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Fábio Roque Araújo
Rogério Sanches Cunha
CRIMES
FEDERAIS
4ª edição
Revista, ampliada e atualizada
2016
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Capítulo IV
CRIMES FEDERAIS NO CÓDIGO PENAL
TÍTULO I
DOS CRIMES CONTRA A PESSOA
CAPÍTULO VI
CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL
~ REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO6
Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos
forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho,
quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com
o empregador ou preposto:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, além da pena correspondente à
violência.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de
retê-lo no local de trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou
objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I – contra criança ou adolescente;
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS29
A doutrina dá ao crime de redução à condição análoga à de escravo o nome
de “plágio”, que significa a sujeição de uma pessoa ao poder (domínio) de outra.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de
1948, assim dispõe no seu art. 4.º: “Ninguém será mantido em escravidão ou
29
A Câmara dos Deputados aprovou no ano de 2012 Proposta de Emenda à Constituição, conhecida
como PEC do Trabalho Escravo, prevendo a expropriação de terras ou imóveis que utilizem mão de
obra em condições análogas à de escravo. A Lei 12.721/13 alterou a Lei no 6.454, de 24 de outubro
de 1977, para vedar que pessoa condenada pela exploração de mão de obra escrava seja homenageada na denominação de bens públicos.
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em servidão; a escravidão e o trato dos escravos serão proibidos em todas as
suas formas”.
A escravidão é uma situação de direito em virtude da qual o homem perde
a própria personalidade, tornando-se simplesmente coisa. Sem amparo legal em
nosso País, pune-se, aqui, a redução do homem a condição análoga à de um
escravo, estado de fato proibido por lei.
A Exposição de Motivos (item 51) explica: “No art. 149, é prevista uma
entidade criminal ignorada do Código vigente: o fato de reduzir alguém, por
qualquer meio, à condição análoga à de escravo, isto é, suprimir-lhe, de fato, o
status libertatis, sujeitando-o o agente ao seu completo e discricionário poder”.
Sobre o assunto, ensina Noronha:
“Reduzir alguém a condição análoga à de escravo é, pois, suprimir-lhe o direito individual da liberdade, ficando ele inteiramente submetido ao domínio
de outrem. O objeto jurídico não é outro senão o interesse do Estado em
proteger essa liberdade, relacionada ao status libertatis, ofendido por ações,
como já se disse, que o suprimem como fato.”30.
Classificado expressamente pelo Código como crime contra a liberdade
individual, de quem é competência para o seu processo e julgamento?
Sempre prevaleceu (na doutrina e na jurisprudência) que, em regra, a
competência é da Justiça Estadual (e não Federal), salvo no caso em que a
denúncia postula a condenação pelo art. 149, juntamente com um dos crimes
contra a organização do trabalho.
Contudo, é cada vez mais crescente corrente defendendo a competência
federal, argumentando, em resumo, que o crime viola a organização do trabalho
(e, subsidiariamente, a liberdade individual do homem).
Com o devido respeito, esta segunda posição não nos parece correta. Vejamos. Defender a competência (absoluta) da Justiça Federal para o processo e
julgamento do crime do art. 149 é desconsiderar: (a) a posição topográfica do
delito, que não deixa dúvidas quanto ao bem jurídico diretamente protegido
(a liberdade do homem); (b) a exposição de motivos (fonte de interpretação),
que expressamente enuncia o crime como espécie dos delitos contra a liberdade
individual; (c) mesmo que se entendesse contra a organização do trabalho, é
sabido competir à Justiça Federal processar e julgar essa espécie de crime somente quando tenha por objeto a organização geral do trabalho ou direitos dos
trabalhadores considerados coletivamente (nesse sentido, Alice Bianchini,
Reforma criminal: comentários à Lei 10.803/2003, p. 361).
No julgamento do RE 398.041/PA, o STF considerou, por maioria, que
“Quaisquer condutas que possam ser tidas como violadoras não somente do siste30
Direito Penal, v. 2, p. 164
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ma de órgãos e instituições com atribuições para proteger os direitos e deveres dos
trabalhadores, mas também dos próprios trabalhadores, atingindo-os em esferas
que lhes são mais caras, em que a Constituição lhes confere proteção máxima,
são enquadráveis na categoria dos crimes contra a organização do trabalho, se
praticadas no contexto das relações de trabalho. Nesses casos, a prática do crime
prevista no art. 149 do Código Penal (Redução à condição análoga a de escravo)
se caracteriza como crime contra a organização do trabalho, de modo a atrair a
competência da Justiça federal (art. 109, VI da Constituição) para processá-lo e
julgá-lo.” Nesta ocasião, contudo, três ministros consideraram que a análise da
competência (se estadual ou federal) deve recair sobre a abrangência da lesão
ao bem jurídico tutelado. Dentro desse espírito, entendeu-se que a competência
federal, fixada pelo art. 109, inciso VI, da Constituição, deve incidir apenas
naqueles casos em que esteja patente a ofensa a princípios básicos sobre os quais
se estrutura o trabalho em todo o país. Quer isto dizer que, abstratamente, não
se pode considerar a redução à condição análoga à de escravo como crime que
atinge a organização do trabalho. Assim, nos casos, por exemplo, em que apenas
um trabalhador é atingido pela conduta do agente, não há ofensa à organização
do trabalho, senão à sua liberdade individual, competindo à justiça estadual
a apreciação da causa. O Tribunal reiterou este entendimento ao julgar o RE
541.627/PA e o RE 459.510/MT, este em decisão de 26/11/2015.
Em virtude da pena cominada, nenhum dos benefícios da Lei 9.099/95 é
admitido.
2. SUJEITOS DO CRIME
Sujeito ativo do delito pode ser qualquer pessoa, independentemente de
qualidades e condições especiais (crime comum). O mesmo se deve dizer quanto
ao sujeito passivo.31
O § 2º traz causas de aumento para os casos em que o crime é cometido
contra criança ou adolescente ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia,
religião ou origem.
3. CONDUTA
O que o tipo pune é a escravização, de fato, da criatura humana, tornando-a
submissa, reduzindo-a a condição de servo ou desfrutá-la como tal. Trata-se de
sujeição de uma pessoa ao domínio da outra, como se fosse um escravo.
31
ROGÉRIO GRECO atento às alterações introduzidas pela Lei 10.803/2003, discorda e explica: “Após a
nova redação do art. 149 do Código Penal, levada a efeito pela Lei 10.803, de 11 de dezembro de
2003, foram delimitados os sujeitos ativo e passivo do delito em estudo, devendo, agora, segundo
entendemos, existir entre eles relação de trabalho.
Assim, sujeito ativo será o empregador que utiliza a mão de obra escrava. Sujeito passivo, a seu
turno, será o empregado que se encontra numa condição análoga à de escravo” (Curso de Direito
Penal: parte especial, v. 2, p. 518).
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Sempre se ensinou ser o crime de ação livre, cuja existência dependia da
análise do caso concreto, isto é, ao juiz cabia decidir, diante das circunstâncias
postas, se a vítima foi ou não tratada como escravo.
Entretanto, com o advento da Lei 10.803/2003, foram enumerados taxativamente quais comportamentos caracterizam o delito, tornando-o de forma
vinculada, só podendo ser praticado por meio das seguintes condutas detalhadas:
1 – submeter a vítima a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva (caput);
2 – sujeitá-la a condições degradantes de trabalho (caput);
3 – restringir, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída
com o empregador ou preposto (caput);
4 – cercear o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador,
com o fim de retê-lo no local de trabalho (§ 1.º, I);
5 – manter vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apoderar de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no
local de trabalho (§ 1.º, II).
Assim, o indivíduo que, em uma fazenda, é tratado como os antigos escravos (estando impedido de deixá-la, não recebendo salários etc.), acha-se em
situação análoga a destes.
Caso o meio lançado para a submissão do sujeito passivo seja o sequestro,
ficará este crime (art. 148) absorvido pelo 149 do CP.
Praticando o agente mais de uma dessas condutas, em face da mesma vítima, haverá um único crime (princípio da alternatividade), servindo as várias
ações criminosas, no entanto, na dosagem da pena (art. 59 do CP).
Para a configuração do delito não se faz necessária a prática de maus-tratos
ou sofrimentos ao sujeito passivo (nesse sentido ver RJTJSP 39/286 e 39/386).
No crime em estudo, salienta a doutrina que a liberdade da vítima é inalienável, comovida pelo grau de submissão (domínio) a que fica sujeito o “trabalhador”, de nada representando o seu consentimento. Luiz Regis Prado explica:
“O consentimento do ofendido é irrelevante. Não há a exclusão do delito
se o próprio sujeito passivo concorda com a inteira supressão de sua liberdade
pessoal, já que isso importaria em anulação da personalidade. Somente seria
cabível a exclusão da ilicitude da conduta se fosse o sujeito passivo o único titular do bem jurídico protegido e se pudesse livremente dele dispor. E isso não
ocorre no delito em exame, já que o Direito não confere preferência à liberdade
de atuação da vontade ante o desvalor da ação e do resultado da lesão ao bem
jurídico. O estado de liberdade integra a personalidade do ser humano e a ordem
jurídica não admite sua completa alienação”32.
32
Tratado de Direito Penal Brasileiro, v. 4, p. 360.
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4. VOLUNTARIEDADE
O crime é exclusivamente doloso, consistente na vontade consciente de
realizar a figura delituosa, é dizer, de reduzir alguém ao estado previsto na lei,
suprimindo a vontade de fato da vítima.
O § 1.º, I e II, traz a expressão “com o fim de retê-lo no local de trabalho”,
que configura um elemento subjetivo do tipo.
O § 2.º, em seu inciso II, traz outro elemento subjetivo, quando determina o
aumento de pena por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
Não admite forma culposa.
Recrutar trabalhadores, mediante fraude (ex.: promessa enganosa de altos
salários), com o fim de levá-los para território estrangeiro caracteriza o delito
do art. 206 do CP. Aliciar (seduzir) trabalhadores, com o fim de levá-los de
uma para outra localidade do território nacional, se enquadra no disposto no
art. 207 do CP. Nos dois casos a vontade do agente não é tornar o empregado
seu servo, mas, sim, recrutar trabalhadores visando a emigração ou migração.
5. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA
Consuma-se o delito quando o indivíduo é reduzido à condição análoga à
de escravo, através da prática de alguma das condutas previstas, dispensando-se,
como já dito, o sofrimento da vítima.
Trata-se de crime permanente (a consumação protrai-se no tempo), perdurando o delito enquanto houver a prática cerceadora da liberdade.
A tentativa é perfeitamente possível em qualquer das figuras descritas no
tipo. Pode configurar-se quando o agente, embora tenha empregado os meios
necessários à subjugação da vítima a seus poderes, não logra êxito em compeli-la por circunstâncias alheias à sua vontade.
6. MAJORANTE DE PENA
O § 2.º aumenta a pena de metade se o crime é cometido:
I) contra criança ou adolescente, isto é, pessoa até os dezoito anos incompletos;
II) por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
7. AÇÃO PENAL
Trata-se de crime de ação penal pública incondicionada, não dependendo
de qualquer pedido-autorização da vítima ou de seu representante legal.
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8. JURISPRUDÊNCIA
8.1. Supremo Tribunal Federal
▶
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 149 DO CÓDIGO PENAL. REDUÇÃO À CONDIÇÃO
ANÁLOGA À DE ESCRAVO. TRABALHO ESCRAVO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DIREITOS
FUNDAMENTAIS. CRIME CONTRA A COLETIVIDADE DOS TRABALHADORES. ART. 109, VI DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO
PROVIDO. A Constituição de 1988 traz um robusto conjunto normativo que visa à proteção e efetivação dos direitos fundamentais do ser humano. A existência de trabalhadores a laborar sob escolta,
alguns acorrentados, em situação de total violação da liberdade e da autodeterminação de cada um,
configura crime contra a organização do trabalho. Quaisquer condutas que possam ser tidas como
violadoras não somente do sistema de órgãos e instituições com atribuições para proteger os direitos e deveres dos trabalhadores, mas também dos próprios trabalhadores, atingindo-os em esferas
que lhes são mais caras, em que a Constituição lhes confere proteção máxima, são enquadráveis na
categoria dos crimes contra a organização do trabalho, se praticadas no contexto das relações de
trabalho. Nesses casos, a prática do crime prevista no art. 149 do Código Penal (Redução à condição
análoga a de escravo) se caracteriza como crime contra a organização do trabalho, de modo a atrair
a competência da Justiça Federal (art. 109, VI da Constituição) para processá-lo e julgá-lo. Recurso
extraordinário conhecido e provido.” Cumpre ressaltar, por necessário, que esse entendimento vem
sendo observado em sucessivos julgamentos, proferidos no âmbito desta Corte, a propósito de questão essencialmente idêntica à que ora se examina nesta sede recursal (RE 466.429/TO, Rel. Min. AYRES
BRITTO -RE 480.139/PA, Rel. Min. GILMAR MENDES -RE 538.541/PA, Rel. Min. EROS GRAU -RE 543.249/
PA, Rel. Min. GILMAR MENDES, v.g.). O exame da presente causa evidencia que o acórdão impugnado
em sede recursal extraordinária ajusta-se à diretriz jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou
na matéria em referência. Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, conheço dos
presentes agravos, para negar seguimento aos recursos extraordinários, eis que o acórdão recorrido
está em harmonia com diretriz jurisprudencial prevalecente nesta Suprema Corte (CPC, art. 544, §
4º, II, “b”, na redação dada pela Lei nº 12.322/2010).(696763 TO , Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data
de Julgamento: 09/08/2012, Data de Publicação: DJe-164 DIVULG 20/08/2012 PUBLIC 21/08/2012)
▶
FOI PROPOSTA DENÚNCIA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL POR DIVERSOS CRIMES, INCLUINDO O CRIME DE REDUÇÃO DE TRABALHADOR À CONDIÇÃO ANÁLOGA DE ESCRAVO (ART.
149 DO CÓDIGO PENAL), CONTRA AS PESSOAS DE IOLANDES BANNACH E CHICO GORDO. O
Juízo de primeiro grau declarou a incompetência da Justiça Federal para todos os crimes, salvo para o
crime de sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A do Código Penal). Contra essa decisão
foi interposto recurso em sentido estrito pelo Ministério Público, ao qual foi negado provimento
pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (fl. 76). Contra esta decisão, foram interpostos recursos
especial e extraordinário. O especial não foi admitido (fls. 127-129). O extraordinário foi admitido
parcialmente e provido por decisão monocrática da eminente Ministra Ellen Gracie (fls. 134-136),
afirmando a competência da Justiça Federal para os crimes dos artigos 132, 135, 149, 203, 207, § 1º,
e 297, § 4º, do Código Penal. O Recorrido Iolandes Bannach foi intimado por carta do julgado, não
tendo recorrido (fl. 140). Já o Recorrido Chico Gordo não foi encontrado na intimação por carta (fl.
143). Vieram os autos conclusos com a última informação. Observo que o Recorrido, Chico Gordo,
jamais foi encontrado para intimação pessoal ou por carta das decisões proferidas no processo e não
conta com defensor constituído ou nomeado nesses autos (fl. 42, 50 e 110). Encontra-se, portanto,
desde o início em local incerto e não sabido. Cumpre devolver os autos a origem para que retomem
seu curso. Lá poderão ser feitas diligências para localizá-lo, propiciando sua citação e intimação
pessoal e o posterior exercício da ampla defesa. Se não for encontrado, caberá a citação editalícia e
eventual suspensão do processo nos termos do art. 366 do Código de Processo Penal. Tratando-se
aqui de decisão apenas relativa à competência, ainda na fase inicial do processo, o fato do Recorrido
não ter sido intimado pessoalmente, pela inviabilidade prática, não gera qualquer consequência.
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Assim, certifique-se o trânsito em julgado da decisão de fls. 134-136 e devolvam-se os autos à origem
para prosseguimento do processo. (636778 PA , Relator: Min. ROSA WEBER, Data de Julgamento:
24/05/2012, Data de Publicação: DJe-116 DIVULG 14/06/2012 PUBLIC 15/06/2012)
8.2. Superior Tribunal de Justiça
▶
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TORTURA, CONSTRANGIMENTO ILEGAL, SEQUESTRO E CÁRCERE PRIVADO E REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. INCOMPETÊNCIA
DA JUSTIÇA ESTADUAL PARA PROCESSAR E JULGAR O FEITO EM RAZÃO DO CRIME PREVISTO
NO ARTIGO 149 DO CÓDIGO PENAL. INEXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE QUE O DELITO EM QUESTÃO TERIA AFETADO A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO, TAMPOUCO OS INTERESSES DA UNIÃO.
IMPOSSIBILIDADE DE REMESSA DOS AUTOS PARA A JUSTIÇA FEDERAL. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL INEXISTENTE. 1. Com o advento da Lei 10.803/2003, que alterou o tipo previsto do artigo
149 da Lei Penal, passou-se a entender que o bem jurídico por ele tutelado deixou de ser apenas a
liberdade individual, passando a abranger também a organização do trabalho, motivo pelo qual a
competência para processá-lo e julgá-lo é, via de regra, da Justiça Federal. Doutrina. Precedentes
do STJ. 2. No caso dos autos, da leitura da denúncia verifica-se que não há indícios de que a conduta
prevista no artigo 149 do Código Penal tenha atingido interesses da União, ou mesmo caracterizado
crime contra a organização do trabalho, afetando unicamente a liberdade individual das vítimas, o que
impede a remessa dos autos para a Justiça. Doutrina. Precedente do STF” (58160 SP 2015/0080046-9,
Relator: Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO, Data de Julgamento: 06/08/2015, Quinta Turma,
Data de Publicação: 18/08/2015).
▶
AGRAVO REGIMENTAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO DA
SÚMULA 122, DESTA CORTE. RECURSO DESPROVIDO. I - Compete à Justiça Federal processar e
julgar o crime de redução a condição análoga à de escravo, pois qualquer violação ao homem trabalhador e ao sistema de órgãos e instituições que preservam, coletivamente, os direitos e deveres
dos trabalhadores enquadra-se na categoria de crime contra a organização do trabalho, desde que
praticada no contexto da relação de trabalho. II - Acerca das demais imputações formuladas cuja
competência para apuração é da Justiça Estadual, incide o enunciado da Súmula 122, desta Corte.
III - A insurgência do agravante traduz mero inconformismo com a declaração de competência da
Justiça Federal, o que não pode ensejar o conhecimento do recurso. IV - Agravo regimental desprovido. (105026 MT 2009/0081893-2, Relator: Ministro GILSON DIPP, Data de Julgamento: 09/02/2011,
S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 17/02/2011 REP DJe 21/02/2011)
▶
CRIMINAL. HABEAS CORPUS. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. TRANCAMENTO
DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE. MEDIDA EXCEPCIONAL. INCURSÃO PROBATÓRIA. VIA ELEITA
INADEQUADA. CRIME DE AÇÃO MÚLTIPLA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.
ORDEM DENEGADA. I. O trancamento de ação penal por meio de habeas corpus é medida de índole
excepcional, somente admitida nas hipóteses em que sede note, de plano, a ausência de justa causa,
a inexistência de elementos indiciários demonstrativos da autoria e da materialidade do delito ou,
ainda, a presença de alguma causa excludente de punibilidade, o que não se infere na espécie em
apreço. II. Se a conduta descrita na denúncia, prima oculi, subsume-se ao tipo descrito no art. 149
do CP, não há que se falar em trancamento da ação penal por atipicidade, devendo ser mantido o
trâmite processual para permitir que o Julgador, encerrada a instrução criminal e assegurado aos réus
o direito à ampla defesa, forme a sua convicção acerca da materialidade e autoria do delito. Análise
mais aprofundada do tema que demandaria aprofundado exame do conjunto fático-probatório dos
autos, peculiar ao processo de conhecimento, inviável em sede de habeas corpus, remédio jurídico-processual, de índole constitucional, que tem como escopo resguardar a liberdade de locomoção
contra ilegalidade ou abuso de poder, marcado por cognição sumária e rito célere (Precedentes). IV.
Nos termos do consignado no acórdão a quo, o crime de redução a condição análoga à de escravo
consuma-se com a prática de uma das condutas descritas no art. 149 do CP, sendo desnecessária a
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presença concomitante de todos os elementos do tipo para que ele se aperfeiçoe, por se tratar de
crime doutrinariamente classificado como de ação múltipla ou plurinuclear.VI. Ordem denegada, nos
termos do voto do Relator. 149CP (239850 PA 2012/0079079-5, Relator: Ministro GILSON DIPP, Data
de Julgamento: 14/08/2012, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/08/2012)
▶
HABEAS CORPUS. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. FRUSTRAÇÃO DE DIREITO ASSEGURADO NA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO.
DENÚNCIA DE TRABALHADORES SUBMETIDOS AO TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO.
AÇÃO REALIZADA PELO GRUPO DE FISCALIZAÇÃO MÓVEL EM PROPRIEDADE. ALEGAÇÃO DE
ILICITUDE DAS PROVAS COLHIDAS EM FACE DA AUSÊNCIA DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. Compete
ao Ministério do Trabalho e do Emprego, bem como a outros órgãos, como a Polícia Federal e o
Ministério Público do Trabalho, empreender ações com o objetivo de erradicar o trabalho escravo e
degradante, visando a regularização dos vínculos empregatícios dos trabalhadores encontrados e
libertando-os da condição de escravidão. 2. Em atenção a esta atribuição, a Consolidação das Leis
do Trabalho (artigos 626 a 634), o Regulamento de Inspeção do Trabalho (artigos 9º e 13 a 15), e a Lei
7.998/1990 (artigo 2º-C) franqueiam aos auditores do Ministério do Trabalho e Emprego o acesso aos
estabelecimentos a serem fiscalizados, independentemente de mandado judicial. Consolidação das
Leis do Trabalho 7.9983. Quanto aos documentos apreendidos e à inquirição de pessoas quando da
fiscalização realizada pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel na propriedade em questão, o artigo
18 do Regulamento de Inspeção do Trabalho prevê expressamente a competência dos auditores
para assim agirem, inexistindo qualquer ilicitude em tal atuação. 4. Ademais, na hipótese vertente
os pacientes foram acusados da prática dos delitos de redução a condição análoga à de escravo,
frustração de direito assegurado pela lei trabalhista e falsidade documental, sendo que apenas o
relativo à falsificação de documento público é instantâneo, já que os demais, da forma como em
tese teriam sido praticados, são permanentes. 5. É dispensável o mandado de busca e apreensão
quando se trata de flagrante delito de crime permanente, podendo-se realizar as medidas sem
que se fale em ilicitude das provas obtidas (Doutrina e jurisprudência).6. O só fato de os pacientes
não terem sido presos em flagrante quando da fiscalização empreendida no estabelecimento não
afasta a conclusão acerca da licitude das provas lá colhidas, pois o que legitima a busca e apreensão
independentemente de mandado é a natureza permanente dos delitos praticados, o que prolonga
a situação de flagrância, e não a segregação, em si, dos supostos autores do crime. Precedente. 7.
Ordem denegada. (109966 PA 2008/0143508-0, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento:
26/08/2010, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/10/2010)
▶
CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE
ESCRAVO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA E AO SISTEMA PROTETIVO DE
ORGANIZAÇÃO AO TRABALHO. ART. 109, V-A E VI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA
DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. O delito de redução a condição análoga à de escravo está inserido nos
crimes contra a liberdade pessoal. Contudo, o ilícito não suprime somente o bem jurídico numa
perspectiva individual. 2. A conduta ilícita atinge frontalmente o princípio da dignidade da pessoa
humana, violando valores basilares ao homem, e ofende todo um sistema de organização do trabalho,
bem como as instituições e órgãos que lhe asseguram, que buscam estender o alcance do direito ao
labor a todos os trabalhadores, inexistindo, pois, viés de afetação particularizada, mas sim, verdadeiro
empreendimento de depauperação humana. Artigo 109, V-A e VI, da Constituição Federal. Constituição Federal 3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 11. ª Vara Criminal da
Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais/MG, ora suscitante. (113428 MG 2010/0140082-7, Relator:
Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 13/12/2010, S3 - TERCEIRA SEÇÃO,
Data de Publicação: DJe 01/02/2011)
8.3. Tribunal Regional Federal-1ª Região
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PENAL. CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. ART. 149, CÓDIGO PENAL. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. JORNADA EXAUSTIVA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. SAFRA PERECÍVEL. SERVIÇO TEMPORÁRIO. IMPRESCINDIBILIDADE DA COLHEITA. DENÚNCIA. REJEIÇÃO.
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Cap. IV • CRIMES FEDERAIS NO CÓDIGO PENAL
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1. Compete à Justiça Federal o processamento e julgamento de ação penal em que se apuram fatos
relacionados à redução à condição análoga à de escravo, por submissão do empregado a situações
degradantes de trabalho, bem como de frustração de direito assegurado por lei trabalhista. (Precedente desta Corte) (INQ. 0026823-26.2012.4.01.0000 GO, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL
ÍTALO FIORAVANTE SABO MENDES, Data de Julgamento: 19/03/2014, SEGUNDA SEÇÃO, Data de
Publicação: 04/07/2014).
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PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA. REDUÇÃO DE TRABALHADOR À CONDIÇÃO ANÁLOGA
A DE ESCRAVO. COMPETÊNCIA FEDERAL. LITISPENDÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. O Supremo
Tribunal Federal fixou o entendimento de que a competência para processar e julgar as ações penais
em que se apuram fatos relacionados à redução de condição análoga à de escravo, por submissão
do empregado a condições degradantes de trabalho, bem como de frustração de direito assegurado por lei trabalhista é da Justiça Federal. Decisão com base na qual o Superior Tribunal de Justiça
vem decidindo conflitos de competência que se instauram entre juízo federal e estadual. 2. Fixada
a competência da Justiça Federal, não há falar-se em litispendência dessa ação com outra ação que
tramita na Justiça do Estado, na medida em que a litispendência pressupõe a duplicidade de ações
entre juízes com competência concorrente. Havendo ações que tramitam em juízos de competência
funcional distinta a hipótese é de arguição de exceção de incompetência, que não é reconhecida
neste julgamento. 3. Ordem de habeas corpus denegada. (51704 MT 0051704-38.2010.4.01.0000,
Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL OLINDO MENEZES, Data de Julgamento: 28/08/2012, QUARTA
TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p. 240 de 20/09/2012)
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PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO (ARTIGO
149, CP). CRIMES DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO (ARTIGO 297, § 4º). AMBOS
DO CÓDIGO PENAL. 1. O conjunto fático-probatório não demonstra suficientemente a tipificação
do crime de redução análoga à de escravo. A par das irregularidades trabalhistas encontradas pelo
Grupo Especial de Fiscalização Móvel, não se comprovou qualquer submissão a trabalhos forçados,
jornadas excessivas de trabalho, ou impedimento à liberdade de locomoção. Quanto às condições
degradantes de trabalho, não há, também, demonstração contundente de forma a caracterizar o
crime em comento. 2. Apesar de não ter havido o registro do contrato de trabalho na CTPS dos trabalhadores, não restou demonstrado o dolo dos réus em não pagar contribuições previdenciárias
aos empregados, até em razão do pouco tempo em que o trabalho estava sendo realizado. 3. Os réus
realizaram o pagamento das rescisões trabalhistas, inclusive de contribuições previdenciárias, antes
mesmo do recebimento da denúncia. 4. Recurso improvido. (2459 TO 2008.43.00.002459-1, Relator:
DESEMBARGADOR FEDERAL MÁRIO CÉSAR RIBEIRO, Data de Julgamento: 23/04/2012, QUARTA
TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p. 477 de 09/05/2012)
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PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA. REDUÇÃO DE TRABALHADOR A CONDIÇÃO ANÁLOGA À
DE ESCRAVO. COMPETÊNCIA FEDERAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. 1.
O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a competência para processar e julgar
as ações penais em que se apuram fatos relacionados à redução de condição análoga à de escravo,
por submissão do empregado a condições degradantes de trabalho, bem como de frustração de
direito assegurado por lei trabalhista, é da Justiça Federal. 2. A teoria monista do crime, adotada
pelo Código de Penal Brasileiro (art. 29 do CP), afasta a pretensão da impetração de desvincular os
pacientes, arrendatários da fazenda onde ocorreram os fatos, do enredo fático descrito na denúncia
pelo simples fato de não ter agido pessoalmente na suposta submissão dos trabalhadores a condições
desumanas, o que, aliás, demonstra ser o modus operandi desse delito contra a liberdade individual.
O trancamento de ação penal, pela via mandamental, em face do exame da prova, somente pode
ocorrer em casos excepcionais, quando a falta de justa causa - “conjunto de elementos probatórios
razoáveis sobre a existência do crime e da autoria” (Vicente Greco Filho) - se mostra visível e induvidosa,
em face da prova preconstituída. 4. Denegação da ordem de habeas corpus. (74842 MT 007484234.2010.4.01.0000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL OLINDO MENEZES, Data de Julgamento:
28/08/2012, QUARTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p. 240 de 20/09/2012)
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CRIMES FEDERAIS – Rogério Sanches Cunha • Fábio Roque Araújo
PENAL. CRIME CONTRA A LIBERDADE. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO (ART.
149, caput e § 2º, I, DO CP). AUTORIA E MATERIALIDADE NÃO COMPROVADAS. ABSOLVIÇÃO.
ART. 297, § 4º, DO CÓDIGO PENAL. FALTA DE REGISTRO OU OMISSÃO EM CARTEIRA DE TRABALHO. 1. O tipo objetivo - sujeitar alguém à vontade do agente, escravizar a pessoa humana - descrito
na antiga redação do art. 149 do Código Penal, mesmo depois da publicação da Lei 10.803, de
11.12.2003, continuou o mesmo. A nova Lei 10.803/03, apenas explicitou as hipóteses em que se
configuram a condição análoga à de escravo, como, por exemplo, a submissão a trabalhos forçados,
a jornada exaustiva, o trabalho em condições degradantes, a restrição da locomoção em razão de
dívida com o empregador ou preposto. A nova lei ainda acrescentou formas qualificadas, punindo
o crime com o aumento da pena em metade. 149 Código Penal. Prova testemunhal, não confirmada
na fase policial nem em juízo, não serve para comprovar a autoria do crime de trabalho escravo. 3.
A competência da Justiça Federal para processar e julgar o crime capitulado no art. 297, § 4º, do
Código Penal, justifica-se por força da conexão objetiva teleológica e da conexão instrumental ou
probatória desse delito com o crime do art. 149 do Código Penal (art. 76, II e III do CPP e Enunciado
n. 122 da súmula do STJ). 297§ 4º Código Penal 149 Código Penal. No crime definido no art. 297,
§ 4º, do Código Penal, o bem a ser tutelado é a fé pública, no que diz respeito à legitimidade de
documentos que podem produzir efeito jurídico perante a Previdência Social. O legislador, ao tipificar as condutas descritas no § 4º desse artigo, fê-lo com a especial intenção de punir as condutas
atentatórias contra o direito trabalhista, que tivessem reflexo direto na Previdência Social. 297 § 4º
Código Penal 5. Inaplicável ao caso a Lei 11.718/08, por ser posterior à data do fato e ter por escopo
facilitar a contratação de trabalhadores rurais por pequenos produtores, liberando estes últimos
do registro da CTPS. O trabalho eventual sustentado pela defesa dos réus não restou demonstrado.
Recursos não providos. (1161 PA 0001161-70.2007.4.01.3901, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL
TOURINHO NETO, Data de Julgamento: 23/01/2012, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1
p. 179 de 17/02/2012)
8.4. Tribunal Regional Federal – 4ª Região
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PENAL E PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA. ATOS INSTRUTÓRIOS. RATIFICAÇÃO. INTERROGATÓRIO. VALIDADE. SUSPENSÃO DO PROCESSO. QUESTÃO PREJUDICIAL. INOCORRÊNCIA. CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO. AUTORIA. PROVA. INSUFICIÊNCIA. PRESCRIÇÃO. DELITOS AMBIENTAIS. ARTIGOS 38 E 41 DA
LEI 9.605/98. MATERIALIDADE E AUTORIA. PROVA. CONDENAÇÃO. MANUTENÇÃO.
1. Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, compete à Justiça Federal processar e
julgar o crime de redução de trabalhador a condição análoga à de escravo, previsto no artigo 149 do Código Penal, estendendo-se a competência aos crimes conexos(TRF4 ACR 0001022-69.2005.404.7211,
Sétima Turma, Relator Sebastião Ogê Muniz, D.E. 17/11/2015).
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PENAL E PROCESSUAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ART. 149 DO CP. REDUÇÃO A CONDIÇÃO
ANÁLOGA À DE ESCRAVO. CONDIÇÕES DEGRADANTES DE TRABALHO. VALIDADE DA NORMA.
FATOS DESCRITOS NA DENÚNCIA. SUPOSTA CONFIGURAÇÃO DO CRIME. IN DUBIO PRO SOCIETATE. ARTS. 41 E 395 DO CPP. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS.
RECURSO PROVIDO. 1. Não há se falar em ofensa aos princípios da legalidade ou taxatividade,
pois, embora o art. 149 do CP constitua tipo penal aberto, ele apresenta elementos normativos
que possibilitam a interpretação segura da expressão “condições degradantes de trabalho”. 2. Dos
fatos narrados, infere-se haver fortes indícios de que a situação dos trabalhadores era degradante,
notadamente porque ausentes condições mínimas de higiene, moradia, saúde e segurança. Assim
e, considerando a irrelevância das condições socioeconômicas e da percepção da vítima sobre a
situação, está caracterizado, em tese, o delito previsto no art. 149 do Código Penal. 3. Na fase de
recebimento da denúncia, vige o princípio do in dubio pro societate, ou seja, só se admite seu desacolhimento caso haja prova definitiva de inocência. 4. Presentes os requisitos do art. 41 do CPP e, não
configurando o caso nenhuma das hipóteses previstas no art. 395 do CPP, impõe-se o recebimento
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da peça acusatória. (TRF4, RSE 5000380-79.2012.404.7012, Sétima Turma, Relatora p/ Acórdão Salise
Monteiro Sanchotene, D.E. 30/11/2012)
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PENAL E PROCESSUAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. OMISSÃO E INSERÇÃO FALSA DE DADOS
EM DOCUMENTO PÚBLICO. ART. 297, §§ 3º E 4º DO CÓDIGO PENAL. COMPETÊNCIA. CONEXÃO
PROBATÓRIA COM CRIME DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PREVALÊNCIA DO JUÍZO
FEDERAL. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO. ART. 149 DO ESTATUTO REPRESSOR. INDÍCIOS SUFICIENTES DE MATERIALIDADE E AUTORIA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA IN
TOTUM. 1. In casu, a conexão probatória (art. 76, inciso II do CPP) entre o crime retratado no art. 297,
§§ 3º e 4º do CP e do art. 149 CP, representada pela existência de relação de trabalho em comum,
justifica a atribuição da competência federal para processar e julgar o feito. Inteligência da Súmula
122 do Superior Tribunal de Justiça. 2. A rejeição da denúncia, com apoio no art. 395 do CPP, se opera
quando for manifestamente inepta, carente de pressuposto processual ou condição para o exercício
da ação penal, ou, ainda, se faltar justa causa para o exercício da demanda, hipóteses não configuradas
no caso em tela. 3. Autoria indiciária de um dos acusados que decorre seguramente de elementos
de prova acostados à denúncia, conduzindo a um juízo de probabilidade sobre a responsabilidade
criminal a ele atribuída pela acusação. (TRF4 5000933-14.2012.404.7211, Sétima Turma, Relatora p/
Acórdão Salise Monteiro Sanchotene, D.E. 30/11/2012)
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PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. BENS JURÍDICOS TUTELADOS. DIGNIDADE E LIBERDADE DO TRABALHADOR. CONDIÇÕES DEGRADANTES. CRIME CONFIGURADO.
FALTA DE ANOTAÇÃO EM CTPS. FALSIDADE DEMONSTRADA. PENA DE MULTA. CONCURSO
FORMAL. SOMA DAS SANÇÕES. ATENUANTE GENÉRICA. RECONHECIMENTO. 1. A nova redação
do art. 149 do Código Penal, ao discriminar expressamente as ações que configuram o tipo, acabou
por proteger dois bens jurídicos distintos, a saber: a dignidade e a liberdade do trabalhador. O
primeiro, por meio das condutas trabalho forçado, jornada exaustiva e sujeição a condições degradantes de trabalho e, o segundo, através de restrições à liberdade, seja em razão de dívida contraída,
seja por meio do cerceamento de transporte, vigilância ostensiva ou retenção de documentos ou
objetos pessoais. Doutrina. 2. Nesse contexto, a demonstração cabal das péssimas condições dos
alojamentos e das instalações sanitárias, bem como a falta de equipamentos de proteção individual
em número adequado, é suficiente para configurar o delito de redução a condição análoga à de
escravo, na modalidade sujeição a condições degradantes de trabalho. 3. A emissão de vales para
compra em mercado sem vínculo com o réu e sem demonstração da efetiva restrição da locomoção
dos empregados em razão das dívidas contraídas subsume-se, em tese, ao tipo previsto no art. 203,
§ 1º, I, do Código Penal (frustração de direito assegurado por lei trabalhista). 4. Configura o delito
descrito no art. 297, § 4º, do Código Penal, a falta de registro, nas respectivas carteiras de trabalho,
dos contratos daqueles que prestavam serviços ao denunciado. 5. No caso de concurso formal,
afigura-se imprescindível a fixação de cada uma das penas, notadamente porque as multas são
aplicadas distinta e integralmente. Inteligência do art. 72 do Código Penal. 6. A circunstância de o
réu ter, logo após a fiscalização, reparado, na forma do possível, o dano causado, seja quitando os
débitos trabalhistas, seja firmando Termo de Ajustamento de Conduta, autoriza o reconhecimento
da atenuante genérica prevista no art. 66 do Código Penal. (TRF4, ACR 5001045-51.2010.404.7211,
Oitava Turma, Relator p/ Acórdão Paulo Afonso Brum Vaz, D.E. 12/09/2012)
8.5. Tribunal Regional Federal – 5ª Região
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PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO.
NULIDADE ABSOLUTA DO PROCESSO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. CONEXÃO. PRELIMINARES REJEITADAS. EXPOSIÇÃO DE EMPREGADOS A CONDIÇÕES DEGRADANTES DE
TRABALHO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO À LIBERDADE DO TRABALHADOR. ABSOLVIÇÃO.
1. Considerando que esta ação penal diz respeito ao suposto cometimento do crime de redução
a condição análoga à de escravo, previsto no artigo 149, do Código Penal, inserido entre os crimes
contra a organização do trabalho, deve ser rejeitada a preliminar de nulidade absoluta do processo,
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já que a Justiça Federal é competente para o seu julgamento, diante do que estabelece o artigo 109,
VI, da Carta Magna de 1988. 2. A circunstância do procedimento de fiscalização, na mesma época, ter
apurado a existência de condições degradantes de trabalho similares, em um imóvel vizinho, administrado pelo irmão do acusado, não justificava a conexão e o julgamento conjunto com a ação penal
respectiva, que era da competência deste Tribunal, em razão da prerrogativa de foro de que gozava
o referido irmão. Aliás, naquele caso, a denúncia foi rejeitada pelo Plenário (Inquérito 2282-PE). 3.
Para a caracterização do delito em questão, não basta a comprovação da exposição do trabalhador
às condições degradantes, sendo imprescindível a demonstração de que a sua liberdade era, direta
ou indiretamente, cerceada pelo empregador, mediante o encarceramento em determinado local
ou através da retenção de salários e documentos e dos sistemas de “barracões”. 4. Não há, no caso
concreto, qualquer prova de que o apelante tenha, em algum momento, apresentado obstáculo ao
direito de ir e vir (ou de permanecer submetido às condições degradantes) dos seus empregados.
5. Preliminares rejeitadas. Provimento da apelação. (PROCESSO: 200983000129840, ACR8821/PE,
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO (CONVOCADO), Terceira
Turma, JULGAMENTO: 11/10/2012, PUBLICAÇÃO: DJE 18/10/2012 - Página 672)
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CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PREFEITO. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL COM JURISDIÇÃO SOBRE A
UNIDADE DA FEDERAÇÃO ONDE O CARGO COM PRERROGATIVA DE FORO É EXERCIDO. CRIME
PREVISTO NO ART. 149 DO CÓDIGO PENAL. CONDIÇÕES DEGRADANTES DE TRABALHO. TRABALHADORES QUE NÃO SE ENCONTRAM SUBJUGADOS À VONTADE DO EMPREGADOR. REDUÇÃO
A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO NÃO VERIFICADA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. 1. Denúncia
oferecida pelo Ministério Público Federal contra o atual Prefeito do Município de Manaíra, Estado
da Paraíba, imputando-lhe a autoria do crime previsto no art. 149 do Código Penal (redução a condição análoga à de escravo), praticado no Município de Colméia, Estado de Tocantins. 2. O Plenário
deste Tribunal, no julgamento do INQ2282/PE ocorrido em 07/12/2011, ao tratar do assunto à vista
do disposto no art. 109, V-A e VI, da CF/1988, sedimentou, mais uma vez, o entendimento sobre a
competência da Justiça Federal para o julgamento do delito previsto no art. 149 do CP (redução a
condição análoga à de escravo). No mesmo sentido, precedentes do STF (RE nº 398.041) e do STJ (CC
nº 113.428, CC nº 65567 e HC nº 103568). 3. Também em Sessão Plenária ocorrida em 28/03/2012, esta
Corte, em Incidente de Questão de Ordem nos autos do INQ2382/PB, instaurado contra Secretário
de Infraestrutura do Estado da Paraíba para apurar a possível prática dos delitos previstos nos arts.
171, parágrafo 3º, e 299, do CP, consumados no Distrito Federal, decidiu que a competência para o
julgamento do processo é do “TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL COM JURISDIÇÃO SOBRE A UNIDADE
DA FEDERAÇÃO ONDE O CARGO COM PRERROGATIVA DE FORO É EXERCIDO”. Igualmente nesse
sentido, o precedente no STJ firmado nos autos do CC nº 120.848. 4. Para a perfeita compreensão do
tipo penal do art. 149 do CP, deve-se, de início, ter a exata idéia de seu objeto jurídico, quer-se dizer,
do bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora, pois, como bem lembra Ela Wiecko V. de
Castilho (Considerações Sobre a Interpretação Jurídico-Penal em Matéria de Escravidão), “O bem
jurídico, além de cumprir uma função sistemático-classificatória, tem uma função exegética, porque
auxilia na interpretação das normas jurídico-penais”. 5. A redação originária do crime de redução
a condição análoga à de escravo (o “plagium” dos romanos) era extremamente aberta, a ponto de
dificultar a punição do delito. 6. A Lei nº 10.803, de 11.12.2003, passou a especificar mais pormenorizadamente quais as ações que configurariam o tipo. 7. À vista do art. 149 do CP, com a redação dada
pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003, poder-se-ia dizer que o bem da vida protegido pelo tipo previsto
no art. 149 do CP, seria “a liberdade da vítima, que se vê, dada a sua redução a condição análoga à de
escravo, impedida do seu direito de ir e vir ou mesmo de permanecer onde queira” (GRECO, Rogério
Greco. Código penal comentado. Niterói: Impetus, 2008, pag. 567) - seria, então, apenas a liberdade
de locomoção propriamente dita, considerada a partir do enquadramento do tipo na Seção I (“Dos
Crimes Contra a Liberdade Pessoal”) do Capítulo VI (“Dos Crimes Contra a Liberdade Individual”) do
Título I (“Dos Crimes Contra a Pessoa”) da Parte Especial do Código Penal.
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8. Essa é a primeira idéia que vem à mente ao se pensar no crime de plágio: somente se reduz alguém
a condição semelhante à de escravo se a vítima tem de alguma forma tolhida a sua liberdade de ir e
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vir, não só mediante encarceramento em determinada área, mas também por outros meios indiretos,
como a retenção de salários e documentos ou os sistemas de “barracões”. 9. As próprias normas internacionais que objetivam o banimento do trabalho escravo, a exemplo da Convenção 29 da OIT,
sempre levaram em conta, direta ou indiretamente, o fator liberdade para fins de definição do que
seria trabalho escravo ou a ele equiparado. 10. Contudo, não é esse o entendimento que se vem firmando na doutrina e na jurisprudência, segundo as quais “o trabalho em condições análogas à de
escravo deve ser considerado gênero, do qual o trabalho forçado e o trabalho em condições degradantes são espécies” (MACHADO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho com Redução do Homem à
Condição Análoga à de Escravo e Dignidade da Pessoa Humana), incluída na segunda delas a jornada
exaustiva. Assim, para o autor, “Não é somente a falta de liberdade de ir e vir, o trabalho forçado, então,
que agora caracteriza o trabalho em condições análogas à de escravo, mas também o trabalho sem
as mínimas condições de dignidade”. Enquadram-se, também, na espécie “trabalho forçado”, as formas
de redução a condição análoga à de escravo por assimilação contempladas nos incisos I e II do parágrafo 1º do art. 149 do CP. 11. Assim, o legislador de 2003, ao especificar as ações que configuram o
tipo de plágio, aparentemente, foi mais além do que dispõem as convenções internacionais sobre o
tema, acrescentando também o TRABALHO EM CONDIÇÕES DEGRADANTES, ao lado do TRABALHO
FORÇADO. 12. E para a caracterização do delito de plágio, sob a modalidade “trabalho em condições
degradantes”, não seria necessária a restrição à liberdade de movimento da vítima, sendo suficiente
a privação de outras liberdades, notadamente ligadas aos seus direitos personalíssimos e à sua dignidade. 13. O elemento “dignidade”, portanto, parece definitivamente ter sido incorporado na exegese do art. 149 do CP, não somente pela doutrina, mas também pela jurisprudência (STJ - CC nº 113.428/
MG; TRF 1ª Região - HC nº 200901000770878; TRF 3ª Região - ACR nº 16940). 14. O problema reside
em saber quando ocorreria o trabalho em condições de afronta à dignidade da pessoa do trabalhador,
a ponto de caracterizar o crime de plágio. A solução é encontrada na situação em que se retirasse dele
o direito de escolha, com a sua plena submissão à vontade do empregador que, em razão de seu
poderio, dispensasse àquele o tratamento que se dá a outros seres ou objetos. É o que a doutrina
chama de “coisificação”, ou seja, “reduzir o seu igual à condição de coisa” (SOUZA, Tércio Roberto
Peixoto. O Crime de “Redução à Condição Análoga de Escravo” e o Cumprimento de Direitos Trabalhistas), pois, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), “O controle abusivo de um ser
humano sobre outro é a antítese do trabalho decente”. 15. O crime do art. 149 do CP somente pode
ocorrer quando presente uma relação de trabalho entre o agente e a vítima, e a sua consumação
dá-se no exato momento em que o primeiro suprime, de fato, o status libertatis do segundo, sujeitando-o “ao seu completo e discricionário poder” (CUNHA, Rogério Sanches. Código penal para
concursos. 4 ed. Salvador: JusPodivm, 2011, pág. 277), não somente com a privação da liberdade de
ir e vir, mas, também, pela supressão do poder de decisão espontânea sobre a aceitação ou permanência no trabalho e sobre as próprias condições em que o trabalho é prestado. 16. O denunciado é
o proprietário da Fazenda Palac e então responsável por 22 trabalhadores que se dedicavam à atividade de roço de pasto e aplicação de agrotóxicos. 17. É fato que as condições a que expostos os
trabalhadores encontrados no imóvel de propriedade do denunciado, verificadas pelo Grupo Especial
de Fiscalização Móvel (GEFM) do Ministério do Trabalho e Emprego, são por demais precárias, mas,
na sua integralidade, revelam, infelizmente ainda, a dura realidade da zona rural, especialmente das
regiões mais pobres do País (Norte, Nordeste e Centro-Oeste), vivida não somente por empregados
rurais, mas, também, por aqueles que, donos de sua própria terra, laboram em regime de economia
familiar. 18. Diante dessa realidade social, não se pode compreender que tais condições, quando
verificadas num dado imóvel rural, sem que estejam aliadas à restrição das “liberdades” (em sentido
amplo) do trabalhador, configurariam a “condição degradante” na forma como exigida pelo art. 149
do CP, pois é imprescindível que essa “situação de fato” esteja inserida num cenário em que os trabalhadores rurais efetivamente tenham a sua vontade de trabalhar ou de permanecer no trabalho
cerceada, ou seja, que se sintam subjugados ao seu empregador, inclusive quanto às condições em
que prestado o trabalho. 19. Não é essa a situação narrada na denúncia. Em parte alguma a peça
acusatória discorre sobre qualquer circunstância ou dado que revele o comprometimento da liberdade (poder de decisão) dos trabalhadores encontrados na Fazenda Palac, pertencente ao denunciado, pois, mesmo quando afirma que eles eram impelidos a adquirirem produtos vendidos pelo preposto do denunciado, a preços além do valor de mercado, deixa de informar sobre a existência de
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dívidas impagáveis, ou do objetivo de, em se agindo daquela forma, forçar a permanência dos trabalhadores na Fazenda, circunstância esta textualmente exigida pelo art. 149 do CP, tanto porque
aqueles produtos, segundo as declarações prestadas por alguns trabalhadores (CD-ROM), não compreendiam as refeições do dia-a-dia que eram fornecidas gratuitamente, referindo-se aqueles apenas
a pacotes de bolachas, cigarros, doces, pilhas para lanterna, roupas etc., não se tendo em conta,
ainda, da existência de qualquer ameaça aos trabalhadores. 20. A denúncia apenas aponta as várias
infrações trabalhistas constatadas no imóvel rural que foram corrigidas administrativamente, inclusive com a assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) pelo denunciado, como verificado
no Relatório de Fiscalização (CD-ROM). 21. Não é possível presumir, diante da necessidade de clareza
da acusação imposta pelo art. 41 do CPP (exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias), que suposto cerceamento da vontade dos trabalhadores tivesse ocorrido em virtude das precárias condições de trabalho verificadas. Na verdade, ainda que admissível entendimento contrário,
tal presunção restaria desconstituída em virtude de o Relatório de Fiscalização, em que lastreada a
denúncia, apontar que foram os trabalhadores que procuraram o emprego (logo, não houve aliciamento), a remuneração do trabalho era feita em dinheiro, não havia servidão por dívidas (truck-system),
a jornada de trabalho, embora cansativa para o homem de condições físicas normais, não ia além do
que ordinariamente se verifica no meio rural, além de que, como já foi dito e isso sequer consta também na denúncia, não havia a restrição à liberdade física dos trabalhadores, tanto que existia o fornecimento de transporte pelo empregador no trajeto Fazenda/Centro uma vez por mês, sendo certo
que o local era ainda atendido pelo serviço de moto-táxi, também utilizado pelos trabalhadores
quando necessitam se deslocar à cidade ou retornar dela à Fazenda (pág. 31 do Relatório de Fiscalização). Além disso, conforme declarações prestadas ao Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM),
os trabalhadores era naturais da própria região ou nela já residiam antes da contratação para o trabalho, parte deles, inclusive, na Cidade de Colméia/TO, distante a poucos quilômetros da Fazenda.
22. Desse modo, conclui-se que, da forma como dispostos os fatos na denúncia, os trabalhadores do
denunciado, em que pequem as precárias condições de trabalho em que inseridos, não estavam
impedidos de dar rumo às suas próprias vidas. Logo, o fato descrito na denúncia não se adéqua ao
tipo do art. 149 do CP, faltando, portanto, justa causa para o recebimento da denúncia. 23. Denúncia
rejeitada nos termos do art. 395, III, do Código de Processo Penal, c/c o art. 6º da Lei nº 8.038/1990 e
do art. 172 do Regimento Interno desta Corte. (PROCESSO: 00161300620114050000, PIMP66/PB,
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA, Pleno, JULGAMENTO: 12/09/2012,
PUBLICAÇÃO: DJE 17/09/2012 - Página 103)
9. QUESTÕES
01.
(JUIZ DO TRABALHO - 23 Região - 2007 - TRT3) A respeito do crime previsto no art. 149 do
Código Penal (Redução a condição análoga à de escravo: pena - reclusão, de dois a oito anos,
e multa, além da pena correspondente à violência), considere as assertivas abaixo:
I.
Conduta: reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados
ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo,
por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.
II.
Nas mesmas penas do crime supracitado, incorre quem cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
III.
Nas mesmas penas do crime supracitado, incorre quem mantem vigilância ostensiva no local de
trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo
no local de trabalho.
IV.
A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido contra criança, adolescente e idosos acima
de 70 anos
V.
A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido por motivo de preconceito de raça, cor,
etnia, religião ou origem.
a)
Apenas as proposições I, II, III e V estão corretas.
b)
Apenas as proposições II, III, e IV estão corretas.
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Cap. IV • CRIMES FEDERAIS NO CÓDIGO PENAL
02.
03.
c)
Apenas as proposições III e IV estão incorretas.
d)
Apenas as proposições III, IV e V estão incorretas.
e)
Todas as proposições estão corretas.
77
(MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - 13 Região – 2007) Com relação ao crime de redução
à condição análoga a de escravo, é incorreto afirmar:
a)
a ação é pública incondicionada;
b)
tem como objetividade jurídica a organização do trabalho.
c)
o tipo é presidido pelo chamado dolo genérico.
d)
o sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, independentemente de raça, idade ou sexo.
(JUIZ DO TRABALHO SUBSTITUTO - 2008 - TRF1) No que se refere aos crimes contra a liberdade pessoal, é correto afirmar:
Constitui crime o fato de reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos
forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer
restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador
ou preposto.
a)
Verdadeiro
b)
Falso
04.
(PROCURADOR DO TRABALHO - MPT/PROCURADORIA GERAL - 2008 – PRÓPRIA) Com relação
ao crime de redução à condição análoga a de escravo, assinale a alternativa CORRETA:
I.
O bem jurídico tutelado é a liberdade individual.
II.
Trata-se de um crime instantâneo de efeitos permanentes, cuja consumação ocorre em determinado instante, mas seus efeitos são irreversíveis.
III.
O consentimento do ofendido é irrelevante.
IV.
A pena é acrescida de metade, se o crime é cometido: contra criança ou adolescente ou maior de
60 (sessenta) anos; por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
05.
a)
apenas uma das assertivas está correta;
b)
apenas duas das assertivas estão corretas;
c)
apenas três das assertivas estão corretas;
d)
todas as assertivas estão corretas;
e)
não respondida.
(JUIZ DO TRABALHO SUBSTITUTO - TRT 8ª REGIÃO/PA - 2008 - PRÓPRIA) Considerando o
crime de redução a condição análoga à de escravo, é INCORRETO afirmar:
a)
Configura o tipo penal submeter o trabalhador a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva
ou sujeitá-lo a condições degradantes de trabalho.
b)
Configura o tipo penal restringir, por qualquer meio, a locomoção do trabalhador em razão
de dívida contraída com o empregador ou preposto.
c)
Se o crime é praticado por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem há
o acréscimo de 1/3 na pena; se for praticado contra criança ou adolescente, o aumento da
pena é pela metade.
d)
A pena prevista para este crime é reclusão, de dois a oito anos, e multa, podendo ser acrescida da pena correspondente à violência.
e)
Também configura este tipo penal manter vigilância ostensiva no local de trabalho ou se
apoderar de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local
de trabalho.
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06.
07.
CRIMES FEDERAIS – Rogério Sanches Cunha • Fábio Roque Araújo
(JUIZ SUBSTITUTO - TJSE - 2008 - CESPE) Com relação às infrações penais, assinale a opção
correta.
a)
Não são crimes dolosos contra a vida a tentativa de homicídio, a instigação ao suicídio e o
aborto provocado com o consentimento da gestante.
b)
São crimes sujeitos ao procedimento do tribunal do júri o latrocínio, a ocultação de cadáver
e a lesão corporal seguida de morte.
c)
Os crimes de posse sexual mediante fraude e sedução foram revogados e, portanto, não
são mais condutas típicas.
d)
O agente que reduz alguém a condição análoga à de escravo, sujeitando-o a condições
degradantes de trabalho, terá sua pena aumentada se o crime for cometido por motivo de
preconceito de raça ou cor.
e)
O agente que reconhece como verdadeira, no exercício da função pública, firma ou letra
que sabe ser falsa pratica crime contra a administração pública.
(JUIZ DO TRABALHO SUBSTITUTO - 2008 - TRF1) No que se refere aos crimes contra a liberdade pessoal, é correto afirmar:
A pena pela restrição de liberdade, em razão de trabalho escravo, é aumentada de metade, se o crime
for cometido contra criança ou adolescente ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia,
religião ou origem.
a)
Verdadeiro
b)
Falso
GABARITO
01
A
02
B
03
A
05
C
06
D
07
A
04
B
TÍTULO II
DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO
CAPÍTULO IV
DO DANO
~ DANO CONTRA O PATRIMÔNIO DA UNIÃO
Art. 163. Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:
Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.
Dano qualificado
Parágrafo único. Se o crime é cometido:
(...)
III – contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços
públicos ou sociedade de economia mista;
(...)
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa, além da pena correspondente
à violência.
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