivindicamos o acesso universal ao diagnóstico. É preciso que os médicos e
demais profissionais de saúde recebam o treinamento adequado para identificar a
infecção, do ponto de vista clínico e laboratorial, e saber tratá-la profissionalmente e
assessorar adequadamente os afetados. A disponibilidade dos testes nas unidades
de saúde garante o direito de que todos tenham acesso gratuito aos mesmos.
Exigimos o acesso universal ao tratamento e ao acompanhamento adequado
nas diferentes fases da doença. O tratamento integral do paciente e dos afetados
pela doença de Chagas inclui a atuação de especialistas em diversas áreas, como as
esferas social, jurídica, e psicológica. O alto custo de tecnologias e a burocracia não
podem representar uma barreira para o acesso. A Federação pretende denunciar e
buscar soluções coletivas para ultrapassar obstáculos.
154
Incentivamos a realização de pesquisa e desenvolvimento de melhores ferramentas tecnológicas. É preciso priorizar as necessidades de desenvolvimentos
tecnológicos, considerando as particularidades dos contextos onde vivem as pessoas
afetadas. O estabelecimento e fortalecimento de alianças estratégicas com as
instituições que desenvolvem essas tecnologias permitem uma aproximação delas
com as reais necessidades dos afetados pela doença de Chagas. É importante que
essas novas ferramentas apresentem menos efeitos colaterais, possibilitando uma
melhor qualidade de vida.
Somos incondicionais na crença de que a doença de Chagas não é sinônimo de
morte. Precisamos conhecer, enfrentar e difundir os desafios que afetam a pessoa
que convive com a infecção. O ciclo de associação da pobreza e fome com a doença
deve ser quebrado. Afirmamos a capacidade e direito das pessoas a um trabalho
digno e garantias de proteção social, buscando combater a fome, o preconceito e
outros estigmas sociais. Nenhum indivíduo deve ser submetido, sob nenhum
pretexto, a exames de diagnóstico ou ter o resultado de seus exames divulgado e
usado contra si. Nenhuma pessoa deve ser discriminada por ter a doença de Chagas.
A Federação é o caminho para fortalecer a luta coletiva, o controle social e ampliar a
representatividade política para garantir direitos fundamentais e o exercício pleno de
cidadania. Com uma base de solidariedade e compromisso, afirmamos nesta
carta de princípios a constituição de uma rede global de pessoas vivendo com
a Doença de Chagas.
Olinda, 5 de outubro de 2010.
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