o grunge e o rock underground às avessas

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DOFA, DERMA, JIMO1:
O GRUNGE E O ROCK UNDERGROUND ÀS AVESSAS
Cristiano Marlon Viteck2
“Grunge: 1 sujo; encardido. 2 pessoa chata, nojenta”
- Minidicionário Silveira Bueno: inglês-português/português-inglês
Era para ser apenas mais um disco de rock de uma banda qualquer nos Estados
Unidos. Com um esforço extra de divulgação e um pouco de sorte, talvez o álbum vendesse
algumas dezenas de milhares de cópias e colocasse o grupo como um dos destaques do rock
underground. Sendo extremamente otimista, talvez uma ou outra canção agradasse os
programadores e eles a executassem por um pequeno período nas emissoras de rádio para
depois ser esquecida, como acontece com a maioria das músicas. Dizer que ele se tornaria um
clássico? Só se fosse para fazer piada!
A verdade é que antes de 24 de setembro de 1991, nenhuma pessoa que soubesse do
lançamento do disco e estivesse em completo estado de lucidez diria que o álbum
“Nevermind”, o segundo da carreira do Nirvana, se tornaria um dos maiores clássicos do rock
mundial. Duas décadas depois de lançado, “Nevermind” já ultrapassou a marca dos 30
milhões de cópias vendidas. Um número bem acima das apostas da DGC (um selo pertencente
à gigantesca gravadora David Geffen Company), cuja expectativa mais otimista era de que o
álbum atingisse 500 mil unidades comercializadas.
Mas como foi possível um disco de uma banda desconhecida, sem nenhuma grande
estratégia promocional, se transformar em poucos dias em um fenômeno gigantesco da cultura
pop? Como o Nirvana, de patinho feio dentro do próprio cenário underground, se tornou o
cisme branco do rock, “atropelando” em popularidade os mega-astros do Guns n’ Roses?
1
Anagramas das palavras “foda”, “merda” e “mijo”. Título do artigo inspirado pelo disco “In Utero” do Nirvana,
que traz no encarte como sendo a letra da música “Tourett’s” os anagramas “Cufk”, “Tish” e “Sips”, que
significam “fuck”, “shit” e “piss”./ [email protected]
2
Jornalista e historiador, mestre em História – Práticas Culturais e Identidades pela Universidade Estadual do
Oeste do Paraná – UNIOESTE.
Como “Nevermind” derrubou o álbum “Dangerous” de Michael Jackson do primeiro lugar da
parada da Billboard em 12 de janeiro de 1992? E, finalmente, como foi que o Nirvana
conseguiu acender o estopim que fez explodir a cena que ficou conhecida como grunge, da
qual pipocaram tantos outros grupos que conquistaram a fama como Pearl Jam, Soundgarden
e Alice in Chains?
A resposta mais óbvia é que “Nevermind” foi um sucesso porque é um excelente
disco, que soube equilibrar riffs de punk rock com melodias assobiáveis. Também tem uma
capa legal: um bebê sem roupa mergulhado em uma piscina e sendo fisgado por uma nota de
um dólar! Há que se considerar a força vocal e lírica de Kurt Cobain: dono de uma voz
marcante, especialmente quando gritava os versos dos refrões barulhentos do Nirvana. Por
fim, deve ser lembrado que qualquer disco que tivesse como faixa de abertura a canção
“Smells Like Teen Spirit” (que a banda apelidou de “The Hit”, debochando do próprio
sucesso) seria um forte candidato a alcançar o topo das paradas.
O fenômeno Nirvana/”Nevermind” deu início a um novo capítulo da história do rock
underground dos Estados Unidos. Inspirado no “faça você mesmo”, lema punk do final dos
anos 1970, durante toda a década de 1980 o rock alternativo estadunidense criou uma ampla
teia sustentada por um público que frequentava um circuito de pequenas casas de shows
espalhados pelas maiores cidades do país. Esse mesmo público lia fanzines xerocados com
entrevistas e reportagens sobre artistas que as grandes mídias não estavam interessadas em
cobrir e comprava discos lançados por selos independentes de bandas que quase ninguém
tinha ouvido falar.
Tudo muito diferente do rock comercial que tanto fazia sucesso naquela década,
especialmente em se tratando de bandas de hard rock ou heavy metal como Bon Jovi, Poison,
Van Halen, Mötley Crue e, mais para o fim dos anos 1980, o Guns n’ Roses. Para estas e
tantas outras bandas de destaque neste gênero, contratos milionários, namoros com modelos
famosas, mansões, carrões e viagens em luxuosos ônibus ou aviões para chegar aos locais
onde se apresentavam para plateias enormes eram rotina. Obviamente, o interesse da mídia
por esse estilo de rock era imenso.
“Nevermind” mudou tudo isso. O rock underground repentinamente virou
mainstream e passou a ocupar grande parte da programação das rádios e dos canais de
televisão especializados em música, como a MTV. Revistas, não só de músicas, mas também
de moda e variedades recheavam suas páginas com qualquer coisa que pudesse ser
relacionada com as palavras Nirvana, grunge e Seattle, cidade onde nasceu esta cena musical.
Dave Lee Roth, vocalista do Van Halen – um dos maiores grupos de rock comercial da
década de 1980 –, não deixa dúvidas sobre o impacto representado pelo Nirvana. Em
entrevista recente ao site Buzzfeed, quando questionado sobre qual teria sido o motivo da
decadência do grupo dele no início dos anos 1990, ele respondeu:
Duas palavras: Kurt Cobain. Eu fui de tocar para 12 mil pessoas para
1.200. De arenas para cassinos e exposições agropecuárias e na House of
Blues. Isso faz com que você reflita muito mais claramente em seus valores.
A diversão não era mais vista como diversão. (apud BELGRANDE, 2013)
Já o jornalista André Barcinski, quando o fenômeno grunge estava iniciando, definiu:
“o Nirvana é carne fresca, e Seattle é um grande açougue” (1992, p. 111).
Terra da garoa e dos assassinos em série
Seattle está localizada no Estado de Washington, na região Noroeste dos Estados
Unidos, e tem hoje população estimada em pouco mais de 616 mil habitantes (CITY OF
SEATTLE, 2012). A cidade começou a ser colonizada na metade do século XIX e teve forte
crescimento, principalmente por ser rota de passagem daqueles que se arriscavam na corrida
do ouro no Alaska. Situada na Baía de Elliot, na costa do Oceano Pacífico, Seattle
rapidamente se tornou uma importante cidade portuária.
Em 1916 surgiu lá a Boing, maior fabricante de aviões que, embora tenha mudado sua
sede para Chicago, mantém na cidade de Everett, a cerca de 40 quilômetros de Seattle, a
maior fábrica de aeronaves do mundo. Foi lá que também nasceu em 1971 a Starbucks, a
maior cafeteria do planeta. E desde 1979, Seattle é a sede do Microsoft, fato que contribuiu
muito para que, a partir dos anos 1980 a cidade se tornasse um dos principais polos
tecnológicos do país. Já em 1994, foi fundada em Seattle a Amazon, que se tornou uma, se
não a maior, empresa de comércio eletrônico do mundo.
Entre 1910 e 1950, Seattle também teve uma cena interessante de clubes de jazz.
Porém, até o surgimento do grunge, na área musical a cidade era mais lembrada por ter sido a
terra natal do guitarrista Jimi Hendrix (1942-1970).
Em 1962, a cidade sediou a Exposição Mundial. Para o evento foi construída a “Space
Needle” (Agulha Espacial), uma torre com 184 metros que atualmente é o principal cartãopostal da cidade. Ironicamente, a “Agulha Espacial” também remete a outro aspecto famoso,
só que bem mais sombrio de Seattle: o consumo de heroína – droga injetável que tem no porto
de Seattle um importante local de entrada, sendo facilmente encontrada na cidade. Vários
músicos da cena grunge foram usuários, sendo que alguns morreram em decorrência do vício
em heroína. Os casos mais conhecidos são os do cantor Andrew Wood, da banda Mother
Love Bone, morto em 1990; de Stefanie Sargent, guitarrista do grupo 7 Year Bitch, morta em
1992; e de Layne Stanley, vocalista do Alice in Chains, que morreu de overdose em 2002,
enquanto que seu antigo companheiro de banda, o baixista Mike Starr, teve o mesmo fim em
2011.
Houve ainda grandes escândalos em torno da droga e o Nirvana. Em 1992, Courtney
Love, líder da banda Hole e esposa de Kurt Cobain, teria dito à revista Vanity Fair que usou
heroína no início da gravidez, quando não sabia que teria um bebê. O líder do Nirvana, por
sua vez, teve seguidas overdoses e os legistas descobriram que ele havia injetado uma
quantidade gigante da droga instantes antes de atirar contra a própria cabeça, em 05 de abril
de 1994.
Reportagem do jornal Seattle Times publicada 15 dias após o suicídio do líder do
Nirvana, sob o título “’Seattle Scene’ and heroin use: how bad is it”, afirma que a morte de
Kurt Cobain atraiu a atenção de todos os Estados Unidos para Seattle, que de longa data era
vista como um local onde o uso da droga estava disseminado. Conforme o jornal, as mortes
por overdose de heroína na cidade havia saltado de 32 casos em 1986 para 59 em 1992. E
somente nos primeiros seis meses de 1993, as estatísticas já revelavam que 410 casos de
overdose ocorreram na cidade no período (SEATTLE TIMES STAFF, 1994).
As pessoas ouvidas pela reportagem do Seattle Times, muitas delas ligadas à cena
musical da cidade, fizeram questão de negar que a heroína tivesse uso difundido entre as
bandas. Daniel House, proprietário do selo C/Z Records, afirmou que em Seattle não havia
mais heroína do que em outras cidades e que as drogas mais usadas pelos músicos eram álcool
e maconha. Grande o ou pequeno, o problema da heroína parece persistir na cidade. Outra
matéria do Seattle Times, esta publicada em 12 de junho deste ano, alerta que o uso de
heroína tem crescido em todo o Estado de Washington na última década, principalmente,
entre os jovens de 18 a 30 anos (BLANKINSHIP, 2013).
Além das drogas, o Noroeste dos Estados Unidos tem a fama de ser a região que
concentra a maioria dos casos de assassinos em série do País. Artigo publicado no site da
rádio KPLU, da cidade de Tacoma – próxima a Seattle – questiona por que isso acontece. O
texto defende que Seattle e arredores passaram a ter essa reputação a partir da década de 1970,
quando o assassino conhecido como “Ted Bundy” estuprou e matou 30 mulheres, sendo 11
delas no Estado de Washington (KENDRICK; GREIM, 20??).
Nos anos 1980, outro assassino em série chocou o País pelos crimes cometidos na
região. Gary Ridgway, conhecido como o matador de Green River, confessou ter assassinado
49 mulheres. Outros assassinos em série notórios que agiram por lá foram Kenneth Bianchi,
que cometeu a maioria de seus crimes em Los Angeles, mas realizou seus dois últimos
assassinatos numa pequena cidade de Washington em 1979; Westley Allan Dodd, acusado de
ter molestado mais de 50 crianças e ter matado dois garotos em 1989; e Robert Lee Yates, que
entre 1996 e 1998 matou 13 mulheres.
Embora em números absolutos Estados como Texas, Califórnia e Nova York tenham
mais assassinos em série, proporcionalmente ao total de habitantes a região Noroeste é onde
esses de crimes mais acontecem. Segundo o mesmo artigo da KPLU, para Steven Egger,
professor de criminologia da Universidade de Houston-Clear Lake e autor do livro “The
Killers Among Us”, isso talvez se deva à geografia da região, repleta ravinas e florestas,
locais onde corpos podem ser facilmente escondidos.
Se a realidade já é sinistra, o cinema e a televisão souberam e ainda sabem explorar
muito bem essa fama perversa do local. Basta lembrar do seriado “Twin Peaks”, produzido
por Mark Frost e David Lynch e exibido em duas temporadas em 1990 e 1991. A história se
passa na fictícia cidade de “Twin Peaks”, no Estado de Washington, onde agentes do FBI
investigamo assassinato de uma estudante chamada Laura Palmer. O seriado fez sucesso até
no Brasil, exibido pela Rede Globo.
É bastante comum artistas, jornalistas ou qualquer pessoa envolvida com a cena
musical de Seattle afirmar que o contraste entre o moderno e o sombrio da cidade teve
influência forte no estilo musical conhecido como grunge. Embora se defina que o “som de
Seattle” seja uma mistura do heavy metal do Black Sabbath com o punk rock dos Sex Pistols,
na maioria das vezes é muito mais fácil encontrar diferenças do que semelhanças entre as
bandas grunge. Basta ouvir Nirvana, Pearl Jam, Alice in Chains, Gits, Melvins, Sister
Psychic, Fastbacks, Skin Yard, Green River, Mudhoney, TAD, Soundgarden, Love Battery,
Gas Huffer, Candlebox, U-Men, Screaming Trees e tantas outras para perceber que as
semelhanças maiores estão no fato das bandas terem surgido na mesma cidade ou arredores e
vestirem-se de forma parecida.
Chama à atenção a quantidade de bandas que existiam em Seattle nas décadas de 1980
e 1990. A cidade é conhecida como um local onde chove muito. Lá, o Sol brilha cerca de 70
dias por ano. A média é de que ocorram precipitações pluviométricas em pelo menos 150 dias
ao ano, especialmente no inverno e primavera. E, se não há chuva, é certo que em cerca de
290 dias o céu estará nublado em Seattle. Piada comum entre os músicos da cidade era contar
que como chovia tanto na cidade e eles não podiam sair de casa, nada melhor que chamar os
amigos para tocar algumas músicas em casa. Dessas “brincadeiras” teriam surgido algumas
das bandas de rock mais famosas da história.
O início
U-Men foi uma das bandas de Seattle que começou a formatar o que ficaria conhecido
como grunge. Formado em 1981, o grupo fez algumas turnês pelos Estados Unidos
percorrendo o circuito underground, o que significa que na maioria das vezes tocaram em
espeluncas para poucas pessoas e que o cachê, quando havia, era mínimo.
Na primeira metade da década de 1980, Seattle estava definitivamente fora do mapa
do rock. Poucas eram as bandas de renome que se apresentavam na cidade. Da mesma forma,
poucas pessoas fora do Noroeste dos Estados Unidos estavam interessadas em conhecer o que
era feito pelos grupos da região. Isso, à longo prazo, pode ter favorecido o surgimento da cena
de Seattle, uma vez que esse “isolamento” forçou as pessoas a formarem pequenas casas de
shows a abrirem suas portas para as bandas da cidade, caso quisessem ver um grupo de rock
em ação.
Jack Endino, provavelmente o produtor que mais gravou as bandas de Seattle da
geração grunge, não esconde sua surpresa pelo fato da cidade ter se tornado por um breve
período a Meca da música:
Nobody thought there was any chance of having any success, so no decisions
were made with that in mind. People made records entirely to please
themselves because there was nobody else to please, there was no one
paying attention to Seattle. It was like a little, isolated germ culture. (apud
YARM, 2011, p. 14)
Desse modo, não é de se espantar que o lançamento do primeiro EP independente do
U-Men, em 1984, tenha sido um acontecimento e tanto em Seattle. Para o jornalista Gillian G.
Gaar, em certos aspectos é muito mais incrível que o U-Men tenha conseguido lançar um
disco e sair em turnês do que o fato do Nirvana ter chegado ao primeiro lugar das paradas
(apud Ibidem, p. 74).
Bruce Pavitt, cofundador da importante gravadora Sub Pop, conta que quando se
mudou para Seattle foi trabalhar como lavador de pratos no restaurante Lake Union Café. No
mesmo local trabalhava Duff McKagan, que depois se tornou famoso e milionário como
baixista do Guns n’ Roses. Pavitt lembra-se de uma conversa entre os dois na qual Duff teria
dito que estava se mudando para Los Angeles para tentar ter uma carreira musical. “It was
indicative of just how impossible it was to make music a career in Seattle”, reflete Pavitt
(apud Ibidem, p. 68).
Além do EP de estreia do U-Men, outros dois discos podem ser considerados marcos
dessa fase embrionária do grunge. O primeiro é o EP “Come on Down”, do grupo Green
River (o nome é uma “homenagem” ao serial killer Gary Ridgway). Lançado em maio de
1985 pelo selo independente Homestead, de Nova York, o disco não teve nenhuma
repercussão. Somente anos mais tarde é que “Come on Down” e o Green River seriam
lembrados pelo fato de que suas músicas já apostavam numa sonoridade próxima ao grunge.
O Green River, que acabou em 1988, também se tornou referência por ter tido na formação os
músicos Mark Arm e Steve Turner, que formaram o grupo Mudhoney; e Jeff Ament e Stone
Gossard, que fundariam também a banda Mother Love Bone e depois o Pearl Jam.
Outro disco fundamental é a coletânea “Deep Six”, lançada em março de 1986. A
coletânea, o primeiro lançamento do recém-criado selo C/Z Records, de Seattle, reuniu as
bandas U-Men, Green River, Soundgarden, Melvins, Malfunkshun e Skin Yard. A tiragem foi
de 2 mil cópias. O álbum recebeu uma série de críticas negativas das próprias bandas que
tocaram nele, descontentes com a qualidade do som. A verdade é que se o grunge não tivesse
se tornado um fenômeno, o álbum já estaria esquecido há muito tempo. Segundo Chris
Hanzsek, um dos fundadores da C/Z Records, a maioria das críticas têm fundamento, porém
ele acredita que “Deep Six” cumpriu o seu papel, que era mostrar que “havia vida” em Seattle
(apud YARM, 2011, p. 80).
Daniel House, da banda Skin Yard, também vê a coletânea como algo importante,
mesmo que não tenha vendido “merda nenhuma”, pois em geral ninguém dava a mínima o
som que era feito em Seattle. “Everything that the bands on Deep Six were doing was
basically a ‘fuck you’ to the popular music of the time”, resume Daniel House (apud Ibidem,
p. 81). Mas, embora a repercussão tenha sido mínima, o músico considera que o disco
motivou outras pessoas de Seattle a formarem bandas, sendo que muitas delas apostaram nas
guitarras pesadas tocando um som mais sombrio ou raivoso. Muitas dessas bandas que teriam
sido inspiradas pelo “Deep Six” que estariam no disco Sub Pop 200, da gravadora Sub Pop,
que foi a responsável por colocar Seattle no mapa do rock.
Sub Pop rock city!
É bastante provável que a cena musical de Seattle não passaria de um germe cultural
se não fosse por Bruce Pavitt e Jonathan Poneman, fundadores do selo Sub Pop, criado em
1986.
Aquilo que se tornaria a Sub Pop teve início em 1980, quando Bruce Pavitt vivia em
Olympia (capital do Estado de Washington). Lá, ele criou o fanzine Subterranean Pop, no
qual ele escrevia sobre bandas independentes. Na segunda edição, o nome da “revista” foi
abreviado para Sub Pop e logo ela passou a lançar coletâneas em fita K-7 com músicas de
grupos underground de distintas regiões dos Estados Unidos. Esse trabalho continuou até
1983, quando Pavitt mudou-se para Seattle, fechou o fanzine e passou a assinar uma coluna de
música no jornal local The Rocket. Três anos depois, ele decidiu fazer algo parecido com o
que havia feito em fitas K-7, mas dessa vez reunindo um punhado de bandas em um disco de
vinil. Assim, em 1986 foi lançada a coletânea “Sub Pop 100”, que trazia entre os destaques a
banda nova-iorquina Sonic Youth, já na época uma referência para o som alternativo.
“Sub Pop 100” vendeu cerca de 5 mil cópias, o que encorajou Pavitt a continuar. Em
1987, ele lançou o novo EP do Green River, “Dry as a Bone”, e por fim aceitou a proposta de
Jonathan Poneman para juntos criarem um selo para gravar as bandas de Seattle e arredores.
Os primeiros lançamentos foram o single “Hunted Down"/"Nothing to Say" e o EP
“Screaming Life”, ambos do Soundgarden, seguidos pelo single “Touch Me I’m Sick” e o EP
“Superfuzz Bigmuff” do Mudhoney, e “Love Buzz”, do Nirvana. Ainda em dezembro de
1988, a Sub Pop lançou uma coletânea em vinil triplo, chamado “Sub Pop 200”. O disco
contava com 20 canções de duas dezenas de bandas, entre elas Nirvana, TAD, Green River,
Screaming Trees, Mudhoney e Soundgarden, esta com a profética faixa “Sub Pop Rock
City”!
Sem dinheiro para promover individualmente cada grupo do selo, os donos da Sub Pop
usaram uma estratégia que se provou extremamente correta. A exemplo de gravadoras como a
Motow (de black music) e a Blue Note (de jazz), a Sub Pop trabalhou arduamente para criar
uma identidade própria, tanto musical quanto visual. Não é a toa que todos os primeiros
singles do selo tinham layout semelhante, com uma tarja preta no alto da capa, onde em fontes
simples apareciam o nome da banda, o título do disco e a logomarca do selo. Abaixo dessa
tarja, quase sempre a imagem que ilustrava a capa era uma fotografia da banda tocando ao
vivo feita por Charles Peterson (um dos pioneiros no registro em fotos da cena grunge). Na
contracapa os créditos para o produtor: Jack Endino.
Divulgar a logomarca da gravadora era a prioridade. Onde quer que houvesse um
produto da empresa, o selo Sub Pop estaria em evidência. Uma dos itens mais procurados
eram as camisetas com a logomarca da gravadora, que no início vendiam até mais que os
próprios discos. “We learned early on that probably the best way we could spend promotional
money was to make a profit having other people wear our logo”, ironiza Pavitt (apud SUB
POP, 2008).
Outra estratégia de mercado rentável da gravadora era lançar seus singles de sete
polegadas em edições limitadíssimas, o que provocava uma corrida dos aficionados às lojas
para garantir suas cópias antes que elas esgotassem. Logo depois, com a procura crescente do
público, a Sub Pop criou o “Singles Club”. O interessado fazia uma assinatura de um ano, ou
seja, pagava adiantado para a gravadora e mensalmente, por um ano, recebia pelo correio um
single em tiragem limitada e inédito. Com isso a Sub Pop cortejava os fãs, que tinham em
mãos um material que outros colecionadores dificilmente encontrariam. Em 1990, o “Singles
Club” tinha cerca de 2 mil assinantes.
Um dos acontecimentos que mudaram os rumos da Sub Pop e da cena de Seattle
ocorreu quando Pavitt e Poneman tiveram o insight de pagar uma viagem para o jornalista
inglês Everett True, da então renomada revista Melody Maker, conhecer o que estava
acontecendo na cidade. Por dias seguidos, True foi generosamente abastecido pela Sub Pop
com garrafas de bebida, entrevistou bandas e foi a shows estrategicamente agendados. O
objetivo era impressionar o jornalista para fazê-lo acreditar que Seattle tinha uma grande na
musical, onde no intervalo de uma semana era possível assistir a vários shows em locais
diferentes, o que usualmente não acontecia. “We got to create our own myth”, justifica Pavitt
(apud YARM, 2011, p. 191).
True parece ter percebido a falsidade da situação. Anos mais tarde, ao falar sobre a
visita a Seattle, ele afirmou que os donos da Sub Pop eram os mais charmosos e eloquentes
mentirosos que já havia conhecido. “I just thought it was hilarious that everybody lied. (...)
And I printed it because that’s funny”, recorda o jornalista (apud Ibidem, p. 190).
O caso é que a matéria de True, publicada na revista Melody Maker em março de 1989
com o título “SUB POP Seattle: rock city”, aguçou o interesse dos ingleses. O artigo afirmava
que a cena musical de Seattle era a mais interessante que havia surgido em qualquer cidade
nos últimos dez anos. O jornalista escreveu ainda que era na forma caótica e pouco
profissional da relação entre as bandas e a Sub Pop (“more a school for learning than a
record label”) que residia a força da cena (TRUE, 1989).
Mais importante de tudo, a reportagem carimbou a cena de Seattle como um novo
gênero de rock: grunge, palavra que apareceu duas vezes na matéria para descrever as
músicas do Mudhoney. A palavra grunge, que literalmente significa algo “sujo” ou “chato”, já
havia sido usada pelo jornalista Lester Bangs na década de 1970 para descrever um de som
mais pesado. Mark Arm, vocalista do Mudhoney, escrevia a palavra como adjetivo em
resenhas de discos que ele publicava em fanzines no início dos anos 1980. Bruce Pavitt, assim
como tantos outros em Seattle, também usava bastante a palavra para se referir a um tipo
específico de música. Mas, foi depois da matéria na Melody Maker que o termo realmente
“colou”.
Definitivamente, o “golpe” dos donos da Sub Pop ao fechar o acordo com a revista
inglesa havia dado certo. A ideia era reproduzir o que havia feito Jimi Hendrix duas décadas
antes. Nascido em Seattle, o então desconhecido guitarrista mudou-se para a Inglaterra e lá
construiu sua fama, para depois ver sua música importada para os Estados Unidos. Foi mais
ou menos o mesmo que aconteceu com a Sub Pop e suas bandas: primeiro a fama na Europa,
depois o reconhecimento do público norte-americano. Após a publicação, turnês de bandas da
Sub Pop pelo circuito underground europeu passaram a ser cada vez mais constantes, o que
despertou o interesse de boa parte da imprensa especializada no Velho Continente,
impressionada pela energia das apresentações e qualidade das composições. Como
consequência, o público dos Estados Unidos também passou a olhar e ouvir o som produzido
em Seattle com mais atenção.
Mainstream
A primeira banda grunge a assinar com uma grande gravadora foi o Mother Love
Bone, que no início de 1989 lançou o EP “Shine” pela Polygram. O acordo entre a banda e
gravadora mereceu um longo artigo escrito pelo jornalista Richard T. White no The Rocket.
Intitulado “The Art of the Deal: How Mother Love Bone got one of the biggest record deals of
the year”, o texto relatava o quanto surpreendeu a todos em Seattle o fato de uma banda da
cidade ter atraído o interesse de uma gravadora. Por outro lado, o jornalista já tocava em um
assunto delicado, chamando a atenção sobre uma nova realidade daquela cena musical: a
partir de agora, não seria apenas arte, mas também negócio. White alertava: “How a young
band develops and reacts to the powerful influences that business, success, and growing
popularity can impose is critical to their continued survival” (WHITE, 1989).
Mas o futuro foi algo com que o Mother Love Bone fatalmente não precisou se
preocupar. Em 19 de março de 1990, dias antes de lançar o primeiro álbum do grupo, o
vocalista Andrew Wood morreu de overdose de heroína, fato que fez com que o disco
“Apple” chegasse às lojas somente meses mais tarde. Com o fim do Mother Love Bone, o
baixista Jeff Ament e o guitarrista Stone Gossard formaram o Pearl Jam.
O Soundgarden foi outra das primeiras bandas a fechar contrato com uma major, a
A&M Records, para lançar em 1990 o álbum “Louder Than Love”. O disco não causou
impacto maior e teve vendas razoáveis, assim como o álbum “Uncle Anesthesia”, que o
Screaming Trees lançou em 1991 quando deixou de ser independente para assinar com a
gravadora Epic.
O mérito de ter um primeiro grande sucesso e se projetar como uma banda que poderia
ter uma carreira consistente foi do Alice in Chains, que em 1990 lançou seu primeiro álbum,
“Facelift”. Meses antes, o grupo havia lançado também pela Columbia o EP “We Die
Young”, cuja faixa-título virou hit nas rádios de rock estadunidenses. As vendas iniciais do
álbum “Facelift” foram fracas, chegando a cerca de 40 mil cópias nos primeiros seis meses. O
interesse pelo disco cresceu depois que a MTV incluiu o vídeo da música “Man in The Box”
na programação diária. Na metade de 1991, “Facelift” alcançou a posição 42 da parada da
Billboard e assim foi o primeiro trabalho de uma banda grunge certificado como disco de
platina e platina dupla, pela venda de 2 milhões de exemplares somente nos Estados Unidos.
Isso dá bastante crédito à afirmação de Nick Terzo, executivo da Columbia, sobre como o
grunge se tornou tão popular:
Alice In Chains were the first band to have radio sucess in that movement,
and that’s fact. It’s been revised since, but the fact of the matters is, “Man in
the Box” broke down tons of doors. The album came out in August 1990, but
radio started playing “Man in the Box” in early 1991. And after that, their
song “Would?” broke down doors on alternative radio – and the Nirvana
went right through. (apud YARM, 2011, p. 278)
Se o primeiro grande sucesso coube ao Alice in Chains, não só o maior hit, mas
também o posto de maior representante da era grunge coube ao Nirvana. A banda nasceu
oficialmente em 19 de março de 1988, na pequena cidade de Aberdeen, próxima a Seattle. O
Nirvana estreou com um álbum em 1989. Lançado pela Sub Pop, “Bleach” foi um pequeno
fenômeno no circuito underground, credenciado a banda para circular livremente entre a
turma alternativa. O disco também rendeu a primeira turnê europeia do Nirvana.
O ano de 1990 foi fundamental para a carreira da banda. Descontentes com o
rendimento do baterista, a banda deu adeus a Chad Channing e chamou para o seu lugar Dave
Grohl, criando a formação clássica do Nirvana. Kurt também não estava satisfeito com a
gravadora Sub Pop e passou a enviar dezenas de fitas demo a várias gravadoras. Em abril de
1991, a isca foi mordida pela DGC, um braço da gigante Geffen Records, que também havia
contratado algum tempo antes a banda Sonic Youth, ícone do cenário alternativo.
“Nevermind” foi gravado entre maio e junho de 1991. O orçamento inicial para a
gravação era de 65 mil dólares, mas até ser finalizado o custo subiu para 120 mil dólares,
valor infinitamente maior do que os 600 dólares gastos na produção de “Bleach”. O nome
“Nevermind” surgiu de uma conversa entre Kurt e o baixista Krist Novoselic. Numa tradução
livre, o título do disco é algo como “deixa pra lá” ou “esqueça isso”, o que Kurt entendia ser
uma metáfora do seu estilo de vida. “Nevermind” também remetia a um verso de “Smells
Like Teen Spirit”, a música que estava se tornando a mais falada durante as gravações,
embora inicialmente a banda achasse que o maior sucesso seria a faixa “Lithium”.
O Nirvana dedicou um bom tempo para a produção da capa. Kurt teve a ideia de
colocar um bebê nadando atrás de uma nota de um dólar. Era uma piada da banda a respeito
de si mesma, que ao abandonar o selo independente Sub Pop teria se vendido, interessada no
dinheiro fácil das grandes gravadoras.
Em 24 de setembro de 1991 “Nevermind” chegou às lojas. Em uma semana a
prensagem inicial de 50 mil cópias esgotou. Um mês depois, o álbum chegou à marca das 500
mil cópias comercializadas. Ainda em outubro, a MTV incluiu o clip de “Smells Like Teen
Spirit” em sua programação normal. As boas vendas continuaram e em 11 de janeiro de 1992
“Nevermind” chegou ao primeiro lugar da parada da Billboard, ultrapassando “Dangerous”,
do astro Michael Jackson. O Nirvana havia chegado ao topo e com ele a cena de Seattle
também.
Grupos como Soundgarden, Screaming Trees e Alice in Chains, que lançaram discos
por grandes gravadoras antes, mas sem o mesmo impacto, tornaram-se conhecidos da noite
para o dia. Dá-se ênfase ao Pearl Jam, que lançou seu primeiro álbum, “Ten”, cerca de um
mês antes de “Nevermind” e teve vendas iniciais modestas, mas ao longo de 1992 conseguiu
chegar à segunda posição da parada da Billboard.
O fenômeno
Nos três anos seguintes ao lançamento do segundo disco do Nirvana o grunge
predominou na cultura pop. As gravadoras realizaram uma busca impressionante atrás de
outras bandas que pudessem ser associadas ao fenômeno, sendo elas de Seattle ou não. Sonic
Youth, Dinosaur Jr., Red Hot Chili Peppers, Butthole, Smashing Pumpkins, Stone Temple
Pilots, L7 e tantos outros grupos de diversas partes dos Estados Unidos, a grande maioria com
um histórico de anos no circuito underground, foram associados ao grunge e contratados a
peso de ouro pelas gravadoras.
Em 1992 foi lançado o filme “Singles”, cuja versão brasileira recebeu o nome de
“Vida de Solteiro”. Dirigido pelo Cameron Crowe, as gravações foram finalizadas ainda em
1991, antes do sucesso do Nirvana. Porém, a Warner Bros. estava relutante em lançá-lo, pois
desconfiava da força comercial do filme cuja história se passava em Seattle e contava a vida
jovens casais tentando conciliar seus relacionamentos amorosos com suas expectativas
profissionais ou artísticas. Com o sucesso repentino de bandas como Pearl Jam, Soundgarden
e Alice in Chains, o estúdio decidiu lançar o filme em setembro de 1992. E seria besteira não
lançá-lo, afinal vários músicos desses grupos apareciam na trama, que por sinal conta com
uma trilha sonora impecável em se tratando de música grunge.
Mas, fora o campo musical, foi o campo da moda que o grunge mais influenciou.
Camisas baratas de flanela xadrez, coturnos, jeans rasgados, roupas largas e gorros que
nenhum estilista sério prestaria atenção, de repente estavam vestindo modelos famosas em
editorais de moda ou em desfiles nas principais passarelas da alta-costura. Kim Thayl,
guitarrista do Soundgarden, lembra que quando se mudou de Chicago para Seattle em 1981,
em termos de moda as pessoas que viviam no Noroeste dos Estados Unidos estavam uma
década atrasados, com corte de cabelo com mullets e roupas dos anos 70 (apud YARM, 2011,
p. 54). Portanto para ele, ver o estilo grunge com tendência em moda, sendo vendido em
butiques de alta classe, era quase inacreditável.
The height of absurdity? Gosh, one of the first things that comes to mind is
the Vogue spread about grunge fashion. Having models walking the runways
in Milan in some kind of flannel skirts – I embraced it, on some level,
because there’s an element of parody in it. (apud Ibidem, p. 351)
Hoje, o grunge faz parte da história da moda, aparecendo nas publicações
especializadas como referência ao lado de nomes de estilistas como Coco Chanel, Valentino
Garavani, Hubert de Givenchy e tantos outros.
GRUNGE: Palavra de origem inglesa que significa sujo. Nos anos 70,
grunge foi usado também como mau, feio ou chato. No início dos anos 90,
apareceram em Seattle, Estados Unidos, bandas de rock pesado como
Nirvana e Pearl Jam, cujo estilo, chamado grunge, foi logo absorvido pela
moda. Camisetas superlargas, gorros de lã, camisões em flanela xadrez e
botinas com meias caídas faziam parte do estilo, que inspirou o estilista
americana Marc Jacobs a lançar uma coleção para a marca Perry Ellis em
1992. Marc Jacobs foi chamado de guru do grunge pelo jornal americano
Women’s Wear Daily ao apresentar a coleção, em modelos que vestiam
vestidos florais completados por camisas xadrezes e coturnos do exército.
Sua ousadia, no entanto, não conquistou a clássica Perry Ellis, que o
demitiu em 1992. (...) O estilo grunge inspirou inúmeras outras marcas de
roupas em todo o mundo e, até hoje, as antes tradicionais camisas xadrezes
dos lenhadores canadenses passaram a ser sinônimo do estilo de Seattle.
(SABINO, 2007, p. 305)
A indústria cultural, já na metade do século XX, identificou uma possibilidade de
lucro a partir da rebeldia juvenil, possibilitado pelo comércio de uma diversidade de produtos,
desde roupas e discos até carros e motocicletas. Como notou Beatriz Sarlo, desde a década de
1950 “o mercado ganha relevo e corteja a juventude, depois de instituí-la como protagonista
da maioria dos seus mitos” (SARLO, 2004, p. 40).
É evidente que o grunge não foi a primeira e nem a última cena de rock cujo estilo de
vestir dos músicos foi apropriado pelo mundo da moda. Isso já havia acontecido na primeira
geração do rock and roll na década de 1950, embora de forma bem menos intensa. Já na
década seguinte, quando a contracultura hippie estava no auge, as roupas com estampas
coloridas, jeans, saias em tecido florido, faixas na cabeça e cabelos longos que formavam um
modo de vestir desleixado foram fartamente explorados pelo segmento da moda. Esse
vestuário, assim, foi usado também por aqueles que nem de perto compartilhavam o estilo de
vida alternativo proposto pelos hippies.
O visual punk na segunda metade da década de 1970 foi também altamente explorado
pelo campo da moda e não haveria como ser diferente. Afinal, o modo de vestir mais
conhecido dos punks (cabelos curtos e “espetados”, coturnos, jaquetas e calças de couro ou
jeans rasgados) nasceu dentro de uma butique de roupas em Londres, de propriedade de
Malcolm McLaren e Vivianne Westwood que, dizem as más línguas, juntaram alguns rapazes
e formaram a banda Sex Pistols apenas para os músicos servirem de manequins vivos para as
peças de vestuário que eram vendidas na loja Sex.
Esta relação contraditória dos movimentos contraculturais e o sistema capitalista dá
motivos para uma enorme celeuma, pois é difícil delimitar até onde vai a contestação e a
rebeldia e onde começam os negócios. Para os punks londrinos do Class War na década de
1980, “tendências musicais, os jornais de música e a indústria musical são o exemplo mais
vívido de como o mercado moderno trabalha de acordo com o princípio de que ‘se algo se
mexe, vende’” (JORNAL DO CLASS WAR, apud HOME, 1999, p. 149). Já Contardo
Calligaris acredita que “não houve e não há contradição nenhuma entre a significação da
contracultura e os imperativos de desenvolvimento do capitalismo contemporâneo” (1998, p.
09).
Para Tupã Gomes Corrêa, um músico de sucesso torna-se um símbolo de identidade,
nos quais os fãs tendem a se espelhar, assimilando não apenas o conteúdo de suas músicas,
mas também roupas, calçados, corte de cabelo, etc., criando um amplo conjunto de
significados.
Assim, música e vestuário encontram um caminho comum, servindo um de
suporte ao outro e engrossando mutuamente a extensa malha de mercado
mediante a qual se produzem e se oferecem novos produtos. Embora os
critérios de seleção sejam distintos no caso do disco e no caso da moda, o
tratamento mercadológico encontra em ambos um objetivo comum. Nada,
em qualquer um dos dois produtos, deixa de ser planejado sem levar em
conta a fisionomia do respectivo mercado. (...) Nesse ciclo, transformada em
mercadoria para venda em escala, a música perde significado e a identidade
com o movimento inicial. (CORRÊA, 1989, pp. 100 e 102)
.
A exposição maciça das bandas de Seattle na mídia, seja de suas músicas, de imagens
em fotos em revistas ou vídeos na televisão, e do estilo grunge de vestir serviu de combustível
para muitas polêmicas. Vindos do cenário underground influenciado pela lógica punk em que
o rock star system é visto negativamente, músicos de muitas das principais bandas de Seattle
tiveram dificuldades para lidar com a fama repentina. Kurt Cobain e o Nirvana faziam questão
de deixar claro a antipatia pelas grandes empresas da mídia, principalmente depois que a
revista Vanity Fair publicou reportagem em que supostamente Courtney Love, esposa de Kurt
Cobain, teria admitido uso de heroína no início da gestação da filha do casal, antes de saber
que estava grávida. Contudo, várias também foram as concessões feitas pela banda, que em
1993 aceitou gravar um especial acústico no famoso “MTV Unplugged” e depois ter um show
“elétrico” exibido pelo canal de música. Também aceitou participar de uma reportagem de
capa para revista Rolling Stone em abril 1992, na qual a publicação afirmava que Seattle era a
“nova” Liverpool, cidade onde surgiram os Beatles.
O Pearl Jam também teve problemas para lidar com a condição de estrela de rock.
Inicialmente, o grupo teve grande exposição para divulgar o primeiro álbum “Ten”, inclusive
com a gravação de um show para o “Unplugged MTV”. Depois, sempre mais insegura, a
banda passou a recusar entrevistas. A partir do segundo disco “Vs.”, de 1993, o Pearl Jam
parou de gravar videoclips, o que só voltou a ser feito em 1998, com a música “Do The
Evolution”, presente no quinto disco da carreira, “Yeld”. Ainda assim, o vídeo não mostrava
os músicos, que somente voltaram a aparecer em videoclips a partir de 2002.
Dois anos depois da “explosão” do grunge como fenômeno de massa, Eddie Vedder
apareceu na capa da revista Time na edição de 25 de outubro de 1993, cuja chamada
destacava: “ALL THE RAGE: angry young rockers like Pearl Jam give voice to the passions
and fears of a generation” (TIME, 1993). O vocalista, que não concedeu entrevista para a
reportagem, ficou ainda mais irritado por ter aparecido na capa sem os companheiros de
banda e por ter sido creditado como a voz de uma geração.
Se Jeff Ament e Stone Gossard não tiveram tempo de se preocupar com o aviso do
jornalista Richard T. White sobre as relações “perigosas” entre arte e negócios quando
estavam na banda Mother Love Bone quando esta assinou com uma grande gravadora, o Pearl
Jam foi um campo fértil para eles pensarem a respeito. O tema era tão caro à maioria dos
integrantes da banda que o baterista Dave Abbruzzese foi expulso por supostamente não se
encaixar no estilo alternativo do grupo. “Dave was a different egg for sure. (...) He was more
comfortable being a rock star than the rest of us. Partying, girls, cars. I don’t know if anyone
was in the same space”, justificou o baixista da banda Jeff Ament (apud YARM, 2011, p.
476).
Ao negar a acusação de ser um entusiasta do estilo de vida de uma estrela de rock,
Dave Abbruzzese explicita o quão confuso era essa antítese entre ser um músico famoso e,
aparentemente, não aceitar essa condição.
That statement from him is incredibly disrespectful, and untrue, as well. It’s
such a crock of shit. (...) But he makes it sound like I was the odd man out; it
paints a picture of me as being pretentious. Shit, we worked our asses off to
be successful. We were rock stars. Who cares? Jesus Christ. Doing articles
where you’re on the cover, and the article is how you don’t wanna be on the
cover. That’s pretentious hypocrisy. (apud Ibidem, p. 476)
Uma análise bastante plausível sobre como a maioria das grandes bandas lideram com
o sucesso repentino foi feita pelo vocalista do Soundgarden, Chris Cornell. Para ele, embora
negasse, o fato é que a maioria dos artistas gostava da atenção e do assédio que estavam
recebendo.
When all the bands in the Seattle music scene went o to major labels and
bigger sucess, there was this kind of “Let’s pretend that we don’t wanna de
doing this and someone’s sort of forcing us to do it” attitude. I think
everybody had it, including members of my own band. The only band I didn’t
see acting like that was Alice in Chains, because they didn’t come from that
indie-rock world. Everybody else sort of followed the punk-rock bible, and it
wasn’t part of punk rock to be on a major label, to make Money, to make
vídeos, to spend more that $ 2.000 on making a Record, to be on tour bus
instead od driving a van. And yet, that’s what everyone was doing. (apud
Ibidem, p. 404)
Steve Albini, produtor conhecido pelo seu trabalho com bandas de rock independentes
e que produziu “In Utero”, último disco de estúdio do Nirvana, em 1993, é bastante
pessimista sobre o assunto.
Todas essas bandas que uma vez foram independentes eram abusadas e
levadas para a cultura mainstream e eu não via isso como uma vitória
artística. Eu entendia que o mainstream estava vendo algo valioso no
underground. Eles viam que era possível fazer dinheiro e exploraram isso,
adotando os aspectos mais superficiais da cultura underground e usando
esses aspectos como um pincel de estilo, com o qual podiam pintar quem
quisessem. (...) Algumas pessoas viram aquilo como uma grande realização
por parte do underground, como se estivessem fazendo uma invasão
cultural. Eu via aquilo como usurpação insultante de uma cultura que eu
acreditava ter seu próprio valor. (apud SINKER, 2009, p. 124)
Fim
O suicídio de Kurt Cobain praticamente decretou o fim da era grunge, pelo menos
enquanto fenômeno pop. O fim trágico do líder do Nirvana e todas as histórias sobre o
envolvimento dele e outros artistas da cena com drogas pesadas acabaram associando o
gênero musical a um estilo de vida decadente. A morte por overdose do cantor do Alice In
Chains, Layne Stanley, ocorrida em abril de 2002, também não foi positivo para a imagem do
grunge.
A partir da segunda metade dos anos 1990, a cena de Seattle foi recebendo cada vez
menos atenção. As gravadoras e a mídia especializada voltavam seus ouvidos para a música
feita em outros lugares e em outros estilos. Ainda em 1994, bandas de punk californiano como
Green Day, Rancid e Offspring tiveram grande sucesso, o que trouxe um interesse inédito
para esta cena musical, que também já vinha se desenvolvendo desde os anos 1980. Depois,
foi a vez de bandas que misturavam rock e hip-hop, como Limp Bizkit e Korn, serem os
novos fenômenos de venda no final da década de 1990. A partir de 2001, Strokes e White
Stripes reacenderam o interesse do público por um rock mais básico, cheio de referências aos
anos de 1960 e 1970. Porém, desde a era grunge, nenhuma cena musical teve a mesma
atenção recebida pelas bandas de Seattle.
Enquanto fenômeno da cultura pop, o grunge ficou datado como um evento da
primeira metade da década de 1990. Mas muitas bandas daquela época estão na ativa ainda
hoje. O Pearl Jam é uma das maiores bandas do planeta. O Mudhoney tem uma carreira
ininterrupta e em 2013 lançou um dos seus melhores discos, “Vanish Point”. O Alice in
Chains, com um novo vocalista, retornou aos palcos em 2005 e já lançou dois discos, o mais
recente também neste ano. O Melvins está comemorando 30 anos de carreira com o
lançamento de dois discos inéditos em 2013. O Soundgarden, após mais de uma década,
também retornou as atividades e, em 2012, lançou um disco de inéditas. Este ano, o Nirvana
prepara uma edição luxuosa em comemoração aos 20 anos do álbum “In Utero”, a exemplo
do que aconteceu em 2011 para celebrar as duas décadas de “Nevermind”.
A gravadora Sub Pop, em julho deste ano, realizou uma série de eventos em Seattle
para comemorar 25 anos. Após passar por dificuldades financeiras, em 1995 ela vendeu 49%
de suas ações para a Warner Music Group, o que garantiu a estabilidade do selo. Hoje a Sub
Pop possui um catálogo de variados artistas e estilos e continua sendo um dos selos mais
respeitados quando o assunto é música alternativa.
Passadas duas décadas do auge, é cada vez maior, pelos menos nos Estados Unidos, o
número de livros e documentários que procuram dissecar a cena grunge como um grande
acontecimento que virou o rock underground às avessas e fez dele um fenômeno da cultura
pop. Infelizmente, no Brasil ainda é pequeno o número de publicações a respeito do grunge.
Assim, espero que este pequeno artigo tenha dado uma pequena contribuição aos interessados
pelo tema.
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