FILOSOFIA E INFÂNCIA NO BRASIL: UMA CONTRIBUIÇÃO NO EXERCÍCIO DA ALTERIDADE DAS CRIANÇAS? BEZERRA, Soares Adma1 Universidade Federal de Pernambuco/CAABRASIL OLIVEIRA, Janice da Silva2 Universidade Federal de Pernambuco/CAA- BRASIL SALLES, Conceição Gislâne Nóbrega Lima de3 Universidade Federal de Pernambuco/CAA- BRASIL FACEPE/ PE-BRASIL4 RESUMO: O presente texto é fruto de uma pesquisa em curso e objetiva refletir as transformações que surgem na infância, ao longo da sua trajetória social, que culmina na concepção que conhecemos hoje, onde se anuncia até mesmo seu desaparecimento (KRAMER,2003). Desafiando, assim, os discursos das ciências humanas e sociais da pósmodernidade, fazendo emergir singularidades e desafios para a efetivação de uma pedagogia que reconheça, sobretudo, suas crianças, enquanto potência, lócus de alteridade. Sensível as necessidades descritas, buscamos observa os caminhos assumidos para superação dos desafios assinalados, onde um deles é o ensino de filosofia, que neste início de século se expande gradativamente para educação básica (KOHAN,2009). Sob esse encaminhamento tomamos como percursos metodológico a abordagem hermenêutica dos referencias teóricos (CORETH,1973). Nossos achados inicias apontam para o reconhecimento da intima relação entre o filosofar e a infância, (LAROSSA,2006) (DERRIDA, 2003) contribuindo para acolhimento das crianças no reconhecimento de sua alteridade. Palavras-chave: Infância; Ensino de Filosofia; Alteridade. 1 Mestranda do programa de pós-graduação em educação contemporânea da Universidade Federal de Pernambuco-Brasil. 2 Mestranda do programa de pós-graduação em educação contemporânea da Universidade Federal de Pernambuco-Brasil. 3 Professora do programa de pós-graduação em educação contemporânea da Universidade Federal de Pernambuco- Brasil. 4 Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (Brasil), instituição financiadora desta Pesquisa. Introdução O nascimento da infância é um acontecimento histórico e social que perpassa a condição biológica. Enquanto ponto de partida Kohan (2005), assinala como um momento fecundo e significativo para o aflorar deste conceito, o período helenístico, detentor de uma rica literatura filosófica, principalmente no tocante as obras do filósofo Platão que demonstrava em seus escritos uma atenção para o futuro das crianças, pois como dirá Kohan (2005, p.39) ‘’ É fundamental, diz-nos Platão, que nos ocupemos das crianças e de sua educação’’. A reflexão sobre a infância, nessa fase, passa assumir uma conotação política, educativa, fundamental para que o homem possa vivenciar os benefícios da cidadania. Nos séculos posteriores, destaca-se a idade medieval, que se afastou destes encaminhamentos promovendo uma adultilização da infância (AIRÉS,2006). Essa perspectiva começa a ser superada, gradativamente no seculo XV, com advento do resnacimento, pois, percebe-se, a incorporação de um sentimentalismo voltado a criança. Assim, inicia-se uma mudança de paradigmas, endossando a concepção de cuidado, denominada ‘’paparicação’’, sentimento este imbuido na família, ao mesmo tempo, que se instaura uma outra percepção, fortalecida pelos educadores e moralistas do seculo XVII. De acordo com suas convicçoes, consideravam prejudicial toda essa atenção familiar, quando na verdade a infância deveria ser orientada por um projeto disciplinar, educativo, como ilustrava o filósofo Montaigner, com destaca Antunes (2012,p.60) ‘’ Montaigne confia e aposta na capacidade de juízo de seu aprendiz. Acredita que é na infância que se deve iniciar a formação intelectual e moral’’. Ambas as perspectivas confluem para uma idealização da criança neste período, conforme discorre Kramer (2005,p.18); O sentimento moderno de infância corresponde a duas atitudes contraditórias que caracterizavam o comportamento dos adultos até os dias de hoje: uma considera a criança ingênua, inocente e graciosa e é traduzida pela ‘’paparicação’’ dos adultos; e outra surge simultaneamente à primeira, mas se contrapõe a ela, tomando a criança como um ser imperfeito e incompleto, que necessita de ‘’ moralização’’ e da educação feita pelo adulto. ( KRAMER,2005,p.18) São essas duas visões que influenciam a modernidade, encontrando respaldo nos discursos científicos e moralistas deste período. Com base nessas constatações, foram pensados espaços que pudessem conter as pulsões infantis. Tal necessidade impulsionou a criação de instituições educacionais, (FERNANDES,1997). Observa-se também o surgimento de especialistas, que falavam de suas características, arquitetando inúmeros estudos para justificar a necessidade do impor domínio as crianças. Considerando as concepções descritas, presentes no período moderno, que a pedagógica contemporânea, recebe tais influencias, e atualmente vivência um momento de ruptura com este sólido paradigma (GEORGEN,2005), acompanhando outras áreas do conhecimento, (VEIGA-NETO,2002). Destaca-se nesse contexto as transformações de âmbito sociológico, assinalando um distanciamento com a cronologia, se propondo a pensar categorias geracionais, ao invés da tradicional divisão por idades (SARMENTO,2008). Consoante a novas reflexões sociais sobre a infância, e o distanciamento das referências anteriores, que a educação atual, passa a investir em uma formação filosófica para crianças (KOHAN,2009). Almejando criar laços mais estreitos com o pensar e o diálogo nas escolas. É nessa clave que concebemos apontamentos teóricos e reflexivos para subsidiar as seguintes indagações: como se dar a contribuição do ensino de filosofia para o desvelar de uma alteridade infantil na educação básica brasileira? E quais os benefícios desta íntima relação para a valorização dos saberes e vozes da infância? Foi em torno de tais apontamentos que discorremos os eixos teóricos deste estudo bibliográfico, subsidiado por uma abordagem metodológica hermenêutica (CORETH,1973). Além de outros elementos como: análise dos dados e conclusões parciais. Nessa direção partilhamos da intenção de trazer à tona mais da leitura de mundo própria do ‘’ povo criança’’, conforme nos diz Alain (2007) citada por Gallo (2010,p.112) para os conhecimentos já consagrados acerca deste território utópico, misterioso, conhecido entre nós como infância. A trajetória histórica da infância: sentidos que se desdobram entre o surgimento, silenciamento, domínio e o caos. Para refletir tal ideia em nosso tempo, se faz necessário, atentar para sua doxografia inicial, erigida no campo das ciências sociais e humanas, partindo da antiguidade greco-romana até meados da modernidade. Assim, tomamos como fio condutor as ideias do filósofo Platão, que se ocupou da infância em seus diálogos, demonstrando um singular interesse pela formação, conforme nos revela Kohan (2007, p. 106), pois ‘’ com os adultos, os já educados, não há mais jeito, então a estratégia fundamental para as transformações políticas que a polis exige passa, para Platão, pela educação da infância.’’. Seguindo este caminho percebe-se o surgimento de um ideal infantil construtor do futuro para a polis. Na ascensão da idade média mudam-se tais parâmetros, abandona-se boa parte da visão helenista. Assume-se uma caracterização de adulto em miniatura, conforme retratado nas obras artísticas do período, quando raramente se identificava crianças (AIRÉS, 2006). É importante ressaltar que as manifestações artísticas, consistem nos principais demonstrativos das significativas mudanças e transições que vão ocorrendo ao conceito. No renascimento, entre os séculos XVII e XVIII, Graham (2012) alerta sobre tais transições aliadas as obras artísticas. Para isso indica a escultura italiana presente na capela Scrovegni do artista Giovanni onde, ‘’ mãe e filho se olharam com uma ternura que não é comum em obras medievais’’ Graham (2012,p.84). Esse ímpeto coloca em evidência uma nova compreensão sobre o ser infantil, que vai se desenvolvendo gradativamente. Partindo destes encaminhamentos aflora um sentimento mais afetivo, consoante ao reconhecimento da doçura, ingenuidade. Tal sentimento de acordo com Kramer (1995) foi acolhido pela família, ao mesmo tempo que se torna alvo dos moralistas da época, como ilustra Ghiraldelli (2007, p.13) ‘’ O filósofo francês Michel de Montaigne (15331592) foi um dos inauguradores de uma concepção de infância que visava criticar a indiferença ou ‘’paparicação’’ em relação às crianças até então’’. Nessa lógica o apego à criança e suas especificidades não se expressava mais por meio da graça, da inocência, e sim através de interesses cognitivos e morais. Diante disso a infância passa a ser entendida como uma patologia social, diagnosticada na modernidade, assumindo o status de anomia (FERNANDES,1997) caracterizada como uma doença, que enfraquece os laços entre os homens e a submissão ao poder coercitivo, porém, também representando um estado desconhecimento, que aparentemente é um guia para o pensamento criativo. Os efeitos de tais concepções díspares, impulsionam a criação de espaços para conter as pulsões infantis, ou seja, dar conta desta formação cognitiva e moral, com profissionais especializados, imbuídos de poder disciplinar necessário para o desempenho da função (DÍAZ,2010). Eis que surge as escolas para receber e trata desta ‘’ patologia social ‘’, assumindo a responsabilidade de garantir tanto o conhecimento como a padronização de suas subjetividades e saberes, para melhor adequação ao mundo adulto. Na atualidade essa noção de experiência educativa, passa por constantes transformações, associadas aos efeitos de uma crise de paradigmas, que alerta falência dos princípios de compreensão e interpretação social presentes em nosso tempo, como diz Georgen (2005,p.67) ‘’O que a pós-modernidade apresenta não é uma diferença ideológica a mais, mas uma diferença paradigmática, ‘’ uma mudança de jogo’’, ( LYOTARD,1985,p.86).’’ Desta forma inicia-se um movimento de ressignificação e novas formas de compreensão para os fenômenos sociais e naturais, se expandido para além do campo educacional. Trata-se de repensar as definições e conhecimentos sobre as crianças, anunciando assim, um distanciamento das referências modernas. No decorrer destas inovações, destacamos, por exemplo, o conhecimento sociológico, que sempre observou a infância pelo olhar pejorativo, como um rótulo para memorizá-la, marginalizá-la, ocultá-la. Basta lembrar da primeira identidade atribuída as crianças, que fora de aluno, em consonância com o perfil moderno, mas que em virtude do reconhecimento da singularidade infantil passa a entra em declínio. De modo que, modifica-se a ideia de etapas cronológicas para focar nas categorias geracionais, atentando para outros sentidos, diferentes da perceptiva anterior, conforme nos esclarece Sarmento (2008, p.22) ‘’ A sociologia da infância propõe o estabelecimento de uma distinção analítica no seu duplo objeto de estudo: as crianças como atores sociais, nos seus mundos de vida, e a infância, como categoria social do tipo geracional, socialmente construída’’. É importante ressaltar que as necessidades e manifestações infantis deste início de século favorecem tanto a sociologia, como outras áreas do saber, a considerar o desabrochar da alteridade. Antes negada e marginalizada, porém sempre presente, simultaneamente, percebe-se que a educação também não está alheia aos ventos da mudança. Nesse contexto, surgi à seguinte inquietação, acerca do âmbito educativo: qual caminho pode ser trilhado para acolher a infância contemporânea? Tal indicativo sustenta uma problemática complexa, que direciona nossos olhares para o sentido do educar, do pensar e refletir nas salas de aula, que aparentemente se esvai na mesma velocidade em que acontecem as transições tecnológicas, éticas e morais deste tempo. Concomitantemente a tais mudanças observa-se a perca da hegemonia epistêmica das instituições de ensino, frente a outros espaços informativos, por sinal, mais atrativos a criança metamórfica contemporânea, que ao mesmo tempo que assimila rapidamente informações, não consegue refletir sobre elas, acaba perdida no deserto tecnológico de nosso mundo. O que gera um sentimento de angustia, conforme explicita Bloj (2012,p.45) nesse trecho; Cada vez mais crianças, constituídas por novas e variadas práticas culturais, adentram nossas escolas, causando inquietações, desestabilizando e incomodando, porque, de certa forma, já não é mais possível classificá-las e enquadrá-las em uma cartografia. Sem essa garantia de ordem e estabilidade, por longo tempo assegurada pelos esquadrinhamentos pedagógicos modernos, educadores dos tempos pós-modernos estão inseguros, sem rumo, confusos, quase imobilizados (BLOJ,2012,p.45). Assim a escola brasileira assume o desafio de reestruturar suas perspectivas, procurando acolher a infância ao invés de simplesmente alegar governá-la, como fora o lema da modernidade (DÍAZ,2010). O momento atual lança uma procura por rumos que valorizem a subjetividade da infância nesses espaços, trazendo respostas para inquietações, sem a pretensão de elucidá-las. Um desses caminhos é singularmente desenhado no ensino de filosofia para as crianças, pois partilha da intenção de promover o desenvolvimento de uma educação para o pensar. Sensível a uma época que se propõe ao diálogo, ao mesmo tempo que reconhece e expõe suas angústias. Neste dilema assumi o desafio de tentar ouvir suas crianças para conseguir se relacionar com ela. O ensino de filosofia para crianças: os desafios do filosofar com a infância contemporânea O filosofar na infância e na juventude e um dos investimentos atuais das escolas brasileiras neste cenário pós-moderno, caracterizando como uma prática necessária é fundamental para formação humana, critica e reflexiva dos alunos da educação básica (ALVES,2002). Paralelo a este cenário de constantes mudanças educacionais, que nas últimas décadas propôs o retorno da filosofia, no âmbito obrigatório para os últimos anos da educação básica (ensino médio) , conforme exposto na lei Nº 11.684 de 8 de outubro de 2008. Não obstante a essa conquista, destacamos que a lei abrange apenas essa etapa, não garante obrigatoriedade para uma prática filosófica no ensino fundamental. O presente indicativo, porém, não representa a ausência de um exercício filosófico voltado para infância, pois a proposta do pensador norte-americano, Mathew Lipman começa adentrar as escolas, principalmente no âmbito privado (LORIERI,2002). Convém ressaltar que no decorrer da década de 90 destaca-se a expansão desta proposta e outras ações em diferentes espaços sociais. Expondo sinais de valorização da filosofia, conforme nos diz Kohan (2009,p.22) acerca desses momentos; Esses sinais pareceriam indicar que a filosofia ocupa uma posição bastante diferente na cultural brasileira daquela que ocupava há algumas décadas, inviabilizada no ensino superior, reclusa a umas poucas escolas do ensino médio, impensável no ensino fundamental, impraticável no espaço público da cidade. Com base nessa conjuntura, muitos amantes da filosofia sorriem. Fala-se até de ‘’ febre’’ pela filosofia, de ‘’ explosão’’ da filosofia no Brasil. (KOHAN,2009,p.22) Em detrimento deste novo cenário brotam problemáticas, que perpassam e transcendem a inserção legal. Revelando, com isso, inúmeros problemas, porém o que detém nossa atenção se entrelaça ao pensamento de Kohan (2009), que nos alerta a refletir sobre o papel da filosofia na escola, o tipo de relação que se estabelece com o exercício de suas práticas. No Brasil, destaca-se o programa de filosofia para crianças (PFC), de autoria do filósofo norte americano, Matthew Lipman, que desenvolveu a proposta em 1969 nos Estados Unidos, mas só passou a se expandir na educação brasileira a partir de 1984 por meio de uma palestra realizada PUC/SP (LORIERI,2006). O método proposto, consiste na explanação de conteúdos filosóficos por meio de novelas, como expõe Lorieri (2006,p.102); Lipman propôs momentos ou aulas, uma ou duas vezes por semana e, como recursos básico histórias escritas por ele denominadas ‘’ novelas filosóficas’’, nas quais os personagens são crianças que se colocam questões filosóficas, defrontam-se com respostas variadas dadas a elas e colocam sob análise investigativa as questões e as respostas (LORIERI,2006,p.102). Contudo, a referida proposta, orienta para abordagem sequenciada em etapas bem definidas, que corroboram para o desenvolvimento de um exercício do pensar mais próximo da metacognição, distanciando-se de um filosofar próprio da infância, que se expresse naturalmente. Nesse contexto, é importante salientar a importância desta elaboração para disseminação da filosofia. Foi a partir dela, que outras surgiram, como o Projeto filosofia na escola5. Assumindo o desafio de considerar a realidade brasileira, e o próprio cotidiano 5 Esse projeto teve início em 1998, em Brasília (DF), por iniciativa dos departamentos de Filosofia e Teoria e Fundamentos da UNB. Entre seus idealizadores e coordenadores, estão os professores Walter Omar Kohan e Ana Mirian Wuensch. (Lorieri, 2006,p.217) de nossas crianças, baseados, também, nas ideias de Paulo Freire, conforme nos diz (Ribeiro,2003,p.153); Assim, o Projeto Filosofia na Escola ressalta o distanciamento das novelas de Lipman em relação ao nosso contexto cultural, bem como a necessidade de problematização ou desnaturalização do cotidiano das crianças, num processo de re-pensar seus mundos, corpos, situações.(RIBEIRO, 2003,p.153) E possível perceber na concepção descrita por Ribeiro (2003), um outro sentido para o filosofar, que busca o encontro com a criança, favorecendo uma ação educativa dialógica, mas próxima do universo infantil. Trata-se de reconhecer nesse movimento a conexão existente entre infância, alteridade e filosofia na educação, que vai se desenhando neste começo de século, expandindo o próprio conceito do que seria educar para o pensar. Criança filósofa: um encontro propício na alteridade. Diante de tais horizontes proliferam-se inúmeros estudos com base nas recentes interfaces da infância, alertando que o personagem montado sob a égide da ingenuidade, imaturidade, da irrelevância, não passa de uma criação adulta, que por muito tempo obscureceu a criança. Contudo, Larrosa (2006), Derrida (2003), Agamben (2005), relatam em suas obras, a existência de uma autonomia infantil, que foge as regras impostas, e se faz presente independente dos desígnios adultocêntricos. Esse poder incompreendido chamamos aqui de Alteridade. Com base nestas reflexões, concluímos, que a infância possui sua linguagem, seus segredos e códigos, perceptíveis apenas aqueles que jogam seu jogo, conforme discorre Alain apud (Gallo,2010,p.112) O povo criança que tem suas leis sagradas, e ele as guarda para si. Está forte ligação entre os camaradas do jogo alcança ainda o homem adulto, e o torna no mesmo momento, de certa maneira, amigo de um outro homem que ele não revê a vinte anos, e que ele quase não conhece (Alain apud GALLO,2010,p.112). Esse poder latente, que denota conhecimentos próprios, sentidos que constroem mundos diferentes do nosso, necessita de um espaço para se desenvolver. Logo, torna-se um desafio do nosso século criar possibilidades de acolhimento para infância, da forma que ela se revela, e não da forma como percebemos, ou queremos que seja. Assim, Derrida (2003) aponta o acolhimento como condição para uma hospitalidade verdadeira, sem perguntas, sem expectativas no futuro promissor. O que significa na visão de Gallo (2010) exercer uma postura de embaixador, sem o interesse de impor o governo, mas de construir com ele uma relação face-a-face, onde tanto o povo adulto como criança, ambos distintos, possam dialogar no mesmo espaço, que por sinal tem como embaixada a escola contemporânea. Nesse sentido que se dar a contribuição do filofosar, atuando em separado das abordagens conceituas centralizadoras, não como manual para lidar com alteridade infantil, mas, partilhado da mesma condição de mistério, incerteza, que se faz presente na curiosidade das crianças em sua conexão com o mundo. Sugerindo, no mesmo movimento, um encontro, onde o ensinar significa, na verdade, aprender. A filosofia é um saber repleto de inovações, capaz de acolher a infância e reaprender com ela, conforme descreve Timm (2012,p.29); Não precisamos, portanto, ensinar a criança a filosofar; precisamos reaprender, com ela, de como não deixar que a curiosidade que habita as questões filosóficas fundamentais se transforme em uma questão da economia interna de uma mera mônada pensante, mas se desdobre no agir que transforma a curiosidade em relação com o mundo em preservação ética da alteridade do outro, esteja ele onde estiver. A experiência do pensar descrita nas palavras de Timm (2012) assinala uma intrínseca relação com alteridade, na medida em que reconhece seus códigos éticos, seus anseios e sonhos, como naturais, puros e simples elementos da subjetividade humana, não como pulsões instintivas patológicas. O filosofar, quando não instrumentalizado para outras finalidades cognitivas, corrobora com uma prática reflexiva, que acompanha a infância, sem direcioná-la ao cumprimento de suas obrigações no mundo adulto. Metodologia O percurso metodológico assumido situa-se no âmbito das pesquisas qualitativas, enfatizando a interpretação hermenêutica dos referencias teóricos que subjazem as indagações propostas (SCHWANDT,2006). Nessa linha interpretativa optamos pelo pensamento de Coreth (1973) como fundamento para esse exercício. Nossa escolha por essa abordagem justifica-se pela intrínseca relação da hermenêutica com o pensar presente nos diálogos teóricos, que se alia a compreensão do pesquisador, pois segundo Coreth (1973,p.58) é necessário manter ‘’ a compreensão sempre em suspenso a fim de deixá-la ser completada, aprofundada e justificada pelo texto ’’. Tal característica se enquadra em nossa investigação, nos revelando inúmeros sentidos acerca da experiência filosófica na infância. Conclusão Partindo das análises realizadas neste estudo biográfico evidenciou-se que a infância na contemporaneidade é fruto de profundas transformações sociais, incidentes na educação. Tais mudanças ainda estão acontecendo, entretanto com uma velocidade e sentidos divergentes da antiguidade, idade média e renascimento, pois até meados da modernidade o adulto buscou imprimir sua imagem nas crianças de diferentes formas, mas nos dias atuais essa imagem se ver ameaçada. A ruptura com os paradigmas modernos anunciados nas doxografias filosóficas e sociológicas também expõe a fragilidade do que foi construído sobre os saberes da criança. Os discursos das áreas do conhecimento passam a absorver esta nova atmosfera, principalmente as ciências humanas e sociais. Nesse movimento de constante afirmação busca-se enxerga a criança por trás dos rótulos, se desvencilhando, assim, do desejo de capturá-la por completo, de compreender os íntimos detalhes de sua essência e singularidade. Trata-se de reconhecer aquilo que nos abala ao mesmo tempo encanta, mas que não conseguimos definir ou catalogar, descrito como alteridade infantil nas palavras de Larrosa (2006). Antes ignorado, considerado patológico pela configuração dos colégios da modernidade, mas que hoje nos remete a pensar na ideia de uma subjetividade infantil surpreendendo educadores e familiares, gerando um sentimento de perplexidade. Levando em consideração estes novos contornos de instabilidade constante, que a educação procura se reconciliar com o ensino de filosofia neste início de século, consoante ao movimento da ‘’ febre filosófica’’ que descreve Kohan (2009). Todavia é importante cautela, para que esse retorno, possa, de fato, dialogar com a reflexão infantil, privilegiando a criança, compartilhando de suas construções do pensar, contrapondo-se a hierarquia da disciplina, das práticas de ensinos fundadas no silenciamento do outro, mas que possa contribuir para o acolhimento da alteridade infantil nas escolas. Referências AGAMBEN, Giorgio. Infância e história: destruição da experiência e origem da história. Belo. Horizonte: Editora UFMG; 2005. 188p. ARIÉS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: LTC, 2006. ALVES, Dalton José. A filosofia no ensino médio: ambiguidades e contradições na LDB. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2002. BLOJ, Ana. Educação, cidadania e subjetividade in: Jornada sobre el derecho a la educación y a la salud hacia la construción del cidadania. Faculdade de psicologia da Universidade Nacional de Rosário, Argentina. 7..5 2010. 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