INFLAÇÃO, A TAXA SELIC E A DÍVIDA PÚBLICA INTERNA José Luiz Miranda1 Desde o ano de 2014 o cenário de inflação tem se acentuado no país. Esse fato tem se tornado visível no dia a dia das pessoas em função do aumento significativo dos preços dos variados bens e serviços disponíveis para a população desde aqueles considerados de primeira necessidade, de forte influência no orçamento doméstico, até aqueles mais sofisticados. Muito embora o Conselho Monetário nacional CNM tenha estabelecido uma meta de inflação de 5,5% a.a. para o ano de 2015 o IPCA, indicador oficial de medição, apresentou um percentual acumulado de janeiro a junho da ordem 6,1709% projetando uma inflação anual de 9,9029% a partir do percentual de 0,79% para o mês de junho de 2015. Esse fenômeno gera uma expectativa negativa para qualquer economia estabilizada e tem influencia significativa no processo de tomada de decisão, tanto por parte das empresas como parte dos indivíduos, notadamente quando ultrapassa significativamente a meta estabelecida. Como tem sido praxe, em um cenário de inflação ascendente o Comitê de Política Monetária - COPOM, responsável pela condução da política monetária do governo, busca cumprir o seu papel institucional em utilizar a Taxa do Sistema de Liquidação e Custódia de Títulos Públicos - Taxa SELIC, como um dos instrumentos para se refrear o consumo de bens e serviços em cenários de aquecimento da demanda. Pela legislação em vigor, o COPOM reúne-se ordinariamente a cada 45 dias para definir as ações inerentes à condução da política monetária do Governo a partir uma análise de cenários. Essa análise é centrada no comportamento da oferta agregada incluindo-se as importações e exportações, comparativamente à demanda agregada na economia e, simultaneamente, definir a Taxa Selic que deverá vigorar até a próxima reunião. A Taxa SELIC é o parâmetro máximo para o pagamento da remuneração dos títulos públicos na negociação com os seus tomadores notadamente as instituições financeiras, muito embora sejam extensivas também às pessoas físicas através das operações no Tesouro Direto. 1 Economista, Professor Universitário e Ex-Conselheiro do Conselho Regional de Economia Página 1 Nesse sentido, a Taxa SELIC passa a se constituir na Taxa Básica da Economia, ou seja, aquela que vai servir de referência para realização das demais operações envolvendo a intermediação de recursos financeiros com forte influência na determinação da taxa de juros de mercado. Acrescenta-se que a taxa de juros é o preço do bem chamado dinheiro. De acordo com a lei da oferta e da procura esse preço aumenta ou diminui de acordo com o volume disponível e a demanda por esse bem de acordo com as relações de mercado, porém, estando sujeita a um conjunto de variáveis institucionais decorrente do exercício da atividade regulatória pelo governo. Pela lógica desse mecanismo, em um cenário com tendência inflacionária, um aumento da Taxa SELIC traz mais atratividade para a aquisição de títulos públicos pelas instituições financeiras reduzindo a disponibilidade de recursos financeiros circulantes, o que é denominado de liquidez. Com a redução da liquidez, considerando a demanda por dinheiro constante, a tendência natural é que as taxas de juros praticadas pelo mercado sofram acréscimos significativos aumentando o custo do dinheiro para o financiamento de bens e serviços e, com isso, desestimule consumo presente. Esse conceito se remete à Teoria dos Fundos Emprestáveis que foi desenvolvida por Irving Fischer (1930) com base na investigação da razão pela qual alguns indivíduos optam por fazer uma poupança e outros, ao contrário, optam por tomar recursos emprestados em função de uma taxa de preferência intertemporal. Em outras palavras, segundo a teoria de Fischer, de forma consciente os indivíduos escolhem entre realizar o consumo de bens e serviços no presente ou no futuro sendo o principal elemento determinante para a decisão a taxa de juros vigente no mercado tanto sob a ótica das aplicações financeiras como sob a ótica da contratação de financiamentos. Na linha do pensamento de Fischer, um tanto simplista devido à complexidade das operações financeiras atuais, se o nível da taxa de juros corrente estiver elevado, o consumo será adiado e a formação de poupança para o consumo futuro será estimulada. Em havendo mais poupança novos investimentos serão realizados pelas empresas devido a uma maior disponibilidade de recursos financeiros para essa finalidade. Página 2 Diante desse conceito, os defensores da austeridade monetária afirmam que quando as taxas de juros praticadas pelo mercado se encontrarem elevadas pelo estímulo do aumento da Taxa SELIC a tendência natural é que ocorra a inibição do consumo presente desaquecendo a demanda por bens e serviços e, em consequência, neutralizando a ocorrência de um cenário inflacionário. Os críticos da austeridade monetária afirmam que a manutenção de taxas de juros elevadas para refrear o consumo, inibe as iniciativas de investimentos do setor privado em função do encarecimento do custo do capital e, em outra vertente, no incremento da dívida pública interna pelo aumento da remuneração a ser paga aos tomadores de títulos públicos. Essa necessidade de aumento da remuneração a ser paga exige maior provisionamento de reservas, representado pelo superávit primário, cuja formação dependerá do aumento da arrecadação tributária ou contenção de despesas do governo que, de forma geral, não ocorre de forma qualitativa. Uma leitura mais detalhada da situação aponta para o fato de que, sem avaliar as suas implicações no incremento da dívida pública, a iniciativa do COPOM é plenamente aceita se a inflação presente na Economia Brasileira fosse caracterizada puramente como de demanda e não, em grande parte, caracterizada como de oferta. Muito embora essas duas modalidades possuam diferenças sob o aspecto conceitual, os seus reflexos para a sociedade se mostram idênticos. Vamos explicar resumidamente a diferença entre a inflação de demanda e a inflação de oferta bem como os seus eventuais desdobramentos. De acordo com a literatura econômica, a Inflação de Demanda é caracterizada como aquela ocasionada por um cenário em que a Demanda Agregada por bens e serviços (DA) se encontra em um patamar superior à Oferta Agregada por bens e serviços (OA). Em outras palavras, a geração de bens e serviços pela economia se mostra insuficiente para atender à demanda por bens e serviços por parte das pessoas físicas e das pessoas jurídicas do setor privado, pelo setor público e pelos residentes no exterior trazendo como consequência, pela lei da oferta e da procura, um aumento contínuo de preços. Página 3 Essa situação é “combatida” pelo COPOM que trabalha para neutralizar os efeitos inflacionários na economia, realizando aumentos sistemáticos da Taxa da SELIC visando a redução da liquidez monetária, redução do crédito com reflexos no aumento da taxa de juros de mercado, todos visando desestimular o consumo. Com isso ocorre a movimentação da Demanda Agregada (DA) para uma posição inferior que é denominada de Demanda Agregada Esperada (DAE). Simultaneamente, buscando atingir uma situação de equilíbrio e fora da competência do COPOM, devem ser utilizados outros instrumentos acessórios de modo a movimentar a Oferta Agregada por bens e serviços (OA) para uma posição superior. Essa nova posição é denominada de Oferta Agregada Esperada (OAE) sendo que alguns instrumentos possíveis de utilização são o aumento das importações e redução das exportações de bens e serviços em segmentos mais críticos e mais o estímulo à produção como a redução da alíquota de tributos e inovação a tecnológica para aumento da produtividade. A figura a seguir explicita o fenômeno. Página 4 Também de acordo com a literatura econômica, a Inflação de Oferta é aquela na qual o aumento dos preços finais dos bens e serviços é consequência do aumento dos custos de produção, ou seja, o aumento dos preços dos insumos utilizados na produção. Esses insumos, materiais e imateriais, de acordo com a característica da atividade econômica, podem ser entre outros, matérias-primas salários, fretes, energia, infraestrutura, tributos e até o próprio manancial burocrático a que está sujeito o setor produtivo por força do tamanho do estado, este de grande influência e de baixa visibilidade. É aquilo que a Teoria a Nova Institucionalista da Economia denomina de custos de transação que estão associados ao ambiente institucional. A presença desses elementos tem influência no aumento dos preços finais mesmo que esse aumento independa da demanda por bens e serviços Atualmente, conforme aludido anteriormente, o país em grande parte vivencia um cenário de inflação de oferta no qual o aumento de preços ocorre mais pelo aumento de custos e outros fatores associados a medidas equivocadas de politica econômica adotadas no passado recente e que agora requerem ajustes, do que como consequência de uma grande Demanda Agregada por bens e serviços. Aliás, cabe ressaltar que a Demanda Agregada por bens e serviços não tem sofrido grandes oscilações positivas em virtude do endividamento contraído pelos indivíduos, pelo risco do desemprego e pela própria inadimplência. Segundo dados recentes da Serasa Experian a inadimplência média no Brasil em base anual considerando o mês de maio do corrente ano atingiu o percentual 14,9% com ênfase nos segmentos de energia, água e esgoto, telecomunicações e crédito ao consumidor. Nesse cenário, a condução da política monetária referenciada na Teoria de Fischer pode ter efeitos limitados, além de trazer reflexos significativos na dívida pública interna. Isto endossa em parte a posição dos críticos do conservadorismo adotado pela da autoridade monetária em função da redução da capacidade de investimentos pelo setor público induzido pela exigência da formação de um superávit primário em nível suficiente para pagar os encargos da dívida pública interna, quando esta obrigação é cumprida rigorosamente. Página 5 A dívida pública interna, quando da implantação do plano de estabilidade monetária em 1994 (Plano Real), atingia o montante de R$ 60 bilhões de Reais e, atualmente considerando o mês de maio atinge um patamar de 2,37 trilhões de Reais, segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Porém, que durante esse período de 20 anos a formação de parte dessa dívida ocorreu devido a medidas de ordem institucional e legal que foram adotadas como instrumento de gestão para reconhecimento de direitos creditícios junto à União, Programa de Reestruturação do Sistema Financeiro Nacional (PROER), além da renegociação e incorporação das dívidas dos estados e municípios junto à União. Essas medidas foram essenciais para propiciar um ordenamento orçamentário2, medidas essenciais para a manutenção do cenário de estabilidade macroeconômica. Contudo, mais recentemente, houve forte tendência a um crescimento acentuado em função da captação de recursos no mercado financeiro via emissão de títulos públicos para a realização de aportes destinados às instituições financeiras públicas (BNDES, CAIXA, etc.) que servem de orçamento paralelo para governo e também para cobrir déficit de setores específicos da economia a exemplo do setor elétrico e de habitação. Nesse contexto, o peso do endividamento vinculado à Taxa SELIC, ou seja, junto ao sistema financeiro, teve um peso significativo no montante da dívida. Segundo dados também da STN no ano de 2014 foi desembolsada a quantia de 185 bilhões para pagamento de juros e outros encargos da dívida mobiliária. Destaca-se, ainda, que o perfil da dívida interna tem uma concentração relativamente acentuada em títulos com prazo de vencimento de curto e de médio prazo, o que leva o Banco Central promover periodicamente renegociações para substituição de títulos vencidos por novos títulos remunerados à taxa de juros vigente. Assim, a cada aumento da Taxa SELIC para se buscar em tese se neutralizar uma eventual inflação de demanda se provoca, em contrapartida, um incremento da dívida pública interna e 2 A renegociação e incorporação das dívidas dos estados e municípios junto à União foram realizadas com base na Lei 9.496/97, que regulamentou e estabeleceu as condições para o refinanciamento de dívidas pelo Governo Federal, onde a União assumiu no conjunto aproximadamente um montante de 100 bilhões de Reais para ser pago no prazo de 30 anos e em parcelas mensais calculadas à taxa de 6% a.a corrigidas pelo IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas. Essas parcelas mensais são pagas através da retenção do valor correspondente junto ao Fundo de Participação dos Estados (FPÈ). Página 6 aumento dos encargos financeiros exigindo-se, por conseguinte, maior superávit primário para fazer frente aos novos compromissos assumidos. Mais um aspecto a destacar é que, sob a ótica da Teoria de Fischer o aumento da taxa de juros estimula a formação da poupança em detrimento do consumo presente possibilitando a formação de reservas para investimentos. Ora, as taxas de juros de mercado são induzidas pela Taxa SELIC que norteia a remuneração dos títulos públicos cujos adquirentes de maior magnitude são as instituições financeiras. Assim, nesse processo cabem as seguintes indagações: Quem está fazendo poupança? Se essa poupança está sendo formada quem são os seus beneficiários? A busca por respostas para essas indagações se remete a intrincada relação entre o Governo e o Sistema Financeiro Nacional em um cenário no qual a sociedade clama por uma ampla reforma tributária, redução dos gastos públicos de custeio e estímulo à realização de público e do setor privado. A utilização dos instrumentos monetaristas para se combater uma eventual espiral inflacionária tem resultados limitados quando a causa do fenômeno não reside no incremento do consumo, mas no custo da produção, notadamente quando o registro do maior aumento dos preços ocorre nos bens de primeira necessidade (alimentos) em um cenário no qual a Economia Brasileira tem uma grande exposição internacional. Assim, o aumento da Taxa SELIC a contrário de neutralizar a inflação somente tende a contribuir para um maior ganho dos tomadores de títulos públicos. Acrescenta-se que esses tomadores de títulos públicos podem ser residentes e não residentes. No caso dos não residentes o estímulo para aquisição de títulos ocorre pelo aumento da Taxa SELIC atraídos por uma maior remuneração se comparada à taxa média de juros internacionais. Se esse fluxo for bem administrado, em teses, apesar de uma possível volatilidade, possibilita a entrada do país de moeda forte, notadamente o Dólar Norteamericano, contribuindo para a sua maior oferta, aumento das reservas internacionais e contribuição para o equilíbrio do balanço de pagamentos. Página 7 Tudo é uma questão de visão estratégica pelas autoridades monetárias e poderes constituídos visando gerar informações transparentes para a sociedade que, em última instância, é responsável pelo custeio da máquina pública. Página 8