POLÍTICA E SAÚDE: A IATROGENIA NO CASO DAS LER/DORT Recebido em: 06/05/2012 Aceito em: 06/06/2012 Publicado em: 15/08/2012 Republicado em: 15/04/2014 Resumo. O presente artigo tem como objetivo problematizar a iatrogenia como um dos principais fatores sociais que contribuíram com o desenvolvimento das LER/DORT. O artigo parte da premissa de que doenças como as LER/DORT estão imersas em contexto sociais, culturais e políticos numa teia intrincada que envolve o enfermo, o trabalho e o sindicato afetando desde o conceito histórico da doença – com uma clara influência política – até as reações do doente ao ser diagnosticado. O diagnóstico médico, por sua vez, foi influenciado no passado por um clima alarmista resultante da pressão política, da massificação da doença nos meios de comunicação e uma definição oficial tão ampla que salvaguardava, estimulava e realimentava a estatística alarmista. Nos dias de hoje a pressão para retorno dos enfermos de LER/DORT aos seus postos de trabalho juntamente com a dificuldade atual dos novos afastamentos é um fenômeno bastante evidente e que coincide com a mudança de posicionamento dos médicos assistentes e médicos peritos no que se refere aos diagnósticos de LER/DORT. Palavras-chave: LER/DORT. Iatrogenia. Diagnóstico. # Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professor Adjunto lotado no Departamento de Ciências Humanas e Letras da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). 72 Abstract. This article aims to discuss the iatrogenic as major social factors that contributed to the development of RSI / WMSD. The study begins with the premise that diseases such as RSI / WMSD are immerse in social context, cultural and political in a intricate web involving the sick, work and syndicate affecting everything from the historical concept of disease – with clear political influence – until reactions of the patient to be diagnosed. The medical diagnosis, in turn, was influenced in the past by a climate alarmist resulting political pressure, the popularization of the disease in the media and an official definition so broad that safeguarded, stimulated and feedback statistics alarmist. In today the pressure to return the sick RSI / WMSD their jobs, along with the current difficulty of further sick leaves is a phenomenon quite evident and coincides with the change of position of the attending physicians and medical experts as the diagnoses of RSI / WMSD. Keywords: RSI / WMSD, iatrogenic, diagnosis Introdução O objetivo principal deste artigo é lançar luz à relevância da dimensão social e política no processo do adoecimento, abordando o problema da iatrogenia como um dos principais fatores sociais que contribuíram com o desenvolvimento das LER/DORT. Ele é uma continuação e aprofundamento dos estudos que deu origem à tese “A Dimensão Social das LER/DORT nos Trabalhadores Bancários de Jequié Bahia” (2011) defendida por mim. De uma maneira geral a tese mostra que os enfermos administraram os sintomas até uma situação limite, quando não suportaram mais dores e o sofrimento e também quando situações ameaçadoras estiveram mais próximas. Esse trabalho demonstrou que as LER/DORT possuem certas características psicossociais que levam os enfermos a hesitar em torná-las públicas, já que tal ação tem reflexo direto na vida deles, bem como na relação com as pessoas socialmente significativas. A propriocepção do sintoma que já era experimentada ainda não ligava o sentimento (identitário) de ser enfermo. Isso se explica porque reconhecer-se como enfermo é complicado e tornar público mais ainda. Contudo, depois de um longo e penoso processo a identidade é estabelecida e combina a percepção dos sintomas com a confiança da enfermidade. 73 Diagnóstico de LER/DORT e iatrogenia Um enfermo diagnosticado como portador de LER/DORT não tem dúvidas sobre a sua enfermidade, menos ainda sobre a gravidade que ela representa. Há uma crença, uma confiança, um sentimento de ser um doente crônico; uma identidade estabelecida, que é reforçada imediatamente pela percepção da dor, pela aflição de uma incapacitação e pelas limitações que o corpo impõe ao enfermo. Tal crença, sentimento e identidade foram construídas, em grande medida, com a ajuda de um diagnóstico médico que contou com todo o aparato de exames clínicos, e o que a mais importante, a legitimidade e poder conferida ao médico no seio da sociedade. Nas décadas de 1980 e 1990 uma quantidade expressiva de trabalhadores – sobretudo os que trabalhavam com digitação – foi diagnosticada como portadores de LER/DORT. Acontece que atualmente o mesmo médico que diagnosticou as LER/DORT como doença, agora tenta convencer os enfermos que eles não são portadores de LER/DORT, que a doença é na verdade um sintoma psicológico – o que é mais grave, a dor seria imaginária. Sendo assim, o problema principal desse artigo é refletir sobre a iatrogenia. Neste caso, o efeito psicológico nos enfermos de LER/DORT por conta de um possível erro diagnóstico. Além disso, verificar essa relação numa perspectiva política. O termo iatrogenia deriva do grego iatros (médico, curandeiro) e genia (causa). O sentido corrente é do estado de doença como efeito ou complicações resultantes do tratamento médico, como por exemplo o erro médico, a negligência, a prescrição medicamentosa entre outros. Para Morgan (2005) o tema do comportamento iatrogênico refere-se àqueles incidentes em que a cura é pior do que a doença, onde (freqüentemente) profissionais de saúde bem intencionados criam problemas substanciais para si ou para outros por meio da sua ajuda. No caso posto em análise o erro foi de diagnóstico. A primeira pergunta a ser formulada é a seguinte: terá sido mesmo um erro diagnóstico o juízo proferido pelo médico sobre as caracerísticas do quadro clínico a ele apresentado á época? Ou ele está errando agora quando tenta retroceder e convencer o paciente do engano do seu antigo diagnóstico? Se ele tem convicção de que diagnosticou de forma errada a pergunta subjacente é a seguinte: ele foi induzido ao erro por conta de um clima alarmista das décadas passadas quando era facilmente percebida uma ameaça epidêmica de LER? Por que? Por outro lado, se ele tem convicção de que diagnosticou de forma correta, por que, então convencer o paciente do contrário do seu primeiro diagnóstico, como se nunca tivesse ocorrido? 74 Tentar responder a essas perguntas é, necessariamente, colocar no centro do problema os fatores sociais e políticos que estão relacionados aos problemas de saúde, mas que raramente é desvelado. A ideia dos problemas da saúde ligada estritamente a esfera biomédica é tão incrustrada na sociedade que é mesmo difícil imaginar que a política tenha alguma influência na saúde. Com o intuito se rebelar com esse estado de coisas foi que a sociologia da saúde e antropológia médica passou a refletir sobre essas questões. Construção do problema O diagnóstico e discurso médico em torno das LER/DORT foi estimulado por um conceito oficial ou mais especificamente por uma definição de doença com o amparo legal dos órgãos previdenciários. O clima alarmista nos meios de comunicação principalmente nas décadas de 1980 e 1990 estimulou médicos e profissionais da saúde a dar atenção à grave e iminente ameaça que as LER/DORT representavam. Observe-se o relato de um médico do trabalho ao ser questionado sobre a facilidade de afastamento por incapacidade no passado: Eu acho assim, que pela complexidade – qualquer doença vai sendo a cada dia mais investigada – eu creio que, se nós remontarmos a vinte, trinta anos atrás houve aquele boom de epidemia de DORT, que foi lá pela década de 70 e 80, muitos diagnósticos foram feitos, então, talvez, o que a gente questiona é que, será que alguma porcentagem desse diagnóstico que foi feito realmente foi DORT? Será que, de tantos pacientes que foram dados diagnósticos todos realmente foram DORT? Atualmente os médicos, de um modo geral, tanto os médicos assistentes como os médicos do trabalho, nós estamos – e aí eu me incluo também – nós estamos sendo mais rigorosos no diagnóstico desse problema. (Notas de campo, novembro de 2010; LIMA FILHO, 2011). Há a admissão de que num passado os diagnósticos atribuídos foram feitos sem um conhecimento mais aprofundado ou com critérios duvidosos. “O que o entrevistado chama de rigor que os médicos hoje têm em relação às LER/DORT já era exigido pela Previdência Social, ou seja, os exames clínicos com o nexo causal” (LIMA FILHO, 2011; 147). Havia de fato um ambiente alarmista, mas a definição e descrição da doença tão ampla que era – e ainda é – salvaguardava o diagnóstico médico. Veja-se a definição de LER/DORT pela Instrução Normativa do INSS 98/2003: 75 A Instrução Normativa do INSS 98/2003 concebe as LER/DORT como: Uma síndrome relacionada ao trabalho, caracterizada pela ocorrência de vários sintomas concomitantes ou não, tais como: dor, parestesia, sensação de peso, fadiga, de aparecimento insidioso, geralmente nos membros superiores, mas podendo acometer membros inferiores. Entidades neuro-ortopédicas definidas como tenossinovites, sinovites, compressões de nervos periféricos, síndromes miofaciais, que podem ser identificadas ou não. Frequentemente são causa de incapacidade laboral temporária ou permanente. São resultados da combinação da sobrecarga das estruturas anatômicas do sistema osteomuscular com a falta de tempo para sua recuperação. A sobrecarga pode ocorrer seja pela utilização excessiva de determinados grupos musculares em movimentos repetitivos com ou sem exigência de esforço localizado, seja pela permanência de segmentos do corpo em determinadas posições por tempo prolongado, particularmente quando essas posições exigem esforço ou resistência das estruturas músculo-esqueléticas contra a gravidade. A necessidade de concentração e atenção do trabalhador para realizar suas atividades e a tensão imposta pela organização do trabalho, são fatores que interferem de forma significativa para a ocorrência das LER/DORT” (BRASIL, 2003). A definição oficial da doença, ampla e absolutamente abrangente foi conquistada por meio da força política que os sindicatos tinham, com o apoio e a íntima relação com o Partido dos Trabalhadores, o que permitiu ampliar o conceito de LER/DORT ao longo do processo de instituição. Só que de tão abrangente a definição permitiu que a interpretação dos sintomas por parte dos médicos se tornasse ambígua. Oliveira (2006) faz uma análise detalhada sobre o conflito de interpretações dos sintomas dos enfermos de LER/DORT tomando como base a Instrução Normativa 98/2003 do INSS. Ele vai observar que a definição de doença como foi proposta pela Instrução Normativa dá margens a múltiplas interpretações e como conseqüência suscita ambigüidade no diagnóstico médico. Mais do que isso os números de pedidos de auxílio benefício cresceu assustadoramente tornado-se um dos principais problemas de saúde pública no Brasil. Segundo os dados disponíveis em estatísticas do INSS, os benefícios por doenças profissionais respondem por mais de 80% dos diagnósticos que resultaram em concessão de auxílio-acidente e aposentadoria por invalidez pela previdência social (BRASIL, 2001; LIMA FILHO, 2011). 76 Sindicato, partido e doença. É fato que a central sindical como é o caso da CUT teve uma participação decisiva na instituição das LER/DORT como doença do trabalho, reconhecida pela Previdência Social. A esse respeito é útil ler a dissertação de mestrado de Lys Ester Rocha: “Tenossinovite como doença do trabalhador no Brasil: a atuação dos trabalhadores” de 1989. Também é fato a ligação umbilical da CUT com o Partido dos Trabalhadores. Só que ao chegar ao poder em 2002 com o apoio dos sindicatos o partido – que é parte integrante do governo – herdou também o passivo e a responsabilidade das contas públicas, em especial as contas da Previdência Social. Há atualmente uma mudança de comportamento facilmente perceptível tanto da central sindical quanto da Previdência Social no que se refere à concessão ou manutenção dos benefícios previdenciários em geral, e dos enfermos de LER/DORT em especial. A Previdência Social tem criado dificuldades para reconhecer o diagnóstico de LER/DORT nos enfermos notificados, na maioria dos casos negando os benefícios, e em outros casos “forçando” o beneficiário ao retorno ao trabalho. O sindicato, em especial a CUT, por sua vez, tem-se notabilizado por sua leniência com relação aos abusos do INSS e sua falta de vigor na proteção dos trabalhadores, que existia outrora, quando o Partido era oposição. Para retomar uma antiga expressão o sindicato entrou numa relação de “peleguismo” com o Governo Federal. Observe-se a narrativa de um diretor do sindicato dos bancários ao ser questionado sobre o apoio das centrais sindicais ao governo Lula e sua leniência em relação aos problemas de causados pelo INSS para com os enfermos de LER/DORT: Eu acho que existe isso também. Existe uma certa preservação do governo, quer dizer, não querem desgastar a imagem do governo nesse sentido. Nós temos uma central sindical a CTB. Nós saímos da CUT justamente por ta percebendo essa leniência daquela central com o governo. Eu acho que os sindicatos precisam ser independentes. A gente tem um compromisso com a classe trabalhadora e nós temos que levar esse compromisso até o fim, independente de qual governo esteja lá. Esse foi um dos motivos que nos fez romper com a CUT e fundar a CTB e que nós dentro dessa central temos movimentado outras centrais no sentido de estabelecer políticas, realmente que venham proteger os trabalhadores e valorizar o direito dos trabalhadores (LIMA FILHO, 2011). 77 Essa narrativa confirma as evidências das relações coniventes entre a CUT e o Governo Federal e o desleixo com a proteção dos trabalhadores enfermos. Se as atribuições dos sindicatos são pautadas por ações políticas, ela é praticamente inexistente no caso dos enfermos de LER/DORT. Por exemplo, as mobilizações políticas por uma saúde do trabalhador praticamente desapareceram. Não há uma mobilização nacional expressiva que denuncie os abusos das perícias médicas no INSS, que na prática tem dificultado o exercício do direito ao afastamento e, em alguns casos a aposentadoria por invalidez permanente. A esse respeito a matéria do jornal “O Globo” publicada em 02 de dezembro de 2012 em sua versão eletrônica é bem esclarecedora; diz o título: “Governo quer reduzir benefícios em caso de aposentadoria por invalidez”. O antagonismo dos problemas da previdência por um lado e da dificuldade do exercício do direito do trabalhador por outro está posto, mas as centrais sindicais negligenciam esse fato. Alguns sindicatos se concentram mais nos efeitos dos problemas médicos causados pelo não reconhecimento do INSS nas perícias, e por isso mesmo, cuidam mais do apoio jurídico nas contendas contra os empregadores do que nas ações políticas contra o Governo Federal. Mudança de comportamento Há uma clara mudança de comportamento dos médicos (perito, assistente e do trabalho). O discurso tão enfático quanto alarmista da ameaça de invalidez causada pelas LER/DORT foi deixado de lado, e agora o discurso versa em torno da cautela e rigor nos diagnósticos. É necessário compreender algumas dessas questões: por que houve uma mudança de comportamento dos médicos? O que os levou a mudarem de posicionamento em relação ao seu diagnóstico? Em linhas gerais os médicos do trabalho e os médicos assistentes defendem dois argumentos: O primeiro é que conhecimento sobre a doença melhorou com o tempo e por isso o diagnóstico foi também mudando. Atente-se a narrativa de um médico assistente: O conhecimento que aumentou em cima de cada processo clínico desse. Antigamente não se tinha muito conhecimento sobre essas doença ocupacionais. Quando foram estudadas foram observadas que quando realmente são diagnosticadas como lesões ocupacionais, essas pessoas merecem ser afastadas, mas quando isso não é relacionado a 78 um trabalho, e essas pessoas não podem fazer o seu tratamento sem se ausentar do trabalho não se da tanto afastamento por isso (LIMA FILHO, 2011). Esse argumento é problemático porque, segundo Dembe (1996), algumas das enfermidades vistas nos dias atuais já se manifestavam desde o século XIX com os mesmos sintomas e as mesmas regiões anatômicas afetadas. Nos últimos dez ou quinze anos não houve grandes evoluções tecnológicas que auxiliasse melhor o diagnóstico ou o tratamento. Também não houve uma medicação que de fato melhorasse os sintomas. Tudo permanece mais ou menos onde estava. O segundo argumento é o rigor nos processos diagnósticos, sobretudo, os procedimentos para constatar a ligação do nexo causal. Ou seja, uma relação entre a lesão e as possíveis causas ocupacionais. Mas as instruções normativas já previam esse rigor também. Os enfermos, por sua vez, são taxativos em afirmar que os médicos atualmente tentam convencê-los de que a sua enfermidade é psicológica. Alguns médicos assistentes retrocedem do seu diagnóstico inicial, o que leva seus pacientes a ficar em estado de aflição. Vê-se o relato de uma paciente que foi diagnosticada como portadora de LER/DORT: Meu médico mesmo é Dr. Leandro , mas cada vez que eu vou lá ele me bota lá em baixo. Ele fica dizendo que é psicológico, que é dor muscular eu disse: “Eu ando lutando boxe pra ter alguma dor muscular?” quer dizer, eles parecem que estão voltados para o dono do banco. Eu não sei o que está acontecendo lá por trás, entendeu? (LIMA FILHO, 2011). Em outro trecho da entrevista quando perguntada sobre a mudança de comportamento do médico e sobre uma cumplicidade com os abusos dos médicos peritos do INSS ela afirma o seguinte: Ta piorando. Eu to falando que Dr. Jonas que era do nosso lado, como é que agora virou a casaca? “Se o senhor disse que eu tinha isso, como é que agora eu não tenho mais”? Dr. Leandro preenchia os relatórios pra gente quando tinha as perícias e agora diz que psicológico. “Psicológico é porque o senhor não ta sentindo. Não é o senhor que vai arrumar a casa e não consegue, abrir um enlatado e eu não consigo abrir. Não é o senhor que está sentido dores. E eu to fazendo o que o senhor mandou: eu to fazendo pilates, hidroginástica, to fazendo fisioterapia” (LIMA FILHO, 2011). A principal forma de reverter um diagnóstico anteriormente dado é tentar convencer que o que foi dito não existe, e que na verdade os problemas 79 da paciente são psicológicos. Subjaz a essa proposição a idéia de que a dor que o paciente sente não é uma dor real e sim uma dor imaginária. A iatrogenia de um possível erro diagnóstico leva o enfermo a um dano psicológico sem precedentes. Uma coisa é a dor percebida sem diagnóstico. Outra coisa é a mesma intensidade de dor diagnosticada; a dor com nome, a dor com significado, com uma expectativa de um cenário sombrio. O enfermo passa a ter uma identidade adicional, nesse caso portador de LER/DORT. A dimensão psicológica influencia na dor que é percebida realmente e parte da influência psicológica que afetou o paciente é do próprio médico ao diagnosticar a doença e projetar um prognóstico assustador, nesse sentido, ele ajuda a imputar uma identidade ao seu paciente. Atente-se a mais uma narrativa: “Aí foi que eu senti mesmo o baque assim, e eu [falei]: “É, eu to ficando inválida mesmo”! O que dá mais raiva é que os peritos do INSS até sabe – porque, inclusive Dr. Jonas na época era o nosso médico e hoje em dia ele é contra a gente. Eu falei: “O senhor ta ganhando quanto pra isso? Se o senhor mesmo falou que na época eu tava ficando inválida e que a gente não tinha mais condições de trabalhar e foi o senhor mesmo que preencheu a minha CAT. Tanto é que tem médico que a gente ia e não ta indo mais.” (LIMA FILHO, 2011). Na medida em que o médico desfaz o diagnóstico inicial que já foi corporificado pelo paciente ele reforça ainda mais a característica estigmatizante da doença . A doença que é “invisível” e que freqüentemente leva a um descrédito social ao enfermo, sobretudo, por parte dos colegas de trabalho que não acreditam nela, têm agora o componente adicional que é a mudança do discurso médico induzindo o paciente a acreditar na dor psicogênica. O enfermo fica sem saber no que acreditar e passa a conviver com um constante desconforto psicológico. Tem havido uma tentativa de desqualificação de certos sintomas que são apresentados, como é o caso da dor nos pacientes que foram diagnosticados como portadores de LER/DORT. É como se a dor psicogênica não envolvesse uma sensação real, como se não envolvesse um sofrimento resultante da dor e da incapacitação ou mesmo como se não fosse percebido organicamente. Para Sarafino (2008) Todas as experiências com dor envolvem uma ação recíproca de ambos os fatores, além disso, as dimensões da dor envolvem causas orgânicas e psicogênicas, o que é visto mais como um modo contínuo do que uma dicotomia. 80 Mas não é exatamente isso que os médicos deixam transparecer. Eles, de certa forma, têm tentado induzir os pacientes a acreditar que a sua dor psicogênica é imaginada. Quanto a isso Sarafino (op. cit.) vai afirmar: Quando as pessoas experimentam uma dor severa de longa duração sem uma base física detectável, os psiquiatras diagnosticam a condição como um transtorno da dor (classificados como transtorno somatoforme) e, com freqüência, assume que a origem é psicogênica (KRING em al., 2007). Ter em mente, no entanto, que a falha em encontrar uma base física da dor de alguém, não, necessariamente, significa dizer que não haja nada. Infelizmente muitos profissionais da saúde ainda pensam que a dor que não é demonstrada com base física é puramente psicogênica e seus pacientes lutam para provar que: “a dor não é apenas da minha mente doutor!” (KAROLY, 1985 Apud SARAFINO, 2008). A mudança de comportamento dos médicos é uma evidência facilmente percebida, mas que ainda não há elementos suficientemente claros para entender o que os têm levado desfazer o que fez, desconstruir um diagnóstico feito e comunicado de forma tão incisiva, desconstruir um discurso tão bem elaborado. A relação de causa e efeito no caso das mudanças de comportamento não é explícita o bastante para inferir uma resposta clara. O presente artigo tem como objetivo explicitar alguns fatos e pressupostos que estão de algum modo encadeado e refletir a relação entre a política, medicina e saúde. Neste sentido, é lícito sugerir que a influência sindical ajudou a definir uma doença que ao longo do tempo passou a ser a principal causa de afastamento do trabalho onerando a Previdência Social, não obstante, o mesmo sindicato que ajudou a criar o problema, atualmente se omite nos casos tão evidentes em que o exercício do direito do trabalhador é impossibilitado, como, por exemplo, os abusos e humilhações em perícias médicas, que, via de regra, é negado o afastamento para tratamento, e o que é mais sério, o retorno à ativa de trabalhadores aposentados por invalidez permanente. Por fim, o sindicato negligencia o fenômeno que ele ajudou a criar, o médico tem a espinhosa tarefa de desconstruir um diagnóstico que ele próprio ofereceu ao seu paciente se utilizando da expressão “psicológica”. Enquanto isso o trabalhador enfermo se vê em uma situação confusa em termos médicos, e inseguro em termos políticos, haja vista, que, embora o sindicato lhe ofereça um suporte jurídico para o enfrentamento das ações judiciais; politicamente ele o abandonou. Não há mais ações políticas que dê visibilidade e principalmente denuncie os graves problemas que os 81 trabalhadores enfermos de LER/DORT vêm enfrentando. Isso definitivamente não faz parte da ordem do dia. O Governo Federal agradece. REFERÊNCIAS BRASIL. Instrução Normativa. INSS/DC, n° 98, dez. 2003. BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Área Técnica de Saúde do Trabalhador. Lesões por Esforços Repetitivos (LER). Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT). Dor Relacionada ao Trabalho. Protocolo de Atenção integral à Saúde do Trabalhador. Brasília. 2006. DEMBE, Allard E. Occupation and disease: how social factors affect the conception of work-related disoders. 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