psicologia da arte

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PSICOLOGIA DA ARTE
Apontamentos de: Elisabete Santos
E-mail: [email protected]
Data: 18-04-07
Livro: Psicologia da Arte – Universidade Aberta
Nota:
Este documento é um texto de apoio gentilmente disponibilizado pelo seu autor, para que possa auxiliar ao estudo dos colegas. O autor não pode de forma
alguma ser responsabilizado por eventuais erros ou lacunas existentes. Este documento não pretende substituir o estudo dos manuais adoptados para a
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Introdução
No contacto com a realidade, os indivíduos têm de estabelecer referências. Têm de controlar-se e controlar o
ambiente que também os determina.
No contacto com o mundo o homem tem a necessidade de encontrar um sentido. Tem de transformar-se a si e
à realidade por forma a que ambos façam sentido. Tenta sistematicamente afastar o caos incompreensível e de
certa forma destruidor do objectivo essencial da razão humana que tudo tende a organizar.
Um dos objectivos do estudo psicológico:
Como é que as criaturas humanas vêm a natureza e como é que essas visões são alteradas em virtude das
percepções, das crenças e dos desejos de cada uma delas.
O homem distorce a realidade porque é um ser individual e vê a realidade à sua maneira, consoante as lentes
que utiliza para admirar o real.
Objectivos Genéricos
Psicologia da Arte estuda:
- a percepção
- a relação entre o estímulo visual e a resposta do sujeito
- a duplicidade do emissor e receptor (entre o objecto e o indivíduo)
- o modo como lidamos com os objectos, aliando a nossa capacidade orgânica e fisiológica às
variáveis que nos são externas
- a anatomia das imagens que são feitas de luz e de cor, de forma e conteúdo
Psicanálise da Arte:
- tenta discernir o que podem as obras despertar nos espectadores
- proposta de par acção-reacção entre homem e objecto criado, entre o ser e o mundo
1 – O que é uma Obra de Arte
O que há de extraordinário nalgumas peças de arte que as eterniza e as inflacciona no mercado, é o génio
particular que emana de algumas peças e que provocam em nós algo de novo, de total, de mágico, quer seja
horror, paixão, vontade de tocar, repúdio, identidade, ternura, compaixão, vontade de contemplar.
Uma obra de arte é tudo isto e muito mais:
- é a verdade do ser humano
- a sua desocultação
- é a essência da realidade
- pode ser bela ou feia, funcional ou disfuncional, mas tem de ser necessariamente motivadora de
estímulos
- tem de afectar o receptor, de lhe oferecer algo de novo, de o cativar, de o transformar
- tem de comunicar
- é uma explosão de intelecto feita para e pelos homens
- tem de ser filha de uma qualquer intenção humana
Por vezes uma obra de arte altera o próprio agente produtor. Ganha autonomia até em relação ao artista que
pode deixar-se ir com ela ao invés de a conduzir.
Os aspectos ou atitudes estéticas do homem passam pelo simples modo como se veste e penteia.
- As atitudes ideológicas dos indivíduos são marcadamente estéticas, assim como as suas
preferências musicais e cinematográficas.
1.1 As formas e os sujeitos
Na actualidade a arte tornou-se quase incompreensível.
O século XX tratou-se de uma época na qual convive a esperança e a depressão, a luz e a sombra.
Desde sempre a arte consolidou uma forma de lidar com a realidade, de lhe dar entendimento e organização.
Por exemplo, a arquitectura e a pintura sacra resplandeciam. Abrigavam magia e símbolos da imortalidade
nos livros de presságios.
Os artistas esquematizavam o real, encarnavam o papel de deuses fabricantes de umas outras tantas
divindades.
O que é hoje uma obra de arte?
Na actualidade, a arte perdeu o encantamento místico, mas não se esqueceu da sua espiritualidade.
O homem acolhe tudo através dos sentidos. Por este motivo, as formas com as quais possuímos uma relação
promissora, são captadas pelos sentidos humanos e depois comprometidas com o raciocínio.
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Relação da obra de arte com o homem
Rudolf Arnheim escreveu que a arte não se resume à contemplação das relações formais que ela mesma
adianta, mas serve-se dela para estabelecer outra meta: o conteúdo. ‘Não há conteúdo sem forma, mas
também não pode haver forma sem conteúdo…’
O autor acrescenta ainda que uma boa formação se nota.
Boa forma = boa Gestalt = estrutura formal, total e indivisível = forma adequada à nossa compreensão
As grandes obras de arte são-no porque constituem um todo com grande unicidade de estrutura:
- os processos formais utilizados são ofuscados no balanço final, através do seu efeito
- a boa forma não se nota. Ex. uma estátua que representa uma mulher, é uma mulher e não a forma
de uma mulher
A forma existe para dar corpo ao conteúdo, e a arte é, também por isso, diferente da simples configuração.
As formas dissolvem-se com base no conteúdo e afirmam-se com ele. Elas são o corpo que amarra as almas
das obras que só pode expor-se através delas.
Quando o artista utiliza as formas que nos são familiares, não nos fixamos imediatamente nelas e captamolas apenas depois de nos demorarmos na observação.
É mais fácil parar no rápido deslumbre provocado pelas formas, do que ir mais longe e desmembrar os
fascínios da ilusão.
Continuamente retiramos da vida o simbolismo que lhe é intrínseco, mas complicado. A preguiça do intelecto
leva ao fascínio desmesurado pelo fácil e pelo instantâneo.
‘A arte é o que mais fortemente nos lembra de que nem só do pão vive o homem. Contudo, insistimos em
ignora-lo ao tratarmos a arte como um sistema de estímulos agradáveis.’
Rudolf Arnheim
Um objecto artístico tem necessariamente de ser incomodativo, de apelar aos estímulos, à razão, à nossa
capacidade de envolvimento e de alterabilidade.
Esta é a função de obra de arte e é por isso que ela nos provoca sentimentos de repúdio ou de amor, de
horror ou de deleite, de aprazimento ou de desprezo.
O pensamento do artista pintor é necessariamente pictórico, ele vê o mundo de uma forma altamente
pessoalizada, colorida, plena de efeitos e de feitiços. Ele projecta-se na essência do ser.
Kant explicou-nos na sua Crítica da Razão Pura que o homem parte no caminho incessante da procura dele
mesmo e do outro. Posiciona-se a cada passo numa posição mais elevada por forma a atingir o cimo da sua
essência absoluta.
2 – O que é a Psicologia
Trata-se, num sentido lato, de uma ciência interessada em estudar o espírito humano, com as sua motivações,
inclinações, ideias, sensações, ambições, sentimentos, estímulos, reacções, etc.
A Psicologia reflecte sobre os fenómenos dos estados conscientes e inconscientes.
É a ciência que estuda a alma humana e a alma da humanidade.
2.1 A ciência que estuda o comportamento
Kendler - ‘A Psicologia é a ciência do comportamento’.
Ciência – método que procura explicar e sistematizar os fenómenos, usando:
observação
descrição
hipóteses
experimentação
conclusão
Comportamento – respostas a um determinado estímulo, observáveis num organismo.
O psicólogo tente descobrir as variáveis que determinam o comportamento, ou seja, os fenómenos que
demarcam a ocorrência de uma determinada resposta a um estímulo.
Os figurismos tradicionais de estudo de comportamento abrangem o modelo estímulo-resposta e o modelo de
informação.
O modelo estímulo-resposta aplica-se a um sem número de fenómenos, desde o mais simples
comportamento condicionado e quotidiano, até um comportamento mais complexo, uma vez que a
estimulação desencadeia sempre uma reacção.
2.2 Variáveis de influência comportamental
Ambiente (altera substancialmente o comportamento)
Factores orgânicos (intrínsecos ao sujeito):
- idade
- espécie
- sexo
- comportamento cerebral (de uma forma genérica)
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Predisposições internas ao sujeito:
- distúrbios neuróticos graves
- psicoses esquizofrénicas
- psicoses bipolares
Conjunturas externas:
- situações traumáticas
- ingestão de fármacos (entre outros, que podem modificar completamente as condutas)
O comportamento humano também é dependente dele próprio. Podemos prevê-lo no futuro consoante
determinada situação, se nos lembrar-mos como reagimos à mesma conjuntura no passado. Este processo
não é linear.
A psicologia-ciência exige um constante relacionamento de factos complexos.
O objectivo do psicólogo é a extracção constante das várias causas que explicam determinada resposta
comportamental.
3. Os processos psicológicos fundamentais
A relação estabelecida entre a Psicologia e as formas, passa por três áreas fundamentais do saber:
Psicologia da motivação
Interroga-se sobre o modo como o artista criou determinada obra. Porque fez daquele modo e não de outro?
Porque executou aquela tarefa e não outra? Que programa existe na sua psique que o encaminha para esse
universo onde cabem os engenhos?
Psicologia social
Interessa-se pelo impacto das obras, e das formas em geral, em determinado meio humano. Pode ligar o seu
trabalho com o do sociólogo da arte e com ele pode levar a cabo um trabalho interdisciplinar que o capacita
para renovados entendimentos.
Psicologia da percepção visual
Preocupa-se com o fenómeno genérico da visão, da informação e da relação entre o olhar e o espírito. Com os
problemas ligados à expressividade, à emoção, à aparência formal das obras e com as possibilidades de leitura
das mesmas.
É uma metodologia interpretativa de análise, e actua como inventário descritivo, cingindo-se ao que a obra de
arte demonstra ao sentido da visão.
Processos psicológicos fundamentais
O modo como lidamos com as figurações, depende do nosso sistema de perceber, de sentir, de aprender e do
grau de motivação empregue nesse processo.
3.1 A Psicologia da Percepção Visual
Psicologia da sensação
Pretende entender como os fenómenos físicos do mundo exterior são traduzidos em sensações.
Psicologia da aprendizagem
Ambiciona demonstrar que a aquisição de conhecimento detém uma enorme importância no processo
genérico do funcionamento psíquico, na medida em que os seres são incapazes de sobreviver sem aprender,
e aquilo que aprendem conduz a determinados desenvolvimentos posteriores.
Psicologia da motivação
Estuda os nossos impulsos básicos e fisiológicos, qual o seu grau de interferência na mundivivência humana
e como estão dependentes dos factores socio-culturais.
3.2 A sensação
A sensação é o processo de sentir ao nível da consciência.
É a experiência advinda dos sentidos, que toma lugar quando o receptor é alvo de um estímulo.
Uma sensação tem sempre uma relação com o processo consciente.
É um elemento do conhecimento. A capacidade de sentir implica a aptidão para obter impressões e para
determinar qualidades, ou seja, funde-se com o próprio entendimento.
O visível é tudo aquilo que pode entender-se com a visão.
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O sensível é o que pode perceber-se com os sentidos.
A psicologia sensorial estuda a capacidade do organismo para detectar estímulos (fenómenos) e de os
distinguir, bem como a sua relação com a organização comportamental consequente, ou seja, como e o quê
produz uma sensação e porque é que determinada sensação provoca um comportamento ou uma reacção.
Examina todos os sentidos humanos, desde a visão, a audição, o olfacto, o tacto e a degustação, até à
estimulação provocada pela dor, pela temperatura e pelo equilíbrio.
Interessa-se ainda pela posição dos músculos e das articulações (quinestesia).
A sensibilidade é a nossa capacidade de reacção a um determinado estímulo.
3.3
A sensação aliada à psicologia da visão
Os indivíduos vêm com o cérebro e não com os olhos.
A luz é um conjunto de vibrações electromagnéticas, perceptíveis pela retina e que permitem distinguir as
formas, as cores, as texturas dos objectos.
Essas vibrações electromagnéticas são emitidas, reflectem nos objectos e difundem-se, enquanto que na sua
ausência os nossos receptores visuais não são estimulados e por isso não conseguem ver.
A maior parte da luz que nos chega aos olhos compõe-se de mais do que um comprimento de onda.
Newton fez passar um raio de luz solar por um prisma de vidro e observou que esse raio se dividia num
espectro de várias cores. Este facto deve-se à decomposição nos vários comprimentos de onda.
A luz branda é assim composta por uma série de vários comprimentos de onda luminosa.
O funcionamento ocular é semelhante ao de uma máquina fotográfica, deixando entrar a luz através de
diafragmas (íris) que se ajustam (abrindo-se/ fechando-se) consoante a intensidade da luz recebida.
A pupila do olho dilata-se no contacto com a luz ténue, e contrai-se na presença de uma luz mais forte.
A retina contém células receptoras que são sensíveis à luz, como uma película fotográfica:
- os bastonetes permitem-nos ver sob uma luz ténue
- os cones funcionam quando a luz é mais intensa
A visibilidade tal como a acuidade visual (capacidade de distinguir pormenores), dependem da parte da
retina que se estimulou, do ângulo de incidência luminosa, bem como da capacidade de adaptação à
escuridão e ainda da distância do olho relativamente ao alvo.
A capacidade de visão das cores depende dos cones da retina.
A capacidade de discriminação das cores varia de indivíduo para indivíduo e com a idade.
As cores produzem estados de alma específicos. Alteram o nosso comportamento e transportam-nos de uma
realidade para outra.
De uma forma geral as cores fortes como o vermelho, o verde forte e o amarelo podem significar um alerta.
4 - A percepção
4.1 A extracção de informação
A percepção é de uma forma muito geral, um modo como organizamos formas complexas de estimulação.
O que é um conceito perceptual ou perceptivo?
O termo conceito usa-se na generalidade das posições teóricas, para designar os conteúdos da consciência,
ou as ideias.
Um conceito perceptivo relaciona-se com uma ideia que se estima ter sido formulada partindo de qualquer
coisa.
Não se trata de uma actividade impulsiva, mas consciente e que lega um aspecto intelectual nos sujeitos.
A nossa visão incide sobre as formas e organiza-as mediante um complexo processo que passa pela
captação do estímulo através da retina e flui em direcção ao córtex cerebral onde ocorre o processo de
consciencialização do fenómeno em si.
Trata-se de uma actividade que começa com os sentidos como receptores de estímulos, passando por uma
agilidade mental de reorganização da informação, terminando com uma reposta.
No seu contexto biológico, a percepção surge como o meio como o organismo retira informação sobre as
formas ambientais favoráveis, hostis, ou de outra relevância, às quais tem de reagir.
Os processos elementares de percepção longe de serem mero registo passivo, são actos criativos de
domínio de estruturas, ainda para além de um mero agrupar e seleccionar de partes.
A percepção é, de facto, um acto criativo e uma actividade racional.
A visão é uma disposição orgânica que implica um olhar.
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Os nossos olhos são os órgãos que permitem compilar o mundo, de recebê-lo, de lidar com ele ou de nos
afastarmos, de nos movimentarmos nele. São eles o espelho da alma e a sua porta.
Na generalidade, só se vê aquilo para que se olha. Aquilo para que se olha é aquilo que possuímos no nosso
campo de visão.
O nosso olhar fixa-se sempre nalguma coisa que está à frente dele, tendendo sempre a esbater os fundos
sobre os quais reside a imagem objectual.
Rudolf Arnheim estudou demoradamente o fenómeno da percepção visual e, nesse caminho de pesquisa,
escreveu que ver é uma capacidade de orientação prática, com fins quotidianos e que possibilita
determinarmos, com os nossos próprios olhos, que uma coisa está num certo lugar, e induz-nos a agir de
determinada maneira.
O nosso sistema perceptivo selecciona informação para não nos embaraçar ou fatigar os canais visuais.
A nossa percepção para além de reacção ao um estímulo, é uma visão de conjunto organizada quase
automaticamente para nos preparar para uma resposta.
Esta preparação é feita através do cérebro. Desta forma a percepção responde ao modelo informático (de
informação), que possui um momento intermediário entre o estímulo, e a resposta.
Psicologia Gestalt
Sistema que teve origem na Alemanha, por volta de 1912, e que procurou descobrir os caminhos que regem a
integração de vários estímulos numa percepção unificada.
Conforme a psicologia Gestalt, a função do artista não é reproduzir o real, mas antes criar um sistema
global de forma unificada, ou seja, uma boa Gestalt (boa forma), de acordo com a metodologia da
percepção humana.
Moore
O subterfúgio usado por Moore na concepção das suas peças foi, grosso modo, a progressiva eliminação dos
pormenores em favor das visões de conjunto, amplamente unificadas.
A graça e a inteligência da obra de Moore está no sistema formal que caracteriza a totalidade da figura sem
distinguir qualquer parte concreta.
4.2 A organização, a relevância e a coerência preceptiva
Uma das características principais do nosso sistema perceptivo é a organização.
O nosso sistema de entender estruturas complexas não trabalha os estímulos individualmente, abarca
o conjunto de uma forma organizada.
Apesar deste sistema global, há elementos que destacamos durante o processo de percepção que são os de
maior relevância na estrutura.
Existe ainda as características que têm que ver com a coerência do entendimento perceptivo (harmonia do
conjunto).
A organização em figura-fundo
A organização figura-fundo foi alvo do estudo da psicologia Gestalt que tentou explicar porque é que os
sujeitos quando vêem uma imagem ou uma outra representação, atendem às suas partes cheias e não aos
espaços vazios que existem nelas, ou entre elas.
A conclusão que Arnheim quis retirar, tem a ver com a dificuldade de percepção em captar um primeiro plano
branco sobre um fundo mais carregado.
Arnheim considerou que num qualquer desenho, ou numa pintura, as relações entre a figura e o fundo
favorecem a criação de espaço pictórico.
Este fenómeno é verdadeiro para as representações bidimensionais, uma vez que quando observamos uma
pintura com vários planos, os objectos representados não surgem sobrepostos, mas antes diferenciados,
criando assim espacialidade, profundidade e ampliando o horizonte do visível.
Edgar Rubin estudou as regras para uma possível decomposição figura-fundo e, criou uma série de formulas.
Em primeiro lugar, descobriu que a superfície limitada e circundada, por ser mais densa e acanhada, tende a
ser vista como a figura, ao invés da superfície que a circunda ilimitadamente.
Outra determinação de Rubin diz respeito ao tamanho das imagens: as áreas proporcionalmente menores são
tidas, tendencialmente como figuras.
Existe ainda o facto se uma qualquer representação ser interpretada pelos indivíduos tendo em conta as suas
experiências passadas, aliada à sua aprendizagem perceptual.
Para finalizar, sabe-se também que a simplicidade e a simetria das configurações, predispõem a um
funcionamento consertado como figuras: “A figura mais simples prevalecerá”.
O fundo existe quando possui densidade, ou quando é representável, e nos apercebemos dele com
facilidade numa imagem pictural ou fotográfica, ou seja, numa apresentação bidimensional.
De uma forma sucinta:
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A forma de perceber de acordo com o modelo figura-funso, foi considerada fundamental, pois a
figura-fundo é a primeira distinção a emergir quando se olha para uma estrutura de estímulos.
Mesmo num primeiro contacto visual com as estruturas, os sujeitos atuam deste modo de uma forma
quase expontânea.
A percepção figura-fundo, caracteriza-se por dar a conhecer a figura como uma forma, e o fundo
como uma estrutura informe.
O primeiro plano possui sempre mais luminosidade que o fundo e o olhar tende a convergir para a
alvura.
O contorno pertence obviamente à figura, e não ao fundo.
A figura surge sempre em primeiro plano em detrimento do fundo.
A organização das partes de um todo
Um dos assentos de agrupamento visual é o princípio da proximidade.
Quando os elementos de estímulo que são próximos do indivíduo se percepcionam imediatamente como um
todo, como um conjunto identitário e uniforme.
Outro subsistema de organização obedece ao princípio de semelhança.
Viável quando estímulos semelhantes, como círculos ou quadrados, espalhados numa superfície de
observação, tendem a ser percebidos como fazendo parte de um grupo comum.
Ainda existe o princípio da boa forma, ou da boa Gestalt, encontrado quando os elementos de estímulo que
compõe uma boa forma tendem imediatamente a agrupar-se constituindo uma unidade.
4.3 A percepção visual do espaço
A percepção da profundidade mediante variáveis de estímulo ambiental
O modo como percebemos o mundo que nos rodeia é um milagre da psique porque na realidade
apercebemo-nos dos objectos tridimensionais, e do espaço que os suporta, das suas dimensões e da sua
ilusão prospéctica, através da retina que é a camada posterior do olho, que não possui profundidade, isto é,
trata-se de uma área bidimensional que possui células sensíveis à luz.
A percepção é um acto criativo, reflexivo e mental.
As retinas, os cones, os bastonetes, o cristalino e outras entidades físicas não funcionam sozinhas, mas
ligam-se a um sistema nervoso que conduz as informações ao cérebro, que inverte as ligações, que as
sistematiza e descodifica de um modo sublime.
A pintura é uma representação bidimensional da tridimensionalidade, isto é, a exposição numa superfície
plana, de formas tridimensionais.
Durante um longo período da história da pintura, até ao Renascimento, os pintores não conseguiam este
efeito pictórico tridimensional por desconhecerem as leis da óptica e consequentemente as formulas básicas
da perspectiva linear (entre outras).
À medida que s estudos foram progredindo, os pintores deram-se conta que podiam variar a dimensão dos
objectos, consoante se descrevessem no primeiro ou nos outros planos subsequentes, permitindo assim
oferecer sensações de distância.
Sobre a perspectiva, diz Leonardo que é através dela que o plano parece relevo e o relevo parece plano.
Para o Mestre, há cinco termos matemáticos essenciais para dominar a perspectiva:
o ponto que carece de altura, de longitude, de profundidade e de abertura, pelo que é único na sua
origem e indivisível em carácter;
a linha que pode ser recta, curva ou sinuosa, mas sempre formada por pelo menos dois pontos;
o ângulo conjugação de duas linhas e um ponto
a superfície
o corpo
Quando tenta explicar e definir a perspectiva linear, Leonardo assegura que ela pretende demonstrar,
servindo-se das linhas visuais e do compasso, quanto menor é o segundo objecto que o primeiro, quanto
menor é o terceiro que o segundo e assim sucessivamente, até ao infinito.
Quando os objectos são todos do mesmo tamanho, então o segundo parecerá ter metade do tamanho do
primeiro e assim sucessivamente.
Temos ainda a interpretação dos objectos.
Trata-se do fenómeno expresso quando existem duas imagens posicionadas na mesma linha de visão. Nesse
caso a figura do primeiro plano esconde parte da que se encontra mais distante em relação ao observador.
O efeito luz-sombra também determina a nossa visão do espaço tridimensional.
Leonardo da Vinci escreve que a sombra é nada mais que a provação da luz. Postulou que a pintura é, antes
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de tudo, filha do efeito criado entre a luz e a sombra – o ‘chiaroscuro’. A distribuição apropriada da luz e da
sombra oferece ao quadro picturial um efeito de tridimensionalidade.
Outros mecanismos que estimulam a percepção da profundidade são os gradientes de cor, de luz, de
textura, ou de aproximação.
Um gradiente é uma proporção de mudança – ou variável, em qualquer dimensão.
O gradiente de aproximação é o aumento gradual de atracção por um objecto, à medida que ele se
vai aproximando.
O gradiente de textura é o aumento aparente da densidade, e a perda do aspecto de isolamento dos
elementos num campo perceptivo, proporcional ao distanciamento.
O gradiente de luz ou de claridade, também determina a percepção do espaço tridimensional, uma
vez que os objectos que se encontram mais longe, do observador perdem luminosidade.
Com relação a este aspecto, Leonardo da Vinci introduziu o conceito sfumato, traduzido por esfumato =
as imagens dos planos mais afastados perderiam intensidade de controlo, de luz e de cor, esfumando-se
no espaço.
O gradiente de cor é outro indicador de profundidade, uma vez que a cor dos objectos mais
longínquos vai perdendo vivacidade, tornando-se praticamente imperceptível.
A percepção visual do espaço mediante variáveis orgânicas
O fenómeno da disparidade retiniana é magnífico porque os nossos olhos são entidades independentes.
Eles estão afastados um do outro e cada um deles recebe uma imagem necessariamente diferente.
A fusão deste dois pontos de vista faz-se no interior do cérebro e consequentemente obtemos uma sensação
de real profundidade.
A fusão dessas duas imagens ocorre porque os nervos ópticos, no percurso que liga a retina ao córtex,
cruzam-se em determinado ponto, dirigindo-se para o hemisfério cerebral oposto ao lado de onde provêem
inicialmente.
As fibras ópticas provocam uma influência nalgumas células nervosas do córtex visual e é então que se
desencadeia a fusão das imagens.
O próprio olho também procede a adaptações, ou a uma acomodação à distância dos alvos, por forma a
focá-los convenientemente. Este processo proporciona a sensação de profundidade.
4.4 A constância preceptiva
Constância visual da grandeza
É a nossa capacidade de ver o mesmo objecto a distâncias diferentes, colhendo a mesma informação com
relação ao seu tamanho real.
Isto sucede porque a imagem retiniana de todos os objectos decresce em grandeza, à medida que aumenta a
sua distância em relação ao observador.
Também tem que ver com a nossa experiência passada, porque sabemos de antemão o tamanho relativo de
cada objecto que já nos é familiar.
Percepção da profundidade – processo importante subjacente à constância da grandeza.
Constância da forma
É um fenómeno idêntico ao da grandeza, mas subjacente à forma dos objectos, que sabemos serem iguais
independentemente da distância a que se encontram, ou mediante o ângulo pelo qual são vistos.
Em relação à luz, conhecendo a cor e o formato de um determinado objecto, se lhe alterarmos o ambiente
luminoso, percebemo-lo como ele é.
Esses reflexos condicionantes têm a ver com as nossas experiências visuais passadas e com o nosso grau
de aprendizado perceptivo.
4.5 As ilusões preceptivas
As ilusões de óptica são na generalidade percepções que não se adequam à realidade ou então são
percepções discrepantes
As ilusões da óptica regem-se com os princípios que regem a nossa percepção, tais como a sensibilidade à
profundidade, a percepção do tamanho dos objectos e suas condicionantes.
Outra ilusão preceptiva é a do movimento porque o conseguimos percepcionar na sua ausência, isto é,
através de imagens que na realidade são estáticas.
4.6 O fenómeno da resposta-movimento
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Os artistas dizem que na pintura e na escultura as formas e as cores movimentam-se.
A manifestação conhecida como resposta-movimento liga-se precisamente ao facto dos sujeitos, mediante
determinado estímulo, responderem com esta noção preceptiva de mobilidade.
Resposta-movimento
É um fenómeno perceptual. As formas visuais lutam em direcções definidas. Contêm tensões dirigidas.
Representam mais um acontecimento do que um ser.
Pensa-se que o sujeito entende as formas picturiais em movimento porque já percepcionou aqueles objectos
em actividade. A ilusão do movimento que o sujeito percepciona tem a ver directamente com a sua
experiência prévia, com a aprendizagem que obteve anteriormente.
A dinâmica tem a ver com a estrutura interna das formas.
Conclui-se que a dinâmica visual não é uma ilusão de deslocamento por parte do espectador, mas um
fenómeno perceptual por direito próprio.
Um dos comentários mais elementares que se pode fazer sobre uma obra de arte é de que ela representa
uma configuração dinâmica.
A dinâmica das formas representadas prende-se com a existência, ou não, de formas animadas, ou vectoriais,
expandidas ou centrípetas.
A expressão artística requer formas que sejam plenamente dinâmicas.
Destinando-se a representar a experiência humana, devem parecer animadas.
Embora as imagens projectadas nas retinas dos nossos olhos tenham a mesma solidez estática dos objectos
cujas superfícies reflectem, as suas cópias, geradas electroquimicamente no sistema nervoso, não a têm.
Para a visão perfeitamente treinada que é necessária na expressão artística, todas as formas são
configurações de forças.
Mesmo as composições perfeitamente simétricas, mesmo aquelas que se desenvolvem partindo de eixos
estáticos, como o vertical e o horizontal, são intrinsecamente dinâmicas porque a calma é o limite do
movimento.
A dinâmica da forma é diferente do movimento formal.
Só encontramos dinamismo interno quando as formas estão quietas. Ao serem vistas, pode-se sentir a sua
dinâmica interna, silenciosa, expectante.
A representação do movimento não equivale ao dinamismo das formas.
O dinamismo da forma relaciona-se mais directamente com a sua estrutura interna de forças que se
projectam ou que convergem.
No seguimento do ensaio sobre o movimento Arnheim esclarece que o fenómeno do dinamismo das formas é
aleatório e subjectivo, bem como dependente de uma série de variáveis, como sejam a obra em si, o tempo e
o espaço da sua realização, bem como o de leitura das peças.
A introdução do movimento fez-se lentamente e através da introdução de linhas oblíquas e de assimetrias, de
escorços e tensões corporais, de novas orientações espaciais, da alteração constante de direcção, da
incorporação de ângulos suaves em aberturas divergentes que apelam ao movimento.
Os movimentos oculares
O movimento ocular dos indivíduos é bastante desregrado, não segue percursos certos e concretos de uma
forma racionalizada de varrimentos contínuos.
Nalgumas imagens quando o nosso olhar se escoa através de uma sequência de imagens, sentimos uma
progressão na acção e registamos actividades como a de caminhar, tropeçar, ou cair.
Este efeito de animação não é o mesmo que a dinâmica visual, nem o mesmo que ilusão de deslocamento.
A influência do tema das representações
A nossa aprendizagem perceptual indica-nos que os ramos não se agitam sozinhos, mas que um homem
caminha naturalmente, podendo até vir a correr. Na sequência desta última representação somos
imediatamente alertados para a existência de movimento.
O Teste Rorschach
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O Teste Rorschach é um exame projectivo, com o objectivo clínico de análise e diagnóstico de personalidade
– psicodiagnóstico.
No contacto com os cartões, os pacientes procuram realizar as suas leituras pessoalizadas que o terapeuta
interpreta segundo uma escala de possibilidades.
Certamente que este teste não basta para material de estudo da personalidade de um paciente. Este terá de
sujeitar-se a outros estudos similares.
Um teste perceptivo é sempre uma pista valiosa na extensão do problema que nos propomos tratar.
A simetria das configurações (estabelecida através da dobra do papel depois de manchado com tinta) tem
dois efeitos importantes sobre o movimento – reforça cada força dinâmica por duplicação e, ao mesmo
tempo, fornece equilíbrio.
Para Rorschach a percepção de uma configuração pictural só pode fornecer uma forma estática. Quando se
percepciona movimento, acrescenta-se à forma estática uma acção cinestésica provocada pela experiência
prévia.
Estas reacções não contam, para Rorschach como resposta-movimento, uma vez que factor movimento
advém apenas de uma inferência intelectual do observador.
Em rega a resposta-movimento é provocada apenas por representações de figuras humanas, mesmo assim,
há indivíduos que são capazes de sentir empatia cinética com quase tudo, incluindo uma simples linha.
Para Rorschach existe resposta-movimento apenas quando uma obra de arte representa algo – de
preferência estruturalmente humana ou animal – movente, agindo sobre qualquer elemento da composição.
4.7 A aprendizagem preceptiva
Aquilo que vemos tem muitas vezes a ver com aquilo que aprendemos a perceber antes mesmo de
corresponder ao alvo exposto.
Graças a este fenómeno somos por vezes levados a fazer falsas interpretações de figuras representadas
porque a nossa memória transforma-as de forma a representarem algo que nos seja mais familiar.
Se na nossa memória não existir quaisquer imagens de correlação, então somos incapazes de entender
correctamente as imagens que se nos afiguram.
A nossa percepção é altamente influenciada pelos nossos desejos e aspirações pessoais.
As ilusões provocadas por figuras ambíguas reflectem este fenómeno, porque se os sujeito forem
previamente ensinados a ler a imagem de determinada forma, a resposta à ilusão é necessariamente
condicionada.
Os sujeitos lêem ou vêem nas segregações de imagem, aquilo que aprenderam a decifrar.
Trata-se de um fenómeno que tem outras ligações, e que é influenciado pela experiência prévia, pela
aprendizagem e de certa forma pela motivação individual.
4.9 A motivação na percepção
A influência da motivação sobre as nossas percepções é tão comum que raramente lhe damos a atenção
merecida.
A nossa visão é condicionada por um complexo sistema de organização que não nos permite visualizar tudo
quanto existe na realidade das coisas.
A percepção tende a perceber as propriedades constantes das coisas, a sua forma verdadeira, tamanho, tom
e cor, e tenta eliminar (reprimir) as suas distorções acidentais provocadas por rascunhos preceptivos ou
acasos de eliminação.
Elementos inarticulados das formas que à primeira vista não nos são perceptíveis à consciência, são
reprimidos pelo nosso processo perceptivo quase instantaneamente.
O artista deixa para o público a função de projectar na obra uma estrutura mais estética.
Num caso prático, observamos uma pintura abstracta e tentamos encontrar formas que nos sejam familiares.
O artista estimula o público, e dentro de certos limites, dá-lhe a possibilidade de articular as imagens que
pintou.
A nossa tendência da percepção consciente reprime tudo quanto nos possa confundir, fatigar e desnortear e,
por esse motivo, o nosso olho reprime as formas demasiado ambíguas, ou demasiado uniformes, ou
irregulares, ou superpostas, ou repetitivas.
Vemos apenas aquilo que somos determinados a visionar.
Trata-se da ligação mantida entre a percepção, a motivação e o valor das configurações. Quando gostamos
muito de um determinado objecto, ele tende a sobressair relativamente a outros que até são mais visíveis.
Por termos simpatizado com uma determinada forma, somos motivados a prestar-lhe mais atenção.
4.10 Uma brevíssima síntese
10
A psicologia da percepção interessa-se pelos meios através dos quais as formas complexas de
estimulação são organizadas no nosso aparelho visual.
A organização figura-fundo – a ilusão do vaso/ rosto, ou uma outra qualquer mancha de tinta sobre
uma superfície estabelece um padrão de percepção: apercebemo-nos mais facilmente da figura do que do
fundo, a menos que estejamos treinados para fazer o contrário (aprendizagem perceptiva)
A nossa tendência natural na presença de uma estrutura de estímulos é para a organizar segundo os
princípios de agrupamento perceptivo: organizamos os estímulos de acordo com a proximidade, a
semelhança e a forma.
A percepção do espaço ou da profundidade depende das variáveis externas tais como a grandeza
relativa, a perspectiva linear, a interposição de objectos no campo visual, o efeito luz-sombra, os
gradientes, a adjacência e o movimento relativo.
Na percepção da profundidade interagem as variáveis de origem orgânica, ou fisiológica: o tamanho
da imagem retiniana, a disparidade retiniana, a acomodação e a convergência.
A nossa capacidade preceptiva possui outros atributos, como a estabilidade da percepção mediante
determina das condições de estímulo. Trata-se da constância de grandeza, da constância da forma e
da constância da cor.
As ilusões preceptivas têm a ver com uma discrepância entre as medidas físicas dos objectos e as
medidas psicológicas ou, de uma forma mais genérica, entre a configuração real e a configuração
psicológica.
Aquilo que vemos tem forte relação com aquilo que aprendemos a ver, recorrendo à memória, ou ao
nosso imaginário individual e colectivo.
A percepção é influenciada pela motivação. Muitas vezes, vemos aquilo que queremos e não aquilo
que realmente nos é dado à observação.
5 – A psicologia Gestalt
A Escola Gestalt nasceu na Alemanha sob a alçada teórica de Wertheimer, de Kohler e de Kofka, três
entidades meritórias que encabeçaram uma verdadeira revolução no seio da psicologia sensorial no início do
século XX.
Psicologia Gestalt ou psicologia de forma ou da configuração.
Um dos princípios defendidos por este movimento diz respeito ao objecto da psicologia que, para a
Gestaltheorie, tem de buscar-se, antes de mais, na experiência imediata e directa dos acontecimentos.
Para a psicologia Gestalt o comportamento, objecto da Psicologia é um processo perceptivo.
Tudo começa e acaba na percepção e é a partir dela que pensamos, que amamos, odiamos, aceitamos, e
vivemos em conformidade, ou não, com o mundo.
Postulado gestaltista: Qualquer padrão de estímulo tende a ser visto de tal modo que a estrutura resultante é
tão simples quanto as condições dadas permitem.
Quando vemos qualquer objecto, mesmo que ele nos seja familiar, a uma grande distância, o estímulo
enfraquece. O estímulo também enfraquece com a diminuição da luminosidade e é muitas vezes por esse
motivo que somos levados a interpretar padrões simplificando-os, quando a exposição luminosa é acanhada.
As terias Gestalt têm sido criticadas como reducionistas, uma vez que reduzem toda a relação pessoal e
comportamental do homem com o mundo, e dos homens com eles próprios, a poucas possibilidades e sempre
de alguma forma relacionadas com o sistema de organização perceptual.
5.1 O Todo e as Partes
Na percepção buscamos o total, o geral, ou uma Gestalt estruturada.
O Todo não é um resultado da comunhão das partes, mas é em si uma unidade cognitiva que, quando
apreendida na sua globalidade, se totaliza.
As Partes só existem enquanto estruturas integradas num conjunto e nunca isoladamente.
Os seguidores da Gestalt tentam explicar o posicionamento do homem no macrocosmo.
5.2 A boa Gestalt
A linha de conduta básica da psicologia Gestalt afirma que qualquer padrão visual tende para a sua
configuração mais simples e certifica que a percepção não existe no registo mecânico de material estimular,
mas sim na captação de traços estruturais, o que confere o caracter de generalidade a qualquer percepto
e elimina a diferença de princípio entre contemplar um ente individual e contemplar um género de coisas, a
diferença entre precepto e conceito.
As primeiras ideias que temos do mundo não evoluem do particular perceptivo para a generalização, mas
11
antes de generalizações primárias que se encontram dentro do próprio sistema perceptivo.
A aprendizagem não é o enriquecimento de sensações que eram pobres, mas sim a diferenciação de
impressões que eram vagas.
Os psicólogos de orientação gestáltica tentam demonstrar que, aquilo que ‘normalmente’ vemos é o
agrupamento que proporcionar a mais simples das estruturas possíveis e que reduzir ao mínimo a tensão no
campo visual.
A percepção não trabalha os estímulos individualmente, mas abarca o conjunto de uma forma generalizada.
Segundo a lei da boa Gestalt o comportamento típico dos seres humanos é aquele que tende para a
simplificação da estrutura que percepcionam.
Esta lei é quase a mesma que a lei da pregnância (estabilidade e frequência de uma organização psicológica
privilegiada) – equivale a um princípio através do qual ocorre a simplificação ou a organização de um
estímulo visual.
Na pintura tradicional encontramos sempre alguma características na forma, que atraem de imediato a
atenção de quem observa. Essas características são o núcleo central da composição e, em torno delas, o
artista constrói formas secundárias que se justapõem de uma forma clara e bem definida. Ele não deixa
dúvidas quanto ao que pretende expressar.
Este tipo de estrutura confirma os ensinamentos da teoria gestaltista, segundo o qual toda a percepção ou
criação de formas está sujeita a uma tendência que leva a perceber ou produzir uma estrutura tão
pregnante e simples quanto possível.
Mesmo que as formas que nos cercam sejam realmente caóticas, ainda assim o cérebro projecta nelas uma
ordem.
De uma miscelânea de pontos, o olho (cérebro) escolhe aqueles que se enquadram em alguma estrutura, ou
os que poderiam ser interpretados como uma forma humana ou animal.
Se a substância já possui alguma ordem em si, o cérebro projecta então uma ordem ainda melhor.
Anton Ehrenzweig diz que uma boa Gestalt na sua pregnância, é harmoniosa e quase sempre agradável.
A arte contemporânea eclipsa a Gestalt e geralmente o público recebe estímulos que são menos estéticos ou
prazenteiros à vista.
O olho desfoca-se no contacto com algumas pinturas modernas, porque não encontra um ponto culminante
que o cative. O nosso olhar não sabe por onde deve começar a ver o objecto.
A ambiguidade dessas construções pictóricas inarticuladas quebram a possibilidade de formação de uma
estrutura gestáltica pregnante e precisa.
5.3 Da fisiologia da percepção
O olho e o cérebro
Arnheim salientou o facto da percepção estar intrinsecamente ligada â fisiologia:
Tradicionalmente considerava-se que a percepção era um mecanismo receptor isolado que como tal, era de
esperar que actuasse com mais precisão quanto maior fosse a exposição ao estímulo. Sabemos, entretanto
que isso não é certo.
O que vemos, ouvimos, ou cheiramos constantemente, acaba por sair da consciência.
As pós-imagens ópticas demonstram que as substâncias fotossensíveis que intervêm na visão esgotam-se
rapidamente quando olhamos fixamente um objecto.
Este fenómeno conhece-se como fazendo parte de um outro – redundância da percepção.
O organismo não está apetrechado para responder a um ambiente constante, provavelmente porque a
percepção evolui biologicamente como instrumento para detectar acontecimentos benéficos ou perigosos
(mudanças). È desnecessário e até perigoso deter a nossa atenção em estímulos que não exigem resposta.
Os psicólogos da Gestalt explicam que o relaxamento da resposta tem a ver com o esgotamento provocado
pelas situações estacionárias. Quando uma pessoa realiza uma actividade monótona vai progressivamente
perdendo a atenção. Isto acontece porque os estímulos não são alterados e a actividade cerebral acomoda-se
e enfraquece.
Trata-se de uma manifestação que se liga com a saturação preceptiva.
A mente procura situações novas para não se aborrecer, nem esquecer as suas funções elementares de
resposta.
Obrigada a contemplar o objecto por mais tempo do que espontaneamente desejaria, a mente exercita a sua
curiosidade e a sua faculdade de descobrir e inventar formas novas.
A percepção é uma laboração mental dinâmica.
Quando olhamos com perspicácia e prolongadamente para uma qualquer forma, tendemos a desintegra-la –
desintegração da Gesalt.
Esta metodologia conduz a um aumento da nossa capacidade criativa e, ao mesmo tempo, a uma
interrogação constante e pertinente em relação ao que vemos.
6 - A Psicologia da Arte sob o signo da percepção
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A Psicologia da arte trata das questões ligadas à personalidade humana, à motivação, à criatividade e
imaginação, à aprendizagem, às relações sociais, etc..
O exercício artístico é um instrumento essencial na expressão da motivação humana.
Na psicopatologia casos concretos mostram que uma pessoa perturbada pode enfrentar os seus problemas
através da expressão artística na pintura, escultura, musica, literatura, teatro ou dança.
Uma pessoa perturbada pode tratar-se de um indivíduo neurótico, ou com desvios relativamente comuns e
benignos, ou de um sujeito com perturbações psicóticas que possui graves problemas em lidar com o real.
Percepto – acto perceptivo. Impressão que a pessoa recebe do que está a observar. Consiste na consciência
interna ou subjectiva de representação de um objecto, ou evento do mundo externo.
6.1 A arte e a motivação
A arte é forma e conteúdo.
O conteúdo enforma-se para ser dito, e a forma é o corpo que permite a libertação da ideia.
A emotividade alia-se à transmissão da mensagem.
Não nos recolhemos na nota, nem na pincelada desagregada de cor, mas sim na estrutura total que se
organiza por forma a que nos possamos deleitar.
Arnheim explica que durante anos, «os não artistas vêm repetindo a ideia de que o artista cria para comunicar
algo às outras pessoas, enquanto a maioria dos artistas ou ignora essa razão, ou rejeita-a explicitamente».
Ele acrescenta que aquilo que está em jogo é algo mais complexo do que a vontade de comunicar. O artista
pretende acima de tudo, o equilíbrio e a simplicidade.
O artista abarca o mundo e reinterpreta-o para o verter depois.
O pintor desenha o mundo com as suas mãos, através de pontos, de linhas e de volumes e copos, e pinta o
mundo com suas cores e formas.
Os seres humanos trabalham o real como podem.
6.2 A psicologia da expressão
Não pode garantir-se porque é que uma determinada obra de arte desperta num, ou noutro indivíduo, uma
determinada resposta estimular expressiva.
A expressão bem como a expressividade são fenómenos altamente complexos.
A nossa vida está cheia de reacções (respostas).
A realidade é tão expressiva quanto nós próprios.
Quanto às configurações, somos igualmente capazes de recolher informação expressiva. Em relação às
obras de arte que nos falam numa linguagem própria carregada de expressão, estas conseguem despertar
em nós imensas sensações emotivas.
A expressão refere-se à experiência que ocorre quando um estímulo sensorial afecta as áreas de projecção
visual do cérebro.
Esta definição restringe-se ao fenómeno da expressão visual, mas, existem outras múltiplas expressões.
Para alguns autores o termo expressão dirige-se às manifestações externas da personalidade humana.
Encontramos nesta definição vários significados relevantes:
- a expressão liga-se com uma manifestação. Trata-se de uma actividade/ experiência;
- esta actividade projecta-se de dentro para fora;
- a expressão manifesta a personalidade
- só os seres humanos são considerados expressivos.
Pensa-se haver outros elementos orgânicos que partilhem destas capacidades.
Se a expressão é uma manifestação da personalidade humana, então o modo como nos vestimos, como
actuamos no palco do quotidiano, e genericamente a forma como lidamos com o real, são expressões
pessoalíssimas da nossa identidade exteriorizada.
Num ser humano tudo pode considerar-se expressivo, desde que permita tirar conclusões sobre a sua
personalidade ou sobre o seu temporário estado mental.
O psicólogos da Gestalt alargam o campo dos fenómenos da expressão para além deste limite e acreditam
que também os objectos inanimados veiculam expressão.
Mas quando se denuncia expressividade nos objectos inanimados, abre-se caminho a uma dificuldade
terminológica – a palavra ‘expressão’ implica uma acção.
Mas o que é que pode ser expresso pela aparência de um objecto sem mente?
As teorias da empatia ou da personificação ajudaram temporariamente.
De acordo com elas, o estado mental do espectador era projectado no objecto, fazendo com que este
aparenta-se ter uma personalidade própria.
A teoria da empatia está entre a abordagem tradicional para a explicação da expressividade dos objectos
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sem alma. Formula-se quase sempre como uma extensão da teoria associacionista, proposta da mesma
maneira para explicar a expressão dos objectos inanimados. Esta teoria defende que, quando uma pessoa
observa por exemplo as colunas de um templo, ela sabe, graças a experiências anteriores, o tipo de acções e
reacções mecânicas que nelas se exercem. O sujeito também consegue imaginar como se deveria sentir se
por acaso, estivesse no lugar de uma coluna.
Este fenómeno ocorre então por aprendizagem e por projecção.
O indivíduo projecta o seu sentimento sobre o objecto e, atribui-lhe uma determinada expressão.
A alma humana é soberba, e quando anda contente, vê nos dias escuros uma claridade constante. Quando
anda ensombrada, vê numa aurora primaveril um sopro de desvairadas melancolias.
E o que acontece com a minha gata siamesa? Não sei se de facto ela é tão expressiva quanto a quero ver.
Sei apenas que se exprime.
Concluo que interactuamos, que comunicamos através de uma linguagem de signos alternativos.
Mas o que é de facto a expressão e o que permite a um observador experimenta-la?
Servimo-nos apenas da nossa experiência prévia, ou por outro lado, esses reflexos estão presentes no nosso
sistema perceptual como uma herança?
Sobre a possibilidade de um legado hereditário em relação à interpretação das expressões, Jung determinou
a experiência de arquétipos como sendo imagens clássicas bastante poderosas e que estão presentes no
inconsciente colectivo, ressurgindo de quando em vez, na mitologia e no folclore ou, de uma forma geral, na
cultura popular.
Esses arquétipos constituem em ideias e predisposições culturais hereditárias, como os casos da mãe terra,
ou do mar como a imagem do renascimento contínuo, ou do pai como entidade omnipotente.
Certamente que possuímos alguns registos de experiências repetidas pela humanidade que se fixaram na
nossa mente através de variadissimos mecanismos, tal como acontece com o comportamento animal.
Não compreendemos as emoções, ou a expressividade, ou o carácter, usando apenas de uma ferramenta de
conhecimento, mas, carenciamos de uma série de elementos, ou pistas para efectuar esta laboração
interpretativa.
Sabe-se que a nossa interpretação da expressividade de um observado, varia influenciada por aquilo que
conhecemos dele, ou seja, graças a uma experiência prévia.
Darwin considerou que o reconhecimento da expressividade é ou instintiva, ou aprendida.
Uma criança chora quando tem motivos para o fazer e ri como resposta a outro estímulo.
À partida, o choro e o riso de uma criança constituem impulsos automáticos, mas à medida que estes reflexos
surtem efeito nos adultos, a criança passa a sistematizar essas mesmas armas como instrumentos como
forma de comunicação.
Quando estes dois instrumentos são dominados pela criança de uma forma intencional, aquilo que constituía
apenas um impulso imediato ou automático, transforma-se numa atitude intencional.
Os gestos expressivos são para Darwin, gradualmente adquiridos, tornando-se depois instintivos, porque são
interiorizados na nossa função automática.
Os gestos expressivos são consequência do hábito, bem como da acção directa do nosso sistema nervoso.
Isomorfirmo
Os gestaltistas admitem existir uma verdadeira correspondência (isomórfica) entre o comportamento físico e o
psíquico. O comportamento físico é isomórfico do psiquico.
Aplicado ao corpo e à mente, isso significa que, se as forças que determinam o comportamento corporal
forem estruturalmente semelhantes àquelas que caracterizam estados mentais correspondentes, então
compreende-se a razão pela qual se extrai significado psíquico directamente da aparência física do
comportamento de uma pessoa.
A tese teórica Gestalt implicaria que um observador poderia apurar adequadamente o estado de espírito de
uma pessoa através da inspecção da aparência dela.
6.3 É a expressão uma qualidade perceptual?
A expressão é uma parte integrante do nosso processo perceptivo elementar.
No seu contexto biológico adequado, a percepção surge como o meio através do qual o organismo retira
informação sobre as forças ambientais favoráveis, hostis, ou de outra relevância, às quais ele tem de reagir.
A expressão pode constituir um conteúdo primário da percepção porque, quando percepcionamos uma
fenómeno através da cor e da configuração, experimentamos emoções que têm a ver com ele.
A expressão:
pode ser uma manifestação física de processos psíquicos
pode alertar-nos para o perigo
não existe apenas quando há uma mente por detrás dela, porque objectos inanimados podem ser expressivos
não se limita a organismos vivos possuidores de consciência e raciocínio
a sua explicação pode ter a ver directamente com uma projecção ou transferência da expressividade humana para
os elementos sem alma que assim se humanizam
é um reflexo de um estímulo sensorial. Importa-nos que esse estímulo seja perceptual. O observador deduz
através da expressividade e do comportamento do observado, que determinados processos da sua mente estão a
ter lugar. Esta dedução faz-se através da experiência prévia e de condicionantes culturais, ou outras. Todavia, as
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leituras podem sempre ser erradas.
6.4 Efeitos expressivos
Tem-se registado que determinadas expressões observadas podem provocar equivalentes estados de espírito
no observador, ou seja, semelhantes reacções cinésticas.
A expressão cinéstica liga-se ao nosso comportamento muscular, que nos fica retido em memória e que serve
para um sem número de finalidades.
Se não nos vimos ao espelho, como é que sabemos que fizemos realmente ‘aquela cara’?
Sentimos os músculos a movimentarem-se instintivamente, apontando para determinadas coordenadas e
posições e, a sensação resultante possibilita-nos determinar que fizemos, de facto, ‘aquela cara’.
Isomorfismo determina também que basta assumirmos uma determinada postura para que nos sintamos
num estado de espírito correspondente. Trata-se de uma provocação cinéstica.
6.5 Cinestesia
O estímulo cinéstico envolve factores dinâmicos que surgem psicologicamente como experiências de tensão
ou distensão e, as propriedades dinâmicas da situação criada pelo estímulo das áreas de projecção no
cérebro, encontram o seu contraponto no percepto cinéstico.
O processo fisiológico da percepção visual é semelhante ao processo cinéstico, enquanto capacidade
experimental ligada ao sistema nervoso.
Para além da percepção visual, possuímos uma outra capacidade de experimentação preceptiva ligada aos
movimentos do corpo e do tacto. Entendemos os objectos e o espaço de várias formas, sendo que uma delas
é cinéstica, ligada ao nosso comportamento motor que se relaciona com os sentidos.
A nossa relação com o corpo, e do nosso corpo com a realidade externa, são feitas com base também neste
sistema cinestésico.
A nossa percepção é activa, dinâmica, e tão sensível ao movimento que consegue discerni-lo mesmo quando
as imagens são intrinsecamente estáticas mas, porque passam na nossa retina que se agita constantemente,
a uma velocidade considerável, consegue efectivamente iludir-nos.
6.6 Sobre a abstracção
As formas abstractas nem sempre possuem um significado de leitura imediata.
A associação entre a forma e o conteúdo não é explicita na arte abstracta.
O termo abstracção é o mesmo que acto de abstrair-se, ou alheamento do espírito …
Abstrair-se significa considerar isoladamente um ou mais elementos de um todo. Separar mentalmente para
tomar em consideração…
Filosoficamente, diz-se que algo é abstracto quando não corresponde a nenhum dado sensorial ou concreto.
Argan aponta-nos duas questões fundamentais:
1º - Passagem da arte figurativa à arte que não o é, como o equivalente à transição para o abstraccionismo.
2º - A arte depende do impulso criativo e vale-se dele, ao invés de uma qualquer realidade de suporte.
O que propõe o abstraccionismo é a não-representatividade.
Convida ainda a alcançar um sistema primordial de cópia do processo de autocriação cosmogónica.
Quando por alguma circunstância a mente é libertada da sua sujeição comum às complexidades da natureza,
ela organizará configurações de acordo com as tendências que governam o seu próprio funcionamento.
Sucintamente a arte abstracta tenta extrair da realidade os elementos que reelabora numa síntese
configurativa distinta.
Esta extracção programática constitui uma actividade reconstrutiva, plenamente dinâmica, intelectual e
envolvida na percepção.
Para Picasso, o artista possui uma missão fervorosa e histórica, porque reúne fragmentos de um mundo que
se autocorrompe, mas que, ao mesmo tempo, oferece outra possibilidade, demonstrando como em cada
fragmento exposto, se conserva a vida.
A arte abstracta oferece ao olhar uma verdadeira possibilidade de contemplação reanimada.
A arte tornou-se assim desprovida de qualquer utilidade prática e este sentido da arte inaugural, tem-se
criticado enormemente. O valor intrínseco da mensagem, no seu sentido mais lato, desvirtuou-se dando lugar
a outros sistemas.
Arnheim afirma: “Toda a pintura ou escultura possui significado. Quer seja representativa ou abstracta, ‘é
sobre alguma coisa’, é uma afirmação sobre a natureza da nossa existência”.
Se chamarmos concreto a tudo o que é passível de entender-se perceptivelmente, então um círculo é tão
perceptível como a representação de uma maçã. Mas o círculo é também uma figura abstracta e, neste caso,
pode perfeitamente representar, de uma forma simplificada, uma maçã.
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O termo abstracção serve para descrever qualquer interpretação simplificada de uma configuração estimular
concreta.
A abstracção é uma descrição interpretativa e simplificada de uma configuração.
Arnheim procura explicar duas tendências:
o Realismo
o Simplificação formal
Fazendo uso da predisposição psicológica que predomina em cada momento histórico.
Muita da observação e representação detalhada da aparência física e do comportamento, que se tornou
indispensável à ciência moderna, não tem significado para o primitivo.
A este propósito, compare-se uma fotografia com uma iluminura medieval.
A mutação da função social da arte ocorrida fundamentalmente durante o período renascentista: ‘a arte
começou a representar para um estrato crescente da sociedade, os acontecimentos particulares e transitórios
da vida. Isto fazia apelo a um estilo mais realista.’
A relação íntima entre a sociedade de consumo e o realismo artístico, porque a arte vai-se transformando, a
cada passo, numa substituição da realidade (cinema, espectáculos).
A simplificação formal tem a ver directamente com a arte sem tempo, quando querem representar-se valores
absolutos e inalteráveis, inabaláveis, imutáveis e, por isso mesmo, recusam-se os aspectos acidentais e
acessórios de representação.
Conclui-se então que a tendência para o abstraccionismo tem mesmo que ver com factores de ordem social e
psicológica, dentro de um determinado período histórico.
6.7 A abstracção nas representações infantis
A simplificação formal implica um esquema intelectual pré-definido pelo artista que selecciona as partes do
todo, mediante critérios determinados.
A arte primitiva bem como os desenhos da crianças são puramente abstractos.
Mas onde cabem estes mesmos desenvolvimentos, uma vez que a abstracção sugere um alto desempenho
do intelecto, por forma a separar aquilo que o real nos oferece, para recriações posteriores?
Genericamente considera-se que as crianças desenham aquilo que sabem desenhar e não aquilo que vêm na
natureza das formas perceptíveis.
Mas se os desenhos infantis são considerados habitualmente como ideoplásticos (correspondem a derivações
daquilo que o desenhador pensa e sabe sobre o tema), então eles são reflexos de uma ideia que se
plasticiza.
A criança e o homem primitivo expressam nas suas criações plásticas, ideias e perceptos, ou interpretações
do objecto que se elevam à dimensão da subjectividade e da criatividade, isto é, reflectem uma actividade
mental.
O ponto de vista no qual a criança cria imagens do visível através de conceitos intelectuais, contrasta com a
observação generalizada de que, nos primeiros estágios do desenvolvimento, a vida mental assenta mais
concretamente nas experiências perceptuais.
O abstraccionismo infantil e/ ou primitivo, corresponde a estágios inaugurais de desenvolvimento, antes
de tudo, na experiência preceptiva.
Também se tentou explicar o estilo dos desenhos infantis, afirmando que são feitos mais pela memória do que
pela percepção directa. Mas sabe-se que os desenhos de uma criança, realizados directamente a partir de
objectos não diferem, no essencial, dos desenhos de memória. Isto acontece não só quando a criança presta
pouca atenção ao modelo, mas também quando se concentra em reproduzir fielmente no papel aquilo que
está a observar. Portanto o problema está contido na descrição pictural que a criança dá da percepção
directa.
O processo perceptivo do adulto contemporâneo faz-se no sentido de uma maior simplificação e globalização
das formas (Gestalt).
A arte abstracta funciona com matrizes globais que partem do ponto até à linha, ao plano ou à sua ausência.
Olvida os sentidos como a percepção, para dar corpo e matéria ao pensamento artístico.
6.8 Acerca da simplicidade
Um dos princípios da psicologia Gestalt, estabelece que a percepção tende naturalmente para a
simplificação das formas que reajam numa totalidade coerente.
Princípio da simplicidade
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Para o sentido da visão, qualquer padrão visual tenderá para a configuração mais simples possível.
Este princípio esclarece porque é que certas formas ou cores se fundem em unidades ou se separam, porque
algumas coisas parecem planas, enquanto outras têm volume e profundidade. Possibilita entender a base
lógica da inteireza e do ser incompleto, o todo e a parte, a solidez da transparência, o movimento e a
imobilidade.
A nossa mente fatiga-se quando tem que discriminar e descrever pormenores. Prende-se antes de tudo no
todo a ali permanece por algum tempo e só depois desta estância preceptiva no objecto, é que é capaz de se
certificar dos pormenores.
O processo de representação, pictórico, ou outro, investe-se do mesmo sistema.
Quando um pintor estabelece levar a cabo um retracto naturalista, começa por encarar o espaço que dispõe
para a execução do desenho, divide-o mentalmente e passa a traçar algumas linhas mestras da composição.
Depois de abraçar esta generalidade, caminha no sentido de um crescendo de complexidade formal,
debruçando-se sobre os pormenores mais destros.
Se a simplicidade é o caminho último das obras de arte, o minimalismo devia consubstanciar o cumprimento
de todas as propostas: Mas esta certeza não pode corroborar-se.
Como já se disse, quando não há imagem, a nossa psique procura-a incessantemente, fazendo uso da
imaginação.
Se é preciso aliviar o olhar do exagero e da complexidade, há que o fazer com equilíbrio.
6.9 A economia da forma
É nos mais fácil captar a simetria do que a assimetria, a leveza formal, em detrimento da prolixidade e efeitos
estonteantes e de desnorte.
A forma artística evolui tendencialmente em vários sentidos divergentes, consoante o objectivo que pretende
atingir e que está ao seu alcance. Ela pode tender para a simplificação, para configurações simétricas
regulares equilibradas, ou para uma estrutura enriquecida.
Princípio da economia da forma
Sabe-se que uma forma artística deverá ser tão simples quanto o assunto o permitir, para evitar redundâncias
preceptivas que levam o leitor a alhear-se dela.
A tendência para a economia da forma não pode alhear-se dos princípios canónicos da simetria, da regra e
do equilíbrio, porque o “mecanismo perceptivo que produz alterações nesse campo depende da redução do
controlo estimular e, assim, a falta de contacto com a realidade levará a uma excessiva predominância da
forma”.
6.10 A ordem e a desordem
A simplicidade formal tem a ver com a necessidade de organização do caos, ele tende a desaparecer na
presença da simetria, do equilíbrio, da unidade, da ordem, e não da ausência da forma.
Uma representação unitária não é o mesmo que uma representação minimalista, mas prende-se com o
esquema compositivo que reflecte uma harmonia formal imbatível.
A natureza é realmente caótica.
Raramente achamos nos componentes naturais, no real enquanto tal, algo que se achegue à geometria pura,
aos elementos geométricos simples tirando, provavelmente, a imagem que possuímos da lua e do sol.
Colhemos na realidade uma desorganização geométrica sistemática e talvez por isso sejamos impelidos a
representar a ordem, para que também nós nos possamos organizar.
A organização é um fenómeno decisivo no nosso sistema de aprendizagem e de convívio com o exterior,
afectando-nos a memória directa, ou indirectamente.
Definiu-se organização como estabelecimento de uma relação estável entre os membros de uma série de
fenómenos.
Quando os indivíduos se desacomodam em relação ao comportamento psicológico tido como normal e
saudável, são por vezes impelidos a levar a cabo alguma tarefa que os reorganize. Muitos conseguem evadirse e recolher-se no mundo das artes plásticas, outros recorrem à escrita, outros à música e à dança. Seja
qual for a actividade seleccionada, o resultado é quase sempre compensador.
Para o caso da escrita:
Conhecem-se os seus efeitos com boa garantia. Quando estudamos um assunto complexo, recorremos aos
resumos de texto. Resumimos várias vezes o mesmo assunto e sabemos que escrevendo, assentamos
melhor as ideias, que assim estas se organizam e memorizam.
Em torno dos pólos ordem e desordem, gira todo um universo de coisas e de acontecimentos.
A ordem tende a reduzir a complexidade e a complexidade tende a reduzir a ordem.
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Contudo, ordem e complexidade não podem existir uma sem a outra.
A complexidade sem ordem produz confusão.
A ordem sem complexidade produz aborrecimento.
Ernest Gombrich e Anton Ehrenzweig, entre outros, asseguram que, quando contactamos com um padrão
visual muito complexo ou sem gestalt, a nossa tendência é para nos alhearmos dele.
O nosso olhar empalidece e distrai-se, abandonando uma qualquer interpretação porque não consegue
projectar uma forma articulada.
O nosso aparelho perceptivo de superfície, capta primeiro as manchas genéricas de um padrão. Se a
complexidade for desmesurada, a mancha recolhida não é entendível, ou discernível, nem pode ser
comparada com nada daquilo que já vimos. De nada nos serve a experiência passada, nem um preliminar de
aprendizado ou de memória. Não nos prendemos a esse padrão que nos desnorteia.
Por outro lado, também um padrão demasiado ordenado e uniforme nos aborrece, por não provocar em nós
qualquer vontade de ir mais longe, precisamente por não ser preciso.
Como tudo na vida, o que é demais farta, e o que é de menos aborrece.
O equilíbrio reside nos padrões, ou nas estruturas que não fadiguem, nem aborreçam.
No comedimento entre a ordem e a desordem e a complexidade, a virtude está de facto, entre estas duas
estruturas antagónicas.
O nosso olhar procura sempre organizar aquilo com que contacta, e, se o padrão for já organizado, se for
pouco surpreendente, o nosso olhar desinteressa-se porque qualifica a imagem como redundante.
Se o padrão for inorganizável a um tempo específico, o olhar também tende a abandonar a tarefa.
Diferentes estados de espírito (humor), requerem diferentes níveis de ordem e complexidade.
Consequentemente produzem interpretações diferentes da natureza.
É espantoso como manobramos a realidade que nos circunda consoante o nosso ânimo.
Quando acordamos com azedume, tudo nos parece virado às avessas, tudo nos incomoda. Quando estamos
de bem com a vida, nada nos oferece motivo para nos martirizarmos.
É necessário diferenciar complexidade e desordem, porque estruturas complexas nem sempre são
desordenadas.
A desordem é uma espécie de choque entre ‘ordens’ que não se coordenam e não uma ausência efectiva
de ordem. Para haver desordem teve de haver ordem. Desordenar é alterar o que esteve em ordem.
A desordem não equivale à complexidade. A desordem é sempre em relação à ordem e estas duas
qualidades são absolutamente relativas, uma está sempre em relação à outra.
Já a complexidade é uma entidade diferente que não deve imiscuir-se neste confronto. O que é complexo,
encerra em si muitas partes intricadas, provocando complicação e certos impedimentos.
O que para mim é ordem, para outros é desordem. O que para mim é ordem varia consoante o ânimo com
que acordo.
Mas os padrões visuais complexos são-no para uma quantidade de indivíduos estatisticamente maior.
A ordem pressente-se quando ‘sentimos que nada poderia ser alterado sem perturbar o equilíbrio do
todo’.
A ordem é um aspecto da percepção e por isso é intrinsecamente dinâmica.
7 - A Psicanálise e a Arte. Uma perspectiva psicanalítica da arte
A psicanálise na arte, trata da evidenciação do significado inconsciente das palavras, das acções e das
produções imaginárias de um indivíduo, aplicada às configurações, ou, concretamente às obras de arte.
A psicanálise tal como foi inicialmente concebida por Freud, é um sistema dinâmico da psicologia que tem
como objectivo encontrar os motivos primeiros dos comportamentos e da personalidade dos seres humanos.
Escrutina-se as motivações, as pulsões, e outros conflitos do mundo obscuro do inconsciente individual.
A psicanálise é obrigada a considerar a consciência como uma das qualidades do psíquico, que pode estar
presente com outras qualidades ou que pode estar ausente. Devemos procurar no psiquismo o fenómeno do
inconsciente.
Para Jung o inconsciente é o mesmo que a anima, ou algo que se nos esconde e permanece além de nós
mesmos, apesar de fazer parta da nossa essência. É o eu enquanto tal, por oposição ao nosso adorno social
que pode trair-nos enquanto nós mesmos.
Os seres humanos, como existências políticas e sociais, debatem-se constantemente com estas duas faces de
uma só estrutura: o ser para o mundo e o ser inconsciente.
7.1 O interesse da psicanálise pela arte
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O homem carrega consigo demasiadas coisas. Camufla-se num passado experimentado que é o seu, para
além do passado histórico que também o influencia. Transporta consigo os estigmas, mais ou menos
imprecisos da sua infância, que podem ser mais ou menos duradoiros.
Essencialmente, o homem é, para outro homem, incompreensível, entregando-se, também por isso, a outros
universos que lhe valham, que o acudam, que o libertem da responsabilidade de questionar-se.
Descarrega-se do saber, por ser altamente incomodativo e reprime-se quando alguns elementos mais atrozes
se tentam sobrelevar.
Por outro lado, e para que possa reter-se no território do real e conviver com ele, o homem procura achar-se.
Tenta a todo o custo entender-se, encontrar-se, colocar-se no mundo. Envereda pela incansável procura do
lugar que ocupa, pela indagação do mundo que o inquieta.
O psicanalista permite-se trazer à tona do consciente, os fenómenos do labirinto mental apartado, por forma a
poder compreender o comportamento conforme, ou disforme, dos indivíduos que estuda. Quando o
inconsciente estigmatiza os sujeitos, quando vence a batalha interior que o homem mantém constantemente
com o mundo, ou com ele mesmo, o psicanalista faz erguer dele a velha ferida, trá-la à superfície dos
sentimentos e elabora-a, no contacto pertinente com a mente sana e com o consciente racional.
A alma humana não pode ser completamente caracterizada, mas podemos imagina-la e cada vez mais
deduzi-la, através de um estudo multidisciplinar que pode incluir parâmetros mais ou menos científicos.
A psicanálise debruça-se sobre o que de mais interior há no homem, trazendo à tona, e libertando o
consciente dos martírios que não se vêem.
A psicanálise da arte procura reconhecer, nas obras, os seus mestres, na sua interioridade e na sua época
concreta. Procura o que diz respeito ao mundo interior do artista que se expõe das mais diversas maneiras.
As obras deixam de valer apenas por aquilo que manifestam, mas também, por aquilo que escondem ou
implicam.
Argan diz que aquilo que o psicanalista procura na obra não é a racionalidade do autor, mas antes, as
motivações ocultas dos sonhos, as inconfessas implicações eróticas, as secretas afinidades electivas,
pelas quais se associam a outros objectos contra qualquer razoável expectativa.
Concretamente a psicanálise tenta verificar, ou explorar a vida interior do artista no tempo, tentando
tornar evidentes as implicações inconscientes e impulsos não conhecidos.
Enquanto que a relação entre as percepções externas e o ego é bem clara, a relação entre as percepções
internas e o ego, requer uma investigação especial. As percepções internas traduzem sensações de
processos que brotam dos mais diversos e profundos estratos do aparelho mental.
A percepção interna é quilo que entendemos internamente. Aquilo que nós vemos com os olhos da alma, o
que percepcionamos na solidão, na total escuridão e na ausência. A perscrutação interior que não tem
necessariamente a ver com a reflexão.
Para Freud o inconsciente começou por ser, antes de tudo, um pressuposto teórico.
Para este, é necessário que o inconsciente exista porque há falhas, ou lapsos, ao nível da consciência, que
não podem ser explicadas de outra forma. O mundo do inconsciente manifesta-se, para o caso dos indivíduos
tidos como saudáveis, através dos sonhos, e das parapraxias (lapsos da linguagem, erros da escrita e dos
movimentos motores, pequenos acidentes e esquecimentos).
Modelo Topográfico
Primeira teoria de Freud sobre o aparelho psíquico. Freud tripartiu a mente em níveis ou instâncias distintas.
Pode comparar-se a um iceberg:
- A parte consciente é comparada à parte superior da estrutura congelada, permanentemente acima
da água. É a parte da mente que está pronta e inteiramente disponível para o conhecimento;
- O pré-consciente ou subconsciente equivale à secção entre a tona e os primeiros metros de água.
É uma espécie de lugar de transição, no qual reside temporariamente qualquer material recalcado,
durante o caminho de passagem do consciente para o inconsciente;
- O inconsciente é aquele denso e imenso bloco que mergulha nas águas e que se mantém oculto. O
inconsciente é a área psíquica de maior vulto e que influencia o comportamento consciente, sem que
possamos dar-nos conta disso.
7.2 O Id, o Ego, o Superego
Freud divide a máquina psíquica em três instâncias diferentes: Id. Ego, Superego.
Id
Constitui o pólo pulsional da personalidade, sendo os seus conteúdos a expressão psíquica das pulsões
inconscientes e em parte hereditárias, recalcadas e adquiridas. Caracteriza-se fundamentalmente pelo
aspecto original e analítico do ser, funcionando geralmente de acordo com o denominado ‘princípio do prazer’.
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No Id, o papel da percepção é substituído por aquilo a que os psicanalistas chamam de pulsão ou pulsões
que são desligadas da razão e do bom senso.
Superego
Ego
Encontra-se numa relação de dependência quanto às reivindicações do Id,
Ego
bem como aos imperativos do Superego e, paralelamente, às exigências da
Id
realidade. O Ego está sob a pressão do Superego, que tem lugar partindo
da interiorizarão das proibições e restrições éticas e morais veiculadas pelos
pais e pela sociedade em geral.
O Ego equivale à porção do Id que se modificou por influência do mundo externo.
É o Ego que procura trazer os motivos do mundo externo ao Id, para que este actue sobre as suas
tendências mais recônditas, procurando gerir o princípio do prazer mediante o princípio da realidade.
O Ego funciona com a percepção, ligando-se ao mundo externo através dela.
O Ego participa de muitas actividades que residem no inconsciente (ex. sonhar com o trabalho).
Superego
Continua a ser uma espécie de aspecto ideal do ser que procura incessantemente governar o Id através do
seu mediador natural, o Ego.
O Superego não é um resíduo das primeiras escolhas do Id, mas representa a reacção defensiva, por
excelência, contra essas escolhas, e funciona como um elemento poderoso de censura.
O Superego afirma-se numa conjuntura exemplar.
A missão última do Superego é reprimir as tendências edipianas e surge aqui o primeiro recalcamento
infantil:
Os pais da criança, e especialmente o pai, são sentidos como obstáculos à realização dos seus desejos
edipianos, e o ego infantil da criança reforçou-se para levar a cabo o recalcamento. Foi como que buscar
forças emprestadas ao pai. O superego mantém o carácter do pai e quanto mais forte era o complexo de
Édipo, tanto mais rigoroso será mais tarde o domínio do superego sobre o ego.
Ego diferente de consciência
Id diferente de inconsciente
Freud determinou que a ‘neurose é o resultado de um conflito entre o Ego e o seu Id, enquanto que a
psicose é o resultado análogo de uma perturbação similar nas relações entre o Ego e o mundo externo’.
Kendler define que neurose é um termo muito geral que abrange uma quantidade de situações mais ou
menos distintas. Todos os neuróticos têm um problema comum: não conseguiram adaptar-se a si e/ou ao
mundo.
Segundo Miller, os neuróticos podem distinguir-se por três sinais comuns: (1) sentem-se infelizes, (2)
comportam-se irracionalmente porque têm conflitos por resolver e (3) mostram sintomas vários.
De uma forma geral, o neurótico também o é porque não consegue lidar racionalmente com o seu
comportamento. Não encontra as raízes do seu descontentamento que se avoluma. Foge sempre que pode,
aos estímulos que lhe são adversos, afastando-se do mundo.
Para Dorrald e Miller, o neurótico repete essencialmente o mesmo tipo de comportamento umas vezes atrás
das outras. Em vez de o ajudar a resolver os seus problemas, este comportamento repetitivo, normalmente,
agrava-os.
Outras ideias de Freud
Na análise sobre a personalidade e estudando o seu processo evolutivo e formativo, Freud estabeleceu que
somos condicionados, logo a partir do nascimento, por directivas que estabelecem padrões perpetuados na
idade adulta.
Muito resumidamente, o Ego contacta, nas primeiras fazes, com uma série de investimentos objectais que
depois perde ou incorpora. Neste caminho, o carácter da criança, altera-se e pode levar vários rumos
evolutivos, incluindo algumas possibilidades patológicas.
Freud caminha no sentido de explicar que os indivíduos possuem uma tendência bissexual relacionada com a
situação edipiana.
Para o caso dos rapazes, eles criam, desde logo, um investimento objectal pela mãe, ligado intimamente com
o seio materno. Em relação ao pai, o bebé tende a identificar-se com este.
A dada altura deste processo evolutivo, os desejos sexuais do infante em relação à mãe intensificam-se, e
nessa altura, o pai é tido como um obstáculo. Será por esta altura que se pode identificar o denominado
complexo de Édipo.
Mas esta conjuntura tem de alterar-se e o rapaz tem de saber superá-la e, para o conseguir, tem de
desinvestir na mãe como entidade objectal. Nesta altura ele pode enveredar por dois caminhos alternativos:
(1) identificar-se inteiramente com a mãe (aumentar a sua tendência para a feminilidade) ou (2) intensificar a
sua relação com o pai (assumir uma masculinidade crescente).
Nas meninas de uma forma geral, o processo de identificação com a mãe é prevalecente, fixando-se assim o
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seu carácter feminino mas assim mesmo, podem dar-se desfechos noutros sentidos, determinando
personalidades homossexuais.
A psicanálise surge como uma tentativa terapêutica e explicativa, que tenta compreender os factores que
motivam determinados comportamentos humanos. Procura superar e elaborar toda uma série de processos
mentais inconscientes motivadores, e libertar energia para uma ‘vida normal’, ou melhor, tendencialmente
saudável.
7.3 As pulsões do Id
O Id abrange praticamente conteúdos precedentemente abarcados pelo sistema inconsciente, mas nunca a
totalidade do psiquismo inconsciente.
Para o psicanalista, o Ego está essencialmente sob a influência da percepção e o Id está sob a influência das
pulsões.
O conceito de libido: liga-se com os conceitos de vontade e de desejo, ou de energia, na sua forma original, e
na sua forma alterada pelo desenvolvimento do indivíduo. Determina as manifestações de amor, de afeição e
de apego à vida.
Na sua fase mais recuada a libido é caracterizada pela polimorfia, podendo fixar-se em determinadas partes
do corpo, em ligações que, por sua vez, se forem notadas nos adultos, podem ser consideradas perversões.
7.4 Os processos de Sublimação e de Simbolização
Freud estabeleceu que o artista é um homem introvertido que, devido às excessivas pulsões instintivas, e na
dificuldade em lidar com elas, é incapaz de se adaptar às necessidades da realidade prática.
Buscando uma compensação para a sua incapacidade, ele volta-se para um mundo fantástico onde encontra
finalmente um substituto para a satisfação dos seus desejos.
É através da expressão artística que o artista consegue converter as suas preocupações ‘irreais’ em propósito
realizáveis. O poder de sublimação funciona, como um mecanismo de defesa que o auxilia na
transformação da pulsão sexual em actividades e acções socialmente aceites e valorizadas, ou, de um modo
mais poético, a sublimação salva o artista do castigo e da doença e empurra-o para a criação como o
resultado de uma transformação energética.
Fica por esclarecer se o artista mergulha voluntariamente na tristeza e no afastamento para o acto criativo, ou
se, pelo contrário, ele é predisposto para essa permanente ruptura comportamental.
Para Freud a arte é um mecanismo, ou um veículo de integração social, uma vez que o artista cria ele próprio,
um mundo de sortilégios, onde consegue mover-se sem pudor de melancolias. É a realização de um mundooutro, onde ele é capaz de habitar.
Freud permitiu ao artista exercer uma magia curandeira, facultando-o com a possibilidade de ultrapassar
frustrações na criação artística.
Mas o artista na minha opinião pessoal, é também um homem empenhado em veicular mensagens,
empenhado com o mundo que o rodeia, com a realidade que domina e que procura entender e reflectir. Ele
não é necessariamente um ser doentio, como foi teimosamente afirmado durante o Romantismo, mas alguém
com um grande poder: a capacidade de reflectir, de moldar e de questionar o mundo. Esse poder foi
desprezado pela psicanálise, mas enaltecido pela psicologia da arte.
De facto, os artistas produzem mundos alternativos, soluções mais ou menos prazenteiras para encarar o real
que por vezes é magoante.
Não posso corroborar a consideração da obra de arte como um devaneio, porque ela é precisamente o seu
oposto. A obra de arte tem voz e clama.
Temos dias tão desafortunados, porque presenciamos guerras insolúveis, catástrofes humanas indecifráveis,
e o nosso entendimento parece sujeito a tanta violência, vislumbra um futuro ausente, prognostica rupturas
pessoais, problemas com o mundo…
Por vezes a angústia do escritor, do poeta, do músico, do escultor, do cianista, do arquitecto, …, não tem
directamente que ver com estas determinantes, mas estima-se na incompreensão da sua obra, na dormência
da escrita que nem sempre flui, na aflição que é transformar em obra o que lhe vai na alma.
A leitura freudiana não pode entender-se como a única metodologia de abordagem analítica, porque é
comprometida apenas com alguns sujeitos e com determinados contextos de envolvência.
O artista não procura exaustivamente o belo como missão primordial da sua actividade. Ele luta
constantemente com a realidade, mas esse pode ser um trabalho construtivo, metódico.
Se a beleza constitui, ou não, uma ‘arma’, um ‘meio de defesa’ ou um ‘artifício evasivo’ na sua luta com a
realidade, não o podemos entender com afinação definitiva.
Afirmar que a arte é um escudo protector da humanidade, é possível e legítimo, mas não oferece garantias
universais.
O risco da psicanálise para a interpretação da obra de arte, além do facto de só abordar artistas, e não a arte,
é que ela não está ao alcance do historiador. Quanto ao psicanalista, não pode abordar um problema artístico
de fora, sem estar suficientemente informado sobre os seus pormenores.
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7.5 A sublimação
Sublimação
Uma derivação de instintos ou de tendências egoístas e materiais, para fins altruístas e espirituais. As pulsões
pré-genitais são integradas na personalidade, graças à substituição dos seus fins e dos seus objectivos
primitivos, por fins e objectivos que representem um valor social positivo.
Grosso modo, o psicanalista entendeu a sublimação como um processo inconsciente, no qual a libido, ou
instinto sexual primário, é canalizado, ou transformado numa forma socialmente aceitável de resposta.
Seja qual for o padrão de comportamento protector da psique em relação a agentes de ansiedade, de
vergonha, de culpa, ou outro qualquer tormento, ele é visto como um mecanismo de defesa.
O mecanismo, ou processo de sublimação na psicanálise da arte tem, para Freud, a ver com este
encadeamento porque no processo de criação artística, um impulso biológico está a ser desviado do seu
curso normal, mas na forma sublimada de comportamento, podemos reconhecer apenas o objectivo para o
qual esta forma tem sido canalizada. A energia sexual converte-se em obra de arte, por sublimação
comportamental.
Não posso aceitar que a obra de arte só seja uma forma de conversão comportamental. A obra de arte é, fruto
de ideias que pretendem materializar-se sob qualquer meio de expressão.
A sublimação é predeterminada pela natureza dos próprios impulsos, ou pela composição espiritual do
artista, a história da sua vida, as condições socio-históricas em que se encontra, a sua herança cultural, e as
convenções ligadas às formas nas quais se exprime.
Uma obra de arte não é, nem pode ser simplesmente um produto de transferência de poder. A sublimação
pode ser um factor na criação artística, mas não é idêntica à verdadeira criação artística. Uma obra de arte
tem muitas outras pré-condições e requisitos prévios (necessidade de criação, de comunicação e a aspiração
do artista em conseguir que o público o entenda).
A necessidade de criação, bem como a criatividade e a imaginação são fenómenos com os quais a
psicologia, entre outras áreas cientificas, tem lidado com alguma pertinência.
Sabe-se por experiência cultural, que os artistas sentem um impulso indiscritível para a criação.
A mente humana é um grande embaraço para os próprios homens.
A obra pode traumatizar o autor, que pode reconhecer-se tanto através dela que chega a magoar-se. A obra
pode ajudar a estruturar a personalidade do autor, que se desvenda, que desvenda o seu lugar no mundo,
que se despe da roupagem que o encobre no quotidiano.
Podemos encarar a obra de arte como uma organização do real, para aquele que a produz e para os
receptores anónimos que, de alguma forma, se identificam com ela.
Um escritor, quando agarra na escrita com um frenesim, despoja a psique que sai de si transformada, vertida
em texto alinhado.
Noutros casos, o escritor, quando encara o papel ainda virgem, vê o mundo inteiro por escrever naquelas
linhas. Enquanto dá forma às ideias, organiza a sua mundivivência e perante a resolução da trama que
desenvolve, pode olhar-se num espelho maravilhoso e é então que se vê pela primeira vez.
Afinal, o que é para Freud o mecanismo de sublimação?
A sublimação prova ter muitas características em comum com um sintoma neurótico. Cada um representa um
compromisso no qual o princípio do prazer não é, de modo algum, abandonado. A única diferença é que a
neurose é uma derrota do Ego na sua luta com o Id, enquanto que a sublimação é uma vitória de Ego, em
conjunto com o Id, sobre o Superego, embora não sendo certamente uma vitória do Superego, o que
conduziria necessariamente ao recalque.
Só o que é recalcado, é simbolizado.
Os símbolos e as sublimações são todavia, o resultado da mesma dinâmica mental, do mesmo conflito entre
os impulsos do instinto e a censura moral do ego.
7.6 A simbolização
Simbolização
Tem geralmente que ver com o que está por detrás daquilo que se mostra.
A decifração dos símbolos, é um processo que dá lugar a várias demonstrações de intenções submergidas e,
neste caso, reveste-se de grande utilidade em vários campos de investigação no âmbito das ciências
humanas: desde a História da Arte, a Iconografia, a Sociologia, a Antropologia, a Psicologia, e neste caso
estrito, a Psicanálise, entre outras.
A mente humana, a psique, o funcionamento cerebral, produz uma quantidade enorme de símbolos.
Um símbolo possui um sem números de significados por ser uma representação indirecta de múltiplos
desígnios que podem ser racionais ou irracionais, conscientes, ou inconscientes.
Uma obra de arte é quase sempre, uma representação de carácter simbólico. Ela desenvolve-se, dá-se a
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conhecer, desmembrada pela análise crítica que se faz dela.
Dar corpo artístico a um pensamento simbólico tem a ver com talento, mas também com a aquisição
constante de uma experiência cultural que não podemos esquecer.
Não podemos ser radicais no método interpretativo, embora na psicanálise freudiana, as pulsões sexuais não
se traduzam apenas nas actividades levadas a cabo pelo aparelho genital, mas abrem-se a um panorama
alargado que se liga a um conjunto de excitações, motivações e actividades, que estão presentes nos
indivíduos desde a mais tenra infância, que proporcionam sensações prazenteiras e que se relacionam com a
satisfação de necessidades fisiológicas primárias, como sejam a respiração, a sensação de fome, de sede,
etc..
O psicólogo Carl Jung criou um sistema de psicologia analítica, influenciado longinquamente por Freud.
Jung acrescenta que essas energias da libido podem reverter-se numa série de formas comportamentais e,
de entre elas, ele discrimina o comportamento criativo ou artístico.
Jung acrescenta ainda que o processo psicológico pelo qual a energia libidial é transformada em actividades
culturais, é o símbolo.
Neste caso o que transforma a energia primária, provida do Id freudiano, em ardil criativo, é o símbolo que
emerge do inconsciente.
Aos símbolos universais, Jung chamou de arquétipos.
O arquétipos mais comuns, são aqueles que de alguma forma se repetem continuamente no nosso
imaginário, através da consciência religiosa e cultural (ex. mãe, herói, cruz, etc.). Trata-se de símbolos
absolutos que transmitem um conteúdo universalmente aceite, por todos conhecidos, com quase todos os
significados que acarretam.
A psicanálise da arte tenta explicar certas características das obras de arte que nos dão a conhecer o
indivíduo que as concebeu, porque carregam dentro delas estigmas da criação individual, da personalidade
do autor, dos seus motivos particulares, da orientação das suas pulsões internas, anseios e carências e
outros aspectos do foro psicológico.
O esquecimento da autonomia da obra de arte e a tendência sistemática para considerar os objectos como
carregados de símbolos que podem descodificar-se com ligeireza e rotina, desvirtuam o sentido da arte.
7.7 Uma interpretação freudiana de Leonardo da Vinci
Frequentemente, Freud leu as obras de arte como explanações da líbido. Buscou sempre significados
altamente concertados com possíveis traumas de infância dos autores, que para os reprimirem, de certa
forma os confessavam simbolicamente, ou sublimando-se.
Da sua critica obra dedicada a Leonardo da Vinci, publicada em 1910, Freud tentou desvendar o que a
personalidade do misterioso mestre e investigador ocultava. Em primeiro lugar, o psicanalista defende que o
artista era um homem belo, e enquanto viveu junto do mecenas milanês, o duque Ludovico Sforza, era um
homem de aparato, empenhado, activo e brilhante.
Mas quando abandonou Milão, acentuou-se a tristeza do mestre: “Leonardo pode ter-se tornado mais sombrio
e alguns aspectos estranhos do seu caracter terem-se assentuado.”
Começa aqui a viagem do psicanalista que tenta provar que o aumento das investigações científicas de
Leonardo, em detrimento da actividade artística, tem uma origem sombria. Aos poucos, Freud se dedica a
descobrir as características de caracter sexual de Leonardo, para lhe captar detalhadamente a personalidade.
Tentando comprovar a frigidez de Leonardo, Freud cita E. Solmi que parafraseia o próprio Leonardo: ‘O acto
de procriação e tudo o que se lhe relaciona é tão abominável que a espécie humana em breve se extinguirá,
não fosse tratar-se de um costume tradicional, pela beleza dos rostos e predisposição erótica.’
Freud que evidenciar que Leonardo não se interessa por mulheres, porque logo depois agrupa argumentos
para que os leitores se certifiquem da homossexualidade platónica do artista.
Freud explica que a paixão do artista converteu-se, ou transformou-se aos poucos, em interesse cientifico.
Podemos aqui lembrar-nos do processo de sublimação.
A observação da vida quotidiana mostra-nos que a maioria dos homens consegue canalizar partes muito
consideráveis das suas forças sexuais para as actividades profissionais. É o instinto sexual que
particularmente fornece tais contribuições, pois é dotado da faculdade de sublimação, ou seja, é capaz de
abandonar o seu objectivo imediato em favor de outros objectivos considerados mais elevados na escala de
valores.
Freud estabelece que Leonardo sublimou ‘após um período infantil de actividade intelectual ao serviço de
interesses sexuais, a maior parte da sua libido em instinto de investigação’ e esse é o fulcro secreto do seu
ser.
Para além da veiculação emotiva na procura do conhecimento, Freud explica, usando uma fantasia que
Leonardo atesta nos seus escritos, o forte condicionamento infantil, com fortes ligações sexuais e afectivas, o
seu modo personalíssimo de pintar.
Freud tenta comprovar o facto de Leonardo ter-se libertado de problemas infantis através da pintura, para
além da incessante investigação ciêntifica.
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Penso no entanto, que a estrutura de um indivíduo é ainda mais complexa, plena de factores determinantes
com pesos e medidas subjectivas, dependendo de sujeito para sujeito.
Onde por vezes queremos encontrar traumas, procurar encadeamentos, avaliar soluções benignas ou
malignas, buscamos suspeitas que podem ter mais a ver connosco, quem sabe projectadas na leitura que
fazemos do outro.
A turbulência da alma humana é indizível e indecifrável, e só podemos ter estes dados como garantia
categórica, tudo o resto vive no mundo das suposições aleatórias.
A abertura de Freud capacitou-nos, mas não nos pode condicionar.
Uma das grandes lacunas da psicanálise da arte, tem que ver com o facto de subestimar grandemente o
processo consciente na produção artística. Para a psicanálise, a origem da arte é principalmente inconsciente
e individual e, se assim for, não estamos a falar de obras de arte, mas de exposições delirantes, ou de
sonhos, ou de outras formas de expressão inconsciente e desprovida de conteúdo decifrável e de
empenhamento com o mundo.
Em conclusão, não podemos determinar categoricamente a essência da obra de arte, em concomitância com
a autoria, usando apenas uma metodologia de estudo crítico.
A relação da obra de arte com o autor é ambígua e depende se um sem número de factores mais ou menos
descrimináveis. Não podemos fazer uma leitura parcial desta frutuosa relação por tratar-se, precisamente, de
uma produção humana, carregada de formas que às vezes são dissonantes, simbólicas, de outras puramente
expressivas e comunicativas.
É notório que, muitas vezes, um autor deixa escapar, no decurso do processo criativo, traços do seu próprio
inconsciente, mas muitos deles integram com a consciência, e quem somos nós para nos atrevermos a
deslindar tão misteriosos caminhos.
A psicanálise da arte trata de um caminho tortuoso e labiríntico, um caminho que pode abrir as portas à
psique do analista, antes mesmo de deslindar motivações de autoria.
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