Hormonioterapia no câncer de mama metastático

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mama
Hormonioterapia no câncer de mama
metastático, qual a melhor estratégia?
P
ARA FINS DE DECISÕES TERAPÊUTICAS, O CÂNCER
DE MAMA (CM) É CLASSIFICADO EM QUATRO SUB-
Divulgação HSL
TIPOS:
Max Mano
* Médico oncologista no Hospital
Sírio-Libanês; chefe do Grupo de
Câncer de Mama do Instituto do
Câncer do Estado de São Paulo
(Icesp); Prof. Dr., Disciplina
de Oncologia, FMUSP
Contato:
[email protected]
Débora Gagliato
* Médica oncologista do Hospital
Sírio-Libanês e do Instituto
do Câncer do Estado de São
Paulo (Icesp)
Contato:
[email protected]
26
janeiro/fevereiro 2014 Onco&
1) Her2 negativo (–) / receptores
hormonais (RH) (–)
2) Her2 positivo (+) / RH (+)
(denominado triplo positivo)
3) Her2- / RH (–)
(denominado triplo negativo)
4) Her2– / RH (+)
Como regra geral, os subtipos Her2+ são considerados no mínimo parcialmente hormônio-resistentes, enquanto os tumores RH negativos são totalmente hormônio-resistentes.
Nos tumores Her2+ / RH+, a terapia endócrina
(TE) deve ser considerada somente com extremo
cuidado, em geral na ausência de doença visceral,
e quase sempre associada às terapias-alvo antiHer2. No entanto, é no subgrupo Her2– / RH (+)
que a TE tem seu papel mais claro. Como regra
geral, no contexto de um tratamento paliativo, deve
ser sempre considerada como primeira opção, por
ser desprovida dos efeitos adversos típicos da quimioterapia citotóxica e, muitas vezes, de eficácia no
mínimo comparável1,2.
A paciente com CM avançado deve ser tratada,
na medida do possível, com sucessivas linhas de terapia endócrina, até que se configure uma situação
de clara hormônio-resistência e/ou instalação de
doença visceral agressiva.
Somente nesse contexto a quimioterapia pode
ser uma melhor indicação, por causa da maior rapidez na obtenção da resposta ao tratamento.
Quanto mais “hormônio-sensível” for o perfil
do tumor, maior o benefício potencial com a TE.
Por exemplo, quanto mais forte a expressão de RH
nas células tumorais (melhor definido como Allred
6 para RE e RP), maior a taxa de resposta à TE3.
Outros fatores preditivos de maior benefício à TE
incluem ausência de amplificação/superexpressão
de Her2, comportamento clínico prévio do tipo “indolente”, ausência de exposição à TE endócrina
prévia e longa resposta à TE prévia (para pacientes
candidatos à TE de segunda ou terceira linha). Na
ausência desses fatores, pode ser mais seguro o emprego da quimioterapia, reservando-se a TE para
uso posterior, por exemplo como terapia de manutenção após resposta inicial à quimioterapia.
É importante ressaltar que a presença de doença
visceral não contraindica a TE, mas deve-se tomar
um cuidado maior. A TE de terceira linha ou além
resulta em taxas de resposta de menos de 10%,
sendo raramente uma opção viável para pacientes
com muito volume de doença e/ou sintomáticas.
Em mulheres menopausadas, as opções de tratamento são maiores, incluindo o tamoxifeno, os
inibidores da aromatase (IA) e o downregulator do
RE fulvestranto. Outras opções, embora atualmente
menos utilizadas, incluem o acetato de megestrol e
o uso de estrógenos.
Como tratamento de primeira linha, os IA de
terceira geração se mostraram superiores ao tamoxifeno (Tabela 1), sendo considerados tratamento
de primeira escolha4-7. Não há evidência de superioridade de um IA em relação ao outro, em diferentes cenários, seja adjuvante ou metastático.
Quando os estudos randomizados dos IA são analisados de maneira mais ampla (meta-análise), parece
haver também um ganho de sobrevida em comparação com outros tratamentos anti-hormonais8.
Ainda no contexto do tratamento de primeira
linha, estudos controlados falharam em demonstrar
superioridade do fulvestranto em relação ao tamoxifeno9. Estudos que tentaram avaliar a TE de combinação (anastrozol + fulvestranto vs anastrozol) mostraram resultados discrepantes, sendo um deles fran-
camente negativo10 e o outro tecnicamente “positivo”, mas com ganhos extremamente modestos no
que diz respeito ao desfecho primário11.
Recentemente, outro estudo importante falhou
em demonstrar benefício da combinação de agentes
anti-hormonais no cenário metastático. Trata-se do
estudo SOFEA, que randomizou pacientes com CM
metastático após falha a IA não esteroidal para receber fulvestranto isolado ou em combinação com
anastrozol ou exemestano utilizado isoladamente.
Os desfechos de eficácia foram similares entre os
três braços, sem diferenças estatisticamente significativas12. Portanto, a utilização de hormonioterapia
combinada no cenário metastático não deve ser
considerada padrão, e seu valor no manejo de pacientes ainda está por ser provado.
Após falha do tratamento de primeira linha, os
resultados com a TE são invariavelmente mais pobres, com pouca evidência de superioridade de um
agente em relação a outro13,14. Deve-se sempre considerar a quimioterapia como uma opção. No entanto, na ausência de doença visceral extensa e/ou
sintomas severos, a TE adicional deve ser tentada.
Um dado de alguma utilidade clínica foi a demonstração da superioridade da dosagem mais alta do
fulvestranto (500 mg IM D1 + D14 + D28 seguido
de 500 mg IM /mês vs 250 mg /mês)15. Muito embora o benefício tenha sido extremamente modesto
para o desfecho primário (sobrevida livre de progressão), os autores posteriormente sugeriram um
ganho de sobrevida, de difícil interpretação em vista
de se tratar de um desfecho secundário16.
Em resumo, a TE pode ser utilizada como tratamento de resgate, mas com resultados clínicos
bastante limitados. Do ponto de vista de alterações
moleculares, estudos de biópsias tumorais também
têm mostrado um cenário genômico caótico com o
desenvolvimento da resistência à TE17.
A grande novidade no tratamento do CM Her2/
RH+ é a inibição da via PI3K/Akt/Mtor, uma das
mais frequentemente alteradas nos tumores sólidos,
e talvez o principal mecanismo de resistência à
TE18-20. Recentemente, o Projeto The Cancer and
Genome Atlas Network (TCGA) analisou amostras
de tecido mamário em 825 pacientes com diagnóstico de CM. Foi demonstrado que, para pacientes
com tumores luminais RH+, a mutação mais frequentemente encontrada foi em PIK3CA e MAPK
(Mitogen-activated protein kinases), as quais são
importantes para regulação do ciclo celular, expressão de genes, proliferação celular e apoptose21.
Uma série de estudos pré-clínicos bem conduzidos forneceu forte evidência de que a inibição
dessa via seria capaz de reverter o desenvolvimento
de resistência à TE22.
No cenário clínico, apesar de um estudo negativo com o inibidor da mTOR Temserolimo23, os resultados dos estudos com o everolimo foram
altamente significativos. Nos estudos randomizados
de “prova de conceito” realizados por Bachelot T
et al24 e Baselga et al25 em CM avançado e neoadjuvância, respectivamente, a atividade potencial desse
agente ficou bastante clara. Esses dados culminaram na publicação do estudo de registro BOLERO-226, que randomizou mulheres menopausadas com CM avançado e resistentes à TE prévia
com IA não esteroidal (letrozol ou anastrozol), num
esquema 2:1, para receber exemestano + placebo vs
“Como tratamento
de primeira linha, os
IA de terceira geração
se mostraram superiores ao tamoxifeno,
sendo considerados
tratamento de primeira escolha. Não
há evidência de
superioridade de um
IA em relação a outro,
em cenário adjuvante
ou metastático”
Tabela 1 Atividade dos IA vs tamoxifeno como tratamento de primeira linha
em pacientes com CM avançado – estudo IA
Estudo
IA
Número
de
pacientes
Taxa de
resposta
objetiva
(%)
Taxa de
benefício
clínico
(%)
Tempo médio
até progressão
(meses)
Bonnettere et al*
Anastrozol
1021
29 v 27,1
57,1 v 52
10,7 v 6,4 **
Mouridsen et al
Letrozol
907
32 v 21
50 v 38
9,4 v 6,0
Paridaens et al
Exemestano
382
43 v 29
71 v 66
9,9 v 5,8
** análise conjunta de 2 estudos randomizados
* população RE+
Onco& janeiro/fevereiro 2014
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exemestano + everolimo. O desfecho primário foi sobrevida livre de
progressão, que foi mais que duplicada pela adição do everolimo (7,8
vs 3,2 meses; HR = 0,45 (95% CI = 0,38, 0,54); Log-rank P value:
< ,0001)27. Esses ganhos se refletiram numa maior taxa de benefício
clínico no braço experimental (51,3 vs 26,4%, p<0,001), apesar da
baixa taxa de resposta observada em ambos os braços (12,6% vs 1,7%,
p<0,001). Mesmo com os dados de sobrevida ainda imaturos, o everolimo ganhou registro na maior parte dos países do mundo. No Brasil,
a bula estipula, de maneira um tanto vaga, aliás, a indicação “após falha
de TE prévia”.
Tabela 2 Resultados de estudo de terapias anti-Her2 + TE
em CM mestático
Letrozol
x
Letrozol x lapatinibe
Anastrozol
x
Anastrozol + trastuzumabe
Tempo médio até
progressão (meses)
Taxa de resposta
objetiva (%)
3,0
x
8,2
7%
x
10%
3,8*
x
5,6*
7%
x
20%
* RE ou RP centralmente confirmado como positivo
No entanto, o everolimo está também associado a uma série de EA,
alguns bastante comuns, como estomatite, erupção cutânea, efeitos
metabólicos como hiperglicemia e hiperlipidemia, mas em geral de
baixa severidade. Outro efeito adverso relativamente comum e que
exige algum cuidado é a pneumonite não infecciosa, relatada em até
15% dos casos, mas sendo severa em menos de 5% dos casos. O médico e a paciente devem estar sempre atentos aos sintomas iniciais, que
incluem fadiga, tosse seca e, mais tarde, dispneia aos esforços.
Apesar da maior incidência de EA, o tratamento do everolimo não
resultou em piora da qualidade de vida no estudo BOLERO-2, refletindo a eficácia do tratamento no controle da doença, visto que a causa
mais frequente de deterioração sintomática no CM avançado é justamente a progressão da doença de base.
Em resumo, o everolimo, e possivelmente outros inibidores da via
PI3K/Akt/mTOR ainda mais eficazes e mais bem tolerados, alguns já
em fase avançada de desenvolvimento clínico, terão aparentemente um
papel crescente no tratamento do CM Her2- / RH+. Nas pacientes prémenopausadas, o papel da TE não deve ser minimizado.
Sendo o perfil do tumor favorável, como acima descrito, o benefício da TE costuma ser grande nesse grupo. A idade jovem em si não
deve ser vista como um impedimento ao emprego das “regras” de TE
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(geralmente deve ser considerada a primeira opção, pelo máximo de
tempo possível). O agente com atividade mais bem demonstrada nessa
população é o tamoxifeno, mas o papel da supressão ou ablação ovariana não deve ser esquecido. Contrariamente ao contexto adjuvante
(no qual seu papel ainda é controverso), os benefícios da terapia combinada (tamoxifeno + supressão/ablação ovariana) são bem estabelecidos no contexto metastático28,29. Os autores do artigo têm preferência
pelo método de ablação cirúrgica nesse contexto, por ser mais efetivo,
prático e custo-eficaz. Pacientes que falharam previamente ao tamoxifeno podem receber IA ou fulvestranto, necessariamente combinados
à supressão/ablação ovariana.
Não há dados sobre a eficácia do everolimo nessa população, mas
não há fundamentos lógicos para que não funcione, ainda mais se
usado combinado à supressão/ablação ovariana.
Em pacientes com tumores Her2+ / RH+, a TE tem algum papel,
mas deve-se sempre ter em mente que a doença metastática costuma
ter comportamento clínico mais agressivo, com mais acometimento
visceral e maior frequência/rapidez no desenvolvimento de hormônioresistência. A maior parte dessas pacientes vai necessitar de quimioterapia + terapias-alvo anti-Her2 (trastuzumabe, lapatinibe, pertuzumabe) como tratamento inicial, podendo-se instituir a TE, em geral
combinada à terapia-alvo anti-Her2, após descontinuação da quimioterapia. No entanto, algumas pacientes oligossintomáticas, com menor
volume de doença, podem receber TE como tratamento de primeira
linha, quase sempre combinada a uma terapia-alvo anti-Her2. Dados
de estudos randomizados dão suporte a esse conceito (Tabela 2)30,31.
Contudo, a adição do trastuzumabe ao anastrozol aumentou o tempo
livre de progressão de doença para apenas 5,2 meses, nitidamente inferior aos resultados obtidos com a quimioterapia de primeira linha +
trastuzumabe (11-12 meses), sugerindo que a atividade deste último
seja bastante dependente da combinação com a quimioterapia. Ou seja,
as pacientes candidatas a essa estratégia devem ser cuidadosamente selecionadas e ter avaliação precoce de eficácia para eventual resgate com
quimioterapia em caso de falha.
Em resumo, a TE continua sendo uma arma eficaz no manejo da
paciente com CM metastático. Progressos significativos foram atingidos
no sentido de combater o desenvolvimento de resistência à TE tanto
na doença Her2+ (agentes anti-Her2) quanto na Her2- (bloqueio da
via PI3K/Akt/mTOR), o que tem nos permitido postergar cada vez mais
o emprego da quimioterapia citotóxica na evolução da doença. Progressos ainda mais significativos são esperados para os próximos anos,
com o avanço das pesquisas e o desenvolvimento de drogas-alvo cada
vez mais eficazes.
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Onco& janeiro/fevereiro 2014
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