A Fronteira dos Impérios: conexões políticas, conflitos e interesses

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A Fronteira dos Impérios: conexões políticas,
conflitos e interesses portugueses na região platina.
Maria Fernanda Baptista Bicalho
Universidade Federal Fluminense
O objetivo deste trabalho é analisar os interesses portugueses na região platina e suas
conexões com a política imperial das monarquias ibéricas, a partir da correspondência de
governadores e vice-reis no Rio de Janeiro e Lisboa. A sua principal hipótese é a da indiscutível
centralidade da administração do Rio de Janeiro sobre os territórios e interesses meridionais da
América.
A historiografia há muito enfatiza esse aspecto. Basta citarmos o livro de C. R. Boxer sobre
Salvador de Sá 1, e ainda O Trato dos Viventes, de Luiz Felipe de Alencastro. De acordo com
esses autores, a posição meridional da capitania do Rio de Janeiro conferiu-lhe, durante todo o
século XVII, condições excepcionais de trânsito entre os enclaves negreiros na África e as
possessões espanholas do estuário do Prata. Segundo Alencastro,
“Durante alguns anos a zona platense esteve aberta ao Asiento, com os
negreiros saindo diretamente de Luanda para Buenos Aires, cuja população
contava com um número grande de portugueses, em geral cristãos-novos. Nos
anos de proibição, o contrabando se fazia através do Rio de Janeiro. Caravelões,
barcos menores que as caravelas (...), ligavam os dois portos numa viagem de
dez a quinze dias de navegação. De retorno, os caravelões traziam, não só para
o Rio de Janeiro mas ainda para a Bahia e o Recife, patacas, prata lavrada e por
lavrar, assim como algum ouro” 2.
A seu ver, em torno das trocas de africanos pela prata cristalizaram-se, no Rio de Janeiro,
os interesses peruleiros, (“substantivo de origem espanhola usado no começo do século XVII para
designar os comerciantes da América portuguesa que faziam negócios com os espanhóis do
Baixo Peru e, mais concretamente, importavam prata da região platina”). E,
“Na segunda metade do Seiscentos, numa mesma estratégia para agregar
os africanos e a prata – as zonas tributárias angolanas e platenses -, sucedem-se
a expedição luso-fluminense de reconquista de Angola (1648), o povoamento de
Laguna (1674), a criação do bispado do Rio de Janeiro com jurisdição até a
embocadura do Prata (1676), o donativo régio concedido a Salvador de Sá e a
1
C. R. BOXER, Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola, 1602-1686, São Paulo, Companhia Editora Nacional /
Editora de Universidade de São Paulo, 1973.
2
Luiz Felipe de ALENCASTRO, O trato dos viventes. Formação do Brasil no Atlântico sul, São Paulo, Companhia das
Letras, 2000, p. 110. Segundo o autor, a partir de 1605, devidos às suspeitas de descaminhos por parte de Madri, os
assentistas perderam o direito de navegar para Buenos Aires, cujo porto fechou-se ao trato negreiro.
Comunicações
seus filhos de trinta léguas de litoral até o Prata (1676) e, enfim a fundação da
Colônia do Sacramento (1680)” 3.
Seguiu-se o povoamento da região sul, a criação de vilas em Santa Catarina e a fundação
do Rio Grande de São Pedro (1737), enclaves meridionais na América portuguesa que se
tornaram dependentes e tributários - política, comercial e militarmente - do Rio de Janeiro 4.
Afirmava-se, progressivamente, a partir dos interesses econômicos e políticos sediados na cidade
do Rio de Janeiro, a supremacia de seu porto 5, conectando rotas e redes no Atlântico sul;
traduzindo, desta forma, sua inequívoca vocação atlântica.
Guerra no Atlântico
Desde a fundação da Colônia do Sacramento em 1680, a região meridional da América
tornou-se alvo de intensa disputa pontuada por ações militares e negociações diplomáticas entre
os países ibéricos. Uma série de tratados assinados no contexto da Guerra de Sucessão - em
1701, 1703 e 1715 - atribuiu legitimidade às pretensões lusas sobre aquele território 6. Apesar do
sítio que a Colônia sofreu de forças castelhanas entre 1735 e 1737 7, o que me interessa discutir
aqui são os conflitos que tiveram lugar entre a Guerra dos Sete Anos (1756-1763) e a assinatura
do Tratado de Santo Idelfonso (1777).
Se a diplomacia portuguesa durante o reinado de D. João V tentara manter sua posição de
distanciamento e de quase alheamento da tensa política internacional que se desenrolava na
Europa Central, era impossível, deflagrada a Guerra dos Sete Anos, eximir-se de uma tomada de
posição. No Atlântico, o conflito europeu traria conseqüências, sobretudo, em relação à quase
centenária disputa luso-espanhola em torno das fronteiras de seus respectivos domínios na região
platina. (Estes problemas não eram recentes, nem inusitados. Basta lembrarmos de todas as
negociações e querelas que antecederam e sucederam ao Tratado de Madri, tão bem descritas,
entre outros, por Jaime Cortesão) 8.
3
Luiz Felipe ALENCASTRO, Trato...cit., p. 203. Sobre a Colônia do Sacramento, cf, Luis Ferrand ALMEIDA, A Colônia do
Sacramento na Época da Sucessão de Espanha, Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1973;
Fabrício P. PRADO, Colônia do Sacramento. O extremo-sul da América portuguesa, Porto Alegre, F. P. Prado, 2002;
POSSAMAI, Paulo César. O cotidiano da guerra: a vida na Colônia do Sacramento (1715-1735). São Paulo: USP, 2001
(tese de doutorado inédita).
4
Cf. Helen OSÓRIO, «As elites econômicas e a arrematação dos contratos reais: o exemplo do Rio Grande do Sul
(século XVIII)», in J. FRAGOSO; M. F, BICALHO & M. F. GOUVEA (orgs), O antigo regime nos trópicos. A dinâmica da
colonização portuguesa (séculos XVI-XVIII), Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001; e Helen OSÓRIO, Estancieiros,
lavradores e comerciantes na constituição da estremadura portuguesa na América. Rio Grande de São Pedro, 17371822, Niterói, UFF, 1999 (tese de doutoramento inédita).
5
Cf Antônio C. Jucá SAMPAIO, Na Encruzilhada do Império. Hierarquias sociais e conjunturas econômicas no Rio de
Janeiro (c. 1650-c. 1750), Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 2003.
6
Cf. Dauril ALDEN, Royal Government in Colonial Brazil, Berkeley and Los Angeles, University of California Press,
1968.
7
O pretexto que levou ao sítio foi um incidente diplomático ocorrido em Madri com o embaixador português, Pedro
Álvares Cabral, na corte espanhola. Cf. Paulo César POSSAMAI, «Aspectos do cotidiano dos mercadores na Colônia do
Sacramento durante o governo de Antônio Pedro de Vasconcelos (1722-1749)», Estudos Ibero-Americanos, v. XXVIII,
n° 2, dezembro de 2002, pp. 65-73
8
Em fins da década de 1740 iniciaram-se as primeiras negociações diplomáticas entre as duas Cortes, visando uma
acomodação mais pacífica e duradoura naquela região. Naquela época, além de Sacramento, pertenciam aos
portugueses os fortes Santa Tereza e São Miguel, encravados em território espanhol, entre a Colônia e o Rio Grande. A
Espanha dominava todo o resto daquela vasta região, incluindo, a noroeste da Lagoa dos Patos, as Sete Missões,
controladas por jesuítas castelhanos. De acordo com o Tratado de Madri, assinado em janeiro de 1750, aos
portugueses caberia entregar a Colônia do Sacramento aos espanhóis em troca do reconhecimento da legitimidade de
sua posse sobre o Rio Grande, ao qual seriam anexadas as Sete Missões. Estabelecia ainda a evacuação dos jesuítas
e dos índios daquele território, deslocando-os mais para o norte, para terras pertencentes ao Rei de Castela. Cf. Jaime
CORTESÃO, Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid, Rio de Janeiro, Ministério das Relações Exteriores / Instituto
Rio Branco, 1961; e D. ALDEN, Royal Government… cit., capítulo IV, «Diplomacy and War, 1494-1769», pp. 83-115.
2
Maria Fernanda Baptista Bicalho
Actas do Congresso Internacional Espaço Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades
Em inícios de 1761 Espanha e Portugal assinaram a revogação das disposições de Madri.
Tal rescisão - que restaurava o status quo anterior a 1750, num contexto de guerra na Europa significava inevitavelmente o recrudescimento dos conflitos na América meridional. Inconformado
com o fracasso e a relutância dos portugueses em abandonarem a Colônia do Sacramento, D.
Pedro de Cevallos, governador de Buenos Aires, planejou um ataque aos fortes portugueses na
região sul, com a finalidade de expulsá-los não só da Colônia, mas também do Rio Grande e de
Santa Catarina. Em agosto de 1762 transportou homens para as cercanias da Colônia. Em
outubro recebera avisos da Europa comunicando ter a Espanha declarado guerra a Portugal.
Iniciou imediatamente o ataque e, 25 dias depois, tomou a cidadela, expulsando os portugueses 9.
Nesse meio tempo armava-se na Europa, entre Londres e Lisboa, um projeto de corso
anglo-fluminense que tinha como objetivo invadir, saquear e tomar Buenos Aires e Montevidéu. A
documentação que revela essa iniciativa corsária é bastante interessante (e encontra-se, em
parte, no Arquivo Histórico Ultramarino). Inicia-se com uma correspondência entre Martinho de
Mello e Castro, embaixador português em Londres e Francisco Xavier de Mendonça Furtado,
Secretário da Marinha e do Ultramar. Este, por sua vez, escreveria a Gomes Freire de Andrade,
governador do Rio de Janeiro, que havia estado no sul, como representante do governo
português, por ocasião das negociações do Tratado de Madri. Já então de volta ao Rio de Janeiro,
Gomes Freire fora informado do projeto de corso por carta de Mendonça Furtado, de 25 de agosto
de 1762. O plano consistia na reunião de duas naus britânicas com embarcações fluminenses,
que navegariam em direção ao Prata, onde atacariam “de mão comum” os castelhanos. As
referidas naus (inglesas) deveriam fazer escala no Rio de Janeiro, com o pretexto de se
aprovisionarem para a extensa viagem em direção às Índias Orientais.
Durante a sua permanência no porto, Gomes Freire conversaria com os comandantes
ingleses sobre os meios “que houver ou não houver” para o saque de Buenos Aires. Avaliando o
projeto, e sendo viável, sob a alegação de mandar socorrer a Colônia e o Rio Grande, deveria
destacar toda a força necessária e enviá-la imediatamente ao Prata. Assim que chegassem a seu
alvo, a ordem era destruir as embarcações que encontrassem no porto, saquear a cidade e, só
então, voltar à banda setentrional e atacar Montevidéu que, sem socorro, facilmente se renderia.
Em suma, após o saque de Buenos Aires, a finalidade era conquistar e conservar Montevidéu,
cidade melhor localizada no estuário platino do que a Colônia do Sacramento.
Configurando uma empresa de corso a exemplo das praticadas pela França e Grã
Bretanha, Mendonça Furtado instruía Gomes Freire a municionar os navios no Rio de Janeiro com
o capital de todos os interessados - “nos moldes dos navios ingleses, armados por particulares” cabendo ao governador conceder patentes interinas aos oficiais que guarnecessem as naus. Em
nome do Rei D. José I, assegurava que todo o lucro do saque pertenceria aos armadores,
devendo ser dividido pelos participantes “da mesma sorte que o são as presas que fazem as Naus
d’El Rei Britânico”. Estava convencido de que assim não faltariam pessoas particulares que
quisessem arriscar algum cabedal, pelo muito que poderiam receber em troca, “principalmente
quando têm para dirigir aos mesmos particulares um General tão prudente e consumado”,
referindo-se ao próprio Gomes Freire. Deveriam, no entanto, antes de saírem em corso, ajustar
com os ingleses sobre aquilo que competiria a cada um, de sorte que não surgissem questões
nem dúvidas sobre a forma da partilha do produto do saque.
9
Dauril Alden afirma que D. Pedro de Cevallos chegara a projetar uma invasão ao Rio de Janeiro, porém voltou
atrás diante da consideração de que para tanto seriam necessários por volta de 7.000 a 8.000 homens, força que nem
ele, nem a Espanha - envolta na guerra continental - dispunham no momento. Considerou que o referido ataque deveria
ser feito por alguma potência aliada, como, por exemplo, a França, enquanto aos espanhóis caberia concentrar seus
esforços no Sul. O interessante é que justamente em fins de 1762, um pouco antes do primeiro armistício em
Fontainebleau, Luís XV começou a preparar uma esquadra que teria como alvo principal a cidade do Rio de Janeiro. D.
ALDEN, Royal Government…cit., p. 94.
A Fronteira dos Impérios: conexões políticas, conflitos e interesses portugueses na região platina
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Comunicações
Sob a hipótese, no entanto, de não haver particulares que quisessem se arriscar neste
empreendimento, Mendonça Furtado ordenava ao governador que, no caso de se achar com
forças suficientes no Rio para “resistir a qualquer insulto que nos queiram fazer neste importante
porto os nossos Inimigos”, e podendo dispor de armas e homens sem que aquela praça corresse
qualquer risco, deveria ele próprio, em comum acordo com os ingleses, dirigir a invasão a Buenos
Aires e a conquista de Montevidéu, “fazendo aos Castelhanos todo o dano que couber no
possível” 10.
As perspectivas tanto dos comandantes ingleses, quanto dos ministros portugueses eram
otimistas. Um dos capitães dos navios britânicos voltara há pouco de Buenos Aires e afirmava não
terem ali os espanhóis capacidade de oferecer grande resistência. Baseando-se nestas
informações Martinho de Mello e Castro escrevia ao Conde de Oeiras, dizendo que:
“A guerra para que se preparavam [os espanhóis] no continente de
Portugal, e a defesa dos seus estabelecimentos da parte do norte, que tinham de
certo seriam atacados pelos Ingleses, lhes não daria ocasião de cuidarem muito
no Rio da Prata, acrescendo a isto o não recearem muito de nós naquela parte,
persuadidos que ali não teríamos mais forças que a necessária para fazer uma
guerra defensiva. Todas estas circunstâncias juntas dão a maior probabilidade de
que unindo-se às duas naus inglesas algumas forças portuguesas de Mar e
Terra, e que uns e outros se acordem e estabeleçam entre si uma boa
inteligência, farão progressos úteis aos Ingleses - que têm por único objeto exporse a todo o risco para se enriquecer dos despojos castelhanos -, e às colônias de
El Rei Nosso Senhor em toda a destruição que a si se lhes fizer; ganhando-se
além deste ponto, que é muito provável, o certo e certíssimo de conseguir-se com
a dita expedição interromper a navegação espanhola para aquela parte, e
facilitarmos com segurança a nossa do Brasil para a nova Colônia” 11.
No entanto, os espanhóis na América meridional não estavam, como se supunha na
Europa, de mãos atadas e, em outubro de 1762 - no momento em que Martinho de Mello e Castro
negociava com os corsários ingleses e com a Corte de Lisboa o ataque aos estabelecimentos
platinos - D. Pedro de Cevallos invadia e conquistava a Colônia do Sacramento.
Como esta é uma pesquisa em andamento, não encontrei ainda documentação sobre a
forma em que se deu a contribuição fluminense àquela empresa, se parcialmente armada por
particulares ou se exclusivamente a cargo da Coroa. Mas é provável que Gomes Freire não tenha
tido tempo de consultar os comerciantes fluminenses porventura interessados em participar da
expedição, pois segundo carta do Bispo de Rio de Janeiro ao Secretário do Ultramar, assim que
chegara aviso da Europa de que a guerra entre Portugal e Espanha havia sido declarada (início
de 1762), Gomes Freire preparou doze embarcações, com cerca de 400 homens, cuja meta era a
Colônia do Sacramento. Estando prontas para partirem, chegara do Sul uma carta pedindo
reforços. Ao mesmo tempo, entravam no porto do Rio de Janeiro as duas naus inglesas armadas
em corso. Todo este aparato militar fora despachado para o Prata a 21 de novembro de 1762. A 5
de dezembro chegava ao Rio a notícia de que a Praça da Colônia havia-se rendido aos
castelhanos 12.
10
AHU, RJ, Avulsos, Cx. 71, doc. 21. Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado ao Conde de Bobalela, de 25
de Agosto de 1762. Em anexo encontra-se um memorial dos diretores interessados na empresa e dos comandantes de
dois navios particulares de guerra armados sob a comissão de Sua Majestade Britânica. Consta ainda da mesma
documentação uma carta de Martinho de Mello e Castro ao Conde de Oeiras, de 9 de julho de 1762, expondo-lhe o
projeto e pedindo-lhe que o endossasse junto a D. José I.
11
Idem.
12
AHU, RJ, Avulsos, Cx. 72, doc. 1. Carta do Bispo do Rio de Janeiro a Francisco Xavier de Mendonça Furtado, de
7 de janeiro de 1763.
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Maria Fernanda Baptista Bicalho
Actas do Congresso Internacional Espaço Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades
Sobre o destino da esquadra anglo-fluminense sabe-se apenas que, em 6 de janeiro de
1763, D. Pedro de Cevallos destruiu uma armada composta de nove navios, entre portugueses e
ingleses, com cerca de 500 homens, queimando-os e matando seus comandantes. Não satisfeito
com as vitórias conquistadas até então, e fortemente determinado a expulsar os portugueses de
todo aquele território, o governador de Buenos Aires armou, em abril de 1763, cerca de 1000
homens, conduzindo-os pelo litoral até as muralhas das fortalezas lusas de Santa Teresa e São
Miguel, a sul da Lagoa Mirim. Nova vitória dos castelhanos, desta vez sem grandes esforços de
guerra e sem muitas perdas em homens. Os portugueses que guarneciam aqueles fortes,
amedrontados diante da visão das tropas inimigas, sem poder avaliar bem o seu número,
entraram em pânico, abandonando Santa Teresa, alguns conseguindo ainda refúgio em São
Miguel, para onde levaram os boatos da grande superioridade - não obstante ilusória - dos
espanhóis. Tais boatos, por sua vez, fizeram com que o comandante e a guarnição deste último
baluarte se rendessem antes mesmo de uma primeira batalha. De posse daquelas fortalezas, as
tropas castelhanas tinham caminho aberto para a vila do Rio Grande, onde de fato entraram a 24
de abril de 1763, achando-a vazia, uma vez que os homens encarregados de sua defesa haviam
igualmente desertado 13.
Rumavam já os espanhóis para Viamão, quando receberam notícias da Europa acerca da
suspensão das rivalidades entre as respectivas metrópoles. Tanto em Fontainebleau (novembro
1762), quanto em Paris (março 1763), os tratados que puseram termo à Guerra dos Sete Anos
foram negociados e assinados pelas Coroas ibéricas sem conhecimento das manobras de seus
vassalos na América, mas ambos incluíam cláusulas no sentido de dar fim àqueles conflitos,
preconizando restituições territoriais mútuas.
O Rio de Janeiro capital
Foi nesse contexto político internacional que ocorreu a transferência da capital do Estado
do Brasil para o Rio de Janeiro. Embora aquela cidade viesse passando por grandes
transformações durante toda a primeira metade do século XVIII - processo coroado pela criação,
em 1751, do Tribunal da Relação 14 - apenas em 1763 ela se tornou oficialmente sede do ViceReinado. A documentação acerca desta decisão por parte de Lisboa é escassa e pouco eloqüente
quanto às razões que a forjaram. O então governador do Rio, Gomes Freire de Andrade faleceu
em janeiro de 1763, sendo sua morte atribuída ao grande choque que lhe causou a notícia da
perda da Colônia do Sacramento. Em 11 de maio do mesmo ano uma nova carta régia nomeava o
Conde da Cunha vice-rei do Estado do Brasil, ordenando-lhe que passasse a residir na cidade do
Rio de Janeiro. A 21 de dezembro escrevia o Conde a Lisboa, comunicando ter tomado posse
daquele governo 15.
A transferência da capital do Estado do Brasil para o Rio de Janeiro veio assim corroborar
o caráter central que essa cidade vinha assumindo desde meados do século XVII como locus
articulador de toda a região centro-sul da colônia.
A centralidade daquela cidade-porto não se impôs apenas por sua posição no interior da
colônia americana, mas de todo o Império português, e ainda no quadro da geo-política
ultramarina e colonial das demais potências européias. Em outras palavras, o Rio de Janeiro
tornara-se capital num momento delicado para Portugal e seus domínios ultramarinos no quadro
das relações internacionais; no interior do qual, acirrada a disputa ultramarina entre os demais
13
Sobre os mencionados sucessos de D. Pedro de Cevallos no sul, cf. D. ALDEN, Royal Government… cit., pp. 96 a
104.
14
A Relação do Rio de Janeiro foi criada pela carta régia de 16 de março de 1751, nos moldes do tribunal da Bahia.
(AHU, RJ, Cat. C.A., doc. 16.071).
15
AHU, RJ, Avulsos, Cx. 76, doc. 43. Ofício do Conde da Cunha, de 21 de dezembro de 1763.
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Estados europeus, colocava-se o problema da preservação dos territórios coloniais, ou da “defesa
do patrimônio” luso no ultramar 16.
Os ofícios enviados de Lisboa aos sucessivos vice-reis (Conde da Cunha, Conde de
Azambuja, Marquês do Lavradio, Luís de Vasconcelos e Souza, Conde de Resende) advertiamnos quanto aos cuidados que deveriam ter em conservar as tropas, guarnecer a cidade, fortificar
os portos e as marinhas e povoar os domínios ultramarinos. Os esforços nesse sentido
concentravam-se no Rio de Janeiro, de onde deveriam abranger as demais capitanias e territórios
da colônia. Reafirmava-se assim a interdependência das regiões coloniais nos momentos de
perigo externo e nas questões de defesa. De acordo com a Instrução Militar para o governador de
São Paulo, de 1775,
“todas as Colônias portuguesas são de Sua Majestade e todos os que as
governam são Vassalos seus: e nesta inteligência tanta obrigação tem o Rio de
Janeiro de socorrer a qualquer das capitanias do Brasil, como cada uma delas de
se socorrerem mutuamente umas às outras e ao mesmo Rio de Janeiro, logo que
qualquer das ditas capitanias for atacada ou ameaçada de o ser: sendo certo que
nesta recíproca união de poder consiste essencialmente a maior força de um
Estado; e na falta dela, toda a fraqueza dele” 17.
Em meados da década de 1770, as diplomacias das Coroas de Portugal e Espanha não
haviam ainda chegado a um acordo que substituísse o fracassado Tratado de Madri. Em março de
1776, tropas portuguesas capitaneadas pelo General Böhn e o pelo Capitão de Mar Mac-Dowall
tomaram o Rio Grande dos espanhóis. A primeira reação de Castela foi pensar no envio de uma
força punitiva que teria como alvo um dos portos do Brasil. Certamente tal empreitada correria
alguns riscos, o maior deles seria colocar a Inglaterra mais uma vez ao lado de Portugal, no caso
de uma declaração formal de guerra. Por outro lado, os ministros madrilenos levaram em conta
que os problemas da Grã-Bretanha na América do Norte poderiam impossibilitá-la de assumir,
naquele momento, as dores de seu antigo aliado 18.
O plano de um ataque ao Brasil começou a ganhar forma em julho de 1776, após as
notícias da tomada do Rio Grande pelos portugueses. O objetivo era a conquista da ilha de Santa
Catarina e a posterior destruição da Colônia do Sacramento. O assédio a Santa Catarina, de
crucial importância militar e diplomática, cortaria qualquer comunicação dos portugueses com o
sul, além de facilitar a captura da Colônia e a retomada do Rio Grande, forçando Portugal a
abandonar suas possessões em toda a região meridional, a ponto de seus limites retornarem ao
que predispunha o Tratado de Tordesilhas. O plano se concluiria com a criação do Vice-Reino do
Prata, tendo como primeiro vice-rei D. Pedro de Cevallos.
A armada espanhola composta de 116 embarcações, 20 das quais eram navios de guerra,
10.000 soldados, 8.500 marinheiros e 500 “maestranza” - com mantimentos para seis meses de
campanha - pôs-se ao mar em meados de novembro, enquanto tropas castelhanas dispunham-se
na fronteira de Portugal para desencorajar o envio de forças suplementares ao Brasil, e navios
espanhóis eram enviados para a altura das Canárias e para o Atlântico peninsular, com a
16
Cf. a este respeito, Fernando NOVAIS, Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808), São
Paulo, Hucitec, 1976, p. 136.
17
Instrução militar para uso do governador de São Paulo, de 24 de junho de 1775, citada por Marcos Carneiro de
MENDONÇA, «O Pensamento da Metrópole em relação ao Brasil», RIHGB, Vol. 225, abril-junho de 1962, p. 194.
18
Dauril Alden afirma que um ano antes da queda do Rio Grande nas mãos dos portugueses, discutia-se em Madri
sobre a possibilidade de um ataque ao Brasil, que teria como primeiro objeto a ilha de Santa Catarina, e depois o Rio de
Janeiro. Vozes dissonantes deste projeto diziam ser preferível, por mais cômodo e menos dispendioso, uma expedição
peninsular contra Portugal, contando inclusive com a probabilidade de apoio do exército francês. D. ALDEN, Royal
Government… cit., pp. 196-197.
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Actas do Congresso Internacional Espaço Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades
finalidade de interceptar embarcações portuguesas com reforços e munições destinados aos
territórios em conflito 19.
Em Lisboa, as notícias da expedição inimiga levantaram inúmeras suposições quanto aos
seus possíveis alvos na América. Num primeiro momento parecia lógico um ataque visando a
reconquista do Rio Grande, para o qual Böhn fora alertado no sentido de preparar a sua defesa 20.
Mas, pouco depois, o Marquês de Pombal fora advertido pelo embaixador português em Madri de
que os espanhóis pretendiam antes abordar algum porto das capitanias do norte. As atenções
metropolitanas voltaram-se então para Salvador, cujas defesas estavam enfraquecidas devido ao
envio de dois de seus regimentos para o Rio de Janeiro. O Marquês de Lavradio, então vice-rei,
recebera ordens de remetê-los de volta à Bahia, juntamente com reforços de várias outras praças
coloniais - salvo as do Rio Grande e de Santa Catarina -, e de nomear para o seu comando militar
o Brigadeiro José Custódio de Sá e Faria 21. Ao mesmo tempo, tratou de reforçar as defesas do
Rio de Janeiro, caso o destino da esquadra espanhola fosse o porto daquela capital 22.
A participação ativa dos homens de negócio fluminenses numa nova expedição de corso,
desta vez em alto mar contra os navios espanhóis, era assunto do ofício de 9 de outubro de 1776,
de Martinho de Mello e Castro ao Marquês de Lavradio. Nele, o Secretário dos Negócios
Ultramarino anunciava as condições propostas por Sua Majestade para a execução de uma tal
empresa:
“não seria inútil, antes muito vantajoso, que os Homens de Negócio e
outros habitantes ricos dessa Capital, armassem em guerra [...] e por sua própria
conta, todas as embarcações pequenas que lhes for possível; e que as
mandassem a Corso contra os transportes castelhanos desgarrados da
Expedição que vai sair de Cádiz, e contra os que depois dela se poderão ainda
continuar a mandar ao Rio da Prata”.
Melo e Castro assegurava aos proprietários dos navios corsários que
“todas as presas que fizerem, compreendidas as armas, artilharia e toda a
sorte de provisões de boca e guerra, serão inteiramente suas, sem que Sua
Majestade reserve para o seu Real serviço mais que a preferência de poder
comprar tanto pelo tanto, ou por uma justa avaliação, o que se fizer necessário a
ele” 23.
19
De acordo com Alden aquela armada consistia na maior expedição espanhola já enviada à América, perdendo
apenas para a esquadra britânica que, em 1740, armou-se contra Cartagena. (Idem, Ibidem, pp. 224-225).
20
AHU, RJ, Avulsos, Cx. 110. doc. 68. Cartas de Martinho de Mello e Castro ao Marquês do Lavradio, a primeira de
6 de Agosto de 1776, dizendo ter chegado à Corte de Lisboa notícias do estrondoso aparato com que em Cadiz se
preparava uma grande esquadra contra os domínios portugueses; e a segunda, de 21 de Agosto de 1776, afirmando
que o seu destino seria o Rio da Prata, e a sua finalidade, castigar os insultos feitos aos espanhóis pelos portugueses
em Santa Tecla e no Rio Grande de São Pedro.
21
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (BNRJ), Seção de Manuscritos (Mss), I-31,31,1, N. 4.
22
Suas diligências para a defesa daquele porto previam fechar a barra, empregando para isso os navios mercantes
de maior força, entre os quais seria passada uma corrente de ferro “que possa sustentar mais o choque e embarace a
entrada”. Destacaria ainda uma segunda linha de embarcações, “no caso de terem vencido a primeira Linha sem
confusão”; e, por último, lanchas e sumacas “para serem incendiadas e se poderem lançar entre as dos inimigos”. Em
relação às Tropas Auxiliares - constituídas de moradores do recôncavo - determinara que trouxessem consigo um, dois
e até três escravos, “os quais viriam armados com paus de ponta ou seixos, que ajudariam também a defesa”. AHU, RJ,
Avulsos, Cx. 110, doc. 34. Ofício do Marquês de Lavradio a Sebastião José de Carvalho e Mello, de 31 de outubro de
1776.
23
AHU, RJ, Avulsos, Cx. 110, doc. 68. Ofício de 9 outubro de 1776. Mello e Castro, tomando paradoxalmente como
exemplo a Guerra de Independência das colônias britânicas na América do Norte, afirmava que “a guerra mais
formidável que os americanos tem feito ao presente aos ingleses [...] tem sido por meio de uma grande quantidade dos
ditos corsários, com que lhes têm feito muitas e muito importantes presas, chegando a vir esperar os navios mercantes
até à entrada do Mediterrâneo e costas de Portugal”.
A Fronteira dos Impérios: conexões políticas, conflitos e interesses portugueses na região platina
7
Comunicações
Mais uma vez, no estágio em que se encontra a pesquisa, não é possível adiantar os
desdobramentos deste projeto.
As Forças da Colônia...
No contexto da política que vinha sendo estabelecida por Lisboa no sentido incentivar a
ajuda mútua das capitanias coloniais em momentos de perigo, o Marquês de Lavradio escrevera
em meados de outubro a D. Antônio de Noronha, então governador das Minas, pedindo-lhe que
enviasse o Regimento de Cavalaria que acabara de formar naquela capitania, e ainda algumas
tropas de Auxiliares, para ajudarem na defesa do Rio de Janeiro. Em resposta, D. Antonio
informava que ia remetendo os oficiais e soldados da Cavalaria que se encontravam prontos no
quartel de Vila Rica, salvo aqueles necessários para as “diligências precisas”. Afirmava encontrarse o resto do regimento espalhado em patrulhas nos diferentes destacamentos da capitania de
Minas Gerais, sobretudo no Distrito Diamantino, “em distâncias de 80, 100 e mais léguas, para a
boa arrecadação e guarda da Real Fazenda”. Quanto a recrutar Auxiliares e Ordenanças, dizia ser
impossível fazê-lo sem que se seguissem grandes inconvenientes, “porque os homens brancos
desta Capitania são muito poucos a respeito dos negros e mulatos”, acostumados a andar em
bandos, infestando as estradas próximas aos povoados e atacando roceiros e suas famílias.
Nesse sentido, para o patrulhamento dos caminhos e para as expedições à caça de quilombos
armara Auxiliares e Ordenanças, e caso os recolhesse de seus distritos enviando-os ao Rio de
Janeiro, “ficará esta Capitania exposta a alguma sublevação dos mesmos negros aquilombados”.
Por outro lado, argumentava serem os corpos Auxiliares compostos quase inteiramente de
agricultores e mineiros que, quando recrutados, abandonavam com seus escravos roças e lavras.
E a partir destas considerações, respondia ao Marquês vice-rei, perguntando-lhe: “como se pode
juntar semelhantes Corpos em parte conveniente para o pronto socorro dessa Cidade, sem
consternação desta Capitania, e sem grande prejuízo das lavras e das roças?” 24.
Lavradio não se sensibilizara com os argumentos de Noronha e voltara a escrever
ordenando-lhe que enviasse não somente a totalidade do Regimento de Cavalaria, mas que
formasse corpos de brancos, negros e mulatos vadios e os acompanhasse em pessoa ao Rio de
Janeiro. Sobre os escravos que seguiam os Auxiliares, sugeria que não os trouxessem consigo, e
desta maneira o trabalho nas roças e minas não seria afetado 25. O governador das Minas
retrucou com firmeza, lembrando ao vice-rei que manter a tranqüilidade e a segurança da
capitania e promover a agricultura e a mineração eram os primeiros objetivos do seu governo.
Defendia a utilidade dos vadios naqueles sertões, por povoarem áreas remotas, protegerem as
fronteiras de ataques indígenas, abrirem caminhos e estradas e participarem nas expedições de
captura de negros fugidos. Quanto a acompanhar as Tropas ao Rio de Janeiro, só o faria caso
Lavradio nomeasse um Governador interino que o substituísse no período de sua ausência 26.
Embora tenha permanecido em Minas, D. Antônio de Noronha enviara ao Rio 241
soldados do Regimento de Cavalaria e 928 homens das Tropas Auxiliares e Companhias francas,
arregimentados para aquela ocasião específica 27.
Entretanto, as últimas informações chegadas à Corte de Lisboa especificavam que o
intento dos espanhóis não era atacar a Bahia, nem mesmo o Rio de Janeiro. Atinavam, enfim, os
ministros lisboetas com o verdadeiro objeto da expedição inimiga: primeiro invadir a Ilha de Santa
24
BNRJ, Mss, 2, 2, 24, N. 17; e AHU, RJ, Avuslsos, Cx. 110, doc. 29. Carta de 28 de outubro de 1776.
BNRJ, Mss, 2, 2, 24, N. 18. Ordens de Lavradio citadas na resposta de D. Antônio de Noronha, de 17 de
novembro de 1776.
26
BNRJ, Mss, 2, 2, 24, N. 31. Carta de D. Antônio de Noronha para o Marquês de Lavradio, 19 de novembro de
1776.
27
BNRJ, Mss, 2, 2, 24, N. 37. Carta de D. Anônio de Noronha para Martinho de Mello e Castro, de 7 de janeiro de
1777.
25
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Maria Fernanda Baptista Bicalho
Actas do Congresso Internacional Espaço Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades
Catarina, para então recuperar toda a região meridional até o estuário do Prata. A partir de
setembro de 1776 as ordens provenientes de Lisboa direcionaram-se para o municionamento e
defesa das praças do sul 28.
Apesar dos preparativos de última hora, a força naval luso-brasileira sob o comando do
Capitão de Mar Roberto Mac Dowall era insignificante se comparada à esquadra espanhola 29.
Três meses depois da saída de Cádiz, a 13 de novembro de 1776, a expedição capitaneada pelo
Marquês de Casa Tilly e por D. Pedro de Cevallos chegava no litoral de Santa Catarina em fins de
fevereiro de 1777. Diante da grande superioridade da armada inimiga, a 20 de fevereiro, um
Conselho de Guerra convocado por Mac Dowall decidira que os navios sob seu comando
deveriam retornar ao Rio de Janeiro, no sentido de conseguir reforços e obter novas instruções do
vice-rei. Desembaraçados da oposição naval que deveria proteger a ilha, não foi difícil para os
espanhóis descerem a terra. Três dias depois, quando se preparavam para tomar a fortaleza de
Ponta Grossa - a primeira situada na entrada da baía - os espanhóis descobriram, atônitos, que
ela havia sido evacuada. O mesmo aconteceu com os fortes de Santa Cruz e Ratones, localizados
um pouco mais adiante. Em 26 de fevereiro Cevallos ocupou a Vila de Santo Antônio a duas
léguas de Desterro, para onde enviou uma delegação exigindo sua capitulação. Em resposta,
soube ter sido aquela vila também abandonada, tanto pela população civil, quanto pelos militares
portugueses. Mais uma vez repetia-se em Santa Catarina o mesmo que, em 1763, ocorrera no Rio
Grande. As capitulações foram assinadas no dia cinco de março de 1777.
Cevallos pretendia ainda ocupar o Rio Grande, segundo objetivo de seu plano maior de
expulsar os portugueses de toda a região sul. No entanto, as negociações e tarefas que envolviam
a capitulação de Santa Catarina - inventários das presas e dos saques, ofícios a serem remetidos
a Madri, envio dos prisioneiros ao Prata, medidas de segurança para manter as conquistas frente
a uma possível investida lusa - o detiveram mais do que previra naquela ilha. Quando zarpou
rumo ao sul, o mau tempo e os ventos contrários impediram que alcançasse o litoral do Rio
Grande, obrigando-o a ir diretamente ao estuário platino, onde entrou no porto de Maldonado no
dia 18 de abril. Dali preparou-se para conquistar e destruir definitivamente a Colônia do
Sacramento, que já vinha sofrendo havia alguns meses um duro bloqueio por forças espanholas
enviadas pelo governador de Buenos Aires, encontrando-se num estado desesperador devido à
falta de alimentos e de recursos.
Não foi difícil, nestas circunstâncias, a capitulação da fortaleza. A quatro de junho de 1777
forças espanholas conquistavam a Colônia do Sacramento pela quarta vez nos noventa e sete
anos de sua existência. Nos dias que se seguiram, a cidadela fora completamente destruída,
colocando-se um ponto final no símbolo de uma disputa sangrenta e imemorial entre as duas
metrópoles ibéricas pelo domínio do comércio platino.
Enquanto os portugueses perdiam para os espanhóis algumas de suas principais
possessões na América meridional, sofriam um outro tipo de perda, desta vez em seu próprio
território. Com o falecimento de D. José I, D. Maria herdava o trono, afastando Pombal do cargo
de Secretário dos Negócios do Reino. Antes mesmo das notícias da queda de Santa Catarina e
da Colônia chegarem à Europa, o afastamento dos dois grandes protagonistas ibéricos das
intransigentes negociações e disputas territoriais no continente americano - Pombal e Grimaldi levava enfim a uma acomodação que tornava possível uma trégua visando à discussão de um
novo tratado de paz que demarcasse limites definitivos entre as possessões portuguesa e
espanhola.
28
BNRJ, Mss, I-31, 31, 1, N. 21. Ofício de Carvalho e Mello ao Marquês de Lavradio, de 9 de setembro de 1776;
BNRJ, Mss, I-31, 31, 1, N. 31. Carta de Martinho de Mello e Castro ao Marquês de Lavradio, de 11 de Setembro de
1776.
29
Cf. D. ALDEN, Royal Government… cit., p. 217, nota 94; e p. 228, nota 15: 4 náus, 4 fragatas e 4 corvetas. Cf.
ainda AHU, RJ, Avulsos, Cx. 114, doc. 15. “Mapas das Embarcações e dos seus Comandantes que compõem a
Esquadra debaixo do comando do Marquês de Lavradio, de que é chefe Roberto Mac Dowell”.
A Fronteira dos Impérios: conexões políticas, conflitos e interesses portugueses na região platina
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Comunicações
As negociações se estenderam até primeiro de outubro de 1777, quando finalmente foi
assinado o Tratado de Santo Idelfonso, segundo o qual caberia à Espanha a área da Colônia do
Sacramento, embora Portugal continuasse a manter o Rio Grande e toda a região das lagoas
Mirim e dos Patos. Recuperava Santa Catarina, com a condição de que os navios mercantes
espanhóis recebessem nela toda a hospitalidade e assistência em casos de necessidade, como
convinha a súditos de monarcas entre os quais prevalecia a mais firme amizade e aliança. A área
das Sete Missões, motivo da revogação do Tratado de Madri, permaneceria nas mãos dos
espanhóis.
Quanto à cidade do Rio de Janeiro – que, desde meados do século XVII vinha se
constituindo em eixo articulador da região centro-sul da América portuguesa – não apenas dos
territórios meridionais, mas ainda da vasta região das minas (Gerais, de Goiás e de Mato Grosso
ou Cuiabá) – articulando, mais do que isso, as inúmeras rotas de navegação do Atlântico-Sul –
terá sua posição central cada vez mais definida, até que, em 1808, se dê a transferência da Corte
portuguesa para essa cidade, coroando definitivamente sua condição de capital do Império
português.
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Maria Fernanda Baptista Bicalho
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