Fábio Roque Araújo Rogério Sanches Cunha CRIMES FEDERAIS 4ª edição Revista, ampliada e atualizada 2016 Sanches Cunha-Araujo-Crimes Federais-4ed.indd 3 18/02/2016 09:53:35 Capítulo IV CRIMES FEDERAIS NO CÓDIGO PENAL TÍTULO I DOS CRIMES CONTRA A PESSOA CAPÍTULO VI CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL ~ REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO6 Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1º Nas mesmas penas incorre quem: I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; § 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I – contra criança ou adolescente; II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS29 A doutrina dá ao crime de redução à condição análoga à de escravo o nome de “plágio”, que significa a sujeição de uma pessoa ao poder (domínio) de outra. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948, assim dispõe no seu art. 4.º: “Ninguém será mantido em escravidão ou 29 A Câmara dos Deputados aprovou no ano de 2012 Proposta de Emenda à Constituição, conhecida como PEC do Trabalho Escravo, prevendo a expropriação de terras ou imóveis que utilizem mão de obra em condições análogas à de escravo. A Lei 12.721/13 alterou a Lei no 6.454, de 24 de outubro de 1977, para vedar que pessoa condenada pela exploração de mão de obra escrava seja homenageada na denominação de bens públicos. Sanches Cunha-Araujo-Crimes Federais-4ed.indd 63 18/02/2016 09:53:38 64 CRIMES FEDERAIS – Rogério Sanches Cunha • Fábio Roque Araújo em servidão; a escravidão e o trato dos escravos serão proibidos em todas as suas formas”. A escravidão é uma situação de direito em virtude da qual o homem perde a própria personalidade, tornando-se simplesmente coisa. Sem amparo legal em nosso País, pune-se, aqui, a redução do homem a condição análoga à de um escravo, estado de fato proibido por lei. A Exposição de Motivos (item 51) explica: “No art. 149, é prevista uma entidade criminal ignorada do Código vigente: o fato de reduzir alguém, por qualquer meio, à condição análoga à de escravo, isto é, suprimir-lhe, de fato, o status libertatis, sujeitando-o o agente ao seu completo e discricionário poder”. Sobre o assunto, ensina Noronha: “Reduzir alguém a condição análoga à de escravo é, pois, suprimir-lhe o direito individual da liberdade, ficando ele inteiramente submetido ao domínio de outrem. O objeto jurídico não é outro senão o interesse do Estado em proteger essa liberdade, relacionada ao status libertatis, ofendido por ações, como já se disse, que o suprimem como fato.”30. Classificado expressamente pelo Código como crime contra a liberdade individual, de quem é competência para o seu processo e julgamento? Sempre prevaleceu (na doutrina e na jurisprudência) que, em regra, a competência é da Justiça Estadual (e não Federal), salvo no caso em que a denúncia postula a condenação pelo art. 149, juntamente com um dos crimes contra a organização do trabalho. Contudo, é cada vez mais crescente corrente defendendo a competência federal, argumentando, em resumo, que o crime viola a organização do trabalho (e, subsidiariamente, a liberdade individual do homem). Com o devido respeito, esta segunda posição não nos parece correta. Vejamos. Defender a competência (absoluta) da Justiça Federal para o processo e julgamento do crime do art. 149 é desconsiderar: (a) a posição topográfica do delito, que não deixa dúvidas quanto ao bem jurídico diretamente protegido (a liberdade do homem); (b) a exposição de motivos (fonte de interpretação), que expressamente enuncia o crime como espécie dos delitos contra a liberdade individual; (c) mesmo que se entendesse contra a organização do trabalho, é sabido competir à Justiça Federal processar e julgar essa espécie de crime somente quando tenha por objeto a organização geral do trabalho ou direitos dos trabalhadores considerados coletivamente (nesse sentido, Alice Bianchini, Reforma criminal: comentários à Lei 10.803/2003, p. 361). No julgamento do RE 398.041/PA, o STF considerou, por maioria, que “Quaisquer condutas que possam ser tidas como violadoras não somente do siste30 Direito Penal, v. 2, p. 164 Sanches Cunha-Araujo-Crimes Federais-4ed.indd 64 18/02/2016 09:53:38 Cap. IV • CRIMES FEDERAIS NO CÓDIGO PENAL 65 ma de órgãos e instituições com atribuições para proteger os direitos e deveres dos trabalhadores, mas também dos próprios trabalhadores, atingindo-os em esferas que lhes são mais caras, em que a Constituição lhes confere proteção máxima, são enquadráveis na categoria dos crimes contra a organização do trabalho, se praticadas no contexto das relações de trabalho. Nesses casos, a prática do crime prevista no art. 149 do Código Penal (Redução à condição análoga a de escravo) se caracteriza como crime contra a organização do trabalho, de modo a atrair a competência da Justiça federal (art. 109, VI da Constituição) para processá-lo e julgá-lo.” Nesta ocasião, contudo, três ministros consideraram que a análise da competência (se estadual ou federal) deve recair sobre a abrangência da lesão ao bem jurídico tutelado. Dentro desse espírito, entendeu-se que a competência federal, fixada pelo art. 109, inciso VI, da Constituição, deve incidir apenas naqueles casos em que esteja patente a ofensa a princípios básicos sobre os quais se estrutura o trabalho em todo o país. Quer isto dizer que, abstratamente, não se pode considerar a redução à condição análoga à de escravo como crime que atinge a organização do trabalho. Assim, nos casos, por exemplo, em que apenas um trabalhador é atingido pela conduta do agente, não há ofensa à organização do trabalho, senão à sua liberdade individual, competindo à justiça estadual a apreciação da causa. O Tribunal reiterou este entendimento ao julgar o RE 541.627/PA e o RE 459.510/MT, este em decisão de 26/11/2015. Em virtude da pena cominada, nenhum dos benefícios da Lei 9.099/95 é admitido. 2. SUJEITOS DO CRIME Sujeito ativo do delito pode ser qualquer pessoa, independentemente de qualidades e condições especiais (crime comum). O mesmo se deve dizer quanto ao sujeito passivo.31 O § 2º traz causas de aumento para os casos em que o crime é cometido contra criança ou adolescente ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. 3. CONDUTA O que o tipo pune é a escravização, de fato, da criatura humana, tornando-a submissa, reduzindo-a a condição de servo ou desfrutá-la como tal. Trata-se de sujeição de uma pessoa ao domínio da outra, como se fosse um escravo. 31 ROGÉRIO GRECO atento às alterações introduzidas pela Lei 10.803/2003, discorda e explica: “Após a nova redação do art. 149 do Código Penal, levada a efeito pela Lei 10.803, de 11 de dezembro de 2003, foram delimitados os sujeitos ativo e passivo do delito em estudo, devendo, agora, segundo entendemos, existir entre eles relação de trabalho. Assim, sujeito ativo será o empregador que utiliza a mão de obra escrava. Sujeito passivo, a seu turno, será o empregado que se encontra numa condição análoga à de escravo” (Curso de Direito Penal: parte especial, v. 2, p. 518). Sanches Cunha-Araujo-Crimes Federais-4ed.indd 65 18/02/2016 09:53:38 66 CRIMES FEDERAIS – Rogério Sanches Cunha • Fábio Roque Araújo Sempre se ensinou ser o crime de ação livre, cuja existência dependia da análise do caso concreto, isto é, ao juiz cabia decidir, diante das circunstâncias postas, se a vítima foi ou não tratada como escravo. Entretanto, com o advento da Lei 10.803/2003, foram enumerados taxativamente quais comportamentos caracterizam o delito, tornando-o de forma vinculada, só podendo ser praticado por meio das seguintes condutas detalhadas: 1 – submeter a vítima a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva (caput); 2 – sujeitá-la a condições degradantes de trabalho (caput); 3 – restringir, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto (caput); 4 – cercear o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho (§ 1.º, I); 5 – manter vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apoderar de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho (§ 1.º, II). Assim, o indivíduo que, em uma fazenda, é tratado como os antigos escravos (estando impedido de deixá-la, não recebendo salários etc.), acha-se em situação análoga a destes. Caso o meio lançado para a submissão do sujeito passivo seja o sequestro, ficará este crime (art. 148) absorvido pelo 149 do CP. Praticando o agente mais de uma dessas condutas, em face da mesma vítima, haverá um único crime (princípio da alternatividade), servindo as várias ações criminosas, no entanto, na dosagem da pena (art. 59 do CP). Para a configuração do delito não se faz necessária a prática de maus-tratos ou sofrimentos ao sujeito passivo (nesse sentido ver RJTJSP 39/286 e 39/386). No crime em estudo, salienta a doutrina que a liberdade da vítima é inalienável, comovida pelo grau de submissão (domínio) a que fica sujeito o “trabalhador”, de nada representando o seu consentimento. Luiz Regis Prado explica: “O consentimento do ofendido é irrelevante. Não há a exclusão do delito se o próprio sujeito passivo concorda com a inteira supressão de sua liberdade pessoal, já que isso importaria em anulação da personalidade. Somente seria cabível a exclusão da ilicitude da conduta se fosse o sujeito passivo o único titular do bem jurídico protegido e se pudesse livremente dele dispor. E isso não ocorre no delito em exame, já que o Direito não confere preferência à liberdade de atuação da vontade ante o desvalor da ação e do resultado da lesão ao bem jurídico. O estado de liberdade integra a personalidade do ser humano e a ordem jurídica não admite sua completa alienação”32. 32 Tratado de Direito Penal Brasileiro, v. 4, p. 360. Sanches Cunha-Araujo-Crimes Federais-4ed.indd 66 18/02/2016 09:53:38 Cap. IV • CRIMES FEDERAIS NO CÓDIGO PENAL 67 4. VOLUNTARIEDADE O crime é exclusivamente doloso, consistente na vontade consciente de realizar a figura delituosa, é dizer, de reduzir alguém ao estado previsto na lei, suprimindo a vontade de fato da vítima. O § 1.º, I e II, traz a expressão “com o fim de retê-lo no local de trabalho”, que configura um elemento subjetivo do tipo. O § 2.º, em seu inciso II, traz outro elemento subjetivo, quando determina o aumento de pena por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. Não admite forma culposa. Recrutar trabalhadores, mediante fraude (ex.: promessa enganosa de altos salários), com o fim de levá-los para território estrangeiro caracteriza o delito do art. 206 do CP. Aliciar (seduzir) trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional, se enquadra no disposto no art. 207 do CP. Nos dois casos a vontade do agente não é tornar o empregado seu servo, mas, sim, recrutar trabalhadores visando a emigração ou migração. 5. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA Consuma-se o delito quando o indivíduo é reduzido à condição análoga à de escravo, através da prática de alguma das condutas previstas, dispensando-se, como já dito, o sofrimento da vítima. Trata-se de crime permanente (a consumação protrai-se no tempo), perdurando o delito enquanto houver a prática cerceadora da liberdade. A tentativa é perfeitamente possível em qualquer das figuras descritas no tipo. Pode configurar-se quando o agente, embora tenha empregado os meios necessários à subjugação da vítima a seus poderes, não logra êxito em compeli-la por circunstâncias alheias à sua vontade. 6. MAJORANTE DE PENA O § 2.º aumenta a pena de metade se o crime é cometido: I) contra criança ou adolescente, isto é, pessoa até os dezoito anos incompletos; II) por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. 7. AÇÃO PENAL Trata-se de crime de ação penal pública incondicionada, não dependendo de qualquer pedido-autorização da vítima ou de seu representante legal. Sanches Cunha-Araujo-Crimes Federais-4ed.indd 67 18/02/2016 09:53:38 68 CRIMES FEDERAIS – Rogério Sanches Cunha • Fábio Roque Araújo 8. JURISPRUDÊNCIA 8.1. Supremo Tribunal Federal ▶ DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 149 DO CÓDIGO PENAL. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. TRABALHO ESCRAVO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DIREITOS FUNDAMENTAIS. CRIME CONTRA A COLETIVIDADE DOS TRABALHADORES. ART. 109, VI DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. A Constituição de 1988 traz um robusto conjunto normativo que visa à proteção e efetivação dos direitos fundamentais do ser humano. A existência de trabalhadores a laborar sob escolta, alguns acorrentados, em situação de total violação da liberdade e da autodeterminação de cada um, configura crime contra a organização do trabalho. Quaisquer condutas que possam ser tidas como violadoras não somente do sistema de órgãos e instituições com atribuições para proteger os direitos e deveres dos trabalhadores, mas também dos próprios trabalhadores, atingindo-os em esferas que lhes são mais caras, em que a Constituição lhes confere proteção máxima, são enquadráveis na categoria dos crimes contra a organização do trabalho, se praticadas no contexto das relações de trabalho. Nesses casos, a prática do crime prevista no art. 149 do Código Penal (Redução à condição análoga a de escravo) se caracteriza como crime contra a organização do trabalho, de modo a atrair a competência da Justiça Federal (art. 109, VI da Constituição) para processá-lo e julgá-lo. Recurso extraordinário conhecido e provido.” Cumpre ressaltar, por necessário, que esse entendimento vem sendo observado em sucessivos julgamentos, proferidos no âmbito desta Corte, a propósito de questão essencialmente idêntica à que ora se examina nesta sede recursal (RE 466.429/TO, Rel. Min. AYRES BRITTO -RE 480.139/PA, Rel. Min. GILMAR MENDES -RE 538.541/PA, Rel. Min. EROS GRAU -RE 543.249/ PA, Rel. Min. GILMAR MENDES, v.g.). O exame da presente causa evidencia que o acórdão impugnado em sede recursal extraordinária ajusta-se à diretriz jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou na matéria em referência. Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, conheço dos presentes agravos, para negar seguimento aos recursos extraordinários, eis que o acórdão recorrido está em harmonia com diretriz jurisprudencial prevalecente nesta Suprema Corte (CPC, art. 544, § 4º, II, “b”, na redação dada pela Lei nº 12.322/2010).(696763 TO , Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 09/08/2012, Data de Publicação: DJe-164 DIVULG 20/08/2012 PUBLIC 21/08/2012) ▶ FOI PROPOSTA DENÚNCIA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL POR DIVERSOS CRIMES, INCLUINDO O CRIME DE REDUÇÃO DE TRABALHADOR À CONDIÇÃO ANÁLOGA DE ESCRAVO (ART. 149 DO CÓDIGO PENAL), CONTRA AS PESSOAS DE IOLANDES BANNACH E CHICO GORDO. O Juízo de primeiro grau declarou a incompetência da Justiça Federal para todos os crimes, salvo para o crime de sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A do Código Penal). Contra essa decisão foi interposto recurso em sentido estrito pelo Ministério Público, ao qual foi negado provimento pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (fl. 76). Contra esta decisão, foram interpostos recursos especial e extraordinário. O especial não foi admitido (fls. 127-129). O extraordinário foi admitido parcialmente e provido por decisão monocrática da eminente Ministra Ellen Gracie (fls. 134-136), afirmando a competência da Justiça Federal para os crimes dos artigos 132, 135, 149, 203, 207, § 1º, e 297, § 4º, do Código Penal. O Recorrido Iolandes Bannach foi intimado por carta do julgado, não tendo recorrido (fl. 140). Já o Recorrido Chico Gordo não foi encontrado na intimação por carta (fl. 143). Vieram os autos conclusos com a última informação. Observo que o Recorrido, Chico Gordo, jamais foi encontrado para intimação pessoal ou por carta das decisões proferidas no processo e não conta com defensor constituído ou nomeado nesses autos (fl. 42, 50 e 110). Encontra-se, portanto, desde o início em local incerto e não sabido. Cumpre devolver os autos a origem para que retomem seu curso. Lá poderão ser feitas diligências para localizá-lo, propiciando sua citação e intimação pessoal e o posterior exercício da ampla defesa. Se não for encontrado, caberá a citação editalícia e eventual suspensão do processo nos termos do art. 366 do Código de Processo Penal. Tratando-se aqui de decisão apenas relativa à competência, ainda na fase inicial do processo, o fato do Recorrido não ter sido intimado pessoalmente, pela inviabilidade prática, não gera qualquer consequência. Sanches Cunha-Araujo-Crimes Federais-4ed.indd 68 18/02/2016 09:53:38 Cap. IV • CRIMES FEDERAIS NO CÓDIGO PENAL 69 Assim, certifique-se o trânsito em julgado da decisão de fls. 134-136 e devolvam-se os autos à origem para prosseguimento do processo. (636778 PA , Relator: Min. ROSA WEBER, Data de Julgamento: 24/05/2012, Data de Publicação: DJe-116 DIVULG 14/06/2012 PUBLIC 15/06/2012) 8.2. Superior Tribunal de Justiça ▶ RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TORTURA, CONSTRANGIMENTO ILEGAL, SEQUESTRO E CÁRCERE PRIVADO E REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL PARA PROCESSAR E JULGAR O FEITO EM RAZÃO DO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 149 DO CÓDIGO PENAL. INEXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE QUE O DELITO EM QUESTÃO TERIA AFETADO A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO, TAMPOUCO OS INTERESSES DA UNIÃO. IMPOSSIBILIDADE DE REMESSA DOS AUTOS PARA A JUSTIÇA FEDERAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. 1. Com o advento da Lei 10.803/2003, que alterou o tipo previsto do artigo 149 da Lei Penal, passou-se a entender que o bem jurídico por ele tutelado deixou de ser apenas a liberdade individual, passando a abranger também a organização do trabalho, motivo pelo qual a competência para processá-lo e julgá-lo é, via de regra, da Justiça Federal. Doutrina. Precedentes do STJ. 2. No caso dos autos, da leitura da denúncia verifica-se que não há indícios de que a conduta prevista no artigo 149 do Código Penal tenha atingido interesses da União, ou mesmo caracterizado crime contra a organização do trabalho, afetando unicamente a liberdade individual das vítimas, o que impede a remessa dos autos para a Justiça. Doutrina. Precedente do STF” (58160 SP 2015/0080046-9, Relator: Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO, Data de Julgamento: 06/08/2015, Quinta Turma, Data de Publicação: 18/08/2015). ▶ AGRAVO REGIMENTAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO DA SÚMULA 122, DESTA CORTE. RECURSO DESPROVIDO. I - Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime de redução a condição análoga à de escravo, pois qualquer violação ao homem trabalhador e ao sistema de órgãos e instituições que preservam, coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores enquadra-se na categoria de crime contra a organização do trabalho, desde que praticada no contexto da relação de trabalho. II - Acerca das demais imputações formuladas cuja competência para apuração é da Justiça Estadual, incide o enunciado da Súmula 122, desta Corte. III - A insurgência do agravante traduz mero inconformismo com a declaração de competência da Justiça Federal, o que não pode ensejar o conhecimento do recurso. IV - Agravo regimental desprovido. (105026 MT 2009/0081893-2, Relator: Ministro GILSON DIPP, Data de Julgamento: 09/02/2011, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 17/02/2011 REP DJe 21/02/2011) ▶ CRIMINAL. HABEAS CORPUS. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE. MEDIDA EXCEPCIONAL. INCURSÃO PROBATÓRIA. VIA ELEITA INADEQUADA. CRIME DE AÇÃO MÚLTIPLA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA. I. O trancamento de ação penal por meio de habeas corpus é medida de índole excepcional, somente admitida nas hipóteses em que sede note, de plano, a ausência de justa causa, a inexistência de elementos indiciários demonstrativos da autoria e da materialidade do delito ou, ainda, a presença de alguma causa excludente de punibilidade, o que não se infere na espécie em apreço. II. Se a conduta descrita na denúncia, prima oculi, subsume-se ao tipo descrito no art. 149 do CP, não há que se falar em trancamento da ação penal por atipicidade, devendo ser mantido o trâmite processual para permitir que o Julgador, encerrada a instrução criminal e assegurado aos réus o direito à ampla defesa, forme a sua convicção acerca da materialidade e autoria do delito. Análise mais aprofundada do tema que demandaria aprofundado exame do conjunto fático-probatório dos autos, peculiar ao processo de conhecimento, inviável em sede de habeas corpus, remédio jurídico-processual, de índole constitucional, que tem como escopo resguardar a liberdade de locomoção contra ilegalidade ou abuso de poder, marcado por cognição sumária e rito célere (Precedentes). IV. Nos termos do consignado no acórdão a quo, o crime de redução a condição análoga à de escravo consuma-se com a prática de uma das condutas descritas no art. 149 do CP, sendo desnecessária a Sanches Cunha-Araujo-Crimes Federais-4ed.indd 69 18/02/2016 09:53:38 70 CRIMES FEDERAIS – Rogério Sanches Cunha • Fábio Roque Araújo presença concomitante de todos os elementos do tipo para que ele se aperfeiçoe, por se tratar de crime doutrinariamente classificado como de ação múltipla ou plurinuclear.VI. Ordem denegada, nos termos do voto do Relator. 149CP (239850 PA 2012/0079079-5, Relator: Ministro GILSON DIPP, Data de Julgamento: 14/08/2012, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/08/2012) ▶ HABEAS CORPUS. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. FRUSTRAÇÃO DE DIREITO ASSEGURADO NA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. DENÚNCIA DE TRABALHADORES SUBMETIDOS AO TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO. AÇÃO REALIZADA PELO GRUPO DE FISCALIZAÇÃO MÓVEL EM PROPRIEDADE. ALEGAÇÃO DE ILICITUDE DAS PROVAS COLHIDAS EM FACE DA AUSÊNCIA DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. Compete ao Ministério do Trabalho e do Emprego, bem como a outros órgãos, como a Polícia Federal e o Ministério Público do Trabalho, empreender ações com o objetivo de erradicar o trabalho escravo e degradante, visando a regularização dos vínculos empregatícios dos trabalhadores encontrados e libertando-os da condição de escravidão. 2. Em atenção a esta atribuição, a Consolidação das Leis do Trabalho (artigos 626 a 634), o Regulamento de Inspeção do Trabalho (artigos 9º e 13 a 15), e a Lei 7.998/1990 (artigo 2º-C) franqueiam aos auditores do Ministério do Trabalho e Emprego o acesso aos estabelecimentos a serem fiscalizados, independentemente de mandado judicial. Consolidação das Leis do Trabalho 7.9983. Quanto aos documentos apreendidos e à inquirição de pessoas quando da fiscalização realizada pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel na propriedade em questão, o artigo 18 do Regulamento de Inspeção do Trabalho prevê expressamente a competência dos auditores para assim agirem, inexistindo qualquer ilicitude em tal atuação. 4. Ademais, na hipótese vertente os pacientes foram acusados da prática dos delitos de redução a condição análoga à de escravo, frustração de direito assegurado pela lei trabalhista e falsidade documental, sendo que apenas o relativo à falsificação de documento público é instantâneo, já que os demais, da forma como em tese teriam sido praticados, são permanentes. 5. É dispensável o mandado de busca e apreensão quando se trata de flagrante delito de crime permanente, podendo-se realizar as medidas sem que se fale em ilicitude das provas obtidas (Doutrina e jurisprudência).6. O só fato de os pacientes não terem sido presos em flagrante quando da fiscalização empreendida no estabelecimento não afasta a conclusão acerca da licitude das provas lá colhidas, pois o que legitima a busca e apreensão independentemente de mandado é a natureza permanente dos delitos praticados, o que prolonga a situação de flagrância, e não a segregação, em si, dos supostos autores do crime. Precedente. 7. Ordem denegada. (109966 PA 2008/0143508-0, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 26/08/2010, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/10/2010) ▶ CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA E AO SISTEMA PROTETIVO DE ORGANIZAÇÃO AO TRABALHO. ART. 109, V-A E VI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. O delito de redução a condição análoga à de escravo está inserido nos crimes contra a liberdade pessoal. Contudo, o ilícito não suprime somente o bem jurídico numa perspectiva individual. 2. A conduta ilícita atinge frontalmente o princípio da dignidade da pessoa humana, violando valores basilares ao homem, e ofende todo um sistema de organização do trabalho, bem como as instituições e órgãos que lhe asseguram, que buscam estender o alcance do direito ao labor a todos os trabalhadores, inexistindo, pois, viés de afetação particularizada, mas sim, verdadeiro empreendimento de depauperação humana. Artigo 109, V-A e VI, da Constituição Federal. Constituição Federal 3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 11. ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais/MG, ora suscitante. (113428 MG 2010/0140082-7, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 13/12/2010, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 01/02/2011) 8.3. Tribunal Regional Federal-1ª Região ▶ PENAL. CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. ART. 149, CÓDIGO PENAL. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. JORNADA EXAUSTIVA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. SAFRA PERECÍVEL. SERVIÇO TEMPORÁRIO. IMPRESCINDIBILIDADE DA COLHEITA. DENÚNCIA. REJEIÇÃO. Sanches Cunha-Araujo-Crimes Federais-4ed.indd 70 18/02/2016 09:53:38 Cap. IV • CRIMES FEDERAIS NO CÓDIGO PENAL 71 1. Compete à Justiça Federal o processamento e julgamento de ação penal em que se apuram fatos relacionados à redução à condição análoga à de escravo, por submissão do empregado a situações degradantes de trabalho, bem como de frustração de direito assegurado por lei trabalhista. (Precedente desta Corte) (INQ. 0026823-26.2012.4.01.0000 GO, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ÍTALO FIORAVANTE SABO MENDES, Data de Julgamento: 19/03/2014, SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: 04/07/2014). ▶ PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA. REDUÇÃO DE TRABALHADOR À CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO. COMPETÊNCIA FEDERAL. LITISPENDÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. O Supremo Tribunal Federal fixou o entendimento de que a competência para processar e julgar as ações penais em que se apuram fatos relacionados à redução de condição análoga à de escravo, por submissão do empregado a condições degradantes de trabalho, bem como de frustração de direito assegurado por lei trabalhista é da Justiça Federal. Decisão com base na qual o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo conflitos de competência que se instauram entre juízo federal e estadual. 2. Fixada a competência da Justiça Federal, não há falar-se em litispendência dessa ação com outra ação que tramita na Justiça do Estado, na medida em que a litispendência pressupõe a duplicidade de ações entre juízes com competência concorrente. Havendo ações que tramitam em juízos de competência funcional distinta a hipótese é de arguição de exceção de incompetência, que não é reconhecida neste julgamento. 3. Ordem de habeas corpus denegada. (51704 MT 0051704-38.2010.4.01.0000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL OLINDO MENEZES, Data de Julgamento: 28/08/2012, QUARTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p. 240 de 20/09/2012) ▶ PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO (ARTIGO 149, CP). CRIMES DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO (ARTIGO 297, § 4º). AMBOS DO CÓDIGO PENAL. 1. O conjunto fático-probatório não demonstra suficientemente a tipificação do crime de redução análoga à de escravo. A par das irregularidades trabalhistas encontradas pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel, não se comprovou qualquer submissão a trabalhos forçados, jornadas excessivas de trabalho, ou impedimento à liberdade de locomoção. Quanto às condições degradantes de trabalho, não há, também, demonstração contundente de forma a caracterizar o crime em comento. 2. Apesar de não ter havido o registro do contrato de trabalho na CTPS dos trabalhadores, não restou demonstrado o dolo dos réus em não pagar contribuições previdenciárias aos empregados, até em razão do pouco tempo em que o trabalho estava sendo realizado. 3. Os réus realizaram o pagamento das rescisões trabalhistas, inclusive de contribuições previdenciárias, antes mesmo do recebimento da denúncia. 4. Recurso improvido. (2459 TO 2008.43.00.002459-1, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL MÁRIO CÉSAR RIBEIRO, Data de Julgamento: 23/04/2012, QUARTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p. 477 de 09/05/2012) ▶ PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA. REDUÇÃO DE TRABALHADOR A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. COMPETÊNCIA FEDERAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a competência para processar e julgar as ações penais em que se apuram fatos relacionados à redução de condição análoga à de escravo, por submissão do empregado a condições degradantes de trabalho, bem como de frustração de direito assegurado por lei trabalhista, é da Justiça Federal. 2. A teoria monista do crime, adotada pelo Código de Penal Brasileiro (art. 29 do CP), afasta a pretensão da impetração de desvincular os pacientes, arrendatários da fazenda onde ocorreram os fatos, do enredo fático descrito na denúncia pelo simples fato de não ter agido pessoalmente na suposta submissão dos trabalhadores a condições desumanas, o que, aliás, demonstra ser o modus operandi desse delito contra a liberdade individual. O trancamento de ação penal, pela via mandamental, em face do exame da prova, somente pode ocorrer em casos excepcionais, quando a falta de justa causa - “conjunto de elementos probatórios razoáveis sobre a existência do crime e da autoria” (Vicente Greco Filho) - se mostra visível e induvidosa, em face da prova preconstituída. 4. Denegação da ordem de habeas corpus. (74842 MT 007484234.2010.4.01.0000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL OLINDO MENEZES, Data de Julgamento: 28/08/2012, QUARTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p. 240 de 20/09/2012) Sanches Cunha-Araujo-Crimes Federais-4ed.indd 71 18/02/2016 09:53:38 72 ▶ CRIMES FEDERAIS – Rogério Sanches Cunha • Fábio Roque Araújo PENAL. CRIME CONTRA A LIBERDADE. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO (ART. 149, caput e § 2º, I, DO CP). AUTORIA E MATERIALIDADE NÃO COMPROVADAS. ABSOLVIÇÃO. ART. 297, § 4º, DO CÓDIGO PENAL. FALTA DE REGISTRO OU OMISSÃO EM CARTEIRA DE TRABALHO. 1. O tipo objetivo - sujeitar alguém à vontade do agente, escravizar a pessoa humana - descrito na antiga redação do art. 149 do Código Penal, mesmo depois da publicação da Lei 10.803, de 11.12.2003, continuou o mesmo. A nova Lei 10.803/03, apenas explicitou as hipóteses em que se configuram a condição análoga à de escravo, como, por exemplo, a submissão a trabalhos forçados, a jornada exaustiva, o trabalho em condições degradantes, a restrição da locomoção em razão de dívida com o empregador ou preposto. A nova lei ainda acrescentou formas qualificadas, punindo o crime com o aumento da pena em metade. 149 Código Penal. Prova testemunhal, não confirmada na fase policial nem em juízo, não serve para comprovar a autoria do crime de trabalho escravo. 3. A competência da Justiça Federal para processar e julgar o crime capitulado no art. 297, § 4º, do Código Penal, justifica-se por força da conexão objetiva teleológica e da conexão instrumental ou probatória desse delito com o crime do art. 149 do Código Penal (art. 76, II e III do CPP e Enunciado n. 122 da súmula do STJ). 297§ 4º Código Penal 149 Código Penal. No crime definido no art. 297, § 4º, do Código Penal, o bem a ser tutelado é a fé pública, no que diz respeito à legitimidade de documentos que podem produzir efeito jurídico perante a Previdência Social. O legislador, ao tipificar as condutas descritas no § 4º desse artigo, fê-lo com a especial intenção de punir as condutas atentatórias contra o direito trabalhista, que tivessem reflexo direto na Previdência Social. 297 § 4º Código Penal 5. Inaplicável ao caso a Lei 11.718/08, por ser posterior à data do fato e ter por escopo facilitar a contratação de trabalhadores rurais por pequenos produtores, liberando estes últimos do registro da CTPS. O trabalho eventual sustentado pela defesa dos réus não restou demonstrado. Recursos não providos. (1161 PA 0001161-70.2007.4.01.3901, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL TOURINHO NETO, Data de Julgamento: 23/01/2012, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p. 179 de 17/02/2012) 8.4. Tribunal Regional Federal – 4ª Região ▶ PENAL E PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA. ATOS INSTRUTÓRIOS. RATIFICAÇÃO. INTERROGATÓRIO. VALIDADE. SUSPENSÃO DO PROCESSO. QUESTÃO PREJUDICIAL. INOCORRÊNCIA. CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO. AUTORIA. PROVA. INSUFICIÊNCIA. PRESCRIÇÃO. DELITOS AMBIENTAIS. ARTIGOS 38 E 41 DA LEI 9.605/98. MATERIALIDADE E AUTORIA. PROVA. CONDENAÇÃO. MANUTENÇÃO. 1. Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, compete à Justiça Federal processar e julgar o crime de redução de trabalhador a condição análoga à de escravo, previsto no artigo 149 do Código Penal, estendendo-se a competência aos crimes conexos(TRF4 ACR 0001022-69.2005.404.7211, Sétima Turma, Relator Sebastião Ogê Muniz, D.E. 17/11/2015). ▶ PENAL E PROCESSUAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ART. 149 DO CP. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. CONDIÇÕES DEGRADANTES DE TRABALHO. VALIDADE DA NORMA. FATOS DESCRITOS NA DENÚNCIA. SUPOSTA CONFIGURAÇÃO DO CRIME. IN DUBIO PRO SOCIETATE. ARTS. 41 E 395 DO CPP. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS. RECURSO PROVIDO. 1. Não há se falar em ofensa aos princípios da legalidade ou taxatividade, pois, embora o art. 149 do CP constitua tipo penal aberto, ele apresenta elementos normativos que possibilitam a interpretação segura da expressão “condições degradantes de trabalho”. 2. Dos fatos narrados, infere-se haver fortes indícios de que a situação dos trabalhadores era degradante, notadamente porque ausentes condições mínimas de higiene, moradia, saúde e segurança. Assim e, considerando a irrelevância das condições socioeconômicas e da percepção da vítima sobre a situação, está caracterizado, em tese, o delito previsto no art. 149 do Código Penal. 3. Na fase de recebimento da denúncia, vige o princípio do in dubio pro societate, ou seja, só se admite seu desacolhimento caso haja prova definitiva de inocência. 4. Presentes os requisitos do art. 41 do CPP e, não configurando o caso nenhuma das hipóteses previstas no art. 395 do CPP, impõe-se o recebimento Sanches Cunha-Araujo-Crimes Federais-4ed.indd 72 18/02/2016 09:53:38 Cap. IV • CRIMES FEDERAIS NO CÓDIGO PENAL 73 da peça acusatória. (TRF4, RSE 5000380-79.2012.404.7012, Sétima Turma, Relatora p/ Acórdão Salise Monteiro Sanchotene, D.E. 30/11/2012) ▶ PENAL E PROCESSUAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. OMISSÃO E INSERÇÃO FALSA DE DADOS EM DOCUMENTO PÚBLICO. ART. 297, §§ 3º E 4º DO CÓDIGO PENAL. COMPETÊNCIA. CONEXÃO PROBATÓRIA COM CRIME DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PREVALÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO. ART. 149 DO ESTATUTO REPRESSOR. INDÍCIOS SUFICIENTES DE MATERIALIDADE E AUTORIA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA IN TOTUM. 1. In casu, a conexão probatória (art. 76, inciso II do CPP) entre o crime retratado no art. 297, §§ 3º e 4º do CP e do art. 149 CP, representada pela existência de relação de trabalho em comum, justifica a atribuição da competência federal para processar e julgar o feito. Inteligência da Súmula 122 do Superior Tribunal de Justiça. 2. A rejeição da denúncia, com apoio no art. 395 do CPP, se opera quando for manifestamente inepta, carente de pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal, ou, ainda, se faltar justa causa para o exercício da demanda, hipóteses não configuradas no caso em tela. 3. Autoria indiciária de um dos acusados que decorre seguramente de elementos de prova acostados à denúncia, conduzindo a um juízo de probabilidade sobre a responsabilidade criminal a ele atribuída pela acusação. (TRF4 5000933-14.2012.404.7211, Sétima Turma, Relatora p/ Acórdão Salise Monteiro Sanchotene, D.E. 30/11/2012) ▶ PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. BENS JURÍDICOS TUTELADOS. DIGNIDADE E LIBERDADE DO TRABALHADOR. CONDIÇÕES DEGRADANTES. CRIME CONFIGURADO. FALTA DE ANOTAÇÃO EM CTPS. FALSIDADE DEMONSTRADA. PENA DE MULTA. CONCURSO FORMAL. SOMA DAS SANÇÕES. ATENUANTE GENÉRICA. RECONHECIMENTO. 1. A nova redação do art. 149 do Código Penal, ao discriminar expressamente as ações que configuram o tipo, acabou por proteger dois bens jurídicos distintos, a saber: a dignidade e a liberdade do trabalhador. O primeiro, por meio das condutas trabalho forçado, jornada exaustiva e sujeição a condições degradantes de trabalho e, o segundo, através de restrições à liberdade, seja em razão de dívida contraída, seja por meio do cerceamento de transporte, vigilância ostensiva ou retenção de documentos ou objetos pessoais. Doutrina. 2. Nesse contexto, a demonstração cabal das péssimas condições dos alojamentos e das instalações sanitárias, bem como a falta de equipamentos de proteção individual em número adequado, é suficiente para configurar o delito de redução a condição análoga à de escravo, na modalidade sujeição a condições degradantes de trabalho. 3. A emissão de vales para compra em mercado sem vínculo com o réu e sem demonstração da efetiva restrição da locomoção dos empregados em razão das dívidas contraídas subsume-se, em tese, ao tipo previsto no art. 203, § 1º, I, do Código Penal (frustração de direito assegurado por lei trabalhista). 4. Configura o delito descrito no art. 297, § 4º, do Código Penal, a falta de registro, nas respectivas carteiras de trabalho, dos contratos daqueles que prestavam serviços ao denunciado. 5. No caso de concurso formal, afigura-se imprescindível a fixação de cada uma das penas, notadamente porque as multas são aplicadas distinta e integralmente. Inteligência do art. 72 do Código Penal. 6. A circunstância de o réu ter, logo após a fiscalização, reparado, na forma do possível, o dano causado, seja quitando os débitos trabalhistas, seja firmando Termo de Ajustamento de Conduta, autoriza o reconhecimento da atenuante genérica prevista no art. 66 do Código Penal. (TRF4, ACR 5001045-51.2010.404.7211, Oitava Turma, Relator p/ Acórdão Paulo Afonso Brum Vaz, D.E. 12/09/2012) 8.5. Tribunal Regional Federal – 5ª Região ▶ PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. NULIDADE ABSOLUTA DO PROCESSO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. CONEXÃO. PRELIMINARES REJEITADAS. EXPOSIÇÃO DE EMPREGADOS A CONDIÇÕES DEGRADANTES DE TRABALHO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO À LIBERDADE DO TRABALHADOR. ABSOLVIÇÃO. 1. Considerando que esta ação penal diz respeito ao suposto cometimento do crime de redução a condição análoga à de escravo, previsto no artigo 149, do Código Penal, inserido entre os crimes contra a organização do trabalho, deve ser rejeitada a preliminar de nulidade absoluta do processo, Sanches Cunha-Araujo-Crimes Federais-4ed.indd 73 18/02/2016 09:53:38 74 CRIMES FEDERAIS – Rogério Sanches Cunha • Fábio Roque Araújo já que a Justiça Federal é competente para o seu julgamento, diante do que estabelece o artigo 109, VI, da Carta Magna de 1988. 2. A circunstância do procedimento de fiscalização, na mesma época, ter apurado a existência de condições degradantes de trabalho similares, em um imóvel vizinho, administrado pelo irmão do acusado, não justificava a conexão e o julgamento conjunto com a ação penal respectiva, que era da competência deste Tribunal, em razão da prerrogativa de foro de que gozava o referido irmão. Aliás, naquele caso, a denúncia foi rejeitada pelo Plenário (Inquérito 2282-PE). 3. Para a caracterização do delito em questão, não basta a comprovação da exposição do trabalhador às condições degradantes, sendo imprescindível a demonstração de que a sua liberdade era, direta ou indiretamente, cerceada pelo empregador, mediante o encarceramento em determinado local ou através da retenção de salários e documentos e dos sistemas de “barracões”. 4. Não há, no caso concreto, qualquer prova de que o apelante tenha, em algum momento, apresentado obstáculo ao direito de ir e vir (ou de permanecer submetido às condições degradantes) dos seus empregados. 5. Preliminares rejeitadas. Provimento da apelação. (PROCESSO: 200983000129840, ACR8821/PE, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO (CONVOCADO), Terceira Turma, JULGAMENTO: 11/10/2012, PUBLICAÇÃO: DJE 18/10/2012 - Página 672) ▶ CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PREFEITO. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL COM JURISDIÇÃO SOBRE A UNIDADE DA FEDERAÇÃO ONDE O CARGO COM PRERROGATIVA DE FORO É EXERCIDO. CRIME PREVISTO NO ART. 149 DO CÓDIGO PENAL. CONDIÇÕES DEGRADANTES DE TRABALHO. TRABALHADORES QUE NÃO SE ENCONTRAM SUBJUGADOS À VONTADE DO EMPREGADOR. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO NÃO VERIFICADA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. 1. Denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra o atual Prefeito do Município de Manaíra, Estado da Paraíba, imputando-lhe a autoria do crime previsto no art. 149 do Código Penal (redução a condição análoga à de escravo), praticado no Município de Colméia, Estado de Tocantins. 2. O Plenário deste Tribunal, no julgamento do INQ2282/PE ocorrido em 07/12/2011, ao tratar do assunto à vista do disposto no art. 109, V-A e VI, da CF/1988, sedimentou, mais uma vez, o entendimento sobre a competência da Justiça Federal para o julgamento do delito previsto no art. 149 do CP (redução a condição análoga à de escravo). No mesmo sentido, precedentes do STF (RE nº 398.041) e do STJ (CC nº 113.428, CC nº 65567 e HC nº 103568). 3. Também em Sessão Plenária ocorrida em 28/03/2012, esta Corte, em Incidente de Questão de Ordem nos autos do INQ2382/PB, instaurado contra Secretário de Infraestrutura do Estado da Paraíba para apurar a possível prática dos delitos previstos nos arts. 171, parágrafo 3º, e 299, do CP, consumados no Distrito Federal, decidiu que a competência para o julgamento do processo é do “TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL COM JURISDIÇÃO SOBRE A UNIDADE DA FEDERAÇÃO ONDE O CARGO COM PRERROGATIVA DE FORO É EXERCIDO”. Igualmente nesse sentido, o precedente no STJ firmado nos autos do CC nº 120.848. 4. Para a perfeita compreensão do tipo penal do art. 149 do CP, deve-se, de início, ter a exata idéia de seu objeto jurídico, quer-se dizer, do bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora, pois, como bem lembra Ela Wiecko V. de Castilho (Considerações Sobre a Interpretação Jurídico-Penal em Matéria de Escravidão), “O bem jurídico, além de cumprir uma função sistemático-classificatória, tem uma função exegética, porque auxilia na interpretação das normas jurídico-penais”. 5. A redação originária do crime de redução a condição análoga à de escravo (o “plagium” dos romanos) era extremamente aberta, a ponto de dificultar a punição do delito. 6. A Lei nº 10.803, de 11.12.2003, passou a especificar mais pormenorizadamente quais as ações que configurariam o tipo. 7. À vista do art. 149 do CP, com a redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003, poder-se-ia dizer que o bem da vida protegido pelo tipo previsto no art. 149 do CP, seria “a liberdade da vítima, que se vê, dada a sua redução a condição análoga à de escravo, impedida do seu direito de ir e vir ou mesmo de permanecer onde queira” (GRECO, Rogério Greco. Código penal comentado. Niterói: Impetus, 2008, pag. 567) - seria, então, apenas a liberdade de locomoção propriamente dita, considerada a partir do enquadramento do tipo na Seção I (“Dos Crimes Contra a Liberdade Pessoal”) do Capítulo VI (“Dos Crimes Contra a Liberdade Individual”) do Título I (“Dos Crimes Contra a Pessoa”) da Parte Especial do Código Penal. ▶ 8. Essa é a primeira idéia que vem à mente ao se pensar no crime de plágio: somente se reduz alguém a condição semelhante à de escravo se a vítima tem de alguma forma tolhida a sua liberdade de ir e Sanches Cunha-Araujo-Crimes Federais-4ed.indd 74 18/02/2016 09:53:38 Cap. IV • CRIMES FEDERAIS NO CÓDIGO PENAL 75 vir, não só mediante encarceramento em determinada área, mas também por outros meios indiretos, como a retenção de salários e documentos ou os sistemas de “barracões”. 9. As próprias normas internacionais que objetivam o banimento do trabalho escravo, a exemplo da Convenção 29 da OIT, sempre levaram em conta, direta ou indiretamente, o fator liberdade para fins de definição do que seria trabalho escravo ou a ele equiparado. 10. Contudo, não é esse o entendimento que se vem firmando na doutrina e na jurisprudência, segundo as quais “o trabalho em condições análogas à de escravo deve ser considerado gênero, do qual o trabalho forçado e o trabalho em condições degradantes são espécies” (MACHADO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho com Redução do Homem à Condição Análoga à de Escravo e Dignidade da Pessoa Humana), incluída na segunda delas a jornada exaustiva. Assim, para o autor, “Não é somente a falta de liberdade de ir e vir, o trabalho forçado, então, que agora caracteriza o trabalho em condições análogas à de escravo, mas também o trabalho sem as mínimas condições de dignidade”. Enquadram-se, também, na espécie “trabalho forçado”, as formas de redução a condição análoga à de escravo por assimilação contempladas nos incisos I e II do parágrafo 1º do art. 149 do CP. 11. Assim, o legislador de 2003, ao especificar as ações que configuram o tipo de plágio, aparentemente, foi mais além do que dispõem as convenções internacionais sobre o tema, acrescentando também o TRABALHO EM CONDIÇÕES DEGRADANTES, ao lado do TRABALHO FORÇADO. 12. E para a caracterização do delito de plágio, sob a modalidade “trabalho em condições degradantes”, não seria necessária a restrição à liberdade de movimento da vítima, sendo suficiente a privação de outras liberdades, notadamente ligadas aos seus direitos personalíssimos e à sua dignidade. 13. O elemento “dignidade”, portanto, parece definitivamente ter sido incorporado na exegese do art. 149 do CP, não somente pela doutrina, mas também pela jurisprudência (STJ - CC nº 113.428/ MG; TRF 1ª Região - HC nº 200901000770878; TRF 3ª Região - ACR nº 16940). 14. O problema reside em saber quando ocorreria o trabalho em condições de afronta à dignidade da pessoa do trabalhador, a ponto de caracterizar o crime de plágio. A solução é encontrada na situação em que se retirasse dele o direito de escolha, com a sua plena submissão à vontade do empregador que, em razão de seu poderio, dispensasse àquele o tratamento que se dá a outros seres ou objetos. É o que a doutrina chama de “coisificação”, ou seja, “reduzir o seu igual à condição de coisa” (SOUZA, Tércio Roberto Peixoto. O Crime de “Redução à Condição Análoga de Escravo” e o Cumprimento de Direitos Trabalhistas), pois, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), “O controle abusivo de um ser humano sobre outro é a antítese do trabalho decente”. 15. O crime do art. 149 do CP somente pode ocorrer quando presente uma relação de trabalho entre o agente e a vítima, e a sua consumação dá-se no exato momento em que o primeiro suprime, de fato, o status libertatis do segundo, sujeitando-o “ao seu completo e discricionário poder” (CUNHA, Rogério Sanches. Código penal para concursos. 4 ed. Salvador: JusPodivm, 2011, pág. 277), não somente com a privação da liberdade de ir e vir, mas, também, pela supressão do poder de decisão espontânea sobre a aceitação ou permanência no trabalho e sobre as próprias condições em que o trabalho é prestado. 16. O denunciado é o proprietário da Fazenda Palac e então responsável por 22 trabalhadores que se dedicavam à atividade de roço de pasto e aplicação de agrotóxicos. 17. É fato que as condições a que expostos os trabalhadores encontrados no imóvel de propriedade do denunciado, verificadas pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) do Ministério do Trabalho e Emprego, são por demais precárias, mas, na sua integralidade, revelam, infelizmente ainda, a dura realidade da zona rural, especialmente das regiões mais pobres do País (Norte, Nordeste e Centro-Oeste), vivida não somente por empregados rurais, mas, também, por aqueles que, donos de sua própria terra, laboram em regime de economia familiar. 18. Diante dessa realidade social, não se pode compreender que tais condições, quando verificadas num dado imóvel rural, sem que estejam aliadas à restrição das “liberdades” (em sentido amplo) do trabalhador, configurariam a “condição degradante” na forma como exigida pelo art. 149 do CP, pois é imprescindível que essa “situação de fato” esteja inserida num cenário em que os trabalhadores rurais efetivamente tenham a sua vontade de trabalhar ou de permanecer no trabalho cerceada, ou seja, que se sintam subjugados ao seu empregador, inclusive quanto às condições em que prestado o trabalho. 19. Não é essa a situação narrada na denúncia. Em parte alguma a peça acusatória discorre sobre qualquer circunstância ou dado que revele o comprometimento da liberdade (poder de decisão) dos trabalhadores encontrados na Fazenda Palac, pertencente ao denunciado, pois, mesmo quando afirma que eles eram impelidos a adquirirem produtos vendidos pelo preposto do denunciado, a preços além do valor de mercado, deixa de informar sobre a existência de Sanches Cunha-Araujo-Crimes Federais-4ed.indd 75 18/02/2016 09:53:38 76 CRIMES FEDERAIS – Rogério Sanches Cunha • Fábio Roque Araújo dívidas impagáveis, ou do objetivo de, em se agindo daquela forma, forçar a permanência dos trabalhadores na Fazenda, circunstância esta textualmente exigida pelo art. 149 do CP, tanto porque aqueles produtos, segundo as declarações prestadas por alguns trabalhadores (CD-ROM), não compreendiam as refeições do dia-a-dia que eram fornecidas gratuitamente, referindo-se aqueles apenas a pacotes de bolachas, cigarros, doces, pilhas para lanterna, roupas etc., não se tendo em conta, ainda, da existência de qualquer ameaça aos trabalhadores. 20. A denúncia apenas aponta as várias infrações trabalhistas constatadas no imóvel rural que foram corrigidas administrativamente, inclusive com a assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) pelo denunciado, como verificado no Relatório de Fiscalização (CD-ROM). 21. Não é possível presumir, diante da necessidade de clareza da acusação imposta pelo art. 41 do CPP (exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias), que suposto cerceamento da vontade dos trabalhadores tivesse ocorrido em virtude das precárias condições de trabalho verificadas. Na verdade, ainda que admissível entendimento contrário, tal presunção restaria desconstituída em virtude de o Relatório de Fiscalização, em que lastreada a denúncia, apontar que foram os trabalhadores que procuraram o emprego (logo, não houve aliciamento), a remuneração do trabalho era feita em dinheiro, não havia servidão por dívidas (truck-system), a jornada de trabalho, embora cansativa para o homem de condições físicas normais, não ia além do que ordinariamente se verifica no meio rural, além de que, como já foi dito e isso sequer consta também na denúncia, não havia a restrição à liberdade física dos trabalhadores, tanto que existia o fornecimento de transporte pelo empregador no trajeto Fazenda/Centro uma vez por mês, sendo certo que o local era ainda atendido pelo serviço de moto-táxi, também utilizado pelos trabalhadores quando necessitam se deslocar à cidade ou retornar dela à Fazenda (pág. 31 do Relatório de Fiscalização). Além disso, conforme declarações prestadas ao Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), os trabalhadores era naturais da própria região ou nela já residiam antes da contratação para o trabalho, parte deles, inclusive, na Cidade de Colméia/TO, distante a poucos quilômetros da Fazenda. 22. Desse modo, conclui-se que, da forma como dispostos os fatos na denúncia, os trabalhadores do denunciado, em que pequem as precárias condições de trabalho em que inseridos, não estavam impedidos de dar rumo às suas próprias vidas. Logo, o fato descrito na denúncia não se adéqua ao tipo do art. 149 do CP, faltando, portanto, justa causa para o recebimento da denúncia. 23. Denúncia rejeitada nos termos do art. 395, III, do Código de Processo Penal, c/c o art. 6º da Lei nº 8.038/1990 e do art. 172 do Regimento Interno desta Corte. (PROCESSO: 00161300620114050000, PIMP66/PB, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA, Pleno, JULGAMENTO: 12/09/2012, PUBLICAÇÃO: DJE 17/09/2012 - Página 103) 9. QUESTÕES 01. (JUIZ DO TRABALHO - 23 Região - 2007 - TRT3) A respeito do crime previsto no art. 149 do Código Penal (Redução a condição análoga à de escravo: pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência), considere as assertivas abaixo: I. Conduta: reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. II. Nas mesmas penas do crime supracitado, incorre quem cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. III. Nas mesmas penas do crime supracitado, incorre quem mantem vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. IV. A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido contra criança, adolescente e idosos acima de 70 anos V. A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. a) Apenas as proposições I, II, III e V estão corretas. b) Apenas as proposições II, III, e IV estão corretas. Sanches Cunha-Araujo-Crimes Federais-4ed.indd 76 18/02/2016 09:53:38 Cap. IV • CRIMES FEDERAIS NO CÓDIGO PENAL 02. 03. c) Apenas as proposições III e IV estão incorretas. d) Apenas as proposições III, IV e V estão incorretas. e) Todas as proposições estão corretas. 77 (MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - 13 Região – 2007) Com relação ao crime de redução à condição análoga a de escravo, é incorreto afirmar: a) a ação é pública incondicionada; b) tem como objetividade jurídica a organização do trabalho. c) o tipo é presidido pelo chamado dolo genérico. d) o sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, independentemente de raça, idade ou sexo. (JUIZ DO TRABALHO SUBSTITUTO - 2008 - TRF1) No que se refere aos crimes contra a liberdade pessoal, é correto afirmar: Constitui crime o fato de reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. a) Verdadeiro b) Falso 04. (PROCURADOR DO TRABALHO - MPT/PROCURADORIA GERAL - 2008 – PRÓPRIA) Com relação ao crime de redução à condição análoga a de escravo, assinale a alternativa CORRETA: I. O bem jurídico tutelado é a liberdade individual. II. Trata-se de um crime instantâneo de efeitos permanentes, cuja consumação ocorre em determinado instante, mas seus efeitos são irreversíveis. III. O consentimento do ofendido é irrelevante. IV. A pena é acrescida de metade, se o crime é cometido: contra criança ou adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos; por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. 05. a) apenas uma das assertivas está correta; b) apenas duas das assertivas estão corretas; c) apenas três das assertivas estão corretas; d) todas as assertivas estão corretas; e) não respondida. (JUIZ DO TRABALHO SUBSTITUTO - TRT 8ª REGIÃO/PA - 2008 - PRÓPRIA) Considerando o crime de redução a condição análoga à de escravo, é INCORRETO afirmar: a) Configura o tipo penal submeter o trabalhador a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva ou sujeitá-lo a condições degradantes de trabalho. b) Configura o tipo penal restringir, por qualquer meio, a locomoção do trabalhador em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. c) Se o crime é praticado por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem há o acréscimo de 1/3 na pena; se for praticado contra criança ou adolescente, o aumento da pena é pela metade. d) A pena prevista para este crime é reclusão, de dois a oito anos, e multa, podendo ser acrescida da pena correspondente à violência. e) Também configura este tipo penal manter vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apoderar de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. Sanches Cunha-Araujo-Crimes Federais-4ed.indd 77 18/02/2016 09:53:39 78 06. 07. CRIMES FEDERAIS – Rogério Sanches Cunha • Fábio Roque Araújo (JUIZ SUBSTITUTO - TJSE - 2008 - CESPE) Com relação às infrações penais, assinale a opção correta. a) Não são crimes dolosos contra a vida a tentativa de homicídio, a instigação ao suicídio e o aborto provocado com o consentimento da gestante. b) São crimes sujeitos ao procedimento do tribunal do júri o latrocínio, a ocultação de cadáver e a lesão corporal seguida de morte. c) Os crimes de posse sexual mediante fraude e sedução foram revogados e, portanto, não são mais condutas típicas. d) O agente que reduz alguém a condição análoga à de escravo, sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, terá sua pena aumentada se o crime for cometido por motivo de preconceito de raça ou cor. e) O agente que reconhece como verdadeira, no exercício da função pública, firma ou letra que sabe ser falsa pratica crime contra a administração pública. (JUIZ DO TRABALHO SUBSTITUTO - 2008 - TRF1) No que se refere aos crimes contra a liberdade pessoal, é correto afirmar: A pena pela restrição de liberdade, em razão de trabalho escravo, é aumentada de metade, se o crime for cometido contra criança ou adolescente ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. a) Verdadeiro b) Falso GABARITO 01 A 02 B 03 A 05 C 06 D 07 A 04 B TÍTULO II DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO CAPÍTULO IV DO DANO ~ DANO CONTRA O PATRIMÔNIO DA UNIÃO Art. 163. Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia: Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa. Dano qualificado Parágrafo único. Se o crime é cometido: (...) III – contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista; (...) Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa, além da pena correspondente à violência. Sanches Cunha-Araujo-Crimes Federais-4ed.indd 78 18/02/2016 09:53:39