{Nome da seção} Artigo Primos gêmeos, primos de Sophie Germain e o Teorema de Brun Carlos Gustavo Moreira (IMPA) Fabio Enrique Brochero Martínez (UFMG) Erdős provou que L < 1 e Maier que L ≤ 0, 248. Apenas em 2005, D. A. Goldston, J. Pintz e C. Y. Yıldırım provaram que L = 0 (ver [4]). De fato eles provaram bem mais (ver [5]): dentre outros resultados, eles mos- O s números primos podem ser considerados os ti- traram que jolos fundamentais da aritmética, e a estrutura lim inf do conjunto dos números primos tem inquietado gerações de matemáticos de todos os tempos. Depois de tantos anos de trabalho intenso de muitos matemáticos, a quantidade de problemas abertos e conjecturas sobre números primos é muito grande. Uma de tais conjecturas versa sobre os chamados pri- Por outro lado, o matemático norueguês Viggo Brun inventou a teoria do crivo combinatório e provou, em 1917 (ver [2]), que primos gêmeos são escassos no seguinte sentido: se π2 ( x ) = #{ p ≤ x | p e p + 2 são primos} mos gêmeos; dois números primos p e q são chamados primos gêmeos se | p − q| = 2. Conjectura-se, mas não se sabe demonstrar até agora, que existem infinitos pa- res de primos gêmeos. Se esse for o caso, teremos lim inf( pn+1 − pn ) = 2, em que pn denota o n-ésimo n→∞ primo. Por outro lado, são conhecidos pares de primos gêmeos bastante grandes, como 65516468355 · 2333333 ± é o número de pares de primos gêmeos até x então existe uma constante A > 0 tal que x (log log x )2 . π2 ( x ) ≤ A (log x )2 Em particular, isto implica que 1, que têm 100355 dígitos cada. ∑ Em geral, sabe-se muito pouco sobre o comportamento da função dn = pn+1 − pn , como veremos a seguir. O Teorema dos Números Primos, provado independentemente por Jacques Hadamard e Charles-Jean de la Vallée Poussin, em 1896, equivale a dizer que pn = 1. lim n→∞ n log n Isso mostra que, “em média”, dn é da ordem de log n. A conjectura de que existem infinitos primos gêmeos equivale a dizer que lim inf dn = 2. Mas não se sabe provar nem que lim inf dn < +∞. Por outro lado, definindo-se dn , L = lim inf log pn dn < ∞. log pn (log log pn )2 p primo gêmeo 1 < +∞ , p enquanto sabemos que a soma sobre todos os primos ∑ p primo 1p diverge (Teorema 7). Apresentar uma prova deste resultado, da forma mais elementar e autocontida possível, é um dos principais objetivos deste artigo. Brun provou posteriormente, em [3], que π2 ( x ) < 100x (log x )2 para x suficientemente grande. Acredita-se, mas não se sabe demonstrar, que π2 ( x ) seja assintótico a Cx/(log x )2 para alguma constante positiva C. Deixamos como exercício provar a seguinte caracterização de Matemática Universitária nos 48/49 93 {Artigo} primos gêmeos devida a Clement: Seja n ≥ 2. Os inteiros n e n + 2 são ambos primos se, e somente se, 4((n − 1)! + 1) + n ≡ 0 temos q = p pois q | x, assim q | py p−1 =⇒ q | y, mas então z ≡ −y ≡ 0 (mod q) e q dividiria simultanea- mente x, y, z, contrariando a hipótese mdc( x, y, z) = 1. (mod n(n + 2)) ; Assim, pela fatoração única em primos existem inteiros bem como a seguinte generalização para primos com a, d tais que ap = y + z diferença d: se n e d são inteiros maiores que 1 com mcd(n, d!) = 1, tem-se que n e n + d são primos se, e somente se, d!d((n − 1)! + 1) + n(d! − 1) ≡ 0 (mod n(n + d)) . Este último problema foi proposto pelo professor André Contiero, da Universidade Federal de Alagoas, para a II Competição Iberoamericana Interuniversitária de Matemática, realizada em 2010 no Rio de Janeiro. Outra família interessante de números primos é formada pelos primos p para os quais 2p + 1 também é primo – os chamados primos de Sophie Germain. Este nome é usado porque a matemática francesa Sophie Germain provou o chamado primeiro caso do Último Teorema de Fermat para primos p desta forma. Devemos destacar que Andrew Wiles, em colaboração com seu então aluno Richard Taylor, mostrou, em 1994, um resultado sobre curvas elípticas que, como consequência, implica o Último Teorema de Fermat. Proposição 1 (Sophie Germain). Se p e 2p + 1 são primos com p > 2, então não existem inteiros x, y, z com mdc( x, y, z) = 1 e p xyz tais que x p + y p + z p = 0. e d p = y p−1 − y p−2 z + · · · − yz p−2 + z p−1 . Analogamente, existem b, c, e, f inteiros tais que b p = x + z , e p = x p−1 − x p−2 z + · · · − xz p−2 + z p−1 c p = x + y , f p = x p−1 − x p−2 y + · · · − xy p−2 + y p−1 Como 2p + 1 | xyz, podemos supor sem perda de ge- neralidade que 2p + 1 | x. Assim, de 2x = b p + c p − a p , temos que 2p + 1 | b p + c p − a p e o mesmo argumento no início da demonstração mostra que 2p + 1 | abc tam- bém. Mas se 2p + 1 | b = x + z ou 2p + 1 | c = x + y, como 2p + 1 | x e x p + y p + z p = 0 teríamos que 2p + 1 | mdc( x, y, z) = 1, um absurdo. Por outro lado, temos f p ≡ y p−1 (mod 2p + 1) e, se 2p + 1 | a, então 2p + 1 d e y ≡ −z (mod 2p + 1) =⇒ d p ≡ py p−1 (mod 2p + 1). Assim, 2p + 1 | f , pois caso contrário teríamos ± p ≡ p f p ≡ py p−1 ≡ d p ≡ ±1 (mod 2p + 1), um absurdo. Mas neste caso, 2p + 1 | z também, o que é impossível já que mdc( x, y, z) = 1, completando a prova. Podemos mencionar também o seguinte resultado, Demonstração. Observe inicialmente que 2p + 1 | xyz: caso contrário, pelo Pequeno Teorema de Fermat, x2p ≡ que relaciona primos de Sophie Germain com números 1 (mod 2p + 1), o que equivale a ( x p − 1)( x p + 1) ≡ 0 (mod 2p + 1). Assim, temos que x p ≡ ±1 (mod 2p + 1) e, analogamente, y p ≡ ±1 (mod 2p + 1) e z p ≡ ±1 (mod 2p + 1). Mas x p + y p + z p ≡ ±1 ± 1 ± 1 ≡ 0 (mod 2p + 1), um absurdo. Por outro lado, temos de Mersenne, que são números da forma M p = 2 p − 1. Os 9 maiores primos conhecidos no momento são nú- p (− x ) = (y + z)(y p −1 −y p −2 z + · · · − yz p −2 +z p −1 ). Vamos mostrar que os dois fatores da direita são primos meros de Mersenne, sendo o maior deles M43112609 = 243112609 − 1. Não é difícil mostrar que, se M p é primo então p também é primo. A recíproca, no entanto, não vale, e o resultado abaixo permite exibir exemplos de primos p bastante grandes para os quais M p é composto. Proposição 2. Seja p primo, p ≡ 3 (mod 4). Então 2p + 1 entre si. Se q é um primo que divide ambos os termos, é primo (i.e. p é primo de Sophie Germain) se, e somente se, então y ≡ −z (mod q) e, portanto, 2p + 1 divide M p . 0 ≡ y p−1 − y p−2 z + · · · + z p−1 ≡ py p−1 94 Matemática Universitária nos 48/49 (mod q) ; Deixamos a prova como exercício para o leitor. {Artigo} Alguns primos de Sophie Germain bastante grandes são conhecidos, como 183027 · 2265440 − 1, que tem 79911 dígitos. Sabe-se também que se πSG ( x ) denota o número de primos de Sophie Germain menores do que x então existe C tal que πSG ( x ) < C em que u1 = hr k −1 e v1 = gr k −1 tem ordem r e a é a solu- ção do problema hg−b ≡ ( gr ) a (mod q), em que gr tem ordem r k−1 . Podemos então calcular a indutivamente e, portanto, a complexidade para calcular o logaritmo discreto depende do tamanho do maior primo que divide x (log x )2 q − 1 e linearmente da potência ao qual tal primo está para todo x. Acredita-se que πSG ( x ) seja assintótico a cx/(log x )2 temos que b é a solução do problema u1 ≡ v1b (mod q), para algum c > 0, mas não se sabe demons- trar sequer que existem infinitos primos de Sophie Germain. Na atualidade os primos de Sophie Germain têm utilidade prática nos métodos de criptografia pública RSA e ElGamal. Neste último método a chave pública consiste de três elementos (q, g, h), em que q é um primo muito grande, g é um número tal que 1 < g < q − 1 e é raiz primitiva módulo q (i.e., a ordem de g módulo q é q − 1), e h ≡ g x (mod q), em que x é a chave pri- vada. Para codificar uma mensagem M, o emissor escolhe um número y 0 e transmite ( a, b), em que a ≡ gy (mod q) e b ≡ hy M (mod q). Observemos que, para decodificar, basta calcular a− x b ≡ ( gy )− x hy M ≡ g− xy ( g x )y M ≡ M (mod q) . Assim, é possível quebrar a codificação calculando x, elevado. No caso em que q é tal que q −1 2 = p é primo, isto é, quando p é um primo de Sophie Germain, dizemos que q é um primo seguro. De fato, nesse caso a tarefa de tentar encontrar x dados q, g e h fica bastante dificultada. Em geral, dados a, b, c números inteiros positivos, primos relativos dois a dois e com exatamente um de tais números par, denotamos por π a,b,c ( x ) a quantidade de pares de números primos ( p, q) que satisfazem a condição aq − bp = c com p ≤ x. G. H. Hardy e J. E. Littlewood conjecturaram, em [6], a seguinte estimativa assintótica para π a,b,c ( x ). Conjectura 3 (Hardy, Littlewood). π a,b,c ( x ) ∼ em que C = ∏ p primo p >2 2C x a (log x )2 1− 1 ( p −1)2 ∏ p| abc p primo>2 p−1 p−2 , . isto é, calculando o chamado logaritmo discreto de h Em particular, se a = 1, b = 1 e c = 2 temos que com respeito a g módulo q. No momento são conheci- π1,1,2 = π2 , e se a = 1, b = 2 e c = 1 temos que π1,2,1 ( x ) dos métodos para calcular o logaritmo discreto “facil- é o número de primos de Sophie Germain menores do mente” quando os fatores primos de q − 1 são peque- que ou iguais a x. nos. α α De fato, se q − 1 = r1 1 · · · rl l é sua fatoração prima, definimos gi = g α (q−1)/ri i e hi = h a ordem de gi módulo q é α ri i , e temos que gix = hi (mod q). Asxi sim, se encontramos xi tais que gi ≡ hi (mod q) teα mos que x ≡ xi (mod ri i ), e portanto x pode ser calculado usando-se o Teorema Chinês dos Restos. Agora observemos que para solucionar a congruência g x ≡ h (mod q) quando a ordem de g é r k , do algoritmo da divisão temos que encontrar 0 ≤ b < r e 0 ≤ a < r k−1 tais que x = ar + b. Mas como h r k −1 ≡ (g r k −1 )x ≡ g ar k +br k−1 e α (q−1)/ri i ≡ (g r k −1 )b (mod q) , Um fato importante sobre números primos é que a série de seus inversos diverge, isto é, ∑ p primo 1 = +∞ . p Um interessante argumento devido a Erdös dá uma prova deste fato: supondo que N ∈ N tal que ∑ p primo p≥ N ∑ p primo 1 p < +∞, existe 1 1 < . p 2 Matemática Universitária nos 48/49 95 {Artigo} Vamos considerar a decomposição N = A ∪ B em que A = {n ∈ N | todos os fatores primos de n (começando com k = 5; até k = 5 segue de π (n) ≤ n/2 para n ≥ 4). Daí segue que se 2k < x ≤ 2k+1 então são menores que N } e B = N \ A. Sejam p1 , p2 , . . . , pk todos os primos menores que N. Fixemos M ∈ N. Se n ∈ A e n ≤ M, então α α n se fatora como p1 1 p2α2 . . . pk k , em que α j ≤ log M k log 2 ) . k. Assim, | A ∩ [1, M ]| ≤ (1 + log M log 2 , ∀ j Por outro lado, a N e, portanto, ∑ p primo p≥ N M p ≤M ∑ p primo p≥ N 1 M . < p 2 Como M = |N ∩ [1, M ]| = | A ∩ [1, M ]| + | B ∩ [1, M ]| < log M k log M k M +M , temos < + para todo 1 1 + log 2 2 2 log 2 M ∈ N, o que é absurdo, pois lim M→+∞ 1 M log M 1+ log 2 k = 0. Agora, mostremos algumas estimativas sobre números primos. Proposição 4 (Chebyshev). Seja π ( x ) a quantidade de primos menores do que ou iguais a x. Existe uma constante positiva C tal que π (x) < C Demonstração. Observemos inicialmente que (2n n) = tão a maior potência de p que divide n! é pα , em que n n n α= + 2 + 3 +··· p p p Observe que a soma acima é finita, pois os termos são nulos para i grande. n < p ≤ 2n. Como 2n 2n < ∑ = 22n , k n 0≤k ≤2n gue que nπ (2n)−π (n) < 22n (pois todos esses primos são tores. Dentre estes últimos, os que são múltiplos de p3 contribuem com mais um fator p e assim por diante, resultando na fórmula acima. Proposição 6. ∑ p primo p≤n 2n log 2 . log n n! = π (2 96 k +1 )≤ Matemática Universitária nos 48/49 k ∏ p vp , em que vp = ∞ ∑ k =1 p primo p≤n n pk . Tomando logaritmos, temos n ∑ log k = p ∑ k =1 v p log p primo p≤n e, como n −1 < p n ≤ vp < p ∞ ∑ k =1 n n = , k p − 1 p segue que Isso implica facilmente, por indução, que 5 · 2k log p = log n + O(1) . p Demonstração. Pela Proposição 5, temos maiores que n), donde (π (2n) − π (n)) log n < 2n log 2 π (2n) − π (n) < pi múltiplos entre 1 e n. Destes, os que são múltiplos de p2 contribuem com um fator p extra e há pn2 tais fa- segue que o produto dos primos entre n e 2n é menor do que 22n . Como há π (2n) − π (n) primos como esses, se- n Demonstração. No produto n! = 1 · 2 · . . . · n, apenas os múltiplos de p contribuem com um fator p. Há np tais é múltiplo de todos os primos p que satisfazem e é uma função crescente para x ≥ 3. Proposição 5 (Fatores do Fatorial). Seja p um primo. En- x log x para todo x ≥ 2. (2n)! n!n! x log x pois f ( x ) = 5 · 2k 5x log 2 , ≤ k log x ≤ todo elemento de B tem um fator primo maior ou igual | B ∩ [1, M]| ≤ π (x) ≤ ∑ p primo p≤n n − 1 log p ≤ p n ∑ log k ≤ ∑ k =1 p primo p≤n n log p . p−1 {Artigo} Ou seja, n 1 n ∑ log k − ∑ k =1 p primo p≤n está entre − 1 n ∑ p primo p≤n 1 n ∑ p primo p≤n ∑ p primo p≤n log p ≤ p ( p − 1) O resultado segue, pois 1 n ∑ k ≥1 1 k 3 2 n ∑ log k = log n + O(1). k =1 de crescimento da soma dos inversos dos primos. 1 k O resultado é consequência do lema anterior, já que ∑ k =2 1 k log k = log log n + O(1). Veremos a seguir algumas ferramentas que serão úteis para a prova do Teorema de Brun. Uma função f definida sobre N >0 é dita multiplica- Teorema 7. ∑ p primo p≤n 1 = log log n + O(1) . p ∑ p primo p≤k def caso contrário log p = log k + O(1) . p Assim, por “integração por partes” discreta, temos 1 = p n a ∑ logk k = k =2 Sk d(n) = número de divisores de n e def σ (n) = soma dos divisores de n . Deixamos para o leitor mostrar o fato mais geral de que para todo número real k a função def σk (n) = n S −S ∑ k log kk−1 k =2 1 Sn 1 − + ∑ log k log ( k + 1 ) log ( n + 1) k =2 n 1 1 = ∑ log k − + O (1) log k log(k + 1) k =2 n = mdc( a, b) = 1 então f ( ab) = f ( a) f (b). Algumas fun- se k é primo e Sn = ∑nk=1 ak . Pela proposição anterior, temos que Sk = tiva se dados dois números naturais a e b tais que ções multiplicativas importantes são Demonstração. Defina log k k ak = 0 ∑ ≤ n 1 1 −∑ k log ( k + 1 ) ( k + 1 ) log ( k + 1 ) k =2 k =2 n 1 1 ≤ ∑ − = O (1) . k k+1 k =2 n = O (1) . A proposição anterior nos permite estimar a ordem p primo p≤n x k n ∑ 1 π (n) log n , n log p ≤ k +1 dx e então esse termo, pela Proposição 4, é O(1). Por outro lado, 1 ≤ k+1 1 log(k + 1) − log k 1 ≤ ≤ (k + 1) log(k + 1) log(k + 1) k log(k + 1) log p . p ( p − 1) ∑ em que a última igualdade segue do fato de que implica log p p primo p≤n e Como log p p ∑ dk d|n é multiplicativa. Assim, em particular, d(n) = σ0 (n) e σ (n) = σ1 (n) são multiplicativas. O seguinte teorema nos mostra uma forma de construir funções multiplicativas. Teorema 8. Se f é uma função multiplicativa então a função n = log(k + 1) − log k + O (1) log(k + 1) k =2 ∑ F (n) = d|n n 1 = ∑ + O (1) , (k + 1) log(k + 1) k =2 ∑ f (d) é também multiplicativa. Matemática Universitária nos 48/49 97 {Artigo} Demonstração. Sejam a e b inteiros tais que mdc( a, b) = 1. Então F ( ab) = ∑ ∑ f (d) = d| ab ∑ = f ( d1 ) f ( d2 ) = d1 | a,d2 |b = ∑ f ( d1 ) d1 | a Nesta seção, provaremos o teorema de Brun, segundo o f ( d1 d2 ) d1 | a,d2 |b qual a série dos inversos dos primos gêmeos converge. ∑∑ f ( d1 ) f ( d2 ) d1 | a d2 | b ∑ f ( d2 ) = F ( a ) F ( b ) . d2 | b Definimos a função de Möbius µ : N >0 → Z por 1 se n = 1 µ(n) = 0 se a2 | n para algum a > 1 (−1)k se n é produto de k primos distintos. Facilmente se comprova que a função de Möbius é multiplicativa. Além disso, vale o seguinte lema. número primo. De fato, ∑ µ(d) = ∑ µ( p j ) = 1 − 1 = 0 , j =0 como queríamos demonstrar. Teorema 10 (Fórmula de inversão de Möbius). Seja f (n) uma função multiplicativa e F (n) = ∑d|n f (d). Então, para todo inteiro positivo n, n f (n) = ∑ µ(d) F . d d|n ∑ µ(d) ∑n ∑ d|m ω (d)≤2l −1 µ(d) ≤ ∑ µ(d) ≤ ∑ d|m µ(d) , d|m ω (d)≤2l em que ω (d) denota o número de fatores primos distintos de d. que ∑ µ(d) = s ∑ ∑ j =0 d|m ω (d)≤s d|m ω (d)= j µ(d) = k ∑ j (−1) j , j =0 s ∑n µ(d) f (d1 ) = ∑ ∑n µ(d) f (d1 ) d1 | n d | d ∑ µ(d) = d| dn 1 Em particular, se s é par então ∑sj=0 (kj)(−1) j ≥ 0 e se s é ímpar então ∑sj=0 (kj)(−1) j ≤ 0, como queríamos demonstrar. inteiros primos entre si. O número de soluções de x (bx + d1 | d f ( d1 ) (−1) j e existem (kj) produtos de j primos distintos que dividem m. Por outro lado, s s k k−1 k−1 j + (−1) j ∑ j (−1) = 1 + ∑ j j−1 j =1 j =0 s k−1 . = (−1) s Lema 12. Sejam m um produto de primos distintos e b, c f ( d1 ) d | n d1 | d ∑ Lema 11. Sejam m e l números naturais com l ≥ 1. Então pois se d é produto de j primos distintos então µ(d) = k d1 | n seção, precisamos dos seguintes lemas. Agora seja k = ω (m). Como µ(d) = 0 implica que d rema 8, basta mostra o lema para n = pk , em que p é um = de Sophie Germain, são bem mais raros que os primos. é produto de primos distintos, então para todo s temos var. Como a função ∑d|n µ(d) é multiplicativa, pelo Teo- =∑ mostra que os primos gêmeos, assim como os primos Se m > 1, o termo do meio é igual a 0, pelo Lema 9. Demonstração. No caso n = 1 não temos nada para pro- d|n versos dos primos de Sophie Germain converge, o que Demonstração. Se m = 1, os três termos são iguais a 1. Lema 9. Para todo inteiro positivo n temos 1 se n = 1 ∑ µ(d) = 0 se n > 1. d|n Demonstração. n ∑ µ(d) F d = d|n Pelo mesmo argumento se prova que a soma dos in- Antes de enunciar a proposição fundamental desta Segue que F também é multiplicativa. d| pk 1 f ( n ) µ (1) = f ( n ) . c) ≡ 0 (mod m) contadas módulo m é def f bc (m) = d(m) = 2ω (m)−ω (mdc(m,bc)) , d(mdc(m, bc)) em que d(n) e ω (n) denotam o número de divisores de n e o número de fatores primos distintos de n, respectivamente. 98 Matemática Universitária nos 48/49 {Artigo} Demonstração. Note que toda solução de x (bx + c) ≡ 0 (mod m) é solução do sistema de congruências x≡ 0 bx ≡ −c (mod r ) (mod m r) = 1 pois m é um produto de primos distintos. Assim, pelo Teorema Chinês dos Restos, o sistema acima possui uma única solução xr módulo m, se mdc(b, mr ) = 1 ⇐⇒ mdc(m, b) | r, ou nenhuma, caso contrário, uma vez que mdc(b, c) = 1. Assim, devemos contar o número de soluções xr distintas módulo m quando r percorre os divisores de m tais que mdc(m, b) | r. Sejam r e s dois divisores de m que são múltiplos de mdc(m, b) e suponha xs ≡ xr (mod m). Temos que mmc(r,s) t = mdc(r,s) (a “diferença simétrica” dos primos que dividem r e s) divide simultaneamente xs e bxs + c, logo t | c e, como r, s | m, temos que t | mdc(c, m). Reciprocamente, dado r como antes e um divisor t de mmc(r,t) mdc(m, c), podemos definir s = mdc(r,t) , de modo que mdc(m, b) | s | m; a solução correspondente xs é tal que xs ≡ xr (mod p) para todo primo p | m, ou seja, temos xs ≡ xr (mod m). Assim, utilizando a multiplicatividade de d(n), temos que o número de soluções é 2ω ( m ) 2ω (mdc(m,bc)) = 2ω (m)−ω (mdc(m,bc)) . A seguinte proposição é baseada na exposição de Y. Motohashi ([7]) sobre o chamado método do crivo. Ela log log x implica que π2 ( x ) = O x ( log x )2 . Como dissemos x/b, defina Pa (z) como o pro- dividem a e, ainda, def A = {k(bk + c) | 1 ≤ k ≤ x } . Observemos que se y = k(bk + c) ∈ A com k e a b z, então bk +c a bk +c a > ba k > z e, portanto, mdc(y, Pa (z)) = 1. Assim, temos que primos e k > a π a,b,c ( x ) ≤ #{y ∈ A | mdc(y, Pa (z)) = 1} + π a,b,c ( z) b a < #{y ∈ A | mdc(y, Pa (z)) = 1} + z . b De fato, esta última parcela z ≤ ba xb não afeta nossa estimativa, logo basta limitar o tamanho da primeira parcela. Para isso, observemos que, pelos Lemas 9 e 11, temos, para todo l ≥ 1, #{y ∈ A | mdc(y, Pa (z)) = 1} = ≤ ∑ ∑ µ(m) y∈ A m|mdc(y,Pa (z)) ∑ y∈ A ∑ µ(m) m|mdc(y,Pa (z)) ω (m)≤2l ∑ = m| Pa (z) ω (m)≤2l µ(m)| Am | , def em que Am = {y ∈ A | m divide y}. Mas, do Lema 12, segue que x Am − f bc (m) < f bc (m) , m d(m) d(m/ mdc(m, b)) = d(mdc(m, c)) d(mdc(m, bc)) = √ duto dos primos menores do que ou iguais a z que não m) r para algum r | m. Por outro lado, para cada r | m, temos que mdc(r, Demonstração. Seja z ≤ pois de cada conjunto de m inteiros consecutivos k, exatamente f bc (m) deles são tais que m | k(bk + c). Assim #{y ∈ A | mdc(y, Pa (z)) = 1} µ(m) f bc (m) ≤x ∑ +O m m| Pa (z) ω (m)≤2l ∑ m| Pa (z) ω (m)≤2l f bc (m) . na introdução, Brun provou um resultado mais forte para primos gêmeos, isto é, π2 ( x ) = O (logx x)2 . No Como m | Pa (z) e ω (m) ≤ 2l implica que m é produto já é suficiente para garantir que a série dos inversos dos limitado como entanto, esta proposição tem uma prova mais simples e primos gêmeos converge, como veremos no final desta seção. Proposição 13. Sejam a, b, c inteiros positivos, primos rela- tivos dois a dois e com exatamente um deles par. Então log log x 2 . π a,b,c ( x ) = O x log x de no máximo 2l primos distintos menores ou iguais a z, segue que m ≤ z2l e o último somando pode ser ∑ m| Pa (z) ω (m)≤2l f bc (m) ≤ ∑ z2l = d (r ) = 1≤r ≤z2l ∑ d =1 z2l d ∑ ∑1 1≤r ≤z2l d|r ≤ z2l z2l 1 d d =1 ∑ = O(z2l log(z2l )) . Matemática Universitária nos 48/49 99 {Artigo} Portanto, o propósito é escolher z e l adequados, de tal forma que o termo limitado por z2l log(z2l ) seja pequeno comparado com o outro. Tal escolha será feita Como ( f (m))2 ∑ bc m = m| P (z) somando principal ∑ é multiplicativa, segue que ∑ a µ(m) f bc (m) m ∑ = m| Pa (z) ∑ tiplicativa e, assim, ∑ m|n µ(m) f bc (m) m µ(n) f bc (n) n m| Pa (z) ∏ q primo q| Pa (z) =A 1+ µ(q) f bc (q) q ∏ q primo 3≤ q ≤ z 2 1− q = exp O(1) − 2 ∑ q primo q≤z 1 q 100 ∑ m| Pa (z) ω (m)≥2l +1 em que −1 3 1 + 1q 1 + 4q ∏ 2 q primo 3≤q≤z,q|bc B= −1 1 + 1q 1 + 4q ∏ q primo se a é ímpar se a é par. mente “pequenos”. De fato, fazendo log x log x e l= z = exp = 5 log log x , 20 log log x 4 log z √ z2l log(z2l ) = O( x log x ) , log log x 2 −2 x (log z) = O x log x se A é ímpar se A é par. e donde f bc (m) µ(m) f bc (m) bc ( f bc (m))2 . ≤ 2−2l ∑ m 2 m m| P (z) Matemática Universitária nos 48/49 = O(log4 z) , de grandeza dos somandos à direita sejam simultanea- Para estimar o termo restante, observe que ω (m) ≥ Assim, Precisamos escolher z e l de tal forma que a ordem 3≤q≤z,q|bc bc −2l f bc (m)2 . 22 ∑ q primo q≤z 1 q temos que em que −1 1 2 1 − − 1 1 ∏ 2 q q q primo 3≤q≤z,q|bc A= −1 1 2 1 1 − − ∏ q q q primo 22l +1 bc , 3≤ q ≤ z O( x (log z)−2 ) + O( x2−2l log4 z) + O(z2l log(z2l )) . = O((log z)−2 ) , ≥ #{y ∈ A | mdc(y, Pa (z)) = 1} = = exp (O(1) − 2 log log z) 2l + 1 implica f bc (m) Desta forma obtemos 3≤ q ≤ z 3≤q≤z,q|bc 2 = A exp ∑ log 1 − q q primo 4 1+ q é = exp (O(1) + 4 log log z) também é multiplica- de onde temos que µ(m) f bc (m) = m ( f bc (q))2 q = exp O(1) + 4 é mul- tiva (Teorema 8). Logo podemos utilizar o Teorema 7, 1+ ( f bc (n))2 n 4 = B exp ∑ log 1 + q q primo que cada um destes termos seja dominado por log log x O ( log x )2 . Para isto, observemos que a função ∏ µ(m) f bc (m) . m m| Pa (z) ω (m)≥2l +1 q primo 3≤ q ≤ z Assim, temos que dar valores a z e l de tal forma ∑ ∏ q primo q| Pa (z) =B µ(m) f bc (m) − m m|n multiplicativa e, portanto, mais para frente e dependerá também da limitação do m| Pa (z) ω (m)≤2l ( f bc (n))2 n a ≤ O( x2−2l log4 z) = O( x exp(−10 log 2 log log x ) · log4 z) 4 log x −6 = O x log x · log log x x , =O (log log x )4 log2 x {Artigo} pois 10 log 2 > 6. Isto completa a prova, pois as fun√ x ções x log x e são dominadas pela fun(log log x )4 log2 x 2 log log x ção x . log x [3] B RUN , V. Le crible d’Eratosthène et le théorème de Goldbach. Kristiania: En Comissión chez J. Dybwad, 1920. 36 p. (Videnskapsselskapets Skrifter 1, Mathematisk-Naturvidenskabelig Klasse, n. 1 1 1 1 Corolário 14. A soma ∑ p = 3 + 5 + 11 + p,p+2 primos 1 1 + + · · · é convergente. 17 29 [4] G OLDSTON , D. A.; P INTZ , J.; Y ILDIRIM , C. Y. Demonstração. Do fato que no intervalo [2n−1 , 2n ] o me- 170, n. 2, p. 819–862, 2009. Disponível também em nor primo é maior que 2n−1 e o número de primos gê- arxiv.org/abs/math/0508185. meos nesse intervalo é menor que π2 (2n ), segue que ∑ p,p+2 primos 1 = p ∞ ∑ n =1 ∞ 1 p ∑ p,p+2 primos 2n −1 ≤ p <2n π (2n ) ≤ ∑ 2n−1 n =1 2 ∞ 2n ( log n )2 n =O ∑ 2n +1 n =1 ∞ log n 2 , =O ∑ n n =1 que claramente é finito, já que esta última soma é domi∞ nada por ∑ n =1 1 nα para todo α com 1 < α < 2. Convidamos o leitor a modificar a prova do teorema para provar o seguinte resultado. de n é maior do que y}. Se y ≤ exp(log x/10 log log x ) Φ( x, y) = O x log y Primes in tuples I. Annals of Mathematics (2), v. [5] G OLDSTON , D. A.; P INTZ , J.; Y ILDIRIM , C. Y. Primes in tuples II. Acta Mathematica, v. 204, n. 1, p. 1–47, 2010. Disponível também em arxiv.org/abs/0710.2728. [6] H ARDY, G. H.; L ITTLEWOOD , J. E. Some problems of ‘partitio numerorum’; III: on the expression of a number as a sum of primes. Acta Mathematica, v. 44, n. 1, p. 1–70, 1923. [7] M OTOHASHI , Y. An overview of the sieve method and its history. Sugaku Expositions, v. 21, p. 1–32, 2008. Disponível também em arxiv.org/abs/math/0505521. Carlos Gustavo Moreira [email protected] Teorema 15. Seja Φ( x, y) = #{n ≤ x | todo divisor primo então 3) Fabio Enrique Brochero Martínez [email protected] . [1] B ROCHERO M ARTÍNEZ , F. E.; M OREIRA , C. G.; S ALDANHA , N. C.; T ENGAN , E. Teoria dos números: um passeio com primos e outros números familiares pelo mundo inteiro. Rio de Janeiro: IMPA, 2010. (Projeto Euclides) 1 1 1 1 1 + 17 + 11 + 13 + 17 + 19 + 29 + 1 1 1 1 1 31 + 41 + 43 + 59 + 61 + . . . où les dénominateurs sont “nombres premiers jumeaux” est convergente ou finie. Bulletin des Sciences Mathématiques (2), v. 43, p. 100–104, 124–128, 1919. [2] B RUN , V. La série 1 5 Matemática Universitária nos 48/49 101