GÊNEROS TEXTUAIS E LETRAMENTO: A CONSTRUÇÃO ARGUMENTATIVA NA LINGUAGEM JURÍDICA Aparecida Regina Borges Sellan (PUC-SP) Resumo Este estudo situa-se na Análise Crítica do Discurso e tem por tema uma análise da construção argumentativa no discurso jurídico de forma a verificar como seus enunciados organizam a interlocução intra e intertextual para obter adesão à tese proposta. Considera-se que o gênero é exterior às formas da língua e está situado nas práticas sociais responsáveis por configurar os modos de interações entre diferentes grupos em diferentes contextos. Assim, compreendese o discurso jurídico como essencialmente sustentado por um texto argumentativo que, por essa razão, traz em sua materialidade lingüística recursos da linguagem humana relativos a uma prática discursiva social que permite atualizar um conjunto de outros textos e, por conseguinte, de outros discursos como forma de explicitar a(s) tese(s) que defende. Assim, atende ao objetivo de examinar nos enunciados marcas enunciativas com propósitos argumentativos; verificar como as seqüências textuais se articulam de modo a construir e sustentar as teses; analisar expressões léxico-gramaticais responsáveis por dar unidade textual-discursiva à linguagem jurídica de acordo com o marco das cognições sócias da área. Abstract This paper is situated on the Critical Discourse Analisys area and has a theme the argumentative construction on the juridical to verify as yours organization of enunciation in interlocution intra and inter text to obtain acceptance to thesis offered. The genre is exterior of language of language and is situated on socials praticals that has modes of interactions between diferentts groups and contexts. Understand that juridical discourse is based on argumentative text, brings other discourses to explain the thesis that believes. Than, by text has the objective of examiner argumentatives marks; construction of texts sequences; analisys of lexical and grammatical expressions that do unit of text-discourse on juridical language with social cognitions marks. 0. Introdução Este estudo tem por tema uma análise da construção argumentativa no discurso jurídico de forma a verificar como seus enunciados organizam a interlocução intra e intertextual para obter adesão à tese proposta. Situa-se na Análise Crítica do Discurso, com vertente sócio-cognitiva, que trata da interrelação das categorias Discurso, Sociedade e Cognição. Desse modo, tem-se por objetivo geral contribuir com estudos relativos à linguagem jurídica e por objetivos específicos; 1) examinar na materialidade dos enunciados marcas enunciativas com propósitos argumentativos; 2) verificar em que medida as seqüências textuais se articulam de modo a construir e sustentar as teses; 3) analisar expressões léxico-gramaticais responsáveis por dar unidade textualdiscursiva à linguagem jurídica de acordo com o marco das cognições sociais da área. Para tanto, será considerada para analise a “Ação Cautelar de Separação de Corpos com pedido Liminar inaudita altera parte cumulada com concessão da guarda provisória dos filhos” 1- Noções preliminares Parte-se do pressuposto de que o gênero é exterior às formas da língua e está situado nas práticas sociais responsáveis por configurar os modos de interações entre diferentes grupos em diferentes contextos. Daí ser necessário conceber a noção de gênero como imprescindível na interlocução comunicativa humana. Todo gênero está inscrito em determinados domínios discursivos, definidos por Bakhtin (1992) como “esferas da atividade humana”. Tais esferas não abrangem um gênero apenas, mas dá origem a um conjunto deles, institucionalmente marcados por suas práticas discursivas. Segundo Marcuschi (2008) quando dominamos um gênero, não dominamos uma forma lingüística e sim uma forma de realizar linguisticamente objetivos específicos em situações sociais particulares. Assim, os gêneros são atividades discursivas socialmente estabilizadas que se prestam aos mais variados tipos de controle e até mesmo ao exercício do poder. Quanto ao discurso jurídico, devemos considerá-lo como pertencente a uma esfera da vida institucional na qual se realizam práticas muito bem definidas para a manutenção do controle e do poder, por modelos de comunicação em que determinados atos de fala são incisivos na realização dos propósitos dessa esfera, isto é, o estabelecimento da justiça. Assim, o discurso jurídico é essencialmente sustentado por um texto argumentativo que, por essa razão, traz em sua materialidade lingüística recursos próprios da linguagem humana. Tais recursos são relativos a uma prática discursiva social que permite atualizar um conjunto de outros textos e, por conseguinte, de outros discursos como forma de explicitar a(s) tese(s) que defende. Petri (2000) afirma que o discurso jurídico é um discurso argumentado, organizado tendo em vista um propósito que é negociado distante de uma audiência particular ou geral, à luz de valores que lhe são pretextos para fundamentar enunciados normativos. É um discurso constituído de estratégias, tornando a aparência de lógico, tendo em vista induzir ou regular o julgamento coletivo sobre uma situação ou um objeto. A atuação da lógica jurídica, que trata das coerências no sistema legal e da correção dos raciocínios jurídicos, que intervêm na elaboração, na interpretação e na aplicação do Direito, não pode ser deixada de lado, na configuração do discurso jurídico, ainda que o raciocínio jurídico não se reduza a simples aplicação de normas, organizando seu desenrolar desde as premissas até uma conclusão. Não podemos esquecer que o jurista raciocina tanto sobre fatos quanto sobre normas e utiliza não apenas raciocínios dedutivos, mas também raciocínios não dedutivos, tais como analógicos e indutivos. Uma questão importante é saber de que critérios o jurista se utilizará para a adequação, que todo julgamento impõe, entre os atos sobre os quais ele deve se pronunciar e aqueles que o Direito define através de sua nomenclatura. O discurso jurídico apresenta segundo Bourcier (1979), três características: 1) discurso implícito: cujo estudo está ligado ao da pressuposição e, no caso jurídico, à interpretação que possibilita ao juiz enunciar uma decisão que se refere à utilização de um conceito não expresso no texto; 2) um discurso referencial: no sentido de que permite ao locutor remeter o interlocutor a um ou mais objetos particulares do universo do discurso, segundo a expressão de Ducrot (1980). Sendo o texto legal redigido linearmente para esclarecer as ambigüidades contidas nos artigos isolados, recorre-se às referências já formuladas pelo próprio Direito – sendo esta a função dos intertextos; 3) é um discurso conceitual: entendendo-se por conceito a união da forma e do sentido, com propriedades conjuntas inseparáveis no funcionamento da língua. Charaudeau (2008) afirma que argumentar é uma atividade discursiva que, do ponto de vista do sujeito argumentante, participa de uma dupla busca: 1) uma busca de racionalidade que tende a um ideal de verdade quanto a explicação de fenômenos do universo; 2 ) uma busca de influência que tende a um ideal de persuasão o qual consiste e compartilhar com o outro(interlocutor ou destinatário) um certo universo de discurso até o ponto e que este último seja levado a ter as mesmas propostas (atingindo o objetivo de uma coenunciação). O autor afirma que a argumentação é uma totalidade que o modo de organização argumentivo contribui para construir como resultado textual de uma combinação entre diferentes componentes que dependem de uma situação que tem finalidade persuasiva. Este texto, total ou parcialmente, poderá apresentar-se sob forma dialógica (argumentação interlocutiva), escrita ou oratória (argumentação monolocutiva), e é nesse quadro que poderão ser utilizadas as expressões “desenvolver uma boa argumentação”, “ter bons argumentos”, “bem argumentar” etc. A argumentação interlocutiva nos remete aos conceitos de intertextualidade e interdiscursividade considerando que a argumentação sempre depende da interpretação do interlocutor, a intertextualidade é o diálogo que um discurso faz com outros textos, que sustenta o nosso próprio discurso e que pode ou não fazer parte do universo de conhecimento do interlocutor. Todo discurso que o ser humano compõe, conforme já dito por vários estudiosos, constitui-se de uma trama de outros textos diversos perfazendo o raciocínio daquele que argumenta, tenha ele consciência ou não de o fazer. Desse modo, ao utilizar uma citação, por exemplo, o argumentante espera que o seu interlocutor reconheça ou o texto ou a fonte, caso contrário não haverá valorização da autoridade do argumento apresentado. Uma proposta de analise do discurso jurídico pelo prisma crítico, requer compreendê-lo como uma prática social que coloca em interação indivíduos que, como personagens, assumem papéis sociais em determinada cena, em um tempo e lugar específicos. Assim, Van Dijk(2000) afirmar ser a Análise Crítica do Discurso vinculada a diferentes correntes, ainda que todas tenham por objetivo denunciar o modo como os grupos de Poder controlam o que tem Acesso a outros grupos pelo Controle que exercem por meio do discurso. O autor propõe que analisar o discurso de forma crítica requer a inter-relação de três categorias: Sociedade, Discurso e Cognição, as quais se definem uma pela outra. Tem-se por pressuposto que as pessoas representam o mundo de forma sóciocognitiva e lingüística, a partir de formas de conhecimento do que é experienciado e vivido no mundo, onde estão inseridas. A sociedade, que organiza esses indivíduos, é compreendida como formada por grupos sociais que defendem interesses, propósitos e objetivos comuns, em razão de suas crenças, o que os coloca em constante conflito sócio-cognitivo. Tais crenças são resultantes de conhecimentos avaliativos sobre fatos ocorrentes. Objetivos, interesses e propósitos comuns mantêm unidos esses grupos e guiam a projeção de um ponto de vista para focalizar o que acontece no mundo, de modo a representá-lo sócio-cognitivamente de formas diferentes, a partir de papéis sociais cujas funções estabelecem relações interacionais simbólicas próprias, conforme Bazilli (1998). A cognição é constituída por conhecimentos construídos a partir de um prisma do grupo. Tais conhecimentos expressam a opinião como forma de avaliação sobre fatos ocorrentes. Em outras palavras, a cognição é definida por um conjunto de representações mentais, formas de conhecimento, resultantes da projeção de um ponto de vista para focalizar o mundo. Essas representações são construídas com valores culturais que percorrem do positivo ao negativo, em diferentes graus. Logo, esses conhecimentos avaliativos são crenças sociais que guiam as individuais, embora estas possam modificar aquelas. As crenças sociais, em seu conjunto, compõem o Marco das Cognições Sociais de cada grupo. Dessa forma, considerando o discurso jurídico, recorrer a intertextualidade e à interdiscursividade significa buscar a legitimidade dos argumentos apresentados, por estabelecer co-relações opinativas e valorativas com membros de grupos de prestígio e/ou documentos que representam esses grupos, de modo a projetar um determinado ponto de vista em consonância com seu o marco de cognições. 2. Um proposta de análise Para um exemplo de análise, apresentamos o documento jurídico, uma Inicial Cível – Vara de Família: Ação Cautelar de Separação de Corpos com Pedido Liminar Inaudita Altera Parte Cumulada com Concessão de Guarda Provisória dos Filhos. A tese principal é enunciada no próprio título da ação, ou seja, pelas razões expandidas nos argumentos, deve ser considerado procedente o pedido de separação de corpos, de concessão da guarda dos filhos, da não necessidade de ouvir a outra parte. Desse modo, os argumentos a serem apresentados devem estar organizados de modo a dar sustentação às teses e a convencer o juiz para decidir favoravelmente à Ação. De acordo com os critérios propostos, temos: 1) examinar na materialidade dos enunciados marcas enunciativas com propósitos argumentativos a- Com o objetivo de argumentar em favor do pedido de “benefício da justiça gratuita”, o argumentante assim enuncia: “importante consignar que a requerente é pobre na acepção jurídica do termo, razão pela qual não possui condições de arcar com os encargos decorrentes do processo sem prejuízo de seu sustento e de sua família, conforme declaração anexa (doc.02).” “A requerente contraiu matrimônio com o requerido em ________, sob o regime de comunhão parcial de bens, conforme certidão de casamento ora anexada, registrada sob o nº ____, no Livro ______, às fls. _______, do Distrito de ________, Município e Comarca da Capital de São Paulo (doc. 03).” Esses fragmentos objetivam comprovam a situação econômica da autora que não dispõe de suporte financeiro para arcar com os gastos decorrentes do processo. b- Com o objetivo de argumentar em favor da pertinência dos pedidos “de Separação de Corpos” ,o argumentante assim enuncia: “Em casos como o tratado nestes autos, doutrina e jurisprudência aconselham a separação provisória do casal, não só pelo inconveniente, mas até mesmo pelo perigo de continuarem sob o teto comum. Yussef Said Cahali é preciso: “na separação provisória de corpos, como processo cautelar, a única prova a ser examinada é da existência do casamento, revelando-se inoportuna e impertinente qualquer discussão sobre os fatos que devam ser apreciados e julgados na ação de separação judicial” (Divórcio e Separação, RT, 10ª ed., pág. 455).” “O objetivo da lei é resguardar os cônjuges de agressões morais e físicas nesta fase delicada em que se encontra a requerente, salientando o mesmo doutrinador adrede citado que: “na medida preventiva que antecede a separação litigiosa, a decisão não se fundamenta exatamente nas razões da discórdia reinante, o que é tema para a ação principal de separação, mas apenas no princípio cautelar, a impedir a ocorrência da mal maior” (idem autor e obra, pág. 455).” Esses fragmentos são utilizados para comprovar a objetividade e validade dos pedidos, uma vez que, sendo negados, há risco para a integridade física e moral não apenas da autora bem como de seus filhos. 2) verificar em que medida as seqüências textuais se articulam de modo a construir e sustentar as teses; No item II da Inicial – Do mérito, o operador do direito apresenta numa seqüência lógica e cronológica um histórico dos fatos vividos e presenciados pela autora do processo. Os dados apresentados têm inicio com a efetivação do matrimônio, passando, brevemente, por um momento de harmonia até o nascimento do segundo filho, para, na seqüência, discorrer, com ênfase, o comportamento adúltero do marido e, posteriormente, ações de agressão verbal e física,contra a autora e os filhos. Assim. Temos os enunciados: “No início do casamento, as partes conviveram harmoniosamente, enfrentando os problemas rotineiros de um casal.” “Com o passar do tempo, especialmente após a gravidez do segundo filho, C___, o requerido passou a demonstrar alterações comportamentais, violando seus deveres conjugais, mantendo relacionamento com outra mulher.” “Entretanto, a requerida, por sempre buscar a proteção e a manutenção de sua família, fatores considerados primordiais para o desenvolvimento e educação de seus filhos, lutou pela recuperação de seu casamento.” “Ocorre que, há dois anos, o requerido cometeu novo adultério e, logo após, abandonou o lar, tendo deixado a requerente e seus quatro filhos.” “Dessa forma, a requerente ajuizou ação de alimentos em ______ (doc. 08), a fim de que fosse resguardado o direito de seus filhos à pensão alimentícia, sendo essa fixada em ______ mensais. Contudo, o requerido pagou somente o primeiro mês.” “Após alguns meses, o requerido pediu à requerida que o deixasse retornar ao lar, o que foi aceito por ela, isso porque desejava a reestruturação familiar pelos motivos já aqui explanados.” “No início do retorno do requerido ao lar, as partes passaram novamente a conviver em harmonia, o que, no entanto, persistiu por pouco tempo, passando o requerido a demonstrar novas alterações comportamentais, distanciando-se dos deveres conjugais e causando discussões com a requerida e com os filhos, agredindo-os verbal e fisicamente, conforme pode comprovar o Boletim de Ocorrência anexo (docs. 09/12).” Conforme podemos observar, os fatos estão organizados de modo a construir para o interlocutor, no caso, o juiz, o cenário onde as razões para o pedido da Ação se desenrolaram. Ainda neste mesmo item, o advogado retoma o histórico e articula argumentos interpretativos, em forma de paráfrase, com função persuasiva de modo a sensibilizar o juiz para a causa em foco. Assim, temos os seguintes enunciados, com grifos sublinhado nosso e negrito do autor, a fim de destacar não só os enunciados argumentativos, mas também a seletividade léxica empregada com este fim : “A primeira mudança no comportamento do requerido surgiu com o seu desinteresse na prestação de assistência mútua na família. Nesse contexto, a requerente viu-se obrigada a assumir integralmente a responsabilidade pelo sustento do lar conjugal.” “Em contrapartida, o requerido – repita-se - mantinha diversas discussões com a requerida e seus filhos, cometendo, até mesmo, atos de violência.” “Neste diapasão, a requerente, em virtude do comportamento violento do requerido, teme pela integridade física, moral e emocional sua e de seus filhos, não podendo mais com ele conviver.” “Ressalte-se que o requerido furta-se ao cumprimento dos seus deveres conjugais dispostos no Novo Código Civil, em seu artigo 1.566, incisos III, IV e V.” “A insuportabilidade da convivência sob o “mesmo teto” chegou ao ápice, uma vez que o casamento está irremediavelmente desfeito e a requerente com a sua honra e integridade física, moral e emocional – assim como as de seus filhos fortemente abaladas, vivendo em absoluto ABANDONO, TEMOR, DESCONFORTO e INSEGURANÇA, sem condições, até mesmo, de fechar os olhos para um breve descanso noturno. “ “A requerente vive em estado de permanente vigilância, receosa do comportamento do marido, principalmente em relação aos filhos. Nesse contexto, a insuportabilidade do prolongamento da convivência do casal sob o “mesmo teto” é manifesta.” O autor ainda apelar ao argumento de autoridade, pelo recurso da intertextualidade, à doutrina e à jurisprudência para assegurar a defesa de sua tese. Por exemplo: “Em casos como o tratado nestes autos, doutrina e jurisprudência aconselham a separação provisória do casal, não só pelo inconveniente, mas até mesmo pelo perigo de continuarem sob o teto comum. Yussef Said Cahali é preciso: “na separação provisória de corpos, como processo cautelar, a única prova a ser examinada é da existência do casamento, revelando-se inoportuna e impertinente qualquer discussão sobre os fatos que devam ser apreciados e julgados na ação de separação judicial” (Divórcio e Separação, RT, 10ª ed., pág. 455).” “O objetivo da lei é resguardar os cônjuges de agressões morais e físicas nesta fase delicada em que se encontra a requerente, salientando o mesmo doutrinador adrede citado que: “na medida preventiva que antecede a separação litigiosa, a decisão não se fundamenta exatamente nas razões da discórdia reinante, o que é tema para a ação principal de separação, mas apenas no princípio cautelar, a impedir a ocorrência da mal maior” (idem autor e obra, pág. 455).” “Outro não é o entendimento da jurisprudência, vejamos: “A separação de corpos visa a acautelar a integridade física dos esposos, não exigindo mais que a prova do casamento e independendo dos motivos legais da separação; não requer que o suplicante da medida desde logo demonstre a insuportabilidade da vida em comum com o outro cônjuge, senão, apenas, que motivos graves e sérios aconselhem a separação de corpos. (RT 248/312)” 3) analisar expressões léxico-gramaticais responsáveis por dar unidade textualdiscursiva à linguagem jurídica de acordo com o marco das cognições sociais da área. Pela análise do documento jurídico selecionado, podemos comprovar a especificidade da linguagem da área. Por exemplo, a- na designação das partes envolvidas – requerente/requerido. b- No uso de termos mais técnicos para indicar as situações: “a requerente contraiu matrimonio”; “ o requerido cometeu adultério (...) abandonou o lar”; “a requerente ajuizou ação”; “passou o requerido a demonstrar novas alterações comportamentais, distanciando-se dos deveres conjugais e causando discussões com a requerida e com os filhos, agredindoos verbal e fisicamente”; “ a insuportabilidade da convivência sob o ‘mesmo teto’ cegou ao ápice”; “por isso e com o fim de se evitar mal maior de difícil reparação, almeja a requerente, por meio desta medida acautelatória, obter a ordem de afastamento do requerido do lar conjugal”; c- No uso de termos, atualmente e predominantemente, apenas presentes na linguagem jurídica, tais como: 1 - expressões latinas – “periculum in mora”; “fumus boni iuris”; “inaudita altera parte” 2- formas de tratamento – “EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA __ VARA DE FAMÍLIA”; “REQUER A VOSSA EXCELÊNCIA “ 3- presença de marcadores argumentativos – “ Sem duvida alguma, o comportamento(...)”; “ A propósito,dentro do prazo legal (...)”; A propósito, segundo adverte Humberto Theodoro Junior (...)”; “Robusta e sólida, infelizmente, a presença do binômio (...)”; “ Outrossim, a concessão da guarda dos menores (...) deverá ser concedida à requerente, ainda que provisoriamente, pois o requerido não tem condição moral para permanecer com os filhos”; “Entretanto, a requerida, por sempre buscar a proteção e a manutenção de sua família, fatores considerados primordiais para o desenvolvimento e educação de seus filhos, lutou pela recuperação de seu casamento.”; “Em contrapartida, o requerido – repita-se - mantinha diversas discussões com a requerida e seus filhos, cometendo, até mesmo, atos de violência.” Em relação aos marcadores argumentativos, destacamos apenas alguns, visto que sua presença é abundante. Conforme podemos verificar, eles prestam um grande serviço à argumentação jurídica, pois ora destaca informações que o argumentante deseja que seu interlocutor dê relevância - Sem duvida alguma, o comportamento(...); ora retoma o que já havia sido enfatizado – repita-se- ; ora neutraliza a ênfase dada ao argumento para torná-lo mais forte - ainda que provisoriamente-, ora para dar idéia de frequência do comportamento da autora - por sempre buscar a proteção (...). Enfim, na linguagem, de modo geral, e na jurídica, de modo específico, os marcadores são responsáveis por dar maior significado aos enunciados, atendendo a interesses voltados para a obtenção da adesão às teses enunciadas. 3- À guisa de conclusão Observamos que, por tratar-se do início da ação, os argumentos jurídicos apresentados pelo operador do direito são correlatos aos fatos apresentados como motivadores da Ação em si. Os fatos são retomados como desencadeadores de circunstâncias que originaram a pertinência da ação. Assim, os argumentos ora se configuram como de legitimidade, fundamentados pela lei, ora como de reforço, pela autoridade polifônica da jurisprudência ou da citação direta do artigo da Lei. Em relação aos resultados apresentados, o exame das marcas enunciativas na materialidade dos enunciados com propósitos argumentativos evidenciou a preocupação do produtor do texto em apresentar sempre justificativas para esclarecer sobre a situação financeira da autora, as condições de maus tratos, traições e condições inaceitáveis de existência e sobrevivência na companhia do marido que motivaram a Ação Judicial. Quanto ao modo como às seqüências textuais se articulam para construir e sustentar as teses, verificamos que a apresentação das seqüências lógica e cronológica dos fatos foi primordial, bem como a retomada desses fatos, por meio de paráfrases, com forte feito argumentativo. Do mesmo modo, a análise das expressões léxico-gramaticais permitiu verificar que elas são altamente responsáveis por dar unidade textual-discursiva à linguagem jurídica, colocando-se plenamente de acordo com o que determina o marco das cognições sociais da área. Conclui-se, desse modo, que a argumentação no discurso jurídico se organiza por recursos intra e intertextuais, de acordo com as cognições próprias deste domínio discursivo, recorrendo ora à doutrina, ora aos artigos da Lei, ora à jurisprudência, fazendo crer que há preferência por argumentos que tenham vozes de autoridades de reconhecido saber neste grupo social determinado. Referências Bibliográficas BAZILLI, C. Interacionismo Simbólico e a Teoria dos Papéis. São Paulo: EDUC. 1998. BAKHTIN,M. Estética da Criação verbal.3ª.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BOURCIER, D. Information et Signification en Droit. In Langages 53: Le discourse juridique: analyses et methods. Dedier: Larousse, 1979. CHARAUDEAU, P. 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