EDITORIAL - Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho

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Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho, Ano 17, nº 27, 2012, -7
Editorial
Um dos destaques deste número 27 da RELET é a divulgação de
resultados da pesquisa feita por Jorge Walter e Diego Szlechter no Sexto Congresso da ALAST, realizado na Cidade do México em abril de
2010. No texto, “La profesionalización de los estudios del trabajo en
América Latina. Resultados de una encuesta”, os autores apresentam um
interessante quadro sobre o dinamismo da comunidade de estudiosos do
trabalho e de suas associações na América Latina dos últimos 30 anos.
A ALAST, com mais de 20 anos de existência, é referência inconteste
no continente, por sua capacidade de circulação por vários países, por
manter a RELET ao longo desse período, e por favorecer uma “profissionalização” dos estudos do trabalho. O texto examina ainda a formação
desses cientistas sociais, sua inserção em instituições, as fontes de financiamento dos seus projetos e a participação em redes locais e internacionais e através dos livros, artigos, textos de divulgação etc., com isso
iluminando o desenvolvimento da disciplina e seus pontos de ruptura e
continuidade.
Temos ainda a satisfação de apresentar, na Seção Memória deste número, uma entrevista com a socióloga argentina Marta Novick. O
relato de sua trajetória intelectual e profissional permite identificar, nos
anos 1970, um movimento latino-americano pelos temas da sociologia
do trabalho e a influência das mobilizações populares e de um sindicalismo recuperado. “Na Argentina, na época, não se pesquisava sobre
o campo da Sociologia do Trabalho, o objeto de estudo não era nem o
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trabalho nem o emprego, nem seus contextos e circunstâncias. Era uma
sociologia do movimento operário ou da ação sindical”. A preocupação
constante com a participação dos trabalhadores nas empresas e a ação
sindical imprimiu uma marca nos estudos desse período na Argentina
e em outros países do continente. “Era também um momento de ‘esperança’ na América Latina”, afirma Marta Novick. Para ela, a influência
da sociologia europeia continuava forte, mas iniciava-se um esforço de
reconhecer nos temas latino-americanos uma singularidade própria. A
época da ditadura militar na Argentina (1976-1983) não impediu a pesquisa junto a trabalhadores e sindicatos, apesar da desconfiança governamental, e deu origem a pesquisas sistemáticas sobre processo e condições de trabalho. Atuando há alguns anos no Ministério do Trabalho
argentino, Marta Novick reconhece a importância do tema do emprego e
do que acontece no interior das fábricas. Na sua interpretação, “os trabalhadores continuam tendo escassa autonomia, longas jornadas, trabalhos
repetitivos, mas o olhar está depositado centralmente no emprego e nas
formas que adota”. Sugere então a possibilidade de escrever uma “história do trabalho na Argentina com um olhar mais sociológico”. E termina
com um desafio para a Sociologia do Trabalho na América Latina: “voltar a escutar nossas sociedades e os desafios do trabalho com uma nova
significação”, rompendo com velhos paradigmas e desenvolvendo novos
conceitos que incluam dimensões da economia e da política.
A RELET 27 traz também um conjunto de artigos sobre questões sindicais no Brasil e na Argentina, que formam seu núcleo temático
principal. Os dois textos que abordam o sindicalismo no Brasil o fazem
com objetivos diversos. Ruy Braga, em “Por uma sociologia da inquietação operária”, trabalha com diferentes interpretações sobre o chamado “advento do lulismo”, ou seja, as consequências do período Lula na
Presidência da República, no sentido da “adesão das classes subalternas
brasileiras ao atual regime de acumulação pós-fordista financeirizado”.
Discute a noção de “satisfação” da “fração mais pobre e precarizada
das massas trabalhadoras no país” e desenvolve a noção sociológica de
“precariado” – ou proletariado precarizado. Para o autor, “o precariado é
formado por este amálgama de trabalhadores, excluídos os trabalhadores
profissionais e a população pauperizada”. Braga resume as contribuições
sociológicas sobre trabalho no Brasil e avalia que é possível “acompanhar a formação da angústia do precariado brasileiro. Uma sensação
que, especialmente, após 1968, amadureceu, arremessando na segunda
metade da década de 1970 a insatisfação operária para o centro da cena
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política nacional”. O trabalho, pois, tem pretensões analíticas de longo
curso, buscando na produção sociológica passada os elementos da construção de um esquema interpretativo sobre o presente.
Andréa Barbosa Gouveia e Marcos Ferraz, em “Estrutura sindical
e cenário político: o sindicalismo docente no Mato Grosso do Sul e no
Paraná”, discutem o sindicalismo docente público e sua especificidade no contexto de uma estrutura sindical brasileira marcada por forte
regulamentação. O fato de esse tipo de sindicato atuar em uma realidade menos restritiva (já que não está sujeito aos controles da legislação
sindical) permitiu a construção de organizações estruturalmente diferentes. Os autores defendem que “analisar o sindicalismo é decifrar e
compreender a ação de atores específicos, com necessidades materiais
presentes, inseridos em perspectivas de futuro concretas, envolvidos em
conflitos políticos reais e no interior de marcos institucional e cultural
delimitados”. Logo, o texto também tem pretensões analíticas mais amplas, mesmo se não tão ambiciosas quanto o de Ruy Braga.
No artigo “Los trabajadores subcontratados y sus nuevos desafíos sindicales: imágenes y memoria colectiva del sindicato argentino
UETTEL (Unión de empleados y técnicos de las telecomunicaciones)”,
Emanuel Ynoub identifica um contexto de maior dinamismo na negociação coletiva e nos conflitos trabalhistas a partir de 2003 na Argentina, apontando o surgimento de novos atores, além dos trabalhadores
e sindicatos de setores tradicionais. Seu estudo enfoca a ação coletiva
de trabalhadores subcontratados, o surgimento de um sindicato de trabalhadores terceirizados e a construção da memória coletiva. O artigo
recupera, através de imagens e fotografias, “uma identidade telefônica e
uma resignificação da visão sobre o trabalho subcontratado”.
Em “Sindicalismo empresarial: problemas, conceptualización y
economía política del sindicato”, os autores Pablo Ghigliani, Juan Grigera e Alejandro Schneider fazem uma revisão crítica do modo como as
ciências sociais argentinas vêm tratando o “sindicalismo empresarial”
(quando uma importante fração do sindicalismo optou por participar dos
negócios econômicos abertos pelas reformas do mercado) e ao final propõem uma nova abordagem para o tema. Identificam duas correntes de
interpretação relevantes. De um lado, o sindicalismo empresarial como
um “produto derivado das negociações e concessões que permitiram ao
governo evitar o enfrentamento com as centrais sindicais”; e, de outro,
como business unionism norte-americano. Argumentam que as explica-
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ções existentes são insuficientes por falta de ênfase na dimensão sóciohistórica e ausência da perspectiva que considera a economia política do
sindicato. Temos aqui, portanto, mais um esforço analítico de pretensões
mais amplas que, esperamos (como, aliás, no caso dos artigos sobre o
sindicalismo brasileiro), pode estimular a realização de novas pesquisas.
Ainda neste número, o texto “Perfil del capacitando en Chile:
variables que inciden en el acceso”, de Nicolás Didier Pino e Cristian
Pérez González, discute a importância do tema da capacitação para o desenvolvimento econômico e a qualidade do trabalho, colocando em debate o efeito de variáveis demográficas, sociais e trabalhistas no acesso
ao processo de capacitação. Utilizando dados de 2009 da “Encuesta de
Caracterización Socioeconómica (CASEN)” e do informe técnico formulado pelo “Servicio Nacional de Capacitación y Empleo (SENCE)”,
os autores demonstram que categoria ocupacional e níveis de educação
formal são as características de maior relevância nesse processo e a partir daí discorrem sobre as implicações desses resultados para as políticas
públicas.
O texto de Veronika Sieglin, “El impacto del acoso laboral en los
observadores. Estudios de caso en instituciones académicas en México”,
aborda tema bastante atual do que se chama assédio moral no trabalho
(acoso laboral) a partir de uma investigação que avalia o impacto do assédio sobre quatro pesquisadoras de educação superior no México, que
observam as agressões sem serem diretamente afetadas por elas. Duas
pesquisadores intervêm no conflito e duas outras se abstêm. O texto analisa então os dois grupos quanto à relação com a vítima, suas atitudes e
ações diante do assédio, suas expectativas quanto ao comportamento da
organização e o impacto do seu papel de observadoras em sua própria
saúde psicofísica. Ao final, revelam que as organizações de trabalho, cenário do assédio, não castigaram os que assediaram, não protegeram as
vítimas e puniram os observadores que tentaram impedir as agressões.
Maria Rosa Lombardi, em “Arquitetura militante: relações de gênero em um empreendimento de trabalho associado”, estuda uma experiência de trabalho associado entre arquitetos que se dedicam à assessoria
técnica para habitação popular, em construções por mutirão. Trata-se de
estudo de caso, que recupera vinte anos de história de uma ONG, com
ênfase em dois aspectos: a organização do trabalho e a divisão sexual do
trabalho técnico entre arquitetos e arquitetas (tanto no escritório quanto
nas obras), tornando possível identificar embates de gênero, de gerações
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e de saberes, presentes tanto junto aos trabalhadores da construção civil,
como junto às lideranças dos movimentos.
Valmir Luiz Stropasolas, em “Trabalho infantil no campo: do
problema social ao objeto sociológico”, reflete sobre a importância de
aprofundar sociologicamente o conceito de trabalho infantil. O texto sugere que as “concepções teóricas clássicas na sociologia e os métodos e
técnicas convencionais de investigação não instrumentalizam suficientemente os pesquisadores para abordar os espaços específicos do mundo
das crianças, suas visões de mundo e expectativas”. A partir dessa constatação, discute as diversas interpretações em torno do sentido do trabalho infantil, com suas especificidades nos contextos rurais, a partir da
análise das práticas e relações sociais em que se inscreve o trabalho das
crianças nos processos produtivos rurais. Dentre outras coisas, chama
atenção para a diferença entre a lógica camponesa e a inserção das crianças no trabalho agrícola familiar (na forma da “ajuda”), por um lado, e o
trabalho infantil em empresas agrícolas (tipicamente, exploração ilegal
do trabalho), por outro.
Por fim, apresentamos a resenha de Claire Auzias sobre o livro
de sociologia La part de l’étranger.e: travail et racisme, de Hélène
Yvonne Meynaud, que analisa a discriminação racista e a discriminação
sexista no trabalho na França e na Europa contra os estrangeiros no mundo do trabalho. Boa leitura.
José Ricardo Ramalho e Adalberto Cardoso
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