A Macroeconomia da Política Fiscal: modelo dinâmico e

Propaganda
XVIII PRÊMIO TESOURO NACIONAL– 2013
Tema 1- Política Fiscal e Dívida Pública
Inscrição: 24
CLASSIFICAÇÃO: 2º LUGAR
Título da Monografia:
A Macroeconomia da Política Fiscal: modelo dinâmico e evidências para o Brasil.
Cleiton Silva de Jesus
(27 anos)
Salvador - BA
Doutorando em Desenvolvimento Econômico – UFPR (início 2011).
Professor Assistente – Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS.
Nota: Monografia publicada conforme inscrita no concurso.
Ainda não revisada.
XVIII Prêmio Tesouro Nacional – 2013
Tema 1. Política Fiscal e Dívida Pública
A MACROECONOMIA DA POLÍTICA FISCAL: MODELO DINÂMICO
E EVIDÊNCIAS PARA O BRASIL
RESUMO
Nesta monografia desenvolve-se um modelo macrodinâmico em que a política fiscal
tem um papel importante na estabilização da atividade econômica e estima-se uma
função de reação para a política fiscal brasileira em período recente (2003-2013). O
modelo teórico foi inspirado no crescente apelo que a comunidade acadêmica vem
fazendo em favor de um tratamento mais cuidadoso da política fiscal, especialmente
no que tange ao seu uso de forma complementar, e não subordinado, à política
monetária. O ponto de partida para esta análise foi o modelo de Setterfield (2007),
que reconheceu a compatibilidade entre uma política fiscal contracíclica e o
equilíbrio macroeconômico. Nos exercícios empíricos, por sua vez, procurou-se
verificar se a natureza pró-cíclica da política fiscal brasileira persiste no atual regime
macroeconômico e, adicionalmente, se o comportamento do Tesouro foi compatível
com a estabilização da dívida pública e da inflação. As estimações econométricas
foram feitas com os métodos OLS, GMM e VAR e se mostraram robustas. Os
principais resultados desta monografia sugerem que: i) a política fiscal pode ser uma
ferramenta útil no processo de macro estabilização; ii) a atuação contracíclica da
política fiscal é compatível com o equilíbrio dinâmico apenas se a autoridade
monetária não for completamente leniente com a inflação; iii) o regime monetário
híbrido é preferível ao conservador; iv) a política fiscal no Brasil permanece prócíclica; v) o comportamento das finanças públicas tem sido coerente com a
estabilização da dívida e vi) não há indícios que a autoridade fiscal tenha
atrapalhado a autoridade monetária no combate à inflação.
Palavras chaves: Política fiscal, estabilidade, dinâmica.
ii
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO............................................ ....................................................................................5 2. O PAPEL DA POLÍTICA FISCAL NA ANÁLISE MACROECONÔMICA: UMA REVISÃO DA LITERATURA...............................................................................................................................8 2.1 A POLÍTICA FISCAL NA MACROECONOMIA KEYNESIANA E A CRÍTICA
MONETARISTA ..........................................................................................................8
2.2 O TEOREMA DA EQUIVALÊNCIA RICARDIANA E A HIPÓTESE DAS
CONTRAÇÕES FISCAIS EXPANSIONISTAS ............................... ..........................15
2.1 A POLÍTICA FISCAL NO NOVO CONSENSO MACROECONÔMICO ...............19
3. O PAPEL ESTABILIZADOR DA POLÍTICA FISCAL: UMA ABORDAGEM MACRODINÂMICA.......................................................................................................................... 23 3.1. O MODELO ESTRUTURAL ..............................................................................25
3.2. REGIME MONETÁRIO CONSERVADOR..........................................................29
3.3. REGIME MONETÁRIO ALTERNATIVO.............................................................34
3.4. REGIME MONETÁRIO HÍBRIDO.......................................................................36
3.5. FLEXIBILIZANDO A PSEUDO REGRA DE TAYLOR. .......................................38
3.2. ESTÁTICA COMPARATIVA...............................................................................40
4. ESTIMANDO UMA FUNÇÃO DE REAÇÃO DA POLÍTICA FISCAL PARA O BRASIL... 48 4.1. A RELEVÂNCIA DO GASTO PÚBLICO PARA A ANÁLISE DA REAÇÃO
FISCAL......................................................................................................................50
4.2. ESPECIFICAÇÃO DO MODELO EMPÍRICO.....................................................52
4.3. DADOS...............................................................................................................54
4.4. TESTE DA RAÍZ UNITÁRIA ...............................................................................55
4.5. ESTIMAÇÕES NAS ESTIMAÇÕES COM OLS E GMM.....................................56
4.6. ROBUSTEZ NAS ESTIMAÇÕES POR OLS E GMM .........................................58
4.7. VAR E FUNÇÃO IMPULSO-RESPOSTA...........................................................59
4.8. ROBUSTEZ DOS MODELOS VAR ....................................................................64
4.9. ANÁLISE DE DECOMPOSIÇÃO DA VARIÂNCIA .............................................66
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................... 68 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................... 71 7. APÊNDICE: SIMULAÇÕES PARA OS DISCRIMINANTES .................................................. 78 iii
LISTA DE TABELAS, FIGURAS E GRÁFICOS
TABELA 1. Probabilidade do intervalo de confiança dos discriminantes, 38
TABELA 2. Isóclinas e ponto de equilíbrio do sistema no regime conservador, 41
TABELA 3. Isóclinas e ponto de equilíbrio do sistema no regime híbrido, 45
TABELA 4. Teste ADF, 56
TABELA 5. Função de reação fiscal, 56
TABELA 6. Robustez da função de reação fiscal, 56
FIGURA 1. VAR 1 Resposta da política fiscal, 61
FIGURA 2. VAR 2, Resposta da política fiscal, 61
FIGURA 3. VAR 3 Resposta da política fiscal, 64
FIGURA 4. VAR 4 Resposta da política fiscal, 65
FIGURA 5. Exercícios de decomposição da variância, 66
GRÁFICO 1. Diagrama de fases para o regime conservador, 42
GRÁFICO 2. Impacto do aumento de p* no equilíbrio, 43
GRÁFICO 3. Impacto do aumento de A no equilíbrio, 43
GRÁFICO 4. Impacto do aumento de y* no equilíbrio, 44
GRÁFICO 5. Diagrama de fases para o regime híbrido com (1+λ)θ1>βθ3, 45
GRÁFICO 6. Diagrama de fases para o regime híbrido com (1+λ)θ1<βθ3, 46
iv
1. INTRODUÇÃO
Durante os o período que se estendeu do Pós-Guerra à crise do Petróleo nos anos
1970, o papel do Estado foi notório no processo de estabilização da atividade
econômica. A sintonia fina da política macroeconômica buscava garantir o
crescimento do produto próximo da sua tendência de longo prazo, num contexto de
pressões inflacionárias desprezíveis. No decorrer do século XX, quando a
aceleração inflacionária tornou-se um problema notável, vários argumentos teóricos
em defesa do gerenciamento discricionário da política econômica passaram a ser
duramente criticados pelos economistas acadêmicos.
De fato, o arcabouço de teoria econômica que se tornou hegemônico no pós-1970,
levava em conta, no plano ideológico, a ineficiência da atuação estatal e os
benefícios do livre mercado. Esta percepção não foi dominante apenas nas
Universidades e institutos de pesquisa, mas também nos principais espaços de
tomada de decisão de política macro. Neste aspecto, o papel ativo da política fiscal é
uma das questões que surgem quando se discute como deve ser o comportamento
das autoridades governamentais na ocorrência dos diversos choques na atividade
econômica.
Tobin (2001), um importante macroeconomista defensor das políticas econômicas
ativas, destacou que o desenvolvimento da disciplina macroeconomia em torno do
debate da política fiscal no final do século XX foi uma mistura de “teoria econômica”,
“política” e “ideologia”. Além disso, observa-se também que pelo menos nas últimas
quatro décadas a política fiscal foi perdendo espaço enquanto política de
gerenciamento da demanda agregada, ao passo que a política monetária ganhou
esse status.
5
No dias atuais, entretanto, os economistas passaram a discutir com mais intensidade
o papel da política fiscal ativa e discricionária, especialmente após a “Grande
Recessão” que se iniciou no final de 2007 (ROMER, 2011). Este fato está
relacionado tanto com o reconhecimento da ineficácia da política monetária no
contexto de uma taxa básica de juros próxima a zero (KRUGMAN, 1998;
WOODFORD, 2011) quanto com o redescobrimento do papel estabilizador da
política fiscal no plano prático (AUERBACH; GALE & HARRIS, 2010). A despeito
desta notável inflexão, é importante ressaltar que não existe na teoria econômica um
consenso generalizado em favor do uso ativo da política fiscal. Além disso, muitos
trabalhos empíricos têm sugerido que o comportamento da autoridade fiscal nos
países em desenvolvimento não é coerente com a estabilização do ciclo econômico,
o que não é desejável (KAMINSKY, REINHART & VÉGH, 2004).
Dada estas constatações, pode-se afirmar que muitas questões acerca da eficácia
da
política
de
manipulação
dos
gastos
(receitas)
públicos
de
maneira
deliberadamente contracíclica estão em aberto. Neste contexto, o objetivo desta
monografia é contribuir com a literatura teórica e empírica sobre a macroeconomia
da política fiscal. Para tanto, o presente trabalho está dividido em mais três capítulos
além desta introdução e das considerações finais.
O propósito do capítulo um é situar o leitor no tema desta pesquisa a partir de uma
breve revisão da literatura. A intenção desta discussão é mostrar, do ponto de vista
teórico, os caminhos pelos quais o uso da política fiscal tornou-se desprezível
enquanto ferramenta de macro estabilização. É notório que muitos argumentos
utilizados pelos policymakers para justificar suas decisões são provenientes de
intensas pesquisas acadêmicas desenvolvidas por economistas.
6
Em seguida, partindo da noção de que a política fiscal precisa ser repensada,
desenvolveu-se no capítulo dois um modelo dinâmico, bidimensional e linear no qual
uma função de reação fiscal é explicitada. Tomando por base o modelo
desenvolvido por Setterfield (2007), a questão principal deste capítulo é saber se,
para determinados arranjos de política monetária, uma política fiscal ativa e
discricionária é compatível com o equilíbrio dinâmico. A preocupação com o tipo de
convergência para o equilíbrio, se existir, também é levada em conta.
Ademais, partindo da evidência bem documentada na literatura de que a política
fiscal nos países em desenvolvimento é desestabilizadora, ao contrário do que
acontece nos países desenvolvidos, no capítulo três procura-se estimar a função de
reação fiscal para o Brasil em período recente (2003-2013). Deste modo,
considerando o atual arranjo de política macroeconômica, procura-se saber se a
política fiscal brasileira permaneceu pró-cíclica e se o comportamento do Tesouro foi
coerente com a estabilização da dívida pública e da inflação.
Por fim, as considerações finais sumarizam os principais resultados tanto do modelo
teórico quando do modelo empírico.
7
1. O PAPEL DA POLÍTICA FISCAL NA ANÁLISE MACROECONÔMICA: UMA
REVISÃO DA LITERATURA
A proposta deste capítulo é resenhar uma parte selecionada da literatura acerca da
macroeconomia da política fiscal. A partir da análise de algumas teorias que
serviram
de
base
para
a
formulação
das
políticas
econômicas
na
contemporaneidade, buscar-se-á entender os caminhos pelos quais o uso da política
fiscal tornou-se desprezível enquanto ferramenta de macro estabilização. Para tanto,
este capítulo está organizado como segue. Na primeira seção discorre-se sobre a
percepção keynesiana da política fiscal, bem como o debate entre keynesianos e
monetaristas acerca deste tema. Em seguida, o teorema da equivalência ricardiana
e a hipótese das contrações fiscais expansionistas são revisitados. Por fim, são
feitos comentários acerca do papel da política fiscal no novo consenso
macroeconômico.
2.1 A POLÍTICA FISCAL NA MACROECONOMIA KEYNESIANA E A CRÍTICA
MONETARISTA
Partindo da constatação de que a economia capitalista é inerentemente instável,
Keynes postulou na sua Teoria Geral, publicada em 1936, que a política fiscal
deveria ser uma ferramenta importante no controle do nível de demanda agregada.
Isso indica que o setor público deveria aumentar os gastos e/ou reduzir a tributação
todas as vezes que o nível da demanda for insuficiente para gerar pleno-emprego,
como nos casos de uma simples recessão ou mesmo uma Grande Depressão.
Como o consumo das famílias era visto por Keynes como uma função estável da
renda disponível (além de outros fatores psicológicos), o impacto de um aumento do
8
gasto público ou de uma diminuição dos impostos na atividade econômica era tido
como sempre positivo.
Este impacto de mudanças nas variáveis fiscais na renda agregada ficou conhecido
como “multiplicador”, e é possível mostrar, seguindo o arcabouço teórico construído
por Keynes, que tanto o multiplicador dos gastos quanto o dos tributos é sempre
maior que a unidade e depende da magnitude da propensão marginal a consumir.
Com isso, é notável que a prescrição de política econômica ativa preconizada por
Keynes era bastante distinta da sabedoria convencional então vigente, que Keynes
chamou de “macroeconomia clássica”.
Os economistas clássicos, em linhas gerais, acreditavam que na ausência de
políticas de estabilização as forças de mercado, num contexto de preços flexíveis e
informações perfeitas, conduziriam a economia para uma situação de equilíbrio com
pleno-emprego da força de trabalho. Para a macroeconomia clássica, um aumento
dos gastos públicos é sinônimo de uma diminuição na poupança agregada. Então,
se a demanda por investimento permanecer constante, uma menor poupança
pressionaria a taxa real de juros para cima e reduziria com os investimentos privados
na mesma magnitude da redução da poupança pública: uma política fiscal
expansionista, portanto, é inócua para a macroeconomia clássica.
A macroeconomia de Keynes, no entanto, conseguiu defender o uso ativo da política
fiscal expansionista quando a demanda agregada é deficiente porque a) a taxa de
juros passa a ser determinada no mercado monetário, e não pelo mercado de
fundos emprestáveis; b) a poupança agregada passa a ser uma função da renda, e
não um pré-requisito para o investimento e c) considera que são as condições de
demanda determinam a renda, e não as condições de oferta, como preconizado pela
Lei de Say.
9
Keynes, ainda na sua Teoria Geral (1985, pp. 171), destacou que num contexto de
uma Grande Depressão, como foi a dos anos 1930, a política monetária certamente
não seria capaz de estimular permanentemente os investimentos necessários para o
alcance do pleno emprego: “da minha parte sou, presentemente, algo cético quanto
ao êxito de uma política meramente monetária orientada no sentido de exercer
influência sobre a taxa de juros”. Essa percepção, diga-se de passagem, levou
muitos seguidores de Keynes no Pós-Guerra a negligenciarem o papel da política
monetária como uma ferramenta de estabilização macroeconômica.
Discutindo este ponto, Snondow & Vane (2002, pp. 102) destacam que “na
condução da política de estabilização, a política fiscal é geralmente preferível à
política monetária porque os efeitos da política fiscal são considerados mais diretos,
previsíveis e de rápida ação na demanda agregada”. Nesse sentido, é possível
afirmar que a política fiscal ganhou status de política de estabilização por excelência
no imediato Pós-Guerra e, por esse motivo, muitos economistas keynesianos (como
Modigliani, Tobin e Samuelson) ficaram conhecidos como “fiscalistas” e a própria
política fiscal passou a ser sinônimo de “política keynesiana”.
Sabe-se também que a interpretação mais famosa da macroeconomia de Keynes,
que tentou compatibilizar a revolução Keynesiana com a macroeconomia clássica,
foi feita por Hicks (1937). O modelo de Hicks, popularizado na literatura como
modelo IS-LM, pode ser sintetizado em duas curvas principais: a IS, que representa
os diversos pontos de equilíbrio no mercado de bens e a LM, que representa os
diversos pontos de equilíbrio no mercado monetário1. No modelo IS-LM, que é
amplamente difundido nos manuais de macroeconomia voltados para cursos de
1
Ressalta-se que o modelo IS-LM (originalmente modelo IS-LL) está presente na maior parte dos
livros de macroeconomia básica como “o modelo keynesiano”, embora seja possível argumentar que
as hipóteses fundamentais do referido modelo não expressa a profundidade da mensagem de
Keynes na sua Teoria Geral.
10
graduação, quando o caso normal é considerado (curva IS negativamente inclinada,
curva LM positivamente inclinada, alguma capacidade ociosa e o nível de preços
fixo) é possível mostrar que a política fiscal expansionista tem a capacidade de
afetar o nível de renda da economia e até mesmo levar a economia de um equilíbrio
com desemprego para um equilíbrio com pleno emprego. Por outro lado, pode-se
mostrar também que a eficácia da política fiscal diminui à medida que uma expansão
nos gastos públicos, financiada pelo aumento do endividamento, pressiona a taxa de
juros para cima e esta, por sua vez, diminui com tanto com os investimentos
privados quanto com as demais despesas agregadas sensíveis ao juro.
É possível mostrar que a eficácia da política fiscal no modelo IS-LM depende do
tamanho do multiplicador, da elasticidade-juro da demanda por moeda e da
elasticidade-juro do investimento. Quanto maior for o multiplicador, a elasticidadejuro da demanda por moeda e menor a elasticidade-juro do investimento, maior será
o impacto da política fiscal na renda, no produto e no emprego. Por outro lado, é
importante mencionar dois casos extremos quando se estuda o impacto da política
fiscal utilizando o arcabouço IS-LM: a) quando a curva LM é vertical e b) quando a
curva LM é horizontal. No primeiro caso, também conhecido por “caso clássico”, é
possível mostrar que uma política fiscal expansionista não tem a capacidade de
afetar o nível de renda, mas afeta apenas os juros, na mesma direção do impulso
fiscal. No segundo caso, também chamado de “armadilha da liquidez2”, a expansão
fiscal afeta o produto e a sua eficácia é plena, uma vez que a taxa de juros não se
altera.
2
A armadilha da liquidez é uma situação na qual a taxa de juros nominal é muito baixa e, ao mesmo
tempo, o preço dos títulos é muito elevado. Com isso, uma oferta adicional de moeda não implica em
aumento da demanda por títulos e nem em alteração na taxa de juros - a quantidade adicional de
moeda provoca apenas um aumento nos saldos monetários ociosos.
11
Desta forma, vale destacar também que a literatura chama de crowding-out o
deslocamento/substituição dos dispêndios privados pelo gasto público. Para o
modelo IS-LM numa economia fechada, no caso normal, esse efeito acontece
indiretamente pelo canal da taxa de juros: uma expansão fiscal pressiona os juros
para cima e, portanto, reduz os investimentos privados numa proporção menor que o
aumento inicial dos gastos. Para o caso clássico, porém, o gasto público substitui
completamente o dispêndio privado: este caso é também chamado de “visão do
Tesouro”. Buiter (1977), no entanto, reivindica que a ausência prática desse tipo
crowding-out é o ponto relevante para se garantir a eficácia de uma política fiscal
expansionista.
Quando o modelo IS-LM é expandido para o caso de uma economia aberta os
impactos das políticas econômicas são modificados significativamente. Os trabalhos
seminais de Mundell (1963) e Fleming (1962) sugerem que a eficácia das políticas
de estímulo à demanda agregada depende do grau de mobilidade de capitais e do
regime cambial. Na presença de câmbio flutuante, uma política fiscal expansionista é
seguida de por um diferencial de juros positivo, uma atração de capitais, uma maior
demanda por moeda nacional e uma apreciação da taxa de câmbio. Esse
movimento na taxa de câmbio desestimula com as exportações líquidas na mesma
magnitude da expansão fiscal, anulando completamente seus efeitos expansionistas
na renda agregada: a demanda interna desloca-se para o exterior. Quando
considera-se o regime de câmbio fixo num contexto de perfeita mobilidade de
capitais, entretanto, uma expansão fiscal deve ser acompanhada de uma expansão
monetária endógena para que a moeda nacional permaneça pareada com a moeda
referência, o que reforça com a potência da política fiscal: o crowding-out, neste
caso, é inexistente.
12
Se for considerado um mundo sem mobilidade de capitais, o resultado da expansão
fiscal também depende do regime cambial levado em conta. Para o regime de
câmbio fixo uma expansão fiscal é acompanhada por um déficit no Balanço de
Pagamentos e uma pressão por uma depreciação da moeda nacional, o que obriga
a autoridade monetária executar uma política fiscal contracionista até que o nível de
renda nacional seja compatível com o equilíbrio externo: a política fiscal não tem a
capacidade de afetar com o nível da renda. Por outro lado, se o regime de câmbio
for flutuante, uma expansão fiscal será acompanhada, num segundo momento, por
um incremento nas exportações líquidas, já que a taxa de câmbio se desvaloriza. O
equilíbrio (interno e externo) resultante é compatível com um nível de renda maior.
Portanto, a lição do modelo IS-LM com equilíbrio do Balanço de Pagamentos,
também muito popularizado nos manuais de macroeconomia básica como um tipo
de modelo keynesiano, é que a eficácia da política fiscal depende tanto do regime
cambial quanto do grau de mobilidade de capitais. Disso se segue que o setor
externo, não levado em conta no modelo keynesiano para uma economia fechada,
pode ser uma restrição importante quando se pensa no gerenciamento da demanda
agregada via política fiscal.
Uma importante crítica à percepção keynesiana da política fiscal foi feita pelos
monetaristas, liderados por Friedman. De acordo com os monetaristas, uma política
fiscal puramente expansionista, sem qualquer mudança na oferta de moeda, levaria
a uma substituição significativa dos gastos públicos por gastos privados, implicando
em efeitos desprezíveis na demanda agregada, no nível de renda e no emprego
(SNOWDOW & VANE (2005, pp. 110). Do ponto de vista teórico, os monetaristas
acreditavam que o crowding-out era maior do que supunha os keynesianos.
13
Além disso, os críticos da política de sintonia fina de viés keynesiano também
chamavam atenção para as defasagens que são inerentes à política fiscal. Friedman
(1948) pontuou que na execução das políticas econômicas existem: a) uma
defasagem entre a necessidade de ação e seu reconhecimento por parte das
autoridades políticas, b) uma defasagem entre o reconhecimento da necessidade e
a tomada de decisão e c) uma defasagem entre a ação de política e seus efeitos na
economia. Para o caso da política fiscal, mesmo reconhecendo que apenas as duas
primeiras defasagens são mais significativas, os críticos do keynesianismo
argumentaram que a política fiscal seria uma ferramenta desestabilizadora e a
magnitude de seus efeitos poderia ser muito incerta. Portanto, argumentava os
monetaristas, o uso discricionário da política fiscal deveria ser minimizado.
Num outro front, a forma de financiamento do déficit público e seu impacto na
atividade econômica também foi um tema discutido no embate teórico entre
keynesianos e seus críticos. Neste aspecto, Friedman (1970) argumentou que o
multiplicador dos gastos públicos era maior caso o déficit fosse financiado via
emissão de moeda, já que a política monetária expansionista era o que de fato
impulsionava a atividade econômica, e não a política fiscal. Para Friedman, um
déficit orçamentário não acompanhado de financiamento monetário deslocaria a
curva LM para esquerda, o que anularia o impacto da política fiscal expansionista.
Em outros termos, pode-se dizer que o financiamento do déficit público via títulos
governamentais competiria diretamente com os emitidos pelas empresas privadas,
impulsionando um aumento na taxa de juros em magnitude suficiente para diminuir
os investimentos privados na mesma proporção do aumento inicial do déficit público.
Do lado keynesiano, ao reivindicarem o poder da política fiscal, Blinder & Solow
(1973) inseriram o efeito riqueza nas funções consumo e demanda por moeda num
14
modelo IS-LM dinâmico e, com isso, demonstraram a possibilidade de o
multiplicador fiscal ser maior quando os gastos são financiados via emissão de
títulos. Estes autores destacaram, entretanto, que não existiam controvérsias entre
keynesianos e monetaristas quanto ao fato do déficit público financiado por emissão
de moeda ser expansionista, já que todos concordavam com isso. Isso sugere que a
diferença estava apenas na nomenclatura: os keynesianos chamavam de política
fiscal o que Friedman e os monetaristas preferiam chamar de política monetária.
Ainda na perspectiva keynesiana, Buiter & Tobin (1976) sustentaram a idéia
keynesiana de que os efeitos expansionistas da política fiscal não são apenas
transitórios. Esses autores também utilizaram um modelo IS-LM dinâmico, na linha
do modelo Blinder-Solow, para defender o uso de uma política fiscal expansionista
num contexto de uma demanda agregada incompatível com o pleno emprego.
2.2 O TEOREMA DA EQUIVALÊNCIA RICARDIANA E A HIPÓTESE DAS
CONTRAÇÕES FISCAIS EXPANSIONISTAS
Como já destacado, a teoria keynesiana padrão postula que uma diminuição dos
impostos afeta o consumo e a demanda agregada, posto que o consumo agregado é
uma função estável do nível de renda corrente disponível. Barro (1974), entretanto,
seguindo as linhas gerais da crítica de Lucas (1972) e a hipótese da renda
permanente de Friedman (1957), mostrou que a tributação e a emissão de dívida
pública exercem basicamente efeitos equivalentes. Esse resultado passou a ser
chamado de “teorema da equivalência ricardiana” e serviu para questionar, com
maior intensidade, o ativismo fiscal keynesiano vigente no Pós-Guerra.
De acordo com Barro (1974) os títulos do governo, emitidos para financiar uma
expansão inicial no déficit público, aumentam a riqueza no presente, mas as
obrigações de impostos devem crescer no futuro quando o governo deverá pagar
15
sua dívida com juros compostos. Deste modo, um consumidor altruísta e com
expectativas racionais (consumidor ricardiano) considera essas futuras obrigações e
capitaliza seus fluxos, reconhecendo que a sua riqueza não é aumentada
permanentemente.
Como o consumo é uma função da renda permanente e não existe restrição à
liquidez (o mercado de capitais é perfeito e completo) então o detentor do título irá
poupar o mesmo, juntamente com os seus juros, de forma a pagar os impostos no
futuro. Mesmo de posse dos títulos públicos a renda permanente da família
permanece inalterada após a expansão fiscal, não exercendo impacto na demanda
agregada: o multiplicador dos gastos públicos nesse caso é nulo.
Conseqüentemente, é possível mostrar que a poupança privada deve aumentar no
mesmo montante do déficit orçamentário, ao passo que a taxa de juros deve manterse inalterada e os títulos da dívida pública não terá qualquer efeito riqueza. Pode-se
dizer então que o teorema da equivalência ricardiana rejeita completamente a visão
keynesiana de que o financiamento da despesa pública por dívida é mais
expansionista do que o financiamento via impostos, tal como demonstrado por
Blinder & Solow (1973).
A literatura salienta que as hipóteses necessárias para a validade da equivalência
ricardiana são muito rígidas e pouco aderentes à realidade (HEMMING; KELL &
MAHFOUZ, 2002). A presença de horizontes temporais curtos, previsão imperfeita,
restrições à liquidez, imperfeição no mercado de capitais e não autruísmo da
geração presente contribuem, isolados ou em conjunto, para que a equivalência
ricardiana não seja verificada, tanto em um modelo teórico quanto em abordagens
empíricas (BLINDER, 2006).
16
O modelo d e Sutherland (1997), por exemplo, que considera consumidores com
horizonte finito, mostra que a eficácia da política fiscal expansionista depende do
nível de dívida pública. O autor sugere que, para níveis moderados de dívida,
prevalece os efeitos keynesianos tradicionais da política fiscal. Isso acontece
porque, após uma expansão fiscal, a geração atual de consumidores não internaliza
completamente o aumento da tributação futura, já que tal geração provavelmente
não sobreviverá até o momento em que tais encargos forem de fato cobrados.
Porém, quando a dívida pública é grande, a geração atual de consumidores sabe
que a probabilidade do acerto de contas acontecer ainda nesta geração é alta,
resultando, inclusive, em efeitos contracionistas de uma expansão fiscal.
A idéia keynesiana de que uma contração fiscal é necessariamente contracionista
também foi examinada criticamente no seminal de Giaviazzi & Pagano (1990). Estes
autores argumentaram, seguindo a chamada “visão alemã” da política fiscal, que os
modelos keynesianos tradicionais negligenciam o papel das expectativas acerca das
políticas futuras. Nessa perspectiva, a principal conclusão deste trabalho foi que
episódios de grandes e decisivas contrações fiscais (Irlanda e Dinamarca nos anos
1980) foram acompanhados de expansões na demanda agregada no curto prazo,
um efeito notadamente anti-keynesiano. Estes autores também especularam que os
efeitos expansionistas de uma contração fiscal deveriam ser atribuídos ao
compromisso de uma desinflação monetária, no sentido em que tanto a Irlanda
quanto a Dinamarca operavam num regime de câmbio fixo, atrelando suas moedas
com a de um país de baixa inflação (Alemanha), num contexto de liberalização
financeira. Esta conjuntura macroeconômica produziu uma queda nas taxas de juros
reais e uma expansão na demanda agregada já no curto prazo.
17
A literatura subseqüente a Giaviazzi & Pagano (1990) tem chamado de “efeito
riqueza no consumo” e “efeito credibilidade” os dois canais de transmissão, do lado
da demanda agregada, nos quais as contrações fiscais podem tornar-se
expansionistas (ALESINA & PEROTTI, 1996). O efeito riqueza acontece quando
uma contração fiscal, se percebida como permanente causa, via expectativas, uma
redução também permanente nos encargos tributários futuros. Percebendo esta
redução, as famílias são impulsionadas a aumentar com o consumo corrente
estimulando a demanda agregada. Já o efeito credibilidade acontece quando uma
contração fiscal, particularmente num país com alta dívida pública, diminui a taxa de
juros real ao reduzir o prêmio de risco. Conseqüentemente, taxa real de juros menor
expande os dispêndios privados e a própria atividade econômica pelo lado da
demanda.
Aprofundando com esta agenda, Alesina & Perotti (1996) destacaram que a
probabilidade de uma contração fiscal tornar-se exitosa depende da forma que ela é
realizada. Se for por meio de corte no orçamento corrente (salários do funcionalismo
público, empregos públicos e transferências) o ajuste fiscal é tido como de boa
qualidade, posto que tem maior condição de ser duradouro e apresentar efeitos
expansionistas. Por outro lado, se o ajuste fiscal for via aumento nos impostos e/ou
redução no investimento público, ele é classificado como de má qualidade, já que
pode ser rapidamente revertido devido a deteriorações adicionais no orçamento e,
com isso, tende a ser contracionista.
Neste mesmo espírito, ao examinarem a condução da política fiscal dos países da
OCDE entre 1970 a 2007, Alesina & Ardagna (2009) mostraram que alguns
episódios de cortes nos gastos estão associados com expansões na atividade
econômica. Estes autores também sustentam a idéia de que a composição do ajuste
18
fiscal, definido como uma melhora no saldo ciclicamente ajustado melhora pelo
menos em 1,5% do PIB, é um fator relevante na explicação das contrações
expansionistas.
A literatura sobre este tema está longe de ser consensual. Hemming, Kell & Mahfouz
(2002) salientaram que os estudos empíricos, que quase sempre são feitos com
dados transversais, não permitem chegar a conclusões robustas sobre os efeitos
anti-keynesianos das contrações fiscais. Já o estudo realizado pelo FMI (2010)
criticou a estratégia padrão de identificação das contrações fiscais sugerindo que a
análise estatística da variação do déficit primário ciclicamente ajustado cria viés e
imperfeições nos efeitos estimados das consolidações fiscais. A partir desta crítica,
este estudo utiliza a abordagem narrativa proposta por Romer & Romer (2010) e
conclui que as consolidações fiscais geralmente são acompanhadas, no curto prazo,
de diminuição no produto e aumento no desemprego nas economias avançadas.
1.3 A POLÍTICA FISCAL NO NOVO CONSENSO MACROECONÔMICO
Goodfriend & King (1997) e Goodfriend (2004) sugeriram que o desenvolvimento da
macroeconomia a partir de 1980 culminou numa “nova sínMonografia neoclássica”,
no mesmo sentido em que Arestis & Sawyer (2002) argumentaram que a
macroeconomia convencional convergiu para um “novo consenso”. Em termos de
modelagem teórica, este novo consenso é oriundo do caloroso debate entre os
novos economistas clássicos, inclusive os teóricos do ciclo real dos negócios, e seus
opositores novos keynesianos.
Por um lado, os economistas clássicos conseguiram difundir na pesquisa acadêmica
a análise baseada no equilíbrio intertemporal rigorosamente microfundamentado, a
19
relevância da noção de expectativas racionais e necessidade da construção de
economias artificiais em ambientes estocásticos para a simulação quantitativa de
cenários macroeconômicos alternativos (calibragem). Por outro lado, os economistas
novos keynesianos parecem ter convencido a maioria da profissão de que a noção
de rigidez (real e nominal), assim como outras imperfeições na economia, são
imprescindíveis para o estudo das flutuações do produto em relação a sua
tendência. Disso se segue que, para o curto prazo, o gerenciamento estatal da
demanda agregada tem algum papel, mas no longo prazo o que vale são as
condições de oferta (produtividade total dos fatores, capital humano e etc).
Nessa perspectiva, o resumo do núcleo duro da macroeconomia moderna sugerido
por Taylor (1997) contém tanto elementos da macroeconomia clássica quanto da
novo-keynesiana. Segundo este autor, são cinco os principais pontos chaves
amplamente aceitos pelos formuladores de política e pela comunidade acadêmica
em relação à macroeconomia. Esses pontos são os seguintes: 1) o produto real de
longo prazo é determinado pelo lado da oferta através de deslocamentos da função
de produção; 2) não existe tradeoff entre a inflação e desemprego no longo prazo; 3)
existe tradeoff entre inflação e desemprego no curto prazo; 4) a expectativa da
inflação e das decisões políticas futura são endógenas e quantitativamente
significantes; 5) a política monetária deve ser baseada numa função de reação em
que a taxa nominal de juros de curto prazo deve ser o instrumento da política
monetária.
Seguindo estes princípios, Carlin & Soskice (2005) apresentam um modelo padrão
do novo consenso macroeconômico com o uso de apenas três equações: a) uma
curva IS; uma Curva de Phillips e c) uma regra de política monetária. Com este
modelo deliberadamente simplificado, que vem substituindo o modelo IS-LM no
20
estudo da macroeconomia básica/intermediária, é possível mostrar que o uso correto
da política monetária pode conduzir a economia para um equilíbrio compatível com
pleno emprego e inflação num nível baixo e estável.
De fato, qualquer choque que diminua com o produto e com a inflação (atual ou
esperada) força a autoridade monetária calibrar com a taxa de juros para baixo,
numa magnitude suficiente para re-aquecer a economia até que o produto e a
inflação retornem para seus níveis normais. Se em modelos mais complexos devem
ser descritos os mecanismos de transmissão da política monetária na atividade
econômica, em modelos mais simples tem-se apenas que o consumidor
racional/maximizador reduz seus dispêndios na medida em que a taxa de juros
aumenta. Implicitamente, os modelos na linha do novo consenso assumem que o
papel da política fiscal é passivo. Mesmo em modelos mais elaborados, que levam
em conta o papel do déficit público, a função da autoridade fiscal é apenas satisfazer
a restrição orçamentária do governo, uma vez que este é um indício que os
fundamentos macroeconômicos estão sólidos.
No modelo desenvolvido por Bofinger & Mayer (2003), por exemplo, considera-se
que as autoridades políticas (fiscal e monetária) interagem objetivando minimizar
uma função de perda social, tal que os argumentos da função de perda do banco
central são o hiato do produto e o desvio da inflação, e os argumentos da função de
perda da autoridade fiscal são o hiato do produto e a dívida pública. Estes autores
mostram que o equilíbrio para este modelo é alcançado quando a política monetária
responde tanto a choques de demanda quanto de oferta, mas a política fiscal só
deve responder a choques de oferta, sugerindo que seu papel é secundário no
processo de macro estabilização.
21
É justamente este ponto que Fontana (2009) considera a hipótese mais controversa
dos modelos do novo consenso macroeconômico: a ausência de qualquer papel
essencial do setor público e da política fiscal na dinâmica macroeconômica.
Considerando as recentes inflexões na condução da política econômica no mundo
real, este autor ainda especula que, independentemente do tipo de modelagem
formal que irá prevalecer no mundo pós-crise, o papel do setor público e da política
fiscal nas economias modernas não poderá mais ser negado.
22
2. O PAPEL ESTABILIZADOR DA POLÍTICA FISCAL: UMA ABORDAGEM
MACRODINÂMICA
Dentre as inúmeras contribuições de Keynes à análise macroeconômica pode-se
destacar a ênfase no uso ativo da política fiscal na determinação do nível de
emprego, posto que numa economia de mercado, se deixada pelas suas próprias
forças, a convergência para o equilíbrio de pleno emprego se daria apenas por
“acidente ou desígnio”. Nessa perspectiva, Blinder (2006) destacou que da
publicação da Teoria Geral até final dos anos 1960 prevaleceu o “triunfo do
keynesianismo” em matéria de condução da política fiscal. Por outro lado, a
evolução do debate macroeconômico em torno da eficácia das políticas de
estabilização contribuiu para que a teoria keynesiana fosse entendida como uma
teoria “inflacionária” ou mesmo “defasada”. De fato, no ultimo quartel do século XX o
papel ativo da política fiscal foi negligenciado, assim como as principais prescrições
da macroeconomia keynesiana.
Em linhas gerais, pode-se dizer que existem dois grupos de argumentos que ajudam
a explicar o referido rebaixamento da política fiscal: um prático e um teórico. O
prático está relacionado com as questões políticas e institucionais que envolvem
uma decisão de política fiscal, enquanto o teórico está ligado às hipóteses
fundamentais de um modelo analítico que é usado para averiguar a eficácia da
política fiscal na atividade econômica. Revisitando este tema, Solow (2005) destacou
que o argumento prático é sério e plausível, mas o teórico, que geralmente perpassa
pela crítica de Lucas e pela equivalência ricardiana, é improcedente e infeliz.
Fontana (2009, p. 19), por sua vez, sustenta que ambos os argumentos “não têm
fundamentos sólidos”. Mesmo assim, parece seguro afirmar que tais idéias
23
contribuíram para que a política fiscal caísse em desuso, tendo seu papel quase que
completamente limitado ao de estabilizadores automáticos.
Por outro lado, é importante ressaltar que a política monetária passou a ser
hegemônica no conjunto das políticas de estabilização, e isso pode ser evidenciado
na quantidade de trabalhos publicados na área monetária na segunda metade do
século XX. Na verdade, os mais novos livros textos de macroeconomia para pósgraduações são essencialmente livros de “teoria da política monetária” com
abordagens profundamente microfundamentadas3. De fato, para a sabedoria
convencional, mudanças corretas na taxa de juros no mercado interbancário, dada a
ocorrência de algum choque momentâneo, têm o poder de conduzir a economia
para um equilíbrio socialmente ótimo, com inflação baixa e estável (num nível
desejado) e produto/desemprego no seu nível de pleno emprego, que é determinado
pelas condições de oferta4.
Após a crise de 2007/08, porém, vários economistas têm procurado repensar as
linhas gerais da teoria macroeconômica padrão (BLANCHARD, DELL’ARICCIA &
MAURO, 2010, 2013). Alguns, inclusive, têm chamado atenção, com maior
intensidade, para uma idéia antiga: o papel da política fiscal e sua importância na
sustentação da demanda agregada5 (SPILIMBERGO et al, 2008; FONTANA, 2009).
É bem provável que as recentes inflexões na condução da política econômica, tanto
no mundo desenvolvido quanto no em desenvolvimento, influenciem a construção de
modelos analíticos que restaurem, no mínimo parcialmente, a percepção da política
3
Ver, por exemplo, os livros de Woodford (2003) e Galí (2008).
Importantes resenhas da literatura que enfatizam a preponderância da política monetária na
macroeconomia moderna são encontradas em Goodfriend & King (1997) e em Clarida, Galí & Gertler
(1999). Já uma análise crítica dessa abordagem, também chamada de “novo consenso
macroeconômico” é encontrada em Arestis & Sawyer (2003).
5
Na verdade, olhando para a economia dos Estados Unidos, contexto da maior parte da literatura
consultada acerca dos impactos macroeconômicos da política fiscal, é possível dizer que uma
inflexão aconteceu em 2001 (BLINDER, 2004). No entanto, mesmo concordando com tal inflexão,
Auerbach, Gale & Harris (2010) enfatizam que após a American Recovery and Restoration Act de
2009 a escala do ativismo fiscal foi maior que os esforços anteriores.
4
24
fiscal na dinâmica macroeconômica. A mensagem resultante deste processo é que
se deve pensar nos instrumentos de política fiscal não apenas em termos de
estabilização intertemporal das finanças públicas e/ou distorções microeconômicas
do lado da oferta.
Levando essas questões em consideração, este capítulo visa contribuir com a
literatura propondo um modelo analítico que incorpora a percepção de uma política
fiscal ativa, juntamente com a política monetária. O modelo padrão é fortemente
inspirado em Setterfield (2007), mas aqui são realizadas algumas modificações
substanciais, tanto no que tange as hipóteses quanto no que tange à análise. Além
disso, seguindo as sugestões de Lima & Setterfield (2008) e Drumond & Porcile
(2012), foram considerados três regimes alternativos de política monetária
(conservador, alternativo e híbrido) que serão definidos mais adiante. No que segue,
descreve-se a estrutura fundamental do modelo básico, estudar-se a estabilidade do
equilíbrio considerando os diferentes regimes de política monetária e realizam-se
exercícios de estática comparativa com os diagramas de fases.
3.1.
O MODELO ESTRUTURAL
O modelo que se segue é inspirado principalmente na reivindicação verbal de
Fontana (2009) e na exposição analítica proposta por Setterfield (2007). Seguindo
uma perspectiva crítica, esses autores revisaram brevemente a literatura padrão e
chamaram atenção para a falta de um papel explícito da política fiscal em modelos
macroeconômicos do novo consenso. Destaca-se ainda que o modelo de Setterfield
(2007), batizado pelo autor como “um modelo do novo consenso reformulado”,
avança em considerar o caso em que a política fiscal é ativa, mas nota-se que neste
25
modelo o papel da política monetária é deliberadamente negligenciado. Assim, o
modelo aqui desenvolvido procura preencher esta lacuna, no sentido em que a
política monetária também passa a ter algum papel.
Em linhas gerais, a abordagem macroeconômica da política fiscal a ser seguida, tal
como destacado por Allsopp & Vines (2005, p. 490), enfatiza os efeitos das variáveis
fiscais na demanda agregada, no produto, na inflação e na economia como um todo,
deixando de lado seus efeitos microeconômicos na alocação e distribuição de
recursos. Nesse sentido, os principais ingredientes deste modelo estrutural são os
seguintes: i) uma curva IS com um componente fiscal; ii) uma curva de Phillips
aumentada pelas expectativas; iii) uma função de reação para a autoridade fiscal; iv)
uma equação dinâmica para a taxa de juros e v) uma equação dinâmica para as
expectativas inflacionárias.
As equações abaixo representam o bloco fundamental do modelo:
y = A+ f −δ r
0 < δ <1
(1)
p = pe + α ( y − y* )
0 <α <1
(2)
f = −λ ( y − y * ) − β ( p − p * )
0 < λ, β < 1
(3)
0 ≤ θ1 ,θ 3 ≤ 1
(4)
0 < θ2 < 1
(5)
•
r = θ1 ( p − p * ) + θ 3 ( y − y * )
•
pe = θ2 ( p − pe )
A equação (1), representando o lado da demanda, é a curva de IS fiscal, em que y é
o logarítimo do produto, r é a taxa real de juros, A é o componente autônomo da
demanda agregada e f é o valor da necessidade de financiamento do setor público
em termos reais (NFSP).
A equação (2), representando o lado da oferta, é a curva de Phillips da economia.
Esta relação pressupõe um lento ajustamento de preços ou salários na economia
26
indicando que a inflação corrente p é determinada pelas expectativas inflacionárias
pe e por choques na demanda agregada capturados por mudanças no hiato do
produto (a diferença entre y e o logarítimo do produto potencial, y*).
A equação (3) é a regra de condução da política fiscal que Setterfield (2007) chamou
de pseudo regra de Taylor6. Observe que o NFSP responde tanto a mudanças no
hiato do produto quanto aos desvios entre a inflação corrente e a meta de inflação p*.
Isso implica que existe um comportamento explicitamente contracíclico para a
autoridade fiscal7.
As equações (4) e (5) descrevem a economia no longo prazo. A dinâmica dos juros
reais, explicitada na equação (4), depende dos desvios da inflação de sua meta préestabelecida e dos desvios do produto em relação ao produto potencial. Essa
equação é similar a famosa regra de política monetária proposta por Taylor (1993) e
é idêntica àquela utilizada por Lima e Setterfield (2008). Vale ressaltar que na regra
de Taylor original a autoridade monetária não controla diretamente a taxa real de
juros, mas controla apenas a taxa de juros nominal no mercado interbancário.
Porém, é fácil verificar que, num contexto de ajuste nominal incompleto, se o
movimento na taxa de juros nominal for maior do que o movimento na taxa de
inflação8, então a taxa real de juros também é alterada na mesma direção da taxa
nominal. Com isso, torna-se coerente escrever a função de reação da autoridade
monetária como em (4).
Já a dinâmica das expectativas inflacionárias, explicitada na equação (5), segue a
hipóteses de expectativas adaptativas, da mesma forma que no modelo proposto
6
Na verdade Setterfield (2007) ainda insere um termo constante na pseudo regra de Taylor para
capturar os determinantes estruturais de NFSP que são invariantes aos distúrbios de curto prazo. No
entanto, por questão de simplificação, assume-se aqui que esta constante está contemplada no termo
A da curva IS.
7
Arestis & Sawyer (2003) argumentam que as defasagens internas da política fiscal podem ser
substancialmente reduzidas quando adota-se uma regra de política fiscal análoga a uma regra de
política monetária, tal como é feito na equação (3).
8
Esse é o chamado “princípio de Taylor”.
27
Tobin & Buiter (1976). Nesta equação o parâmetro θ2 é o grau de memória
inflacionária9. Destaca-se também que a hipótese de persistência do processo
inflacionário, embora ausente na maior parte dos modelos convencionais, é coerente
com uma gama de trabalhos empíricos e também pode ser derivada de um modelo
com disponibilidade imperfeita de informações em um mundo onde os agentes
possuem expectativas racionais (CARLIN & SOSKICIE, 2005).
Observa-se que existe coordenação entre a política fiscal e a monetária, no sentido
em que ambas são complementares. Partindo de uma situação de equilíbrio, com
y=y* e p=pe=p*, um choque positivo no componente exógeno A faz com que o produto
efetivo cresça além do seu potencial, gerando superemprego. Pela curva de Phillips,
com uma demanda mais aquecida, a inflação corrente deve ser maior que a
esperada, o que evidentemente pressiona as expectativas de inflação também para
cima, gerando um ciclo-vicioso entre inflação e expectativa inflacionária.
Percebendo esse desequilíbrio, a autoridade fiscal deverá agir de maneira
contracíclica, diminuindo com a NFSP, que pode ser via diminuição de gastos,
aumento de tributos ou uma combinação de ambos. A autoridade monetária, por seu
turno, deve frear com a demanda aumentando com a taxa de juros. No ajuste para o
equilíbrio, após as ações contracionistas das políticas fiscal e monetária, o produto
efetivo deve voltar para seu nível de equilíbrio, ao passo que a taxa de inflação deve
diminuir até alcançar a meta, empurrando as expectativas inflacionárias novamente
para baixo. No novo equilíbrio, porém, o nível da taxa de juros é maior que o anterior
e a NFSP é menor que a anterior.
9
Quanto maior θ2 menor é a influencia das taxas de inflação remotas em relação às recentes na
formação das expectativas inflacionárias, e quando θ2 tende ao infinito as expectativas são
consideradas racionais (TURNOVSK, 1995).
28
A questão chave é se esses comportamentos da política fiscal e da política
monetária são compatíveis com o equilíbrio dinâmico do modelo. Se esse equilíbrio
não for verificado, o arranjo de política econômica aqui desenhado tende a gerar
uma trajetória de explosividade para a taxa de inflação esperada e para a taxa de
juros. Deste modo, procura-se saber também se alguma imposição acerca da
magnitude dos parâmetros das equações comportamentais precisa ser feita para
que o equilíbrio estável seja atingido.
3.1. REGIME MONETÁRIO CONSERVADOR
Assume-se de início que a autoridade monetária se preocupa apenas com os
desvios da inflação ao redor da meta (θ1>0 e θ3=0). Como é completamente
negligenciado os desvios do produto na determinação da taxa de juros da economia,
define-se o regime monetário como sendo conservador.
Substituindo a função de reação fiscal e a curva de Phillips na curva IS obtém-se a
seguinte expressão:
y = A − λ ( y − y* ) − β [ p e + α ( y − y* ) − p* ] − δ r
Isolando y do lado esquerdo e coletando os termos semelhantes tem-se:
A − β p e + β p * − δ r + (λ + βα ) y *
y=
1 + λ + βα
(1.1)
Note que os impactos das expectativas inflacionárias e da taxa de juros no produto
de equilíbrio são ambos negativos, como explicitado pelas seguintes derivadas
parciais:
∂y
−β
=
<0
∂p e 1 + λ + βα
29
(1.1a)
∂y
−δ
=
<0
∂r 1 + λ + βα
(1.1b)
Substituindo a equação (1.1) na curva de Phillips obtém-se:
⎞
⎛ A − β p e + βp * − δ r + (λ + βα ) y *
p = p e + α ⎜⎜
− y * ⎟⎟
1 + λ + βα
⎠
⎝
Coletando os termos semelhantes chega-se na expressão referente à inflação de
equilíbrio:
p=
(1 + λ ) p e + αA + αβ p * − αδ r − αy *
1 + λ + βα
(2.1)
Observa-se pelas seguintes derivadas parciais que o impacto da inflação esperada
na inflação corrente é positivo e menor que a unidade, enquanto o impacto da taxa
de juros no nível de preços é negativo.
∂p
1+ λ
=
>0
e
∂p
1 + λ + βα
(2.1a)
− αδ
∂p
=
<0
∂ r 1 + λ + βα
(2.1b)
Vale dizer que a estática comparativa indica apenas o que acontece com os pontos
de equilíbrio quando alguns parâmetros do modelo são modificados, ou seja, a
análise estática, tal como explicitado pelas derivadas parciais acima, nada informa
sobre o que acontece entre um ponto de equilíbrio e outro. Para saber o que
acontece entre um equilíbrio e outro após um choque em alguma variável exógena é
preciso recorrer à teoria dos sistemas dinâmicos.
Para que tal análise seja feita, é preciso incorporar as equações com os valores de
equilíbrio de curto prazo nas equações dinâmicas. Assim, substituindo a equação
(1.1) nas equações (4) e (5) obtemos:
30
•
⎛ (1 + λ ) p e + αA + αβ p * − αδ r − αy *
⎞
r = θ1 ⎜⎜
− p * ⎟⎟
1 + λ + βα
⎝
⎠
•
⎛ (1 + λ ) p e + αA + αβ p * − αδ r − αy *
⎞
p e = θ 2 ⎜⎜
− p e ⎟⎟
1 + λ + βα
⎝
⎠
Que depois de rearranjado se transforma em novo sistema bidimensional de
equações:
•
⎛ (1 + λ )( p e − p * ) + αA − αδ r − αy * ⎞
⎟⎟
r = θ1 ⎜⎜
+
+
1
λ
βα
⎝
⎠
(4.1)
•
⎛ − αβ ( p e − p * ) + αA − αδ r − αy * ⎞
⎟⎟
p e = θ 2 ⎜⎜
1
λ
βα
+
+
⎝
⎠
(5.1)
Nota-se que tanto a dinâmica da expectativa inflacionária quanto a da taxa de juros
depende: a) da diferença entre a expectativa inflacionária e a meta de inflação; b) do
componente autônomo da demanda agregada; c) da taxa de juros e d) do produto
potencial.
A matriz jacobiana associada a esse sistema é a seguinte matriz de derivadas
parciais:
⎡ − θ 2αβ
⎢1 + λ + αβ
⎢
J1 = ⎢
⎢ θ1 (1 + λ )
⎢1 + λ + αβ
⎣
− θ 2αδ ⎤
1 + λ + αβ ⎥
⎥
⎥
− θ1αδ ⎥
1 + λ + αβ ⎥⎦
Sabe-se que o polinômio característico associado a um sistema bidimensional é:
| ξI − J1 |= ξ 2 − Tra( J1 )ξ + det(J1 ) = 0
onde ξ são os autovalores da matriz J1. É possível mostrar que a condição
necessária e suficiente para a estabilidade de um modelo dinâmico bidimensional é
atendida quando os autovalores da matriz jacobiana tiverem partes reais negativas
31
(GANDOLFO, 1997). Esse critério é atendido quando, simultaneamente, Tra(J1)<0 e
det(J1)>0.
O traço e o determinante da matriz jacobiana são, respectivamente:
Tra ( J 1 ) =
− α (θ 2 β + θ 1δ )
<0
1 + λ + αβ
det( J 1 ) =
θ 1θ 2αδ
>0
1 + λ + αβ
Isso implica que o sistema de equações (4.1)-(5.1) proporciona um equilíbrio
estável10. Porém, para saber o tipo de equilíbrio, é preciso saber o sinal do
discriminante (D) da equação secular. O referido discriminante é dado pela seguinte
expressão11:
D = [Tra( J1 )]2 − 4 det(J1 )
Substituindo Tra(J1) e det(J1) na expressão acima obtém-se: , após simplificação,
obtém-se um discriminante ambíguo:
2
⎡ − α (θ 2 β + θ1δ ) ⎤
⎛ θ θ αδ )
− 4⎜⎜ 1 2
D1 = ⎢
⎥
⎣ 1 + λ + αβ ⎦
⎝ 1 + λ + αβ
⎞
⎟⎟
⎠
Após simplificação da expressão acima é fácil verificar que o discriminante é
ambíguo:
D1 =
[ −α (θ 2 β + θ1δ )]2 − 4(1 + λ + αβ )θ1θ 2αδ
(1 + λ + αβ ) 2
10
Nota-se que o equilíbrio proporcionado por este modelo, ao contrário do modelo original de
Setterfield (2007), é assintoticamente estável. No modelo de Setterfield o sistema dinâmico com
produto e inflação (variáveis de estado) gera uma matriz jacobiana com traço negativo e determinante
nulo, o que não garante que o ponto de equilíbrio em questão seja de fato estável. Portanto, a
principal conclusão do modelo de Setterfield, de que a política fiscal é uma ferramenta tão eficaz
quanto a política monetária no processo de estabilização macroeconômica, é notoriamente
comprometida.
11
Sabe-se que os dois autovalores da equação secular são determinados pela seguinte expressão:
ξ1, 2 =
Tra( J ) ± [Tra( J )]2 − 4. det( J ) Tra( J ) ± D
=
2
2
32
Para resolver essa ambigüidade foram realizadas 50 mil simulações com diversas
combinações aleatórias para os parâmetros (no intervalo [0,1] e com distribuição
uniforme) e separou-se os D1 positivos dos negativos. A partir de então, verificou-se
que o percentual de D1 positivo foi de 7,75% para 50 mil simulações (vê apêndice 1).
Isso indica a probabilidade dos autovalores da equação secular ser números
complexos conjugados é bastante alta (mais de 90%). Essa probabilidade não é
significativamente alterada quando a quantidade de simulações foi inferior a 50 mil12.
Portanto, é bem provável que os autovalores da matriz J1 serão números complexos
conjugados com partes reais negativas. Isso implica que o equilíbrio do modelo
associado ao regime conservador é provavelmente do tipo foco estável: a
convergência das variáveis taxa de juros e expectativas inflacionárias para seus
valores de equilíbrio quando t→∞ é oscilatória (aspiral convergente).
Ainda assim, a análise desse simples modelo sugere que a política fiscal pode ser
usada como uma ferramenta ativa na condução das políticas macroeconômicas,
juntamente com a política monetária, e que essa coordenação entre as políticas não
interfere na dinâmica de equilíbrio das variáveis econômicas relevantes numa
economia simples em que o regime monetário é do tipo conservador. Ademais, não
foi preciso fazer quaisquer suposições acerca da magnitude dos parâmetros das
equações estruturais para que o equilíbrio seja de fato estável (ainda que seja um
foco).
Em outros termos, é possível afirmar que num modelo composto por: a) uma simples
curva IS fiscal; b) uma curva de Phillips aumentada pelas expectativas (formadas
adaptativamente); c) uma função de reação fiscal e d) um regime monetário
conservador; o equilíbrio dinâmico para as variáveis taxas de juros e expectativas
12
O procedimento realizado neste estudo para verificar o tipo de convergência foi inspirado no
trabalho Yoshida & Asada (2007, p. 458).
33
inflacionárias existe e é estável. Esse resultado sugere, em consonância com a
literatura consultada, que não existe razão para que o papel ativo da política fiscal
seja negligenciado. Discutindo este ponto, Fontana (2009, p. 18) argumenta que, na
comparação entre os mecanismos de transmissão da política fiscal e da política
monetária, a política fiscal tem maior possibilidade de afetar a demanda agregada, o
hiato do produto e a própria inflação, posto que “o banco central tem apenas um
controle indireto da taxa real de juros e, por isso, não mais que uma influência
imperfeita e temporária na função de demanda agregada e no hiato do produto”.
3.2. REGIME MONETÁRIO ALTERNATIVO
Supõe-se agora que o regime monetário é alternativo, no sentido em que a única
variável que a autoridade monetária observa para ajustar a taxa de juros da
economia é o nível de produto (θ1=0 e θ3>0). Nesse sentido, quando a inflação
divergir da meta, a reação das autoridades políticas surgirá de um único front, a
saber, da política fiscal, através do ajuste no NFSP. De acordo com Lima &
Setterfield (2008), uma função de reação desse tipo é útil para se compreender os
possíveis efeitos reais da política monetária e, ao mesmo tempo, facilitar a
comparação com outros regimes de política econômica.
Substituindo (1.1) em (4) a regra de política monetária se transforma em:
•
⎛ A − β ( p e − p * ) − δ r + (λ + βα ) y *
⎞
r = θ 3 ⎜⎜
− y * ⎟⎟
1 + λ + βα
⎝
⎠
Ou simplesmente:
•
⎛ A − β ( p e − p* ) − δ r − y* ⎞
⎟⎟
r = θ 3 ⎜⎜
1 + λ + βα
⎝
⎠
34
( 4 .2 )
O sistema dinâmico bidimensional, agora formado pelas equações (4.2) e (5.1), gera
a seguinte matriz jacobiana:
⎡ − θ 2αβ
⎢1 + λ + αβ
⎢
J2 = ⎢
⎢ − θ3β
⎢1 + λ + αβ
⎣
− θ 2αδ ⎤
1 + λ + αβ ⎥
⎥
⎥
− θ 3δ ⎥
1 + λ + αβ ⎥⎦
Note que o det(J2) é nulo e tra(J2) é negativo:
det( J 2 ) =
θ 2αβθ 3δ − θ 2αδθ 3 β
=0
(1 + λ + αβ ) 2
Tra ( J 2 ) =
− θ 2αβ − θ 3δ
<0
1 + λ + αβ
Isso indica que um autovalor é nulo e o outro é negativo (igual ao traço da matriz J2),
portanto, o sistema é hiperbólico. Essa situação só pode ser considerada, a rigor,
como estável apenas no sentido de Lyapunov13, indicando que o equilíbrio não é
atrativo e, portanto, não é assintoticamente estável14. Em termos econômicos, isso
implica que é incompatível um arranjo de política macroeconômica em que a
autoridade fiscal é ativa e a autoridade monetária objetiva apenas a estabilização do
produto.
Pode-se dizer também que, para este tipo específico de equilíbrio, a taxa de juros e
as expectativas inflacionárias não convergem simultaneamente para seus valores de
steady state, ao passo que a autoridade fiscal não tem a capacidade de estabilizar
os preços quando a política monetária negligencia completamente esse objetivo.
Portanto, diferentemente do modelo resolvido para o caso de θ1>0 e θ3=0, não é
Um ponto de equilíbrio v* é estável no sentido de Lyapunov se todas as trajetórias que iniciam a
partir de pontos próximos a v* permanecem próximas a ele para todos os tempos (VIANA, 2011).
14
Para que um ponto de equilíbrio seja assintoticamente estável ele deve ser estável no sentido de
Lyapunov e atrativo, ao mesmo tempo. Neste trabalho assumimos que o equilíbrio assintoticamente
estável é o único tipo de equilíbrio relevante para a análise de determinado regime de política
econômica.
13
35
possível dizer que uma política fiscal ativa é compatível com o equilíbrio
macroeconômico quando o regime monetário é alternativo15.
3.3. REGIME MONETÁRIO HÍBRIDO
Considerando ainda a estrutura básica do modelo básico, procura-se agora
considerar o caso em que θ1,θ3>0. Então, a autoridade monetária deve modificar a
taxa de juros quando a inflação divergir da meta e/ou quando o produto divergir do
potencial. Note que agora as regras de política fiscal e monetária são parecidas, no
sentido em que as duas atuam de maneira contracíclica e, ao mesmo tempo, as
duas autoridades estão preocupadas com a dinâmica inflacionária. Como a
autoridade monetária tem agora dois objetivos, define-se o regime monetário como
sendo híbrido.
Deste modo, inserindo as equações (1.1) e (2.1) em (4) a regra de política monetária
deve agora assumir, após simplificação, o seguinte formato:
•
⎛ [θ (1 + λ ) − θ 3 β ]( p e − p * ) − δ (αθ1 + θ 3 )r + (αθ1 + θ 3 ) A − (θ1α + θ 3 ) y * ⎞
⎟⎟
r = ⎜⎜ 1
1 + λ + βα
⎠
⎝
(4.3)
O sistema dinâmico bidimensional formado pelas equações (4.3) e (5.1), gera a
seguinte matriz jacobiana:
15
Lima & Setterfield (2008) conseguiram achar estabilidade para o regime alternativo. Eles sugerem,
inclusive, que quanto mais conservador for o regime de política monetária menores são as
possibilidades de equilíbrio do modelo dinâmico bidimensional. Ressalta-se, porém, que a estrutura
do modelo de Lima & Setterfield (2008) é tipicamente pós-keynesiana, que é uma estrutura diferente
do modelo derivado neste trabalho. O referido modelo também não considera explicitamente o papel
ativo da política fiscal, tal como é feito neste trabalho.
36
− θ 2αβ
⎡
⎢ 1 + λ + αβ
⎢
J3 = ⎢
⎢θ1 (1 + λ ) − θ 3 β
⎢ 1 + λ + αβ
⎣
− θ 2αδ
⎤
1 + λ + αβ ⎥
⎥
⎥
− δ (θ1α + θ 3 ) ⎥
1 + λ + αβ ⎥⎦
Observa-es que o Tra(J3) é negativo e o det(J3) é positivo:
Tra( J 3 ) =
− θ 2αβ − δ (θ1α + θ 3 )
<0
1 + λ + αβ
det( J 3 ) =
θ 2αδθ1
>0
1 + λ + αβ
Deste modo, é possível mostrar que o ponto de equilíbrio é estável. Este resultado, a
princípio, é similar àquele encontrado no caso em que o banco central objetiva
apenas controlar a inflação. É preciso conhecer o sinal de D da equação secular
para saber o tipo de convergência para o equilíbrio e comparar com o regime
conservador.
O discriminante associado a este novo sistema é:
2
⎡ − θ αβ − δ (θ1α + θ 3 ) ⎤
⎛ − θ 2αδθ1 ⎞
D3 = ⎢ 2
− 4⎜⎜
⎟⎟
⎥
1 + λ + αβ
⎣
⎦
⎝ 1 + λ + αβ ⎠
Após simplificação D3 torna-se:
⎛ [−θ 2αβ − δ (θ 1α + θ 3 )] 2 − 4θ 2αδθ1 (1 + λ + αβ ) ⎞
⎟
D3 = ⎜⎜
⎟
(1 + λ + αβ ) 2
⎝
⎠
Observa-se facilmente que o sinal de D3 também é ambíguo. Porém, através de
simulação, foi possível achar algumas combinações aleatórias dos parâmetros das
equações do modelo que garantem um equilíbrio estável com convergência
monotônica no regime híbrido. De fato, a probabilidade de D3>0 é de
aproximadamente 44,5%. Para as várias simulações realizadas16 (com 10 mil, 20 mil,
16
O resultado da simulação com 50 mil combinações está no apêndice 1.
37
30 mil, 40 mil e 50 mil combinações dos parâmetros) notou-se também que a
probabilidade dos autovalores serem números reais é aproximadamente 6 vezes
maior no regime híbrido do que no regime conservador, conforme tabela abaixo:
Tabela 1. Probabilidades do intervalo dos discriminantes
REGIME HÍBRIDO
REGIME CONSERVADOR
Intervalo
Quantidade
%
Intervalo
Quantidade
%
[-2, -1)
37
0,07
[-3, -2)
1
0
[-1, 0)
27715
55,43
[-2, -1)
186
0,37
[0, 1)
22236
44,47
[-1, 0)
45940
91,88
[1, 2)
12
0,02
[0, 1)
3873
7,75
Total
Fonte: o autor.
50000
100
Total
50000
100
Portanto, a análise destes resultados sugere que o regime híbrido é preferível ao
regime conservador quando a política fiscal é ativa, já que uma convergência
monotônica é preferível a uma convergência oscilatória.
3.4. FLEXIBILIZANDO A PSEUDO REGRA DE TAYLOR
Com a finalidade de verificar se, do ponto de vista qualitativo, os resultados
apresentados para os regimes de política monetária antecitados ainda persistem,
optou-se por flexibilizar a equação (3), fazendo λ=0 e, em seguida, β=0. No primeiro
caso tem-se uma autoridade fiscal que não responde a desvios no produto,
enquanto no segundo caso a autoridade fiscal só manuseia o déficit quando o hiato
do produto é diferente de zero.
Para o caso do regime conservador é fácil verificar que o Traço, o determinante e o
discriminante da matriz jacobiana quando λ=0 são:
Tra ( J 1 ) =
− α (θ 2 β + θ1δ )
<0
1 + αβ
38
θ1θ 2αδ
>0
1 + αβ
det( J 1 ) =
[−α (θ 2 β + θ1δ )]2 − 4(1 + αβ )θ1θ 2αδ
D1 =
(1 + αβ ) 2
Indicando mais uma vez que o sistema é estável e que o tipo de convergência é
ambíguo. Quando β=0 pode-se mostrar o mesmo resultado em termos de
estabilidade do equilíbrio:
D1 =
Tra ( J 1 ) =
− αθ 1δ
<0
1+ λ
det( J 1 ) =
θ1θ 2αδ
>0
1+ λ
(−αθ1δ ) 2 − 4(1 + λ )θ1θ 2αδ
(1 + λ ) 2
Após simular de 50 mil combinações para os parâmetros do modelo, verificou-se que
a
probabilidade
da
convergência
ser
monotônica,
quando
λ=0,
é
de
aproximadamente 10%. Por outro lado, a probabilidade de a convergência ser
monotônica é de aproximadamente 2% quando β=0. Esses resultados sugerem que,
para o regime monetário conservador, em termos de estabilidade dinâmica, não
importa se o argumento da pseudo regra de Taylor é o hiato do produto ou o hiato
da inflação. Já em termos de probabilidade com convergência monotônica, notou-se
que a probabilidade de se obter um equilíbrio estável com convergência oscilatória é
muito grande nos dois casos (90% e 98% respectivamente).
Considerando agora o regime híbrido17 pode-se mostrar que o Traço, o determinante
e o discriminante da matriz jacobiana quando λ=0 são:
17
No regime alternativo não importa se a autoridade fiscal reage apenas a mudanças no hiato da
inflação ou no hiato do produto: o sistema permanece instável.
39
Tra ( J 3 ) =
− θ 2αβ − δ (θ1α + θ 3 )
<0
1 + αβ
det( J 3 ) =
θ 2αδθ1
>0
1 + αβ
⎛ [−θ 2αβ − δ (θ1α + θ 3 )]2 − 4θ 2αδθ1 (1 + αβ ) ⎞
⎟
D3 = ⎜⎜
⎟
(1 + αβ ) 2
⎠
⎝
Indicando também que o sistema é estável e o tipo de convergência é desconhecido,
da mesma forma que quando β=0:
Tra ( J 3 ) =
− δ (θ 1α + θ 3 )
<0
1+ λ
det( J 3 ) =
θ 2αδθ1
>0
1+ λ
⎛ [−δ (θ1α + θ 3 )]2 − 4θ 2αδθ1 (1 + λ ) ⎞
⎟
D3 = ⎜⎜
2
⎟
(
1
λ
)
+
⎠
⎝
A partir de 50 mil simulações para o cálculo do discriminante, foi possível verificar
que a probabilidade de convergência monotônica, quando λ=0 e β=0 é de 55% e
33%, respectivamente. Portanto, pode-se afirmar que, mesmo quando a pseudo
regra de Taylor é flexibilizada, os principais resultados do modelo não são alterados:
a política fiscal continua sendo uma ferramenta útil no processo de macro
estabilização e o regime híbrido permanece preferível ao regime conservador.
3.5.
ESTÁTICA COMPARATIVA
Nesta seção procura-se fazer simples exercícios de estática comparativa com os
diagramas de fases gerados pelos regimes conservador e híbrido. Não foi levado em
conta o regime alternativo porque não foi encontrado um ponto de equilíbrio
40
assintoticamente estável para esta configuração de política econômica18. Os passos
a serem seguidos neste exercício são os seguintes: i) deriva-se as isóclinas para
cada regime; ii) verifica-se o ponto de equilíbrio do sistema de equações e iii)
analisa-se o impacto de mudança nas variáveis exógenas no ponto de equilíbrio. A
Tabela 2 mostra tanto as isóclinas quanto o ponto de equilíbrio para o regime
conservador:
Tabela 2. Isóclinas e ponto de equilíbrio do sistema no regime conservador
•
x = pe = 0
r=
•
z=r =0
r=
− β ( p e − p* ) + A − y*
e
pEQ
= p*
δ
(1 + λ )( p e − p * ) + αA − αy *
αδ
rEQ =
A − y*
δ
Fonte: o autor.
Nota-se que a taxa de inflação esperada de equilíbrio coincide com a meta de
inflação, indicando que não há viés inflacionário e a meta de inflação é um balizador
das expectativas dos agentes na formação dos preços. Além disso, a taxa real de
juros de equilíbrio, que depende da elasticidade juros da demanda agregada δ, será
positiva se e somente se A>y*. A inclinação da isóclina x é –β/δ<0 e da z é
[(1+λ)/αδ]>0.
Substituindo o ponto de equilíbrio [pe=p*; r=(A-y*)/δ] nas equações (1.1) e (2.1) é
fácil notar que o produto de equilíbrio, no longo prazo, é idêntico ao produto
potencial e a inflação de equilíbrio coincide com a meta:
⎛ A − y* ⎞
⎟⎟ + (λ + βα ) y *
A − β p * + β p * − δ ⎜⎜
⎝ δ ⎠
y=
⇒ y = y*
1 + λ + βα
18
Pode-se mostrar facilmente que as isóclinas x e z no plano de fases são idênticas para o regime
alternativo.
41
⎛ A − y* ⎞
⎟⎟ − αy *
(1 + λ ) p * + αA + αβ p * − αδ ⎜⎜
⎝ δ ⎠
p=
⇒ p = p*
1 + λ + βα
De posse destas informações, o seguinte diagrama de fases pode ser plotado:
r
z
_
r
x
_
pe
pe
Gráfico 1. Diagrama de fases para o regime conservador
Note que um aumento arbitrário na meta de inflação p*, tudo o mais constante,
desloca as duas isóclinas z e x para direita. No novo equilíbrio de steady state a
inflação esperada é maior que a anterior e a taxa de juros não se altera. Como é a
meta de inflação que baliza as expectativas, qualquer aumento/redução de p*
proporciona aumento/redução em igual magnitude na inflação, sem qualquer
interferência na taxa de juros.
42
r
z
z'
_
r
2
1
x'
x
_
_
p 1e
p 2e
pe
Gráfico 2. Impacto do aumento de p* no equilíbrio
Quando o componente autônomo da demanda agregada A aumenta, devido a uma
expansão fiscal não proveniente dos distúrbios econômicos de curto prazo, por
exemplo, as duas isóclinas também se deslocam: z se para esquerda e x para
direita. No novo equilíbrio de steady state, com as isóclinas z’ e x’, a inflação
esperada é idêntica a anterior, mas a taxa de juros de equilíbrio aumenta. Existe
então um trade off no longo prazo entre expansão fiscal exógena e taxa real de
juros, como pode ser visto no gráfico abaixo.
r
_
r2
z'
z
2
_
r1
1
x'
x
_
e
pe
p
Gráfico 3. Impacto do aumento de A no equilíbrio
43
Já para o caso de um aumento no produto potencial y* a isóclina z se desloca para
direita e a x se desloca para esquerda. O novo equilíbrio será compatível com a
inflação esperada inalterada e taxa de juros mais baixa (ponto 2). Isso implica que
uma expansão na capacidade produtiva da economia proporciona, no longo prazo,
alguma flexibilização na política monetária, sem prejuízos ao alcance da meta de
inflação e a convergência da expectativa inflacionária para a meta. Este movimento
é explicitado no gráfico abaixo.
z
r
_
r1
z'
1
_
r2
2
x
x'
_
e
pe
p
Gráfico 4. Impacto do aumento de y* no equilíbrio
Levando em conta esses simples exercício de estática comparativa, é possível
concluir que, para o regime conservador, somente mudanças arbitrárias na meta de
inflação pode provocar, no equilíbrio de longo prazo, uma mudança na expectativa
de inflação. Além disso, alteração no produto potencial e expansões fiscais
autônomas afetam apenas a taxa de juros de equilíbrio no steady state. É possível
repetir este mesmo exercício para o regime híbrido. Nota-se na Tabela 3 abaixo que
a diferença entre o regime híbrido e o conservador está na isóclina z, posto que as
regras de política monetária não se coincidem.
44
Tabela 3. Isóclinas e ponto de equilíbrio do sistema no regime híbrido
•
x = pe = 0
•
z=r=0
r=
r=
− β ( p e − p* ) + A − y*
e
p EQ
= p*
δ
[θ1 (1 + λ ) − θ 3 β ]( p e − p * ) A − y *
+
δ (αθ1 + θ 3 )
δ
rEQ =
A − y*
δ
Fonte: o autor.
Observa-se também que o ponto de equilíbrio estável é idêntico àquele referente ao
regime conservador. Porém, a inclinação da isóclina z é ambígua. Se assumirmos
que vale a desigualdade (1+λ)θ1>βθ3 então a isóclina z terá inclinação positiva. Por
outro lado, se tal desigualdade não for satisfeita, a inclinação de z também será
negativa19. Assumindo a possibilidade de inclinação negativa para z, ainda é possível
mostrar analiticamente que δx/δpe≠δz/δpe de modo δx/δpe>δz/δpe, para qualquer
combinação dos parâmetros20. Assim, os seguintes diagramas de fases mostram o
ponto de equilíbrio para o regime híbrido considerando essas duas possibilidades:
r
z
_
r
x
_
pe
pe
Gráfico 5. Diagrama de fases para o regime híbrido com (1+λ)θ1>βθ3
19
Com as simulações realizadas verificou-se que é mais provável que a inclinação da isóclina z seja
positiva. As propriedades do equilíbrio dinâmico são mantidas se esta inclinação for negativa.
20
É fácil notar que se A>y* a interseção das isóclinas será no primeiro quadrante, garantindo
novamente a positividade da taxa de juros de equilíbrio.
45
r
_
r
z
x
_
pe
pe
Gráfico 6. Diagrama de fases para o regime híbrido com (1+λ)θ1<βθ3
A despeito destas duas possibilidades, como os sinais dos parâmetros das variáveis
p*, A e y* são idênticos aos das isóclinas do regime conservador e os pontos de
equilíbrio são os mesmos, então, como o referido equilíbrio é assintoticamente
estável, é fácil verificar que choques nestas variáveis exógenas terão, no longo
prazo, os mesmos efeitos no equilíbrio de steady state na inflação esperada e na
taxa real de juros21, independentemente do sinal de δz/δpe.
No entanto, é preciso destacar que no regime híbrido a convergência para o
equilíbrio após mudanças nas variáveis exógenas tem maior probabilidade de ser
uma convergência monotônica do que no regime conservador, conforme explicitado
na tabela 1. Embora os economistas que trabalhem com a modelagem
macrodinâmica geralmente não façam distinção entre os tipos de convergência para
o equilíbrio, entende-se aqui que esta distinção é importante: um equilíbrio do tipo nó
estável é preferível a um equilíbrio do tipo foco estável porque naquele tipo de
21
É fácil notar que este resultado não é sensível à flexibilização da pseudo regra de Taylor. O que
muda, entretanto, são as inclinações das isóclinas dos diagramas de fases nos dois regimes de
política monetária. Note que se β=0 então δx/δpe=0 e δz/δpe >0 tanto para o regime conservador
quanto para o híbrido. Por outro lado, se λ=0 então δx/δpe<0 e δz/δpe >0 para o regime conservador e
δx/δpe<0 e δz/δpe é ambíguo para o regime híbrido. Ainda assim, mudanças nas variáveis exógenas (A,
p* e y*), nestes dois casos, proporcionarão os mesmos efeitos nas variáveis de interesse que no caso
da pseudo regra de Taylor com β, λ>0.
46
equilíbrio é descarta a ocorrência de overshootings e undershootings nas variáveis
de estado.
Além disso, como no processo de convergência oscilatória a economia caminha em
pontos diferentes daqueles que as isóclinas x e z se interceptam, então pode-se
mostrar que durante a transição para o novo ponto de equilíbrio o produto deve
divergir do seu nível potencial e as expectativas inflacionárias devem divergir da
meta de inflação, o que gera diminuições temporárias (mas não desprezíveis) no
nível de bem estar social.
47
4. ESTIMANDO UMA FUNÇÃO DE REAÇÃO DA POLÍTICA FISCAL PARA O
BRASIL
A discussão acerca do comportamento da política fiscal nas economias em
desenvolvimento é relevante porque que nestas economias os estabilizadores
automáticos não são poderosos e as instituições fiscais não parecem colaborar para
a atuação contracíclica das finanças públicas. De fato, uma gama de estudos
empíricos desenvolvidos nos últimos 15 anos sugere que a política fiscal na América
Latina e demais países em desenvolvimento é pró-cíclica: nas recessões existe uma
orientação para a manutenção da austeridade, enquanto na bonança os gastos
públicos tendem a crescer (GAVIN & PEROTI, 1997; CATAO & SUTTON, 2002;
KAMINSKY, REINHART & VÉGH, 2004; ALESSINA & TABELLINI, 2005; TALVI &
VÉGH, 2005, AKITOBY, et al, 2006). Sabe-se que este tipo de comportamento das
finanças públicas, que é distinto do das economias desenvolvidas, tende a
aprofundar com os ciclos econômicos, quando o ideal seria mitigá-lo. Isso significa,
portanto, que a política fiscal na América Latina é sub-ótima.
O argumento contra a utilização da política fiscal de maneira pró-cíclica não é
exclusivo de uma única abordagem teórica. A prescrição keynesiana padrão
sustenta que a política fiscal deve ser contracíclica, e o modelo de política fiscal
ótima de inspiração neoclássica prediz que as taxas de impostos devem permanecer
constantes ao logo do ciclo dos negócios (MARTNER, 2007). De acordo com Talvi &
Végh (2005) se os policymakers seguem a prescrição keynesiana deve-se observar
uma correlação positiva entre taxas de impostos e produto, e negativa entre gastos
do governo e produto, mas se eles seguem a prescrição neoclássica, estas
correlações devem ser essencialmente nulas.
48
Neste trabalho parte-se do pressuposto de que o desafio da boa política fiscal é
contribuir para uma menor volatilidade do produto e, ao mesmo tempo, garantir a
sustentabilidade da dívida pública. Jimenez & Fanelli (2009) salientam que esses
objetivos podem ser concorrentes em alguma medida, mas parece claro que um
nível de endividamento adequado cria margens de manobra para a utilização futura
da política fiscal. Mello & Moccero (2006), Clements, Faircloth & Verhoeven (2007) e
Luporini & Licha (2009) também sugerem que a redução do endividamento público
para níveis prudentes é um importante pré-requisito para a eliminação do caráter
pró-cíclico da política fiscal, bem como a redução dos riscos de mudanças
inesperadas na restrição orçamentária do governo. Heller (2005), ao discutir o
conceito de “espaço fiscal”, chama atenção para a necessidade da obtenção de
recursos orçamentários suficientes para ampliar os gastos governamentais em itens
que têm o potencial de estimular a taxa de crescimento econômico sem negligenciar
a sustentabilidade fiscal. Em consonância com esta literatura, entende-se que a
discricionariedade fiscal não pode ser confundida com irresponsabilidade na gestão
das finanças públicas.
Nessa perspectiva, a estimação adequada de uma função de reação fiscal para uma
economia em desenvolvimento considerando o período recente, é importante para
averiguar se a condução da política fiscal tem sido compatível com as prescrições da
teoria econômica. O presente trabalho pretende oferecer uma contribuição nesse
sentido. É importante reconhecer que algumas versões da função de reação fiscal
para o Brasil já foram estimadas por Mello & Moccero (2006), Simonasi (2007), Mello
(2007), Lopes (2007), Bello & Jimenez (2008), Mendonça, Santos & Sachsida
(2009), Rocha (2009), Silva & Duarte (2010) e Luporini (2012). Ressalta-se que
estes trabalhos são muito heterogêneos, tanto no que diz respeito ao
49
período/frequência da amostra, quanto no que diz respeito à metodologia e as
variáveis utilizadas. O principal fato estilizado encontrado nesta literatura é que a
política fiscal brasileira é pró-cíclica.
No entanto, destaca-se que estudos realizados com dados mais atuais têm
apontado indícios de que o comportamento da autoridade fiscal brasileira passou a
ser menos pró-cíclico (BELLO & JIMENEZ, 2008; ROCHA, 2009) ou até mesmo
contracíclico (MENDONÇA, SANTOS & SACHSIDA, 2009; BARBOSA, 2010).
Frankel & Végh (2011), por exemplo, são enfáticos ao destacarem que alguns
países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, escaparam da “armadilha da
prociclicalidade”. Adicionalmente, as evidências encontradas na literatura que
enfatiza o caso brasileiro sugerem que a condução da política fiscal é, nos anos
recentes, compatível com a estabilização da dívida pública e o Tesouro não parece
ter dificultado com o trabalho da autoridade monetária no combate à inflação.
A política fiscal brasileira realmente deixou de ser pró-cíclica? A condução da política
fiscal é compatível com a estabilização da dívida e com o controle da inflação?
Essas são as principais questões que procurarão ser respondidas neste artigo. Para
tanto, buscar-se-á estimar uma função de reação fiscal para o Brasil considerando o
período de janeiro de 2003 a junho 2013. As estimativas foram realizadas com os
métodos OLS, GMM e VAR.
4.1. A RELEVÂNCIA DO GASTO PÚBLICO PARA A ANÁLISE DA REAÇÃO
FISCAL
Uma questão relevante quando se discute uma regra política fiscal está relacionada
com a variável utilizada como instrumento de tal política. Sabe-se que numa regra de
50
política monetária, por exemplo, a taxa básica de juros é a variável instrumento, ao
passo que toda literatura empírica usa a mesma variável em funções de reação
monetária. Para o caso da política fiscal, a situação é notadamente distinta: não
existe consenso acerca do indicador relevante para a análise da política fiscal em
trabalhos empíricos.
Sabe-se, porém, que é comum na literatura o uso do saldo fiscal primário sobre o
PIB como o indicador relevante para o estudo do comportamento discricionário do
Tesouro. No trabalho seminal de Gavin & Perotti (1997) este indicador foi utilizado
para a definição do comportamento da política fiscal ao longo do ciclo econômico.
Entretanto, uma importante argumentação contra o uso deste indicador de política
fiscal foi feita por Kaminsky, Reinhart & Végh (2004). Eles sugeriram que o saldo
primário é um indicador ambíguo para o estudo das propriedades cíclicas da política
fiscal, posto que ele é um resultado, que inclusive depende de qual estágio do ciclo
dos negócios a economia se encontra, e não um instrumento de política fiscal
utilizado pelos formuladores de política.
Desta forma, quando o saldo primário apresenta uma correlação positiva com o hiato
do produto, isso não significa dizer necesariamente que a política fiscal está sendo
contracíclica, tal como definido por Gavin & Perotti (1997) e Alesina & Tabellini
(2005). Isso porque no caso de uma política fiscal acíclica, por exemplo, o saldo
primário deve aumentar em bons tempos e diminuir em tempos ruins, uma vez que
tanto a base tributária quanto os gastos automáticos dependem das condições
econômicas vigentes. Neste caso, olhando a correlação estatística entre saldo
primário e ciclo dos negócios, pode-se concluir que a política fiscal é contracíclica
quando na verdade a política fiscal é completamente neutra.
51
Seguindo esta lógica, os trabalhos de Kaminsky, Reinhart & Végh (2004), Bello &
Jiménez (2008) e Ilzetzki & Végh (2008) argumentam que o gasto público (em nível)
é teoricamente o melhor indicador disponível para a análise da política fiscal durante
o ciclo, já que o saldo primário é um indicador que tem o potencial de fornecer
resultados equivocados22. Nós seguiremos estes autores e utilizaremos o gasto
público primário como variável relevante para a estimação da função de reação da
política fiscal.
4.2. ESPECIFICAÇÃO DO MODELO EMPÍRICO
Serão utilizados os métodos OLS, GMM e VAR com funções Impulso-Resposta
(doravante FIR) para a análise da reação da política fiscal no Brasil. A seguir são
descritas as especificação básica dos modelos que serão estimados.
A função de reação fiscal a ser estimada por OLS tem o seguinte formato:
log(g t ) = β 0 + β1 ht −1 + β 2 d t −1 + β 3 pt −1 + ε
(6)
onde g é o gasto público, h é o hiato do produto, d é a razão dívida/PIB, p é a
inflação e ε é o termo de erro. Se β1 for menor que zero então define-se a política
fiscal como sendo contracíclica: nos tempos de bonança (hiato do produto positivo) a
autoridade fiscal deve conter os gastos públicos para que haja disponibilidade de
recursos nos períodos de escassez (hiato do produto negativo). O caso contrário
implica que a política fiscal é pró-cíclica e β1 nulo implica que a política fiscal é
acíclica. Especificar a função de reação fiscal supondo que os gastos públicos
22
Na verdade o saldo primário como proporção do PIB, o gasto público como proporção do PIB, a
receita tributária e a receita tributária como proporção do PIB também não são indicadores relevantes
para a análise das propiedades cíclicas da política fiscal. Por outro lado, a taxa de impostos (tax rate)
é outro indicador que pode fornecer, sem ambigüidade, a resposta da política fiscal através do ciclo
econômico (KAMINSKY, REINHART & VÉGH, 2004, pp. 7). No entanto, esses dados não são
disponíveis para o Brasil e seguiremos neste estudo utilizando apenas o gasto público.
52
devem responder as demais variáveis com defasagem de um período justifica-se
porque é improvável que a autoridade fiscal reaja imediatamente à mudança nas
condições econômicas (THAMS, 2007). Uma política fiscal sustentável requer β2<0,
indicando que autoridade fiscal esteve preocupada com a dinâmica da dívida
pública. Já a inclusão da inflação na função de reação fiscal justifica-se porque é
possível que a autoridade fiscal tenha cooperado com a autoridade monetária no
processo de estabilização dos preços. Se β3<0 então a política fiscal cooperou com
a política monetária no combate à inflação. De fato, na ocorrência de choques
inflacionários positivos, a autoridade fiscal deve ser mais austera, se realmente
estiver cooperando com a política monetária. De maneira semelhante, se β3>0 então
a autoridade fiscal não está cooperando com a autoridade monetária. Os
coeficientes das equações de referência estimados por OLS possuem erros padrão
robustos.
A função de reação fiscal estimada por GMM é a mesma equação (6), sendo que os
instrumentos utilizados são todas as variáveis explicativas defasadas em dois
períodos. Esse procedimento é adotado para se averiguar a robustez e corrigir
possíveis endogeneidades nos coeficientes estimados por OLS. Questões
relacionadas à robustez dos coeficientes estimados e à endogeneidade das
variáveis foram discutidas no trabalho de Ilzetzki & Végh (2008), sendo que estes
autores também utilizaram estimadores de GMM após a estimação da função de
reação fiscal por OLS. Nas estimações por GMM, que são desnecessárias as
hipóteses sobre a distribuição dos erros, utilizou-se a matriz de covariância de
Newey-West para a correção de heterocedasticidade e autocorrelação.
Por fim, um modelo com vetores auto-regressivos (VAR) será estimado com as
seguintes variáveis: a) logarítimo do gasto público (DTN e DCC); b) hiato do produto;
53
c) inflação e d) dívida líquida do setor público. A escolha da metodologia VAR
justifica-se porque a relação de interdependência entre as variáveis do modelo é
notória, no sentido em que todas as variáveis são tratadas como endógenas. De
posse dos coeficientes estimados pelo VAR, com número apropriado de defasagens,
serão analisados os gráficos com a resposta da variável gasto público devido a
choques (impulsos) nas demais variáveis do modelo. As respostas das três variáveis
restantes a choques em todas as outras são descartadas porque o objetivo deste
trabalho é identificar a reação da autoridade fiscal devido a mudanças no ambiente
econômico (atividade econômica, inflação e dívida pública).
Ademais,
seguindo
os
estudos
que
usam
esta
metodologia
na
análise
macroeconômica, também serão realizados exercícios de decomposição da
variância, de tal modo que seja identificado o quanto da variância da variável de
política fiscal é explicada por sua própria variância e pela variância das demais
variáveis do modelo. Um procedimento parecido com este foi utilizado por Burger,
Jooste & Cuevas (2011) para a estimação de uma função de reação fiscal na África
do Sul e por Ilzetzki & Végh (2008) para o estudo do comportamento da autoridade
fiscal durante os ciclos econômicos em grupos de países desenvolvidos e em
desenvolvimento.
4.3. DADOS
Os dados são mensais para o período 2003.1 a 2013.6, totalizando 126
observações. Este período se caracteriza por razoável normalidade na gestão da
política fiscal, o que enfraquece a possibilidade da existência de quebras estruturais
nas
variáveis
utilizadas.
O
regime
54
fiscal
para
o
período
é
marcado
preponderantemente pela obtenção de metas de superávits primários, embora para
os períodos mais recentes, com muitas incertezas no cenário macroeconômico
internacional, a política fiscal, no sentido mais geral, parece ter se tornado mais
flexível.
As variáveis utilizadas nas várias especificações econométricas são: i) Gasto público
- foram utilizadas três categorias de gastos públicos com a finalidade de capturar o
comportamento da autoridade fiscal: a) as despesas com custeio e capital do
Governo Central (DCC); b) as despesas com pessoal e encargos sociais do Governo
Central23 (DPES) e c) as despesas do Tesouro Nacional (DTN), soma das duas
séries anteriores. Estas variáveis foram extraídas das séries históricas disponíveis
na Secretaria do Tesouro Nacional; ii) Hiato do produto: foi calculado como o desvio
percentual do PIB mensal em milhões de R$ (extraída do Banco central do Brasil)
em relação ao produto potencial24. Para o cálculo do produto potencial foi utilizado o
filtro Hodrik-Prescott com λ=14.400; iii) Dívida Pública (DLSP): é a dívida líquida do
setor público como proporção do PIB, fluxo acumulado em 12 meses (extraída do
Banco central do Brasil) e iv) Inflação: é o Índice Nacional de Preços do Consumidor
Amplo (IPCA, % ao mês) extraída do Ipeadata. Todas variáveis coletadas em
valores correntes (milhões de R$) foram valorizadas pelo IGP-DI a preços de
jun/2013 (extraído do Ipeadata).
4.4. TESTE DA RAÍZ UNITÁRIA
Para que seja evitado o problema da regressão espúria foi realizado o teste da raiz
unitária para cada série selecionada neste estudo. O teste escolhido foi o ADF
23
24
Exclui os benefícios previdenciários e as despesas do Banco Central.
O hiato do produto é definido da seguinte forma: (Y-Y*)/Y* em que Y é o PIB e Y* o PIB potencial.
55
(Dickey-Fuller aumentado), que é o mais utilizado para este fim nos estudos
empíricos no campo da macroeconomia. O critério de informação de Schwarz foi
utilizado para a definição da quantidade ótima de defasagens. A hipótese nula do
teste ADF é que existe uma raiz unitária. Inicialmente os testes foram realizados
considerando sem considerar a presença de constante e tendência, mas se a
hipótese nula não pôde ser rejeitada, o mesmo teste foi realizado considerando a
presença de constante e, se necessário, constante e tendência. Os principais
resultados destes testes estão sumarizados na Tabela 4.
Tabela 4. Teste ADF
Cte
Tend
Variável
Def* Estat. t
Prob.
IPCA
0
-4.23 Não Não
0.0000
HIATO
14
-4.13 Não Não
0.0001
DLSP
0
-3.87 Não Não
0.0002
Sim
Sim
DTN
0
-10.92
0.0000
DCC
2
-3.18 Sim Não
0.0238
Sim
Sim
DPES
14
-1.24
0.8964
* Defasagem max=15.
Fonte: o autor.
Schwarz
Conclusão
-9.42
É estacionária
-4.21
É estacionária
-7.23
É estacionária
20.7
É estacionária
20.67
É estacionária
17.42
Não é estacionária
Nota-se que foi possível rejeitar a hipótese nula do teste ADF a pelo menos 5% de
significância para a maioria das variáveis. Como não foi possível rejeitar a hipótese
nula para a variável DPES, decidiu-se não utilizá-la nas estimações.
4.5. ESTIMAÇÕES COM OLS E GMM
A tabela 5 resume os principais resultados das estimações com OLS e GMM
considerando o logarítimo das duas variáveis de gasto público (DTN e DCC).
56
Tabela 5. Função de reação fiscal
Var. Dependente: log(DTN)
Var. Dependente: log(DCC)
OLS
OLS
GMM
GMM
12.01*
12.04*
Constante
2.166*
3.056*
Hiato (-1)
-3.624*
-4.867*
Dívida (-1)
3.182
3.776
Inflação (-1)
2
0.74
R
(*) estatisticamente significante a 1%.
11.887*
2.588*
-4.62*
-8.312
0.72
11.914*
3.185*
-4.724*
-4.434
Fonte: o autor.
Observa-se que o coeficiente do hiato do produto é positivo e estatisticamente
significante nas quatro regressões estimadas, o que nos permite afirmar, em
consonância com a maior parte da literatura, que a política fiscal brasileira no
período analisado foi pró-cíclica. Esse resultado sugere que a tendência comum a
todos os países da América Latina e demais países em desenvolvimento não foi
rompida no Brasil em período recente, mesmo considerando o período pós-crise de
2007/08. Esse resultado, entretanto, difere daqueles encontrados por Mendonça,
Santos & Sachsida (2009) e Frankel & Végh (2011), que sugeriram que a política
fiscal brasileira tornou-se contracíclica25.
Os sinais dos coeficientes da dívida pública também são idênticos em todas as
regressões. A negatividade e a significância deste sinal indicam que a política fiscal
brasileira foi sustentável durante o período estudado. De fato, a trajetória da DLSP
saiu de 60% do PIB no início de 2003 e chegou a pouco mais de 34% do PIB em
junho de 2013, mesmo num contexto de gastos públicos crescentes, tanto em
termos absolutos quanto como % do PIB. Essa evidência sugere que a autoridade
fiscal levou em conta a sustentabilidade da dívida pública ao executar os gastos, um
resultado não surpreendente e que corrobora com aqueles encontrados em Rocha
(2009), Luporini (2012) entre outros. Como o período em questão tem sido marcado
25
Vale dizer que a metodologia, a base de dados e a freqüência utilizada do presente trabalho
diferem dos trabalhos aqui citados. Portanto, a comparação entre os nossos resultados (coeficientes
estimados) e aqueles sugeridos pela literatura deve ser parcimoniosa.
57
por um regime de política fiscal baseado em metas de superávit primário, então a
sustentabilidade da política fiscal brasileira é facilmente explicada.
Já os coeficientes relacionados à inflação, por sua vez, além de apresentarem sinais
ambíguos (positivo na especificação com DTTN e negativo na especificação com
DCC) não se mostraram estatisticamente diferentes de zero nas regressões
estimadas. Deste modo, parece claro que a função de reação da autoridade fiscal
não levou em conta a evolução temporal do nível de preços na execução dos gatos
públicos. De fato, esse resultado corrobora com as conclusões de Mendonça,
Santos & Sachsida (2009) segundo a qual o governo não parece utilizar
explicitamente a política fiscal discricionária como instrumento de combate à
inflação.
4.6. ROBUSTEZ NAS ESTIMAÇÕES POR OLS E GMM
Com a finalidade de verificar a robustez desses resultados os modelos da tabela 5
foram re-estimados substituindo-se o hiato do produto pelo hiato da produção
industrial do IBGE26. Esse procedimento foi realizado porque alguns estudos
empíricos com séries temporais com dados mensais para o Brasil utiliza a produção
industrial do IBGE como proxy para o PIB mensal. O novo hiato do produto também
foi calculado com o filtro HP. Nestas novas regressões, observam-se que os
parâmetros β1 e β2 não mudaram de sinal e permaneceram estatisticamente
significante a 1%, como nas regressões anteriores. No entanto, nota-se que o
parâmetro β3 passou a ser negativo nos modelos estimados por OLS, mas não
26
Esta série também é estacionária em nível de acordo com o teste ADF.
58
mostrou-se estatisticamente significante a pelo menos 10% em sequer uma
regressão.
Tabela 6: robustez da função de reação fiscal
Var. Dependente: log(DTN)
Var. Dependente: log(DCC)
OLS
OLS
GMM
GMM
11.99*
12.05*
Constante
0.789*
2.32*
Hiatopi (-1)
-3.574*
-3.89*
Dívida (-1)
-4.826
14.12
Inflação (-1)
0.69
R2
(*) estatisticamente significante a 1%.
Fonte: o autor.
11.878*
1.30*
-4.606*
-7.862
0.71
11.93*
2.91*
-4.92*
10.94
4.7. VAR E FUNÇÃO IMPULSO-RESPOSTA
Para a definição da quantidade de parâmetros a serem estimados pelo VAR foi
considerado o critério de informação de Schwarz (SIC)27. Foram estimados quatro
modelos VAR: a) com DCC e PIB do BCB; b) com DTN e PIB do BCB; c) com DCC
e produção industrial do IBGE e d) com DTN e produção industrial do IBGE. Os dois
últimos modelos foram estimados para testar a robustez dos resultados fornecidos
pelos dois primeiros modelos. As variáveis DLSP e IPCA estão todos os modelos. O
critério de informação de Schwarz (SIC) indicou que a defasagem ótima é 1 para
todos os modelos. Ressalta-se que este critério possuiu propriedades assintóticas
superiores aos demais critérios utilizados na literatura e, além disso, o SIC tende a
selecionar o modelo mais parcimonioso (menor número de parâmetros a ser
estimados).
Antes de estimar cada modelo VAR foi realizado o teste de causalidade de Granger
na tentativa de verificar se as variáveis fiscais e o ciclo econômico possuem relação
27
Em todas as especificações o SIC indicou a mesma quantidade de defasagens do critério HannanQuinn.
59
de bi-causalidade. Deste modo, rejeitou-se a hipótese nula de que o hiato do produto
não causa a política fiscal e não rejeitou-se a hipótese nula de que a política fiscal
não causa o hiato do produto. Portanto, não existe bi-causalidade no sentido de
Granger: o co-movimento dessas duas variáveis é oriundo de mudanças no
ambiente macroeconômico para respostas na política fiscal. Isso se verifica quando
o teste é realizado com qualquer das variáveis de política fiscal (DTTN e DCC) e
qualquer estimativa para o hiato do produto (com PIB ou com produção industrial).
Resultados similares em termos de Granger causalidade foram encontrados por
Ilzetzki & Végh (2008) para uma amostra de países de alta e baixa renda.
Ademais, a ordenação de Cholesky utilizada para recuperar os parâmetros
estruturais de cada modelo VAR foi realizada tomando por base os resultados do
Block Exogeneity Wald Tests (não reportados). A ordenação sugerida por este teste
para cada modelo VAR foram as seguintes:
VAR 1: DLSP
VAR 2: HIATO
VAR 3: IPCA
VAR 4: IPCA
=>
=>
=>
=>
IPCA
DLSP
HIATOPI
HIATOPI
=>
=>
=>
=>
HIATO
IPCA
DLSP
DLSP
=>
=>
=>
=>
log(DTN);
log(DCC);
log(DCC);
log(DTN).
Como esperado, a variável de política fiscal é sempre entendida como variável de
resposta a mudanças no ambiente macroeconômico28. Destaca-se que as FIR são
(juntamente com os exercícios de decomposição da variância) os principais
instrumentos de análise de um modelo VAR, uma vez que com elas é possível
observar visualmente como um choque em qualquer variável do sistema afeta
dinamicamente as outras variáveis em determinado horizonte de tempo. As FRI para
os modelos com o hiato do produto extraído do PIB seguem nas figuras abaixo.
28
Ressalta-se que os resultados do modelo VAR não mudaram significativamente quando alterou-se
o ordenamento de Cholesky em cada modelo VAR.
60
Figura 1. VAR 1, resposta da política fiscal
Response to Cholesky One S.D. Innovations ± 2 S.E.
Response of LOG(DTN) to IPCA
Response of LOG(DTN) to DLSP
.20
.20
.16
.16
.12
.12
.08
.08
.04
.04
.00
.00
-.04
-.04
-.08
-.08
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
1
12
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
Response of LOG(DTN) to LOG(DTN)
Response of LOG(DTN) to HIATO
.20
.20
.16
.16
.12
.12
.08
.08
.04
.04
.00
.00
-.04
-.04
-.08
-.08
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
1
12
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
11
12
Fonte: o autor.
Figura 2. VAR 2, resposta da política fiscal
Response to Cholesky One S.D. Innovations ± 2 S.E.
Response of LOG(DCC) to HIATO
Response of LOG(DCC) to DLSP
.25
.25
.20
.20
.15
.15
.10
.10
.05
.05
.00
.00
-.05
-.05
-.10
-.10
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
1
Response of LOG(DCC) to IPCA
2
3
4
5
6
7
8
9
10
Response of LOG(DCC) to LOG(DCC)
.25
.25
.20
.20
.15
.15
.10
.10
.05
.05
.00
.00
-.05
-.05
-.10
-.10
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
Fonte: o autor.
61
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
Observa-se que as FRI são praticamente idênticas nos dois modelos. A linha azul
em cada gráfico mostra a trajetória temporal das variáveis de gasto público devido a
um choque expansionista não esperado de 1 desvio padrão nas demais variáveis
exógenas. As linhas vermelhas (pontilhadas) mostram o intervalo de confiança para
as respostas.
Nota-se, em primeiro lugar, que a persistência de um choque positivo das variáveis
de gasto público é muito baixa, no sentido em que todo choque é praticamente
acomodado já no terceiro período. Essa dinâmica sugere algum nível de
preocupação da autoridade fiscal com a saúde das finanças públicas, no sentido em
que uma expansão fiscal num determinado período não se mostra permanente ao
longo do tempo. Na verdade, o que se observa nos dois modelos é que uma
expansão dos gastos no primeiro período precede uma tímida contração no segundo
período, para que em seguida estes voltem para seus níveis de pré-choque. A baixa
persistência dos gastos públicos também foi encontrada nos modelos VAR de
Cavalcanti & Silva (2010) e Dill (2012).
Já o impacto de um choque positivo no hiato do produto nas variáveis de gasto
público é positivo e crescente entre o primeiro e o segundo período, mas observa-se
que do segundo período em diante o choque vai se acomodando até se tornar
praticamente nulo entre o quinto e sexto período. Esse movimento sugere que, a
despeito do caráter pró-cíclico da política fiscal, o gasto público não parece
responder permanentemente a choques na atividade econômica num intervalo de
doze períodos. O fato importante, porém, é que novamente não se pode negar que a
política fiscal brasileira é pró-cíclica, justamente como sustenta a maior parte da
literatura empírica para o caso brasileiro.
62
Observa-se também que choques na DLSP parece impulsionam positivamente os
gastos públicos no período inicial, nos dois modelos, mas essa resposta é muito
pequena (o zero está no intervalo de confiança da resposta). No entanto, nota-se
que já no segundo período as variáveis de gasto público passam a responder
negativamente ao choque na DLSP e esta resposta dos gastos públicos a choques
na DLSP não se acomoda ao longo do tempo, mesmo após 12 períodos, indicando
que a autoridade fiscal está de fato comprometida com a sustentabilidade da dívida
pública. Nota-se que esses resultados são compatíveis com os coeficientes
estimados por OLS e GMM.
Choques no IPCA, por sua vez, parecem afetar as variáveis de gasto público
timidamente apenas no primeiro período, uma vez que o limite inferior do intervalo
de confiança no primeiro período é bem próximo de zero. Nota-se, porém, que nos
períodos seguintes a política fiscal não reage a mudanças nos preços. Estes
resultados são compatíveis com aqueles sugeridos pelos coeficientes das
regressões estimadas por OLS e GMM. Nesse sentido, não se pode afirmar com
segurança que a autoridade fiscal deixou o trabalho da autoridade monetária mais
difícil. Essa ponderação é necessária porque o período em questão é marcado, do
lado da política fiscal, por metas de superávit primário, enquanto a política monetária
tem sido regida pelo sistema de metas para a inflação. Isso implica que, se a política
fiscal foi de fato passiva, com superávits primários razoáveis, como supõe o referido
arranjo
de
política
necessariamente
macroeconômica,
calibrar
os
gastos
a
autoridade
primários
na
fiscal
ocorrência
não
precisa
de
choques
inflacionários. De fato, Mendonça, Santos & Sachsida (2009) encontram resultados
semelhantes e reconhecem que a imposição de metas fiscais rígidas pode, por si só,
ter ajudado a manter o controle da inflação.
63
4.8. ROBUSTEZ DOS MODELOS VAR
Em seguida, para testar a robustez das FRI descritas anteriormente, estimou-se os
dois últimos modelos VAR, substituindo a variável hiato do produto por hiato da
produção industrial do IBGE. As FIR associadas a estes modelos são mostradas
abaixo:
Figura 3. VAR 3, resposta da política fiscal
Response to Cholesky One S.D. Innovations ± 2 S.E.
Response of LOG(DCC) to HIATOPI
Response of LOG(DCC) to DLSP
.25
.25
.20
.20
.15
.15
.10
.10
.05
.05
.00
.00
-.05
-.05
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
1
Response of LOG(DCC) to IPCA
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
Response of LOG(DCC) to LOG(DCC)
.25
.25
.20
.20
.15
.15
.10
.10
.05
.05
.00
.00
-.05
-.05
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
1
Fonte: o autor.
64
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
Figura 4. VAR 4, resposta da política fiscal
Response to Cholesky One S.D. Innovations ± 2 S.E.
Response of LOG(DTN) to IPCA
Response of LOG(DTN) to DLSP
.20
.20
.16
.16
.12
.12
.08
.08
.04
.04
.00
.00
-.04
-.04
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
1
12
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
Response of LOG(DTN) to LOG(DTN)
Response of LOG(DTN) to HIATOPI
.20
.20
.16
.16
.12
.12
.08
.08
.04
.04
.00
.00
-.04
-.04
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
1
12
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
Fonte: o autor.
Novamente observa-se uma baixa persistência dos gastos públicos, mas a resposta
da política fiscal devido a choques na atividade econômica parece ser neutra no
primeiro período. Vale notar, entretanto, que o padrão pró-cíclico da política fiscal
passa a ser verificado já no segundo período. Além disso, nota-se que o grau de
acomodação da política fiscal devido a choques na atividade econômica é menor
quando considera-se o produto industrial do IBGE ao invés do PIB do BCB, posto
que mesmo após doze períodos a política fiscal não parece ser completamente
acomodada.
Nota-se também que choque positivo na DLSP proporciona, no primeiro período,
uma moderada expansão fiscal. Porém, a partir do segundo período, verifica-se uma
contração fiscal que não se dissipa nos períodos seguintes. Ademais, como a
persistência do gasto público novamente é baixa, considerando as duas variáveis de
gasto público, reforça-se a idéia de que a política fiscal foi sustentável no período em
65
questão. Nota-se também que a resposta da política fiscal devido a choques na
inflação também é neutra em todos os períodos. Deste modo, o movimento da
política fiscal, dado um choque no IPCA, reforça com os resultados obtidos
anteriormente e já documentados na literatura: a autoridade fiscal é neutra em
relação a choques na inflação.
4.9. ANÁLISE DE DECOMPOSIÇÃO DA VARIÂNCIA
Por fim, uma análise da decomposição da variância foi realizada para os quatro
modelos VAR.
Figura 5. Exercícios de decomposição da variância
Variance Decomposition of LOG(DCC)
Variance Decomposition of LOG(DTN)
90
90
80
80
70
70
60
60
50
50
40
40
30
30
20
20
10
10
0
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
1
2
3
4
5
7
8
HIATO
DLSP
HIATO
LOG(DTN)
DLSP
IPCA
6
Variance Decomposition of LOG(DCC)
9
10
11
12
IPCA
LOG(DCC)
Variance Decomposition of LOG(DTN)
100
100
80
80
60
60
40
40
20
20
0
0
1
2
3
4
5
6
HIATOPI
DLSP
7
8
9
10
11
12
IPCA
LOG(DCC)
1
2
3
4
5
DLSP
IPCA
Fonte: o autor.
66
6
7
8
9
HIATOPI
LOG(DTN)
10
11
12
O resultado padrão referente a todos os modelos indicam que nos dois primeiros
períodos a variância dos gastos do governo é quase que completamente explicada
pelos próprios gastos do governo. Porém, do primeiro período em diante, o hiato do
produto e a dívida pública passam a ganhar importância na variância dos gastos do
governo. A diferença é que, em todos os modelos, a participação do hiato do
produto, após crescer nos períodos iniciais, permanece praticamente constante a
partir do terceiro período, enquanto a participação da dívida pública cresce
suavemente período a período. Por outro lado, a participação da inflação na
explicação da variância dos gastos do governo é pequena e virtualmente constante
ao longo de doze períodos. Os exercícios de decomposição da variância, portanto,
corroboram com as FRI estimadas anteriormente para cada modelo VAR.
67
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Do auge da revolução keynesiana até os dias atuais a política fiscal teve a sua
importância rebaixada em detrimento da política monetária. No entanto, uma parte
da literatura macroeconômica recente tem enfatizado a necessidade de se repensar
o lugar da política fiscal (ARESTIS & SAWYER, 2003; SOLOW, 2005; FONTANA,
2009; ARESTIS, 2011).
Com a finalidade de contribuir com esta literatura, que é razoavelmente
heterogênea, procurou-se, num primeiro momento, desenvolver um modelo
macrodinâmico que considerou casos em que a política fiscal e a política monetária
são complementares. Mostrou-se que este trabalho avança em relação ao modelo
proposto por Setterfield (2007) porque este autor considerou apenas a política fiscal
como sendo ativa, negligenciando completamente o papel estabilizador da política
monetária. Então, com a resolução analítica do modelo, foi possível apontar motivos
teóricos para se questionar o descaso para com a política fiscal na análise
macroeconômica.
Tanto no regime monetário conservador quanto no híbrido o equilíbrio dinâmico foi
facilmente verificado. A diferença entre esses dois regimes de política monetária
está na maior probabilidade de equilíbrio assintótico com convergência monotônica
no regime híbrido, ao passo que este tipo de convergência no regime conservador é
praticamente improvável. Isso implica, em ultima instância, que o regime híbrido é
preferível ao regime conservador: negligenciar o papel estabilizador do nível de
atividade econômica não parece ser uma boa estratégia para a política monetária.
Do ponto de vista qualitativo, os principais resultados não sofreram alterações
quando a pseudo regra de Taylor foi flexibilizada. Por outro lado, quando foi
68
considerado o regime monetário alternativo, foi possível mostrar que o modelo
macrodinâmico não é assintoticamente estável, indicando que a autoridade fiscal
não tem a capacidade, por si só, de controlar com o nível de preços da economia.
Esses resultados analisados de forma conjunta sugerem que o incremento de uma
função de reação fiscal num modelo padrão só é compatível com o equilíbrio
dinâmico (monotônico ou não) se a autoridade monetária não for completamente
leniente com a inflação.
O exercício de estática comparativa sugeriu, tanto para o regime conservador quanto
para o regime híbrido, os seguintes resultados adicionais: i) existe um trade off entre
expansão fiscal autônoma e taxa de juros no estado estacionário; ii) uma alteração
na meta de inflação afeta apenas a taxa de inflação esperada de equilíbrio, não
exercendo qualquer impacto na taxa de juros e iii) expansões no produto potencial
contribuem para que a política monetária seja mais flexível no longo prazo.
Em seguida, admitindo que não existe razão para se negligenciar o papel da política
fiscal na dinâmica macroeconômica, procurou-se estimar a função de reação fiscal
para o Brasil para o período de janeiro de 2003 a junho de 2013 com alguns
métodos diferentes (OLS, GMM e VAR). Sabe-se que o período em questão tem
sido marcado por metas de superávit primário no campo fiscal e por metas de
inflação no arcabouço de política monetária. Os principais resultados da modelagem
empírica desenvolvida apontaram que: a) a política fiscal brasileira é pró-cíclica; b) o
comportamento das finanças públicas tem sido coerente com a estabilização da
dívida e c) não há indícios que a autoridade fiscal tenha atrapalhado a autoridade
monetária no combate à inflação.
Levando em conta o primeiro resultado, infere-se que é preciso avançar na
formulação de desenhos políticos/institucionais que reduzam ou até eliminem com a
69
natureza pró-cíclica da política fiscal brasileira. O fortalecimento dos estabilizadores
automáticos pode ser um caminho. Ademais, apenas regras para a obtenção de
superávit primário não parece modificar substancialmente o comportamento subótimo da política fiscal no Brasil, embora seja útil para a estabilização da dívida
pública e dos preços. Os resultados remanescentes não são problemáticos, uma vez
que a literatura consultada considera que a sustentabilidade da dívida pública é um
objetivo relevante para a autoridade fiscal e, coerente com a sistemática de metas
para a inflação, o Tesouro não tem expandido a demanda agregada na ocorrência
de choques inflacionários.
70
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AKITOBY, B.; CLEMENTS, B.; GUPTA, S.; INCHAUSTE, G. Public spending,
voracity, and Wagner’s Law in developing countries, European Journal of Political
Economy, vol. 22, Amsterdam, Elsevier, 2006.
ALESINA, A.; TABELLINI, G. Why is fiscal policy often procyclical? NBER Working
paper 11600. Cambridge, MA, 2005.
ALESINA, A.; ARDAGNA, S. Large Changes in Fiscal Policy: Taxes versus
Spending. Tax Policy and the Economy 24: 35-68, ed. by Jeffrey R. Brown
(Cambridge, Massachusetts: National Bureau of Economic Research), 2010.
ALLSOPP, C.; VINES, D. The macroeconomic role of fiscal policy. Oxford Review
of Economic Policy, v. 21(4), p. 485–508, 2005.
ARESTIS, P. 2011 Fiscal policy is still an effective instrument of macroeconomic
policy, Panoeconomicus, 2, pp. 143-156.
ARESTIS, P.; SAWYER, M Reinventing fiscal policy, Journal of Post Keynesian
Economics, 26, 3-25, 2003.
AUERBACH, A.; GALE, W.; HARRIS, B. J. Activist fiscal policy. Journal of
Economic Perspectives, v. 24, n. 4, p. 141-164, 2010.
BARBOSA, N. Latin America: Counter-Cyclical Policy in Brazil: 2008-09. Journal of
Globalization and Development, v. 1, n. 1, artigo 13, p. 1-14, 2010.
BARRO, R. J. Are government bonds net wealth? Journal of Political Economy,
Vol. 82:1095-1117, 1974.
BELLO, O.; JIMENEZ, J. P. Política fiscal y ciclo economico en America Latina,
Santiago de Chile, Comision Economica para America Latina y el Caribe, 2008.
71
BLANCHARD, O; DELL’ARICCIA G; MAURO, P. Rethinking macroeconomic Policy.
International Monetary Fund, February, 2010.
___________. Rethinking Macro Policy II: Getting Granular, IMF Staff Discussion
Note 13/03, International Monetary Fund, Research Department, April, 2013.
BLINDER, A, J. The case against discretionary fiscal policy. In R.W. Kopcke, G.M.B.
Tootell, and R.K. Triest (eds.), The Macroeconomics of Fiscal Policy. London: MIT
Press, 2006.
BLINDER, A. S. SOLOW, R. M. Does fiscal policy matter? Journal of Public
Economics Vol. 2 (1973):319-337, 1973.
BOFINGER, P.; MAYER, E. BMW-Model, A New Framework for Teaching
Macroeconomics: Monetary and Fiscal Policy Interaction in a Closed Economy,
(mimeo), 2003.
Buiter, W. H. Crowding Out and the effectiveness of fiscal policy, Journal of Public
Economics, Vol. 7, p.309-328, 1977.
CARLIN, W. SOSKICIE, D. (2005) The 3-Equation new keynesian model – a
graphical exposition. Contribution to Macroeconomics, Vol 5, Issue 1, article 13: 136, 2005.
CAVALCANTI, M. A. F. H.; SILVA, N. L. C. Dívida pública, política fiscal e nível de
atividade: uma abordagem VAR para o Brasil no período 1995-2008. Economia
Aplicada, Ribeirão Preto, v. 14, n. 4, p. 391-418, 2010.
CLARIDA, R.; GALI, J.; GERTLER, M. The science of monetary policy: A New
Keynesian Perspective. Journal of Economic Literature, v. 37(4), p. 1661-707, dez,
1999.
72
CLEMENTS, B.; FAIRCLOTH, C.; VERHOEVEN, M. Gasto público en América
Latina: tendencias y aspectos clave de política. Revista de la Cepal, n. 93, agosto,
2007.
DILL, H. C. Política fiscal, dívida pública e atividade econômica: modelo
macrodinâmico e estudo empírico a partir da abordagem SVAR (Dissertação de
Mestrado em Desenvolvimento Econômico, UFPR), Curitiba, 2012.
DRUMOND, C. E.; PORCILE. G. Inflation target in a developing economy: policy
rules, growth and stability. Journal of Post Keynesian Economics, Vol. 35(1), 137162.
FMI. “Will It Hurt? Macroeconomic Effects of Fiscal Consolidation.” Cap. 3 of World
Economic Outlook: Recovery, Risk, and Rebalancing (Washington, D.C., 2010.
FONTANA, G. Whither new consensus macroeconomics? The Role of Government
and Fiscal Policy in Modern Macroeconomics. Levy Economics Institute Working
Paper, n. 563, 2009.
FLEMING, J. S. Domestic Financial Policies Under Fixed and Under Floating
Exchange Rates, IMF Staff Papers, 9, No. 3 (November 1962), pp. 369-79, 1962.
FRIEDMAN, M. A Monetary and Fiscal Framework for Economic Stability, American
Economic Review, Vol. 38, nº 3, pp 245-264, 1948.
__________. A Theory of the Consumption Function, Princeton, N.J., Princeton
University Press, USA, 1957.
__________. (1970). A theoretical framework for monetary analysis, In M
Friedman et al. (1974).
GALÍ, J. Monetary policy, inflation and business cycles. Princeton University
Press: Princeton, 2008.
GANDOLFO, G. Economic dynamics, Nova York: Springer Study Edition, 1997.
73
GAVIN, M.; PEROTTI, R. Fiscal policy in Latin America, In NBER Macroeconomics
Annual, pp. 11-61 (Cambridge, MA: MIT Press), 1997.
GOODFRIEND, M. Monetary Policy in the New Neoclassical Synthesis: a Primer.
Economic Quartely, Federal Reserve Bank of Richmond, v. 90/3, summer, 2004.
GOODFRIEND, M.; KING, R. G. The new neoclassical synthesis and the Role of
Monetary Policy. National Bureau of Economic Research Macroeconomics
Annual, v. 12, p. 231-283, 1997.
HICKS, J. Mr. Keynes and the classics: a suggested interpretation. Econometrica,
April, 1937.
ILZETZKI, ETHAN; VÉGH, CARLOS A. (2008). Pro-cyclical Fiscal Policy in
Developing Countries: Truth or Fiction? NBER Working Paper, No.14191.
International Monetary Fund): 93-124, 2010.
JIMENEZ.; FANELLI. Crisis, volatilidad, ciclo y política fiscal em América Latina.
In: Las políticas fiscales en tiempo de crisis: volatilidad, cohesión social y economía
política de las reformas, Montevideo, 2009.
KAMINSKI, G., REINHART, C., VEGH, C. When t rains, it pours: Procyclical capital
flows and macroeconomic policies. NBER Working paper 10780. Cambridge, MA,
2004.
KEYNES, J. M. (1936) A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo:
ATLAS, 1982.
KRUGMAN, P. It’s Baaack: Japan’s Slump and the Return of the Liquidity Trap,
Brookings Papers on Economic Activity, v.2, p. 137-187, 1998.
LIMA, G. T.; SETTERFIELD, M. Inflation targeting and macroeconomic stability in a
Post Keynesian economy. Journal of Post Keynesian Economics, vol 30(3), p.
435-461, 2008.
74
LOPES, D. T. Função de reação da política fiscal e intolerância da dívida: o
caso brasileiro no período pós-Real. Dissertação de Mestrado, USP-RP, 2007.
LUCAS, R. Jr. Expectations and the Neutrality of Money, Journal of Economic
Theory, 4:103-124, April, 1972.
LUPORINI, V.; A. LICHA. Espacio fiscal para el crecimiento em Brasil, in J. Fanelli
(org.) Espacio Fiscal para el crecimiento el Mercosur. Red Mercosur de
Investigaciones Económicas, Zonalibro, Uruguay, 2009.
LUPORINI, V. Sustainability of Brazilian fiscal policy, once again: corrective policy
response over time. Encontro da Anpec, Porto de Galinhas, 2012.
MARTNER, R. La política fiscal en tiempos de bonanza. Série Gestión Pública, n.
66. Instituto Latinoamericano y del Caribe de Planificación Económica y Social
(ILPES), Santiago, 2007.
MELLO, L. Estimating a fiscal reaction function: the case of debt sustainability in
Brazil. Applied Economics, v. 40, p. 271-284, 2007.
MELLO, L. & MOCCERO, D. Brazil’s fiscal stance during 1995-2005: The effect of
indebtedness on fiscal policy over the business cycle. OECD Economics
Department Working Papers 485, 2006.
MENDONÇA, M. J; SANTOS, C. H.; SACHSIDA, A. Revisitando a Função de
Reação Fiscal no Brasil Pós-Real: Uma Abordagem de Mudanças de Regime. In:
Estudos Econômicos, São Paulo, v. 39, n. 4, p. 873-894, Out-Dez, 2009.
ROMER, C. D. What do we know about the effects of fiscal policy? Separating
evidence from ideology. Speech at Hamilton College, 2011.
ROMER, C. D, ROMER, D. H. The Macroeconomic Effects of Tax Changes:
Estimates Based on a New Measure of Fiscal Shocks. American Economic Review
100 (June): 763-801, 2010.
75
SILVA, A. M. A.; DUARTE, A. J. M. Variáveis fiscais e PIB per capita no Brasil:
existem regimes fiscais anticíclicos entre 1901 e 2006? In: Nexus Econômicos –
CME-UFBA, Vol. IV, n. 7, dezembro, 2010.
SIMONASSI, A. Função de resposta fiscal, múltiplas quebras estruturais e a
sustentabilidade da dívida pública no Brasil. In: XXXV Encontro da ANPEC, RecifePE, 2007.
SNOWDON, B.; VANE, H. Modern macroeconomics: its origins, development
and current state. Northampton: Edward Elgar, 2005.
SOLOW, R. Rethinking fiscal policy. Oxford Review of Economic Policy, v. 21(4),
p. 509-514, 2005.
SPILIMBERGO, A; SYMANSKY, S, BLANCHARD, O.; COTTARELLI, C. (2008)
Fiscal policy for the crisis. International Monetary Fund Staff Position Note, n.
08/01, dec, 2008.
SUTHERLAND, A. Fiscal Crises and Aggregate Demand: Can High Public Debt
Reverse the Effects of Fiscal Policy? Jounal of Public Ecnomics, Vol. 65 (August),
pp. 147-62, 1997.
TAYLOR, J. B. Discretion versus policy rules in practice. Carnegie-Rochester
Conference Series on Public Policy, p. 195-214, dec, 1993.
___________. A core of practical macroeconomics. The American Economic
Review, v. 87, n. 2, p. 233-235, may, 1997.
THAMS, A. Fiscal policy rules in practice. SFB 649. (Discussion Paper n.16),
2007.
TOBIN, J. Fiscal Policy: Its Macroeconomics in Perspective, Cowles Foundation
Discussion Paper, No. 1301, May, 2001.
76
TOBIN, J. & BUITER, W. H.. Long run effects of fiscal and monetary policy on
aggregate demand, In: Monetarism, J. L. Stein, ed., North Holand, Amsterdan, 273309, 1976.
TALVI, E.; VEGH, C. Tax base variabiliy and procyclical fiscal policy in developing
countries. Journal of Development Economics. Vol. 78, pp. 156-190, 2005.
TURNOVSKY, S. J. Methods of macroeconomic dynamics, MIT Press, 1995.
VIANA, L. Dinâmica não linear e caos em economia (mimeo), 2011.
WOODFORD, M. Interest and prices: foundations of a theory of monetary
policy. Princeton University Press, 2003.
___________. Simple Analytics of the Government Expenditure Multiplier, American
Economic Journal: Macroeconomics, Vol. 3, Nº 1, January: 1–35, 2011.
YOSHIDA, H.; ASADA, T (.Dynamic analysis of policy lag in a Keynes-Goodwin
model: Stability, instability, cycles and chaos. Journal of Economic Behavior &
Organization. 62, 441-469, 2007.
77
7. APÊNDICE: DISCRIMINANTES
Regime conservador
0.5
0.0
-0.5
-1.0
-1.5
-2.0
-2.5
10000
20000
30000
40000
50000
Fonte: o autor.
Nota: Este gráfico foi gerado a partir de 50 mil combinações aleatórias dos parâmetros das equações
fundamentais do modelo.
Regime híbrido
1.6
1.2
0.8
0.4
0.0
-0.4
-0.8
-1.2
-1.6
10000
20000
30000
40000
50000
Fonte: o autor.
Nota: Este gráfico foi gerado a partir de 50 mil combinações aleatórias dos parâmetros das equações
fundamentais do modelo.
78
Download