Esclarecimentos sobre o Behaviorismo: Uma Réplica a Japyassú

Propaganda
Revista de Etologia 2000, Vol.2,
N°1, 43-55
Esclarecimentos
sobre o Behaviorismo: uma réplica a Japyassú
Esclarecimentos sobre o Behaviorismo: Uma Réplica a Japyassú
MARCUS BENTES DE CARVALHO NETO
Universidade Estadual Paulista - Bauru
Em artigo anterior (Revista de Etologia, 1999) Japyassú teceu considerações sobre as propostas behavioristas de
J. B. Watson (1878-1958) e B. F. Skinner (1904-1990), classificando-as de (1) ambientalistas (ignorariam as
variáveis internas biológicas, adotando o modelo de “tabula rasa,” “organismo vazio” e “caixa preta” e defenderiam a aprendizagem como um mecanismo sem limites); (2) reducionistas (reduziriam tudo a esquemas
S→R e dariam atenção exclusiva aos eventos externos observáveis) e (3) mecanicistas (os organismos seriam
passivos, apenas reagiriam aos estímulos externos e seriam desprovidos de criatividade). O presente trabalho
aponta algumas imprecisões históricas e conceituais nessa caracterização a partir de uma consideração e de
uma análise de obras originais dos dois autores citados e de outros behavioristas contemporâneos. Sugere-se
que um diálogo produtivo entre a etologia e a análise do comportamento só será possível após uma compreensão acurada das propostas originais de cada disciplina.
Descritores: Behaviorismo. Watson. Skinner. Etologia. Biologia do comportamento.
Understanding Behaviorism: a reply to Japyassú. In a previous paper (Revista de Etologia, 1999), Japyassú
characterized Watson´s (1878-1958) and Skinner´s (1904-1990) behavioristic approaches as (1)
environmentalist (ignoring internal biological variables, adopting “tabula rasa”, “empty organism” and “black
box” assumptions, and assuming that learning obeys no constraints); (2) reductionistic (all behavior interpreted
according to a S→R paradigm and only externally observable events taken as relevant to a behavioral
explanation) and 3) “mechanistic” (organisms taken as passive entities, like machines responding to external
stimuli, without creativity). The present article, based on an analysis of original works of Watson and Skinner
and of contemporay behaviorists, discusses some historical and conceptual misrepresentations about
behaviorism. It is concluded that a productive dialog between ethology and behavior analysis depends on a
more accurate understanding of the original proposals of each scientific discipline.
Index terms: Behaviorism. Watson. Skinner. Ethology. Behavioral biology.
aos problemas existentes na caracterização destes dois autores behavioristas e que ela não coloca em dúvida o mérito do texto de Japyassú
como um todo. Acredito que um diálogo produtivo entre as diversas áreas da pesquisa do
comportamento, e em particular entre a Análise do Comportamento (tendo por ciência a Análise Experimental do Comportamento, AEC, e
o Behaviorismo Skinneriano ou Radical por fi-
Em artigo publicado em 1999, Japyassú
se propõe descrever algumas das bases históricas da Psicologia e da Biologia que, de alguma
forma, acabaram afetando a constituição da
Etologia. Alguns impasses contemporâneos no
estudo do comportamento animal teriam, segundo ele, suas raízes nestas bases. Ao longo de
seu artigo, tece algumas considerações acerca
do Behaviorismo de J. B. Watson (1878-1958)
e B. F. Skinner (1904-1990) que merecem reparos. Nota-se que a presente análise diz respeito
Estou em dívida com os professores Amauri Gouveia
Jr, Tony Nelson, Angélica Capelari, Lourenço Barba, Jair Lopes Jr., Maria de Lourdes Passos e Emmanuel Zagury Tourinho, pela leitura atenta, sugestões e críticas enriquecedoras ao manuscrito inicial.
Agradecimentos especiais à Carol Vieira, pela paciência e carinho durante a elaboração desse artigo.
Marcus Bentes de Carvalho Neto, Departamento de
Psicologia, UNESP-Bauru, Rua Campos Salles, 4-28
Vl. Falcão Bauru-SP 17050-000 E-mail:
[email protected] ou [email protected]
43
Marcus Bentes de Carvalho Neto
funcionamento do mundo. Há um tratamento
sim para a “subjetividade” ou “vida interna” no
Behaviorismo de Skinner e os eventos “privados” podem ser analisados pela ciência (Machado, 1997; Malerbi & Matos, 1992; Matos, 1997a,
1997b; Moore, 1995; Skinner, 1945, 1953/1965,1
1957, 1969, 1974/1976, 1989, 1990; Tourinho,
1995, 1999; Zuriff, 1979). O assunto será retomado com maiores detalhes mais adiante.
losofia dessa ciência) e a Etologia, estaria prejudicada se não houvesse uma compreensão maior da história, pressupostos filosóficos, objetivos, objeto de estudo, variáveis causais, métodos
de investigação, principais conceitos e implicações práticas e teóricas de cada campo de conhecimento constituído. Os esclarecimentos a
seguir têm por objetivo desfazer alguns equívocos históricos e conceituais sobre o Behaviorismo e fornecer alguns elementos para o entendimento entre a Etologia e a Análise do
Comportamento.
A proposição (2) está relacionada à (3) e
à (1) e gera uma ambigüidade ou um paradoxo: como um modelo que promove a “completa
desconsideração” da vida interna poderia, ainda assim, não negar a existência de “estados internos e predisposições inatas,” colocando-as
apenas em segundo plano? Mesmo que não
houvesse um paradoxo, mas apenas uma imprecisão de termos (há diferentes tipos de eventos internos, mentais e genéticos/fisiológicos, por
exemplo, e cada um receberia um tratamento
diferenciado por parte de Skinner e,
consequentemente, por parte de Japyassú),
colocá-los indiferenciadamente sob o rótulo de
“internos” poderia induzir a generalização. Mesmo após os esclarecimentos sobre possíveis interpretações distintas para distintos tipos de
“internalidade,” o assunto “caixa preta” ainda
mereceria algumas considerações relacionadas
à suposta ênfase ambientalista de Skinner e
Watson. A posição de Japyassú ganha contornos mais nítidos no decorrer do seu texto e retomar-se-á a discussão adiante quando a sua
crítica for detalhada.
Sobre a “caixa-preta” behaviorista e as
unidades de análise de um episódio
comportamental
No início do seu artigo, Japyassú enuncia quatro proposições sobre o Behaviorismo:
tanto Watson quanto Skinner, (1) condenariam
a pretensão de ir além do observável, e por isso
teriam ignorado completamente a introspecção
e a vida interior; (2) teriam aderido à concepção de “caixa preta,” onde variáveis fisiológicas
e genéticas seriam ignoradas; (3) não negariam
a existência de estados internos e predisposições inatas, só as colocariam em segundo plano, enfatizando a aprendizagem; (4) em seus
modelos explicativos, decomporiam o ambiente em “estímulos” (e não mais em “situaçõesproblemas”) e “respostas unitárias” (e não mais
em “ações que transformam o ambiente para a
solução de problemas”).
Em relação à proposição (4), é interessante notar que o conceito de estímulo é apenas
um instrumento de análise para a compreensão do meio, ou seja, no caso da “situação-problema,” há diversas partes de um ambiente restrito que afetariam o responder e que poderiam
ser descritas de forma decomposta em “estímulos” (uma luz, um som, uma alavanca, etc.) ou
ainda em termos de diferentes “propriedades”
desses estímulos (no caso da luz, o comprimento de onda, o brilho, o calor, etc.). A solução de
um problema envolveria uma cadeia comportamental que poderia ser entendida de forma
mais microscópica como uma seqüência de res-
Em relação ao item (1), no caso específico da posição de Skinner, não se trata de ignorar os fatos da introspecção e da chamada vida
interior e sim de questionar a sua interpretação
tradicional. Existem eventos que ocorrem debaixo da pele; não é isso que está em jogo, mas
sua natureza e seu papel na determinação das
ações. A “observação pública” e a “verdade por
consenso,” onde um fenômeno passível de investigação deve ser acessível diretamente a pelo
menos dois observadores distintos, não são os
critérios, no Behaviorismo Radical pelo menos,
de validação científica de uma asserção sobre o
44
Esclarecimentos sobre o Behaviorismo: uma réplica a Japyassú
te e que, portanto, está apta a ser moldada em
qualquer direção.” (pp. 50-51).
postas e estímulos (puxar a alavanca à porta se
abre à andar em direção à porta aberta à sair da
caixa à acesso ao alimento). No caso do equipamento de Thorndike, o final da cadeia previa
duas conseqüências principais: sair da caixa e
acesso ao alimento. O repertório comportamental que produziu tais conseqüências envolve uma
série de respostas e outros estímulos (com função reforçadora para a resposta anterior e
discriminativa para a próxima). É possível descrever toda a cadeia de forma unitária ou em
bloco como “resolver o problema” e chamar o
contexto em que isso ocorreu de “situação-problema,” mas poderia haver uma perda na compreensão da seqüência e riscos em apontar um
controle ambiental demasiadamente genérico,
perdendo-se certas sutilezas na relação organismo-ambiente. Na Análise Experimental do
Comportamento, a área denominada controle
de estímulos tem se deparado com muitos casos
em que um contexto específico, inicialmente
tomado como uma coisa só, pode ser entendido
como controlando a ação através de diversos
estímulos e de diversas propriedades distintas
desses estímulos que constituem o “todo” inicial. Há importantes implicações, para o ensino
humano, tanto da consideração de cadeias comportamentais complexas quanto do ambiente
como um conjunto de estímulos com diferentes
propriedades (ver Matos, 1993). Além disso, a
adoção das unidades S e R não implica o uso de
um paradigma S→R, limitado a descrição de relações “reflexas” ou “respondentes.”
Sobre o item (5), conceber Skinner como
um ambientalista e conceber o ambientalismo
como seu ponto alto, é simplificar perigosamente a proposta desse autor. Sua perspectiva se
encaixa razoavelmente bem no que Japyassú
chama de posição interacionista. Japyassú menciona contudo dois aspectos que poderiam
inviabilizar essa interpretação: como Watson,
Skinner afirmaria que o organismo não tem uma
“estrutura relevante” e que a aprendizagem não
tem limites. Japyassú se refere a uma obra de
Skinner para chegar a tais conclusões, trata-se
justamente de um material que não poderia deixar dúvidas sobre uma concepção multideterminista do fenômeno comportamental: Selection
by Consequences. O artigo foi publicado na revista Science em 1981 e depois reimpresso em 1984
(Skinner, 1981/1984a) em The Behavioral and
Brain Sciences, onde um intenso debate foi possível com pensadores de várias áreas, inclusive
biólogos do comportamento do porte de
Dawkins e Maynard Smith. Tal artigo se dedica
em grande parte a desqualificar tais críticas (ver
especialmente as réplicas de Skinner aos biólogos e psicólogos). Japyassú poderia dizer, contudo, que a crítica não procede, pois ela teria
por alvo o “Skinner jovem” e não o “Skinner
maduro,” autor do Selection by Consequences. Se
assim for, há ainda dois problemas: (a) até a
página 56 (o artigo inicia na 47) Japyassú fala
de Behaviorismo watsoniano e skinneriano quase indistintamente e descreve as idéias de
Skinner de forma monolítica, só vindo a sinalizar a existência de possíveis “matizes” ao longo
dos seus trabalhos na página 57; (b) Acertaria
se dissesse que Skinner alterou algumas de suas
posições ao longo da vida (transição do conceito de “reflexo” para o de “operante” (Iversen,
1992 e Sério, 1990), mas parece errar se acreditasse que ele mudou nesse aspecto particular.
Da sua tese de doutorado transformada em livro em 1938 (Skinner, 1938), passando por seus
clássicos dos anos 50, Science and Human Behavior
(Skinner, 1953/1965) e Verbal Behavior (Skinner,
1957), até trabalhos específicos sobre o assunto
Retomando o tema da “caixa-preta,”
Japyassú (1999) aponta para dois aspectos importantes (pp. 50-51): (5) Skinner representa o
“clímax” da abordagem ambientalista; (6)
Watson teria supostamente demonstra seu desprezo pela base biológica na determinação do
comportamento ao afirmar que poderia formar
qualquer tipo de profissional ou de personalidade utilizando-se apenas das leis da aprendizagem e do condicionamento (na clássica passagem sobre as doze crianças, “... numa clara
indicação de que a aprendizagem é a toda poderosa e de que o organismo é uma tabula rasa,
uma entidade despossuída de estrutura relevan-
45
Marcus Bentes de Carvalho Neto
condicionamento respondente e operante que
seriam as marcas da evolução filogenética em
cada espécie.
inato x aprendido nos anos 60, 70 e 80 (Skinner,
1966/1984b, 1969, 1975, 1977, 1984c, 1989),
não há elementos inequívocos que justifiquem
considerá-lo como adepto da “tabula rasa” ou
da “caixa preta.” É verdade que Skinner, ao longo do tempo, passa a tratar mais vezes e mais
especificamente do assunto, mas isso ocorre para
explicar com maior clareza e detalhes sua posição original do que para revê-la em essência
(para uma posição discordante, ver Micheletto,
1997a). Os ingredientes que Japyassú identifica em 1981 como uma amostra da “evolução”
do pensamento de Skinner, já estão quase inteiramente presentes em 1966/1984b quando
Skinner responde ao livro de Lorenz (1965) do
ano anterior que, entre outras coisas, atacava
genericamente o Behaviorismo, e o acusava de
desprezar as variáveis biológicas e de trabalhar
com uma noção irrealista de aprendizagem (em
relação ao seu alcance e à sua origem).
Sobre o item (6), segundo o qual Watson
teria ignorado as variáveis de ordem biológica
e feito seu desafio a respeito das “doze crianças,” alguns esclarecimentos históricos precisam
ser dados. A célebre passagem do livro de
Watson de 1924 é apresentada muitas vezes, por
vários autores, em diferentes épocas, como uma
prova cabal de sua posição intransigente diante
dos determinantes internos, em particular dos
biológicos. É comum classificá-lo como um defensor da “tabula rasa” e dos poderes ilimitados da aprendizagem. Há porém, elementos
suficientes no livro citado para colocar sob suspeita afirmações dessa natureza. Se contextualizada apenas a frase mencionada, já se perderia muito do sentido ambientalista extremista
que lhe atribuem injustamente. Há pelo menos
três razões para isso: (a) uma delas foi ressaltada por Skinner, já em 1969:
O modelo de seleção pelas conseqüências, anunciado formalmente nos anos 80, parece
estar presente em suas linhas mestras desde pelo
menos os anos 50 (Skinner, 1953/1965). Em trabalho anterior (Carvalho Neto & Tourinho,
1999), tratou-se exatamente através de um levantamento dos escritos do autor entre 1938 e
1990, de tentar desfazer os equívocos da crítica
que tenta anunciar Skinner como um adepto
do modelo do “organismo vazio” e da “tabula
rasa.” As principais conclusões do artigo são: (a)
o conceito interacionista (organismo/ambiente)
de comportamento é avesso ao mero ambientalismo; tal expressão, em Skinner, não possui
sentido lógico nem empírico; (b) o modelo de
seleção pelas conseqüências concebe que a
filogênese, a ontogênese, as práticas culturais e
a fisiologia atuam em bloco na determinação do
comportamento; (c) o conceito de comportamento/condicionamento operante é indissociável da filogênese (tanto a “primeira resposta”
quanto a sensibilidade a determinadas conseqüências seriam “inatas”); e (d) há uma negação explícita tanto da equipotencialidade dos
estímulos na aprendizagem quanto da inexistência de limites biológicos nos processos de
condicionamento. Há restrições biológicas no
Watson não estava negando que uma parte
substancial do comportamento fosse herdada. O desafio (...) aparece no primeiro dos
quatro capítulos em que Watson descreve
“como o homem está equipado para se
comportar no nascimento.” Como especialista e entusiasta da psicologia da aprendizagem, foi além dos fatos que possuía para
enfatizar o que poderia ser feito, apesar das
limitações genéticas. Foi, como disse Gray
[(1963) The descriptive study of imprinting
in birds from 1863 to 1953. Journal of General Psychology, 68, 333-346] “um dos
primeiros e um dos mais cuidadosos pesquisadores na área da etologia animal.”
Contudo, é ele, provavelmente, o responsável pelo mito persistente do que tem sido
chamado de “dogma contrafactual do
behaviorismo”(...). E trata-se de um mito.
Nenhum estudioso do comportamento animal de
boa reputação, jamais defendeu que o animal
chega ao laboratório virtualmente como uma
tabula rasa, ou que diferenças entre espécies são
insignificantes, e que todas as respostas são
igualmente condicionáveis a todos os estímulos ....”
(p. 172-173, grifos meus).
46
Esclarecimentos sobre o Behaviorismo: uma réplica a Japyassú
“ambientais,” para que um grupo ou raça tivesse desempenhos “menores” que outros em certas escalas ou para que alguém viesse a ser um
criminoso. A posição extremista aqui era explicitamente política e sua defesa da aprendizagem
era uma defesa intransigente da democracia,
contexto onde todos teriam potencialmente as
mesmas possibilidades e deveriam ser tratados
de forma igualitária. Grandes distorções ou diferenças no repertório de uma pessoa ou de um
grupo (como por exemplo, a maior incidência
de fracasso escolar entre negros) deveriam ser
atribuídas ao ambiente cultural (condições sócio-econômicas) e não aos seus supostos “limites biológicos,” limites que, em última instância, legitimariam práticas como a eugenia.
Watson parecia aceitar a influência
limitadora de uma base biológica sobre o comportamento e a expressão “como o homem está
equipado para se comportar no nascimento”
sugere isso. Seria sobre essa base ou equipamento, construído ao longo da evolução, que a
aprendizagem (reflexa e por hábitos), também
um fruto da filogênese, edificaria uma parcela
significativa do repertório dos organismos.
Watson ainda dedicou uma parte razoável do
livro às bases fisiológicas do comportamento que
intermediariam os efeitos dos estímulos sobre
as respostas (Watson, 1924, cap. III, part I e
cap. IV, parte II).
(b) Outro ponto que mostra o equívoco
da crítica está na própria continuação da frase
watsoniana, que já seria por si só esclarecedora:
“Estou indo além dos fatos que possuo e o admito, mas também o fizeram muitos defensores
da posição contrária, e por muitos milhares de
anos” (p. 104). Watson estava reagindo a um
contexto acadêmico muito particular do início
do século XX, de uma forma admitidamente
exagerada. Sua luta era contra o uso indiscriminado e carente de base empírica dos conceitos explicativos de “instinto” e de “traços” para
explicar padrões de comportamento para os
quais ainda não se tinha demonstrado um controle ontogenético (Heidbreder, 1975). Note-se
que entre se opor ao conceito de “instinto” como
usado na época e partilhar da crença na absoluta inexistência de variáveis biológicas afetando
o comportamento, há uma razoável distância:
representaria uma mudança radical e improvável no pensamento de um autor que se dedicou
inicialmente ao estudo dos comportamentos “típicos da espécie” em pássaros no seu ambiente
natural e que é, considerado um dos grandes
nomes na história da Psicologia Comparada
(Dewsbury, 1978).
(c) Um outro aspecto, talvez o mais importante e decisivo, é o contexto político no qual
Watson fez sua afirmação. O que estava sendo
discutido era o racismo justificado geneticamente, racismo que ele atacou ferozmente, enfatizando o amplo e importante papel das circunstâncias econômicas, sociais, educacionais, ou seja,
Sobre estímulos externos, passividade do
organismo que se comporta e Psicologia
→R
S→
Japyassú (1999) afirma (p. 51) que (7)
para Skinner, o sujeito é controlado pelo “ambiente externo” e que (8) nessa abordagem, o
sujeito é “... encarado de forma passiva, como
sendo moldado pelas forças ambientais: a imagem de sujeito é a de um ser que apenas reage
(paradigma estímuloàresposta), destituído de espontaneidade e de direção” (p. 51).
A respeito da proposição (7): em 1953/
1965 Skinner define ambiente como qualquer
aspecto do universo que se mostre capaz de afetar o organismo (p. 257). Portanto, os “estímulos” não teriam um “lugar” rigidamente definido a priori (para uma recente discussão ver
Malerbi, 1997; Matos, 1997c, Micheletto, 1997b;
Tourinho, 1997). Não são necessariamente “externos” ao organismo. Devem apenas possuir
dimensões no espaço e no tempo (eventos físicos) e fazer parte do mundo natural. Há fenômenos específicos, como uma dor de dente,
onde eventos internos afetam o responder. No
caso de parte do que se convencionou chamar
de pensamento, alguns elos da cadeia (físicos e
naturais) são verbais e privados e acabam afetando os elos subsequentes “públicos,” verbais
47
Marcus Bentes de Carvalho Neto
Se os determinantes internos fossem realmente os responsáveis últimos e essenciais pelo
comportamento, especialmente do ser humano,
sejam “mentais,” genéticos ou fisiológicos, o
modelo skinneriano perderia muito do sentido
e do valor, pois há uma razão pragmática para
o seu “externalismo:” Skinner estava interessado na resolução dos problemas da humanidade
(da falência do sistema educacional à superpopulação e à desigualdade social) e via na Psicologia (em uma ciência do comportamento, pois
os problemas eram, para ele, em larga medida,
comportamentais) o instrumento para identificar as fontes desses problemas e para gerar uma
tecnologia comportamental capaz de solucionálos. Se a causa é interna por exemplo, uma causa “mental,” ou seja, imaterial e não afetada por
variáveis externas materiais, como modificar o
comportamento? Se os eventos psicológicos forem insensíveis ao universo descrito pela física
e pela biologia, nada se pode fazer.
ou não (Santos, 1998; Verplanck, 1992). Há experimentos, na área de controle de estímulos,
mostrando como estímulos “internos” ou
“interoceptivos” podem passar a controlar a ação
(ver, por exemplo, Lubinski & Thompson, 1987;
Slucki, Adam & Porter, 1965). Skinner de fato
sugere que a fonte última de controle estaria
“fora do organismo,” nas contingências originais filogenéticas, ontogenéticas e culturais “externas:”
Um entrevistador perguntou-me: Poderia
chamar os sentimentos e os estados mentais
de epifenômenos? Eu disse não. Webster´s
Third New International define como epifenômeno “um fenômeno secundário acompanhado por outro (...) e pensado como causado
por ele.” Para muitas pessoas, isso poderia
fazer do comportamento um epifenômeno.
Eu poderia sugerir que sentimentos são
epifenômenos quando os chamo de “produtos secundários” do comportamento. Uma
expressão melhor é “produtos colaterais.” Os
sentimentos e o comportamento são ambos causados pelas histórias genéticas e ambientais juntamente
com a situação presente. (p. 25, grifos meus)
É, contudo, possível uma interpretação
alternativa e passível de teste, onde, na ação
completa, existe uma cadeia causal com três elos:
um público “ambiental,” um “privado” ou “subjetivo” (físico e natural como os demais), e um
público “comportamental.” Assim, um assalto é
anunciado dentro do banco em que, por coincidência, estamos (elo ambiental público), minha
pulsação dispara e pensamentos sobre fugir dali
tornam-se mais freqüentes (eventos comportamentais internos respondentes e operantes, respectivamente) e corro então para fora (evento
comportamental público) e, milagrosamente,
escapo ileso. O que explica o meu correr, último elo da cadeia aqui sugerida? Minha pulsação alterada e outras respostas fisiológicas
eliciadas que posso chamar de “medo” (elo intermediário)? Meus pensamentos obsessivos de
fuga que “impulsionaram” o correr (elo intermediário)? Ambos? Se a aventura tivesse custado minha vida e você quisesse impedir mortes
banais como essa, o que deveria ser mudado?
Os “sentimentos” de medo? Os “pensamentos”
com molas? Ou o mundo onde eventos como
assaltos e “assassinatos por 10 reais” são tão freqüentes quanto, quase, incontroláveis? Há cer-
Dizer apenas que alguém faz determinada coisa por possuir um instinto, personalidade
ou traço de caráter não deveria parar a pesquisa
ou saciar a curiosidade. Nesse caso, o único indício do “instinto,” da “personalidade” e do “traço de caráter” seria o próprio comportamento
que se deveria explicar desde o início. Mais que
rebatizar um fenômeno com outro nome, dever-se-ia descrever que variáveis estão relacionadas com sua origem e seu funcionamento.
Pode-se pensar que o termo instinto seja uma
abreviação de “um padrão comportamental estável modelado através da seleção natural com,
no passado ao menos, algum valor de sobrevivência,”2 mas restaria explicar como aquele instinto particular foi construído e que eventos o
controlam. As explicações parecem estar em
parte, pois há indiscutivelmente variáveis internas genéticas e fisiológicas envolvidas, fora do
organismo que se comporta, na sua história
filogenética, ontogenética e nas variáveis imediatas que o regulam.
48
Esclarecimentos sobre o Behaviorismo: uma réplica a Japyassú
o “interno,” e, consequentemente, o comportamento público, mudando-se o ambiente público. Há cadeias comportamentais onde isso parece ocorrer (como na “resolução de
problemas,” onde certos eventos privados tornam mais provável a ocorrência de respostas
públicas capazes de produzirem os reforçadores
finais, ver Santos, 1998; Verplanck, 1992); mas
há uma outra parte significativa, onde os eventos privados e comportamentais públicos parecem ser ambos gerados quase simultaneamente
pela interação com o ambiente público e não
estão relacionados de forma seqüencial, dependente ou causal, como os “sentimentos” descritos anteriormente por Skinner (1980) (ver
Tourinho, 1997, 1999). Mas se for imprescindível mudar o ambiente público para mudar os
eventos privados e o comportamento público,
qual a importância do elo intermediário na determinação última da ação pública e privada?
Poder-se-ia mudar o comportamento público
sem que se recorresse aos eventos privados,
apenas programando-se alterações no ambiente público. Não seria um externalismo “de princípio,” mas um externalismo “de resultados” que
parece guiar o posicionamento de Skinner sobre que variáveis sua disciplina deveria investigar. Sua preocupação com as questões humanas não podem ser ignoradas quando se
pretende entender sua ciência do comportamento. Ela é toda permeada por um humanismo
que acaba norteando os objetivos e os limites
dessa proposta (Andery, 1990).
tamente as técnicas de autocontrole que, de forma geral, criam repertórios comportamentais
para afetar outros (Ferster, Nurnberger & Levitt,
1973; Kerbauy, 1991; Lowe, 1995; Skinner,
1953/1965, cap. 15, 1982, 1989, cap. 3; SonugaBarke, Lea & Webley, 1989). Então, durante o
assalto “penso” em todos os números primos
ou nas capitais dos países europeus por ordem
alfabética (comportamento concorrente ao “correr”) ou nas estatísticas que indicam que as vítimas fatais geralmente fazem movimentos bruscos (descrição de possíveis conseqüências
aversivas que entram no controle da ação pública) e respiro calma e profundamente como
aprendi na yoga (comportamento incompatível
com as respostas emocionais e reforçado negativamente), mas são todos paliativos. O que gerou tanto o “medo” quanto os “pensamentos
obsessivos” e o fatídico “correr” foi o assalto e é
ele que deve ser eliminado para um controle
efetivo nesse contexto.3
Pense-se agora, em escala mais ampla, na
violência quase descontrolada que se tem que
enfrentar todos os dias nas grandes e, agora também nas pequenas cidades. O que a gera? O que
controla o comportamento daqueles que se utilizam da agressão e da ameaça de agressão com
tal freqüência e em tal escala? Qual a gênese
desse comportamento? Quais as variáveis responsáveis? O que se deve fazer, ou melhor, que
variáveis devem e podem ser modificadas para
mudar tais padrões? Se elas estiverem dentro
dos organismos e forem, por isso, difíceis ou
mesmo refratárias às manipulações externas,
como as tais “tendências agressivas inatas,” mencionadas nos telejornais crédulos e que “explicariam” os crimes cometidos por psicopatas,
então nosso futuro no planeta não parece ser lá
muito promissor. Ficar-se-ia a mercê de uma
espécie de fatalismo internalista que nos deixaria impotentes ou pouco eficazes no combate às
mazelas modernas e ancestrais que nos visitam
insistentemente.
Por outro lado, se o comportamento público for “causado,” em uma cadeia, por eventos internos, que por sua vez são afetados sim
por variáveis públicas, então poder-se-ia mudar
Em relação ao item (8), que sugere haver, no modelo de Skinner, uma suposta “passividade” para o sujeito, no também suposto esquema “S→R,” passividade esta que privaria o
organismo de “espontaneidade” e “direção,” há
pelo menos três problemas: (a) Skinner adotou
o comportamento operante como seu objeto
privilegiado de investigação/intervenção
(SD...R→Sr) e não o respondente ou reflexo
(S→R) e isso faz uma enorme diferença; (b) nesse comportamento (operante) o papel do ambiente é seletivo e não eliciador, a causalidade não
é mecanicista e sim selecionista (Catania, 1992;
Chiesa, 1992; Moxley, 1992). O organismo se
49
Marcus Bentes de Carvalho Neto
simplesmente de mudar de uma contingência
predominantemente coercitiva para outra onde
vigorem os reforçadores positivos que produzem, além do aumento de certas classes de respostas, a “sensação de liberdade” (ver Andery,
1990; Sidman, 1995; Skinner, 1971).
comporta e produz certas alterações ao seu redor. Tais alterações irão afetar a probabilidade
de essa classe de respostas, ocorrer novamente
nesse contexto. Um organismo alterado (caberia à fisiologia dizer “o quê” foi mudado dentro
do organismo) entrará em contato com um
mundo alterado. A via é de mão dupla. Mudamos o mundo e ele nos modifica. Quando tais
conseqüências aumentam a probabilidade do
responder, diz-se que a conseqüência foi
reforçadora. Quando a probabilidade é reduzida, chama-se a conseqüência de punitiva. Agora, o organismo age antes de as conseqüências
afetarem seu responder. A resposta não é produzida de forma automática por um evento
ambiental antecedente que a elicia. A resposta
ocorre e afeta o ambiente e é então é afetada
por ele (de forma seletiva). Há outro aspecto
importante: a variabilidade é uma característica das respostas. Não há duas respostas iguais.
A chave para a “criatividade” estaria em parte
aqui e descobriu-se recentemente (Machado,
1989; Neuringer, 1993; Page & Neuringer,
1985) que a variabilidade é uma dimensão
reforçável do responder, ou seja, que é possível
aumentar a probabilidade de comportamentos
que diferem dos anteriores ou de comportamentos “originais” a partir do reforçamento, o que é
uma revolução para aqueles que viam nele uma
fábrica de estereotipia.
A luta por uma sociedade justa, onde todos vivam com dignidade passa por aqui, o que
não significa dizer que o comportamento deixaria de ter causas quando este estado fosse atingido. Diferentes conseqüências, diferentes comportamentos, públicos e privados. (para uma
discussão mais aprofundada, ver Micheletto &
Sério, 1993).
Sobre o interacionismo, os limites da
Análise do Comportamento e as possibilidades de entendimento com a Etologia
A forma como Japyassú (1999) descreve
a posição de Morgan (p. 55) não é incompatível
com as descrições do Behaviorismo Radical.
Antes de prosseguir, há entretanto uma diferenciação necessária a ser feita a respeito da posição
de Skinner sobre o papel das variáveis biológicas
em seu modelo explicativo do comportamento.
Reconhecer as bases biológicas da ação não o
força a adotar uma outra linha de pesquisa sobre os seus constituintes genéticos, evolutivos
ou fisiológicos (Carvalho Neto & Tourinho,
1999). Trabalha-se em Análise Experimental do
Comportamento com um organismo (construído evolutivamente de uma dada maneira e
capaz de interagir com o seu mundo de certas
formas específicas) inserido em seu ambiente
(histórico e imediato). A ontogênese, ou melhor,
certos aspectos dela, são o alvo da ciência do
comportamento skinneriana. Isso não significa
que se ignore a existência de outras fontes causais ou que se acredite que seriam os ontogenéticos os seus principais motores. Dada as
especificidades de sua história dentro da psicologia (Andery & Sério, 1988; Day, 1980), de seu
instrumental metodológico (Sidman, 1976;
Skinner, 1984d) e seus objetivos pragmáticos reformistas (Andery, 1990; Baum, 1999, cap. 13-
Os organismos são tão “passivos,” e a causalidade é tão “mecanicista,” no modelo
operante de Skinner quanto o é na seleção natural de Darwin (Baum, 1999, cap. 4;
Micheletto, 1997a). Como no darwinismo, as
“intenções” ou “direções” são explicadas por
uma história de variação e seleção e não por
qualquer faculdade teleológica dos organismos.
(c) Isto não significa que não exista a possibilidade de “planejamento.” No comportamento
humano o controle verbal permite que se descrevam as fontes de controle existentes e que se
criem estratégias de contracontrole eficazes. Não
significa eliminar ou abolir o controle em si, já
que o comportamento ainda estaria ocorrendo
por alguma razão, em função, ou sob controle,
de alguma coisa, do passado e no presente, mas
50
Esclarecimentos sobre o Behaviorismo: uma réplica a Japyassú
14), esse aspecto do universo passou a controlar a maioria das investigações por parte dos
analistas do comportamento, o que não parece
ser pouco. Mas talvez esse posicionamento possa não ser suficiente para poupá-lo das críticas,
como não o foram para um outro etólogo,
Konrad Lorenz:
matizes diferenciados, os quais permitem uma
sobrevivência da dicotomia clássica instintoaprendizagem. (Japyassú, 1999, p. 57, grifos
meus)
A Análise do Comportamento não pretende ser a única disciplina a dar conta de um
fenômeno tão amplo em causalidade quanto o
comportamento. Skinner (1981/1984a, 1990)
chega até mesmo a segmentar as fontes de determinação de comportamento e a sugerir que
disciplinas específicas deveriam cuidar de cada
parte para viabilizar as pesquisas no esclarecimento do fenômeno. Pode-se discutir se todas
as variáveis foram contempladas na descrição
de Skinner ou se as disciplinas deveriam se limitar aos aspectos apontados por ele: a forma
como ele descreve a Etologia não parece, de fato,
refletir os objetivos e o alcance dessa ciência
(Skinner 1966/1984b, 1981/1984a, 1990). Mas
daí a se sugerir que se inclua sistematicamente,
como “Vis” e não apenas como pressupostos e
cuidados especiais, os determinantes genéticos,
fisiológicos e evolutivos nas pesquisas de analistas comportamentais, para uma abordagem não
comprometida com a dicotomia “inato/aprendido,” é desconsiderar os pressupostos e objetivos sobre os quais essa disciplina científica foi
edificada ao longo de quase 70 anos. Diferentemente da Etologia (Alcock, 1989) que teria quatro amplas perguntas sobre as causas (históricas
e imediatas) do comportamento animal e que
abarcaria todo o universo de determinação deste, as pretensões skinnerianas são bem mais
modestas. Mesmo quando Skinner (1966/1984b,
1981/1984a, 1984c, 1990) fala de um modelo
amplo de causalidade, não está em jogo a criação, ao menos imediata, de uma superciência do
comportamento, mas apenas o reconhecimento
dos vários tipos de determinação e dos limites
da Análise do Comportamento dentro desse
emaranhado causal.
A aprendizagem por reforçamento desempenha uma função altamente importante na
vida dos animais superiores e dos homens, e
por esta razão a escola behaviorista tem realmente conseguido grandes descobertas científicas. Isto é necessário enfatizar aqui porque os etólogos são injustamente acusados de
ignorar o mérito que deveria ser atribuído à
pesquisa behaviorista. O que nós reprovamos nos
behavioristas certamente não é o que eles fazem;
[pois] eles fazem o que eles fazem da mais excelente
maneira. Nossa crítica se refere somente a sua crença de que não há mais nada além disso no comportamento para investigar. Muitos behavioristas evitam
investigar alguma coisa que não esteja diretamente
conectada com a aprendizagem por reforçamento.
(Lorenz, 1978/1981, p. 70, grifos meus)
Não rejeito nada do que os skinnerianos fazem,
mas os reprovo pelo número de coisas que eles
não fazem- por exemplo, a observação simples
da adaptação de um animal ao seu meio
natural. Não acho que muitos behavioristas
tenham estudado um rato selvagem na
floresta, só para ver o que ele faz. E poderiam
obter algumas informações valiosas quanto aos
reforçadores efetivos, se o fizessem. (Lorenz,
1974/1979. p 35)
Seria essa a mesma base da argumentação de Japyassú?:
... Apesar das concessões à estruturação
endógena, o Behaviorismo persiste em sua ênfase
na estrutura externa (estímulos e conseqüências a
eles associadas) como fonte da organização interna,
de modo que o agente causal, não está nesta
organização, mas sim nas contingências de
reforçamento. Tais considerações mostram que,
apesar das alterações buscando aproximar
tais epistemologias opostas, direcionando-as
no sentido de uma síntese interacionista, os
interacionismos assim obtidos apresentam
Um aspecto que talvez gere parte da confusão, diz respeito aos diferentes alvos da Psicologia skinneriana e da Etologia. Independentemente do conceito de comportamento que
também parece conter diferenças não desprezíveis entre essas duas ciências do comportamen-
51
Marcus Bentes de Carvalho Neto
terapeutas do comportamento têm indicado o
uso conjunto de remédios que tornariam o organismo novamente sensível às contingências de
reforçamento a serem dispostas pelo profissional (Cavalcante, 1997). Os princípios sozinhos
se mostraram, por vezes, incapazes de afetar o
comportamento do cliente. Restabelecer a sensibilidade desse organismo aos eventos ambientais públicos/manipuláveis (verbais ou não), instrumentos do terapeuta, seria condição essencial
para que se pudesse ajudá-lo efetivamente. Nesses casos seria preciso uma ação combinada de
farmacólogos ou psiquiatras e terapeutas comportamentais, pois, em contrapartida, o medicamento sozinho não resolveria o problema.
to, qual seria o organismo alvo em cada uma? A
Etologia não levantaria restrições quanto à espécie. No caso da linha de Skinner, há um
marcante elemento antropocêntrico, ou seja, o
comportamento humano é o objeto a ser desvelado. Não por acaso, Skinner manteve-se na Psicologia mesmo quando sua disciplina parecia
ter muito mais afinidade (objeto de estudo, natureza das variáveis causais, metodologias
empíricas de investigação, o que seria ciência,
etc.) com a Biologia do que com a grande maioria das escolas psicológicas não-experimentais.
O uso de outros organismos viria subsidiar o
estudo do comportamento humano. Constituiria uma estratégia de pesquisa e não um objetivo da disciplina. Etogramas de rato branco, de
golfinho ou de pelicano teriam tanto valor no
Behaviorismo skinneriano quanto revelassem
princípios gerais aplicáveis ao esclarecimento da
ação humana.
O que teria isso a ver com a discussão
anterior sobre a compartimentação das ciências
comportamentais atuais e a busca por uma ciência ampla, completa e auto-suficiente? Devem
os terapeutas, nesses casos, retirar-se da cena
aplicada e investir em sua formação bioquímica
e fisiológica afim de designarem e aplicarem eles
mesmos os remédios em seus consultórios?
Deve-se acusar, então, os farmacólogos comportamentais e psiquiatras de ignorarem ou desprezarem as variáveis ontogenéticas da ação
humana e mandá-los de volta aos seus laboratórios para que possam, finalmente, reconstruir
sua ciência de forma mais abrangente e completa? O que fazer? Diluir as várias “ciências”
do comportamento e reagrupá-las em uma
grande disciplina sintética? Como? Uma clara e
vigorosa política de cooperação entre as diversas ciências do comportamento não poderia ser
uma saída mais realista?
Mas talvez fosse mais heurístico deslocarse o problema do terreno conceitual para um
terreno mais factual: estaria o projeto de ciência do comportamento de Skinner ameaçado
pela adoção de uma tática de investigação diferente da recomendada e defendida pela
Etologia? Seriam os princípios do comportamento investigados pelos behavioristas radicais
(como os apresentados por Catania, 1999) descrições adequadas do funcionamento de parte
do mundo? Seria possível prever e controlar os
comportamentos de interesse dos behavioristas
radicais, no caso os apresentados principalmente
por seres humanos, sem incluir na análise todo
o leque de determinações biológicas? Haveria
dados concretos indicando tal insuficiência? No
caso específico da fisiologia, os limites realmente existem em casos especiais, mas não parecem
ser suficientes para impor uma reorganização
das estruturas de investigação existentes, apenas recomendam uma salutar e precavida visão
global das fontes de controle e a cooperação mais
ágil e eficiente das disciplinas por elas responsáveis. Por exemplo, quando na área de saúde
lida-se com um organismo profundamente alterado, como no caso das depressões crônicas,
os behavioristas radicais que atuam como
Disposição para essa cooperação parece
existir por parte dos analistas comportamentais,
pois fala-se e escreve-se muito, e em geral bem,
sobre a biologia do comportamento (principalmente sobre as contribuições da Etologia e das
Ciências do Cérebro para uma compreensão
integral do comportamento e as possíveis vantagens de uma aproximação com essas áreas).
Um indicador mais palpável e confiável pode
ser achado na quantidade de artigos relacionados ao tema publicados em periódicos como The
Journal of the Experimental Analysis of Behavior,
52
Esclarecimentos sobre o Behaviorismo: uma réplica a Japyassú
Referências Bibliográficas
The Behavior Analyst, Acta Comportamentalia, Revista Mexicana de Análisis de La Conducta e
Behavior and Philosophy (antiga Behaviorism) nas
últimas décadas e, em especial, nos manuais e
outros livros didáticos importantes da área que
trazem capítulos inteiros especialmente dedicados aos eventos biológicos e sua relação com as
contingências de reforçamento (Baum, 1999,
cap. 4; Catania, 1999, parte 2; Chance, 1994,
cap. 12). Da parte dos etólogos a receptividade
parece também existir, afinal é difícil imaginar
um grupo avesso ao diálogo com behavioristas
que publique nos Anais de um de seus Encontros um artigo como “Considerações Conceituais
acerca do Behaviorismo Radical e da Análise
(Experimental) do Comportamento” (Lopes Jr,
1993). Especificamente no Brasil, algumas tentativas de aproximação vem sendo feitas já há
algum tempo (Ades, 1978; Prado, 1982). Entretanto, a despeito desse ambiente aparentemente favorável, entender o que se faz e as razões para o fazer, parecem ser pré-requisitos
imprescindíveis para qualquer instauração de
diálogo construtivo entre diferentes áreas. Se
após tais esclarecimentos concluir-se que há elementos inconciliáveis entre as disciplinas, ainda assim ambas ganhariam, pois o distanciamento teria finalmente uma base concreta.
Ades, C. (1978). Nota sobre a possível integração
entre psicologia experimental animal e etologia.
Psicologia, 4 (2), 1-6.
Ades, C. (1986). A construção da teia geométrica
como programa comportamental. Ciência e Cultura, 38 (5), 760-775.
Alcock, J. (1989). Animal behavior: An evolutionary
approach. Sunderland, MA: Sinauer Associates.
Andery, M. A. P. A., & Sério, T. M. P. (1988). Uma
análise histórica do pensamento de B. F. Skinner.
Em D. G. Souza, V. R. L. Otero, & Z. M. M. B.
Alves (Orgs.), Anais da XVII Reunião Anual de Psicologia (pp. 392-404). Ribeirão Preto, SP: Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto.
Andery, M. A. P. A. (1990). Uma tentativa de (re) construção do mundo: A ciência do comportamento como
ferramenta de intervenção. Tese de Doutorado,
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo.
Baum, W. M. (1999). Compreender o behaviorismo: Ciência, comportamento e cultura (M. T. A. Silva, M.
A. Matos, G. Y. Tomanari, & E. Z. Tourinho,
trads.). Porto Alegre, RS: ARTMED.
Carvalho Neto, M. B., & Tourinho, E. Z. (1999).
Skinner e o lugar das variáveis biológicas em uma
explicação comportamental. Psicologia: Teoria &
Pesquisa, 15 (1), 45-53.
Catania, A. C. (1992). B. F. Skinner, organism.
American Psychologist, 47 (11), 1521-1530.
Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: Comportamento,
linguagem e cognição (D. G. Souza, trad.) (4a ed.).
Porto Alegre, RS: ARTMED.
Notas
Cavalcante, S. N. (1997). Notas sobre o fenômeno depressão a partir de uma perspectiva analítico-comportamental. Mestrado em Psicologia: Teoria & Pesquisa Comportamento. Universidade Federal do
Pará, Belém, PA. (Manuscrito não publicado)
Quando duas datas forem apresentadas, a primeira representará o ano da edição original e o segundo o da edição consultada.
1
Não necessariamente uma resposta pronta a certos eventos específicos, mas todo um aparato relativamente
modificável, sensível a certos parâmetros do ambiente imediato. Ao que parece, há em diferentes padrões diferentes
níveis de sensibilidade ao contexto, com mais ou menos
plasticidade. O trabalho de Ades (1986) com aranhas e a
construção de suas teias parece referendar essa versão
menos “cega” e inalterável do conceito de “instinto”.
2
Chance, P. (1994). Learning and behavior (3rd ed.).
Pacific Grove, CA: Brooks/Cole Publishing
Company.
Chiesa, M. (1992). Radical behaviorism and scientific
frameworks: From mechanistic to relational
accounts. American Psychologist, 47 (11), 12871299.
Para uma discussão mais precisa da determinação do comportamento e do papel dos eventos privados em uma perspectiva behaviorista radical, bem como seus problemas, ver
Tourinho, 1995, 1997, 1999.
3
Day, W. F. (1980). The historical antecedents of
contemporary behaviorism. In R. W. Rieber &
K. Salzinger (Eds.) Psychology: Theoretical-historical
perspectives. New York: Academic Press.
Dewsbury, D. A. (1978). Comparative animal behavior.
New York: McGraw-Hill.
53
Marcus Bentes de Carvalho Neto
Ferster, C. B., Nurnberger, J. I., & Levitt, E. E. (1973)
The control of eating. In M. R. Golfried & M.
Merbaum (Eds.). Behavior change through selfcontrol. New York: Holt, Kinuhart & Winston.
Matos, M. A. (1997a). O behaviorismo metodológico
e suas relações com o mentalismo e o
behaviorismo radical. Em R. A. Banaco (Org.),
Sobre comportamento e cognição (Vol. 1, pp.54-67).
Santo André, SP: Arbytes.
Heidbreder, E. (1975). Psicologias do século XX (L. S.
Blandy, trad.) (3a ed.). São Paulo: Mestre Jou.
Matos, M. A. (1997b). Introspecção: Método ou
objeto de estudo para a análise do comportamento. Em R. A. Banaco (Org.), Sobre comportamento e
cognição (Vol. 1, pp.188-198). Santo André, SP:
Arbytes.
Iversen, I. H. (1992). Skinner´s early research: From
reflexology to operant conditioning. American
Psychologist, 47 (11), 1318-1328.
Japyassú, H. F. (1999). Comportamento animal:
Entre o sujeito e o objeto. Revista de Etologia, 1
(1), 47-64.
Matos, M. A. (1997c). Eventos privados: O sujeito
faz parte de seu ambiente?. Em R. A. Banaco
(Org.), Sobre comportamento e cognição (Vol. 1,
pp.230-242). Santo André, SP: Arbytes.
Kerbauy, R. R. (1991). Autocontrole: Pesquisa e aplicação. Tese de Livre Docência, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.
Micheletto, N. (1997a). Bases filosóficas do
behaviorismo radical. Em R. A. Banaco (Org.),
Sobre comportamento e cognição (Vol. 1, pp.29-44).
Santo André, SP: Arbytes.
Lopes Jr., J. (1993). Considerações conceituais acerca do behaviorismo radical e da análise (experimental) do comportamento. Em A. F. Nascimento Jr. (Org.), Anais do XI Encontro Anual de Etologia
(pp.13-20). Bauru, SP: Sociedade Brasileira de
Etologia.
Micheletto, N. (1997b). Há um lugar para o ambiente? Em R. A. Banaco (Org.), Sobre comportamento
e cognição (Vol. 1, pp.257-266). Santo André, SP:
Arbytes.
Lorenz, K. (1979). Lorenz. Em R. I. Evans (Ed.),
Construtores da psicologia (pp. 27-42) (M. J. C. A.
Penteado, trad.). São Paulo: Summus/Edusp.
(Originalmente publicado em 1974)
Micheletto, N., & Sério, T. M. A. P. (1993). Homem:
Objeto ou sujeito para Skinner? Temas em Psicologia, (2), 11-21.
Moore, J. (1995). Radical behaviorism and the
subjective-objective distinction. The Behavior
Analyst, 18 (1), 33-49.
Lorenz, K. (1981). The foundations of ethology (K. Z.
Lorenz & R. W. Kickert, trans.). New York:
Springer-Verlag. (Originalmente publicado em
1978)
Moxley, R. A. (1992). From mechanistic to functional
behaviorism. American Psychologist, 47 (11), 13001311.
Lowe, A. W. (1995). Self-control: Waiting until tomorrow
for what you want today. New Jersey: Prentice Hall.
Neuringer, A. (1993). Reinforced variation and
selection. Animal Learning & Behavior, 21, 83-91.
Lubinski, D., & Thompson, T. (1987). An animal
model of the interpersonal communication of
interoceptive (private) states. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 48 (1), 1-15.
Page, S., & Neuringer, A. (1985). Variability is an
operant. Journal of Experimental Psychology: Animal Behavior Processes, 11, 429-452.
Machado, A. (1989). Operant conditioning of
behavioral variability using a percentile
reinforcement schedule. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 52, 155-166.
Prado, L. (1982). Etologia e behaviorismo. Em B.
Prado Júnior (Org.), Filosofia e comportamento (pp.
121-139). São Paulo: Brasiliense.
Machado, L. M. C. M. (1997). Consciência e comportamento verbal. Psicologia USP, 8 (2), 101-107.
Santos, A. C. S. (1998). Análise conceitual de pensamento sob a perspectiva do behaviorismo. Psicologia Argumento, 16 (22), 119-140.
Malerbi, F. E. K., & Matos, M. A. (1992). A análise
do comportamento verbal e a aquisição de repertórios auto-descritivos de eventos privados.
Psicologia: Teoria e Pesquisa, 8 (3), 407-421.
Sério, T. M. A. P. (1990). Um caso na história do método
científico: Do reflexo ao operante. Tese de Doutorado, Programa de Estudos Pós-Graduados em
Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
Malerbi, F. E. K. (1997). Eventos privados: O sujeito faz parte de seu ambiente? Em R. A. Banaco
(Org.), Sobre comportamento e cognição (Vol. 1,
pp.243-256). Santo André, SP: Arbytes.
Sidman, M. (1976). Táticas da pesquisa científica (M.
E. Paiva, trad.). São Paulo: Brasiliense.
Matos, M. A. (1993). Análise de contingências no
aprender e no ensinar. Em E. S. Alencar (Org.),
Novas contribuições da psicologia aos processos de ensino e aprendizagem (2a ed., pp.141-165). São Paulo: Cortez.
Sidman, M. (1995). Coerção e suas implicações (M. A.
P. A. Andery & T. M. P. Sério, trads.). Campinas,
SP: Editorial Psy.
Skinner, B. F. (1938). The behavior of organisms. New
York: Appleton-Century-Crofts.
54
Esclarecimentos sobre o Behaviorismo: uma réplica a Japyassú
Skinner, B. F. (1945). Operational analysis of
psychological terms. Psychological Review, 52 (5),
270-294.
Skinner, B. F. (1984d). Methods and theories in the
experimental analysis of behavior. The Behavioral
and Brain Sciences, 7 (4), 477-510.
Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. New York:
Appleton-Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1989). Recent issues in the analysis of
behavior. Columbus, OH: Merrill Publishing
Company.
Skinner, B. F. (1965). Science and human behavior. New
York: The Free Press.
Skinner, B. F. (1990). Can psychology be a science
of mind? American Psychologist, 45 (11), 1206-1210.
Skinner, B. F. (1969). Contingencies of reinforcement.
(Originalmente publicado em 1953) New York:
Appleton-Century-Crofts.
Slucki, H., Adam, G., & Porter, R. W. (1965).
Operant discrimination of an interoceptive
stimulus in rhesus monkeys. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 8 (6), 405-414.
Skinner, B. F. (1971). Beyond freedom and dignity. New
York: Alfred. A. Knopf.
Sonuga-Barke, E. J. S., Lea, S. E. G., & Webley, P.
(1989). The development of adaptive choice in
a self-control paradigm. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 51 (1), 77-85.
Skinner, B. F. (1975). The shaping of phylogenic
behavior. Journal of the Experimental Analysis of
Behavior, 24 (1), 117-120.
Skinner, B. F. (1976). About behaviorism. New York:
Vintage books. (Originalmente publicado em
1974)
Tourinho, E. Z. (1995). O autoconhecimento da psicologia comportamental de B. F. Skinner. Belém, PA:
UFPA.
Skinner, B. F. (1977). Herrnstein and the evolution
of behaviorism. American Psychologist, 32 (12),
1006-1012.
Tourinho, E. Z. (1997). Privacidade, comportamento
e o conceito de ambiente interno. Em R. A.
Banaco (Org.), Sobre comportamento e cognição (Vol.
1, pp. 29-44). Santo André, SP: Arbytes.
Skinner, B. F. (1980). Epiphenomenon. In R. Epstein
(Ed.), Notebooks B. F. Skinner. New Jersey: PrenticeHall.
Tourinho, E. Z. (1999). Eventos privados: O que,
como e porque estudar. Em R. R. Kerbauy & R.
C. Wielenska (Orgs.), Sobre comportamento e
cognição (Vol. 4, pp. 13-25). Santo André, SP:
Arbytes.
Skinner, B. F. (1982). Contrived reinforcement. The
Behavior Analyst, 3 (1), 3-8.
Skinner, B. F. (1984a). Selection by consequences.
The Behavioral and Brain Sciences, 7 (4), 477-510.
(Originalmente publicado em 1981)
Verplanck, W. S. (1992). Verbal concept “mediators”
as simple operants. The Analysis of Verbal Behavior,
10, 45-68.
Skinner, B. F. (1984b). Phylogeny and ontogeny of
behavior. The Behavioral and Brain Sciences, 7 (4),
669-711. (Originalmente publicado em 1966)
Watson, J. B. (1924). Behaviorism. New York: Norton.
Zuriff, G. E. (1979). Tem inner causes. Behaviorism,
7 (1), 1-8.
Skinner, B. F. (1984c). The evolution of behavior.
Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 41
(2), 217-221.
55
Download