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COTAS ÉTNICAS1
Nilma Lino Gomes2
Cumprimento aos professores dessa mesa, meus colegas da UFMG e à
coordenadora, colega de unidade e de departamento. Cumprimento a todos e a todas que
estão presentes nesse auditório. Gostaria de agradecer o convite da reitoria para
participar dessa mesa. Concordo com todos que já passaram por esse Seminário de que
essa é uma iniciativa importante da UFMG, enquanto universidade pública, responsável
e competente no seu trabalho com ensino superior. É preciso abrir o debate sobre
democratização do acesso. Entendo que estamos só iniciando o debate que deverá ser
ampliado para além das fronteiras da nossa universidade. Ainda há muito que se
discutir.
A primeira colocação que gostaria de fazer é: de que lugar eu falo nesta mesa?
Falo, em primeiro lugar, como mulher negra, comprometida com o meu povo. Em
segundo lugar, falo como professora da Faculdade de Educação da UFMG. Em terceiro,
falo como coordenadora de um programa de extensão intitulado Ações Afirmativas na
UFMG, aprovado no Concurso Cor no Ensino Superior do Laboratório de Políticas
Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Desde o mês de agosto de 2002
eu e mais doze professores da Faculdade de Educação, Faculdade de Letras, Escola da
Ciência da Informação, Centro Pedagógico, uma funcionária e monitores do Instituto de
Ciências Exatas, realizamos seminários, cursos e oficinas voltados para alunos negros,
sobretudo os de baixa–renda, regularmente matriculados em qualquer curso de
graduação da UFMG. Temos como grandes parceiros a Faculdade de Educação, a PróReitoria de Extensão, a Faculdade de Letras e a Fundação Universitária Mendes
Pimentel (FUMP).
Talvez tenhamos que começar esta mesa por uma constatação. A questão das
cotas étnicas é um tema posto na agenda nacional. Ele é objeto de debate hoje no
judiciário, nas universidades, nas conversas mais cotidianas e até mesmo neste
seminário. Os debates aqui realizados nos mostraram que não há como pensar no tema
da democratização do acesso ao ensino superior no Brasil sem colocar a questão das
cotas.
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Palestra realizada no dia 09 de maio de 2003, no auditório da reitoria da UFMG, durante o seminário
“Ampliação do Acesso à universidade pública: uma urgência democrática”.
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Professora do Departamento de Administração Escolar da FAE/UFMG. Doutora em Antropologia
Social/USP.
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Em que contexto aparece esse tema? Ele aparece em um contexto de construção
de um Estado mais democrático e de uma universidade mais democrática, que é o tema
deste seminário. Provavelmente, fora de um contexto de busca da democracia, o tema
das cotas étnicas não encontraria lugar.
Mais especificamente, de onde surgiu o debate sobre cotas étnicas ou cotas
raciais no Brasil? Será que é uma invenção dos negros e das negras brasileiras do
terceiro milênio? Será que é uma simples cópia da luta dos negros norte-americanos da
década de 60 do século passado? Podemos dizer que o debate sobre cotas étnicas ou
raciais no ensino superior faz parte da agenda política do movimento negro brasileiro,
com mais contundência, a partir da década de 80. Porém, somente agora ele ganha
visibilidade no cenário nacional, cobertura da mídia (mesmo que muitas vezes
distorcida e tendenciosa) e é introduzido, com todas as resistências possíveis, nos meios
acadêmicos e entre os formuladores de políticas públicas educacionais. Diante do que
tenho visto e ouvido nos dois dias de debates que antecederam esta mesa, acho
importante destacar alguns pontos:
1o ponto: Até a década de 1980, a luta do movimento negro brasileiro, no que se
refere ao acesso à educação, possuía um discurso mais universalista: escolas, educação
básica e universidade para todos. Porém, à medida que o movimento negro foi
constatando que as políticas públicas de educação, de caráter universal, ao serem
implementadas, não atendiam a grande massa do povo negro, o seu discurso e suas
reivindicações começaram a mudar. É nesse momento que as cotas, que já não eram
uma discussão estranha no interior da militância, emergem como uma possibilidade e,
hoje, passam a ser uma demanda política real e radical.
Além disso, é bom lembrar que a discussão sobre cotas no Brasil não se restringe
ao movimento negro. Ela também faz parte da luta de outros grupos do movimento
social. No cenário político nacional, ela se dá em conjunto com outras políticas de
reconhecimento, como são exemplo as cotas para os portadores de necessidades
especiais e para mulheres nos partidos políticos e nas representações públicas.
2o ponto: A reivindicação por cotas étnicas não se limita ao acesso à
universidade. Em alguns setores do poder público, elas já são uma realidade: o
Ministério de Desenvolvimento Agrário, o Ministério do Trabalho e o Ministério da
Justiça já implementaram cotas étnicas.
3o ponto: A discussão sobre as cotas não pode ser feita isoladamente como
temos assistido em diversas esferas da sociedade. Essa é uma estratégia daqueles que
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são contra ou daqueles que não querem discutir sobre o assunto. As cotas étnicas têm de
ser discutidas no contexto das políticas de ação afirmativa, as quais estão inseridas na
luta em prol do combate às desigualdades sociais e raciais no Brasil.
Assim, de acordo com o jurista Joaquim Barbosa Gomes (2001) - o primeiro
negro a ser indicado para ocupar uma vaga de ministro no Supremo Tribunal Federal -,
por ação afirmativa devemos entender um conjunto de políticas públicas e privadas de
caráter compulsório, facultativo ou voluntário, que visam o combate à discriminação
racial, de gênero e de origem nacional. “Uma política de ação afirmativa tem como
objetivo corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo
por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens
fundamentais como educação e emprego” (p. 40 e 41). As políticas de ação afirmativa
significam uma mudança de postura, de concepção e de estratégia do Estado, da
universidade e do mercado de trabalho, os quais, em nome do discurso da igualdade
para todos, usualmente aplicam políticas e estabelecem critérios de seleção, ignorando a
importância de fatores como sexo, raça e cor.
Ao reivindicá-las, o movimento negro e os demais defensores das ações
afirmativas não estão discordando do princípio do direito universal, mas sim
enfatizando que, numa sociedade com tamanha desigualdade social e racial, ele não é
suficiente para atender os grupos sociais e étnicos com histórico de exclusão e
discriminação racial. Estamos, então, lutando pelo reconhecimento da diferença, uma
luta pela eqüidade, pela implementação de políticas universais, sim, mas que
caminhem lado a lado com políticas de ação afirmativa para a população negra. As
políticas públicas deveriam sempre trabalhar nesses dois registros: garantir o acesso
universal à educação, saúde, etc e também respeitar as diferenças. Quem administra
políticas públicas no Brasil precisa trabalhar com políticas que caminhem nessas duas
perspectivas. Se não fizermos isso, estaremos ferindo princípios democráticos básicos.
(O movimento negro tem trabalhado com esses dois registros).
4o ponto: A política de ação afirmativa, além de ser uma reivindicação do
movimento negro, faz parte de um compromisso assumido internacionalmente pelo
Brasil. Compromisso que está explicitado no estatuto da Igualdade Racial, hoje em
discussão no Congresso Nacional, e na criação da Secretaria Especial de Promoção da
Igualdade Racial, criada pelo presidente Lula no dia 21 de março deste ano.
Mas de onde vem, então, esse compromisso do governo brasileiro com as ações
afirmativas? Embora essa discussão tenha um registro histórico mais antigo, vou me
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ater ao período mais recente. Como todos sabem, no período de 31 de agosto a 08 de
setembro de 2001, realizou-se na cidade de Durban, na África do Sul, a 3a Conferência
Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de
Intolerância, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Mas que desdobramentos essa conferência trouxe para a realidade brasileira? E o
que ela tem a ver com a questão das cotas? Um dos desdobramentos de Durban foi a
intensificação, no Brasil, dos debates sobre políticas públicas voltadas para a população
negra nos meios de comunicação em massa. Além disso, o governo brasileiro, na época,
mesmo
com
uma
atuação
tímida
durante
a
Conferência,
comprometeu-se
internacionalmente com a luta contra a discriminação racial e, após a Conferência,
iniciou uma série de ações para o desenvolvimento de políticas de ações afirmativas
voltadas para a população negra brasileira.
Essas e outras medidas que o governo brasileiro vem implementando pósDurban são, então, ações afirmativas, são políticas de combate às desigualdades raciais
e, ao implementá-las, o Brasil estará também, efetivamente, desenvolvendo ações de
combate às desigualdades sociais.
Parafraseando Ricardo Henriques (2000, p. 2 e 3) afirmo que a desigualdade
racial brasileira não decorre de nenhuma fatalidade histórica, apesar da perturbadora
naturalidade com que a sociedade a encara. Sendo assim, já é passada a hora de
pararmos de afirmar e, inclusive, de tentarmos escamotear a nossa problemática racial.
No Brasil, o negro não é discriminado só porque ele é pobre. Ele é discriminado porque
é negro e, também, porque é pobre. E isso faz muita diferença. Quer sejamos ricos ou
pobres, nós, os negros brasileiros, sofremos racismo. É claro que a classe social, a renda
e o grau de instrução, em algumas situações, atenuam esse racismo, mas não fazem com
que ele desapareça. É o que comprovam os dados censitários, pesquisas do IPEA e
pesquisas realizadas nas universidades. Porém, vivemos um racismo que se esconde e
ao mesmo tempo se manifesta envolto no mito da democracia racial, que apela para a
existência de uma harmonia racial. Como nos diz o sociólogo e professor Valter Silvério
da UFSCAR (2003), a discriminação racial por marca (ou seja cor da pele e aparência
racial) é uma forma sutil e sub-reptícia do racismo brasileiro, um racismo que INCLUI
E PRETERE em vez de EXCLUIR E SEGREGAR, como acontece em outros países
racistas (p. 95).
Em termos educacionais, vale a pena perguntar: onde está a nossa tão falada
harmonia racial em um País que, como comprovam os dados do IPEA, em 1999, a
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maioria dos jovens negros entre 18 e 25 anos não dispunham do direito ao acesso ao
ensino superior, na medida em que somente 2% deles ingressaram na universidade. Será
que essa realidade mudou em 2003?
Esse dado não revela apenas a falta de democracia em nosso País, mas também a
falta de democracia em nossa universidade, o que é extremamente grave quando se trata
de universidades públicas.
5o ponto: Mas é a mesma coisa ação afirmativa e cotas? Esse é um outro ponto
que precisamos esclarecer. Reduzir o caráter e a abrangência das políticas de ação
afirmativa à concessão de cotas (ou reserva de vagas) para negros na universidade pode
ser fruto de falta de informação, desentendimento e manipulação política.
As cotas representam uma das estratégias de ação afirmativa e, ao serem
implantadas, desvelam a existência de um processo histórico e estrutural de
discriminação que assola determinados grupos sociais e étnico/raciais. Talvez por isso
elas incomodem tanto a sociedade brasileira, uma vez que desvelam a crença de que
somos uma “democracia racial” e de que se resolvermos a questão socioeconômica
resolveremos a racial.
No Brasil, além da UERJ e da UENF, já temos a experiência da UNEB
(Universidade Estadual da Bahia) que, desde 1999, já introduziu o quesito cor no
formulário de inscrição do vestibular e, em 2003, implementou cotas étnicas de 40 %
para alunos negros vindos de escola pública. 1500 jovens negros entraram pelas cotas na
UNEB este ano.Por que a mídia não deu a menor cobertura a essa experiência?
6o ponto: As cotas étnicas colocam em xeque as nossas “verdades” sobre o
acesso dos estudantes negros e brancos à universidade. Elas nos mostram que o ensino
superior não pode ser considerado privilégio de alguns. Elas nos levam a refletir e
questionar a forma como o discurso do mérito acadêmico tem se instaurado entre nós
como um dos argumentos para não implementarmos cotas étnicas (aliás, nunca se falou
tanto em mérito acadêmico quanto agora). Porém, não podemos reduzir o acesso à
universidade, sobretudo à universidade pública, a uma questão de mérito. Ninguém nega
que a vida acadêmica exige determinadas competências e saberes. Isso é diferente de
discursarmos friamente sobre o mérito, como se o vestibular classificatório fosse uma
competição em que todos os concorrentes estão em igualdade de condições para
competir. As condições de vida, as trajetórias sociais e escolares de negros e brancos
não são iguais. Entrar para a universidade, sobretudo, uma universidade pública, não se
reduz a uma questão de mérito. É uma questão de direito. O fato de termos, na
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universidade, uma maior entrada de alunos negros, pobres e oriundos de escola pública
não quer dizer que teremos uma universidade de baixa qualidade e alunos com menor
mérito. Sabemos que o mérito é uma construção social e acadêmica. O discurso do
mérito acadêmico, tal como tem sido feito por alguns, como se este fosse algo objetivo,
distancia-nos do debate sobre o direito à educação para todos os segmentos sociais e
étnico/raciais do Brasil e pode reduzir uma questão tão séria como a democratização do
acesso à idéia de capacidade inata, de capacidade intelectual. Ao reconhecermos a
existência das desigualdades sociais e raciais temos de questionar as categorias com as
quais temos trabalhado. É nesse contexto que o discurso do mérito acadêmico tal como
tem sido formulado precisa ser discutido. Vale a pena perguntar: historicamente, o
critério do mérito, o critério do direito e o critério do público como espaço de direitos,
por acaso, têm coincidido? Ou, na verdade, eles se contrapõem e mantêm entre si uma
relação de tensão? Será que é justo continuar pensando: todos têm o mesmo direito à
educação, desde que a ela façam mérito? Será que no momento em que colocamos no
horizonte a construção de uma universidade mais democrática o critério do mérito não
terá que ser re-equacionado?
A universidade pública precisa refletir, no seu interior, a diversidade
étnico/racial da população. Essa diversidade precisa estar contemplada nos mais
diferentes cursos e não somente em alguma áreas. Ela precisa estar nos cursos diurnos e
não somente no noturno. Para isso, temos de criar condições para que jovens negros e
pobres entrem e permaneçam com sucesso dentro da universidade. Se continuarmos nos
apegando ao critério do mérito e não do direito, será que concretizaremos a
universidade democrática que pretendemos?
A proposta de cotas étnicas atualmente em vigor não significa que os alunos
negros deixarão de fazer o vestibular. Eles o farão. Porém, concorrerão com outros
alunos do seu grupo étnico/racial que possuem trajetórias sociais e escolares
semelhantes. Nesse aspecto, acredito que o debate sobre as cotas é que possui um
grande mérito: ele abre o caminho para refletirmos e implementarmos outras formas de
admissão na universidade pública, como já foi falado neste seminário. Será que estamos
dispostos a pensar formas mais democráticas de admissão na universidade?
7o ponto: E se alguém burlar as cotas? Ora, temos que pensar mecanismos legais
que corrijam tal distorção. E que parâmetros vamos seguir para dizer quem é negro no
Brasil e pode concorrer às cotas? Para além da auto-classificação, a sociedade brasileira
historicamente já possui critérios de classificação racial que distinguem negros e
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brancos. O principal critério utilizado pelas cotas étnicas será o mesmo que a sociedade
brasileira, historicamente, tem usado para discriminar negativamente os negros: a cor da
pele. Nas ações afirmativas, esse critério será usado afirmativamente, não para excluir
os negros da sociedade, mas sim para incluí-los. Além disso, existem outros aspectos
fenotípicos construídos na sociedade e na cultura que, juntamente com a cor da pele,
atestam quem é negro e quem é branco no Brasil. Não vamos fingir que isso não existe.
E não vamos apelar para a mistura racial para fugirmos dessa questão! E nem apelar
para a genética para dizermos que “raça” é um conceito cientificamente inoperante.
Todos aqui já sabem disso. Quando o movimento negro e os pesquisadores das relações
raciais trabalham com o conceito de “raça”, eles o fazem a partir da re-significação
desse conceito. Trabalha-se “raça” enquanto uma construção social, histórica e política.
Reconhece-se que, do ponto de vista biológico, somos todos iguais, porém, no contexto
da cultura e nas relações sociais a “raça” não pode ser desconsiderada. Ela tem uma
operacionalidade na cultura e funciona como fator gerador de desigualdades sociais. De
acordo com Valer Silvério (2003), no racismo brasileiro, o fenótipo (aquilo que
definimos como “raça”) torna-se uma questão de maior destaque do que a língua, a
cultura ou a religião.
Todavia, é uma ilusão pensar que as cotas étnicas, implantadas isoladamente,
colocarão um fim no racismo. Por isso, é preciso que elas aconteçam no contexto das
ações afirmativas, ou seja, de políticas mais amplas, a médio e longo prazo, políticas de
permanência, políticas voltadas para o ensino básico, que têm como objetivo uma
mudança cultural radical, uma mudança no imaginário social em relação aos negros.
Tais políticas devem caminhar lado a lado com as políticas de combate à pobreza, à
fome e à desigualdade social. As políticas de ação afirmativa são, portanto,
emergenciais e transitórias.
8o ponto: No caso da UFMG, como pensar cotas étnicas? Discutir cotas étnicas
na UFMG não se esgota com a minha participação nesta mesa. Já temos algumas
primeiras iniciativas que poderão nos ajudar a compreender a realidade racial da
UFMG, tais como: a introdução do quesito cor no formulário do vestibular 2003, e no
formulário do aluno que solicita assistência à FUMP. Isso já é muito importante, mas
ainda há muito que fazer.
Porém, vamos avançar em mais algumas questões: em uma universidade
pública, do porte da UFMG, o que mais sabemos sobre a realidade étnico/racial presente
em nosso cotidiano? Podemos fazer algumas indagações: em que cursos da UFMG está
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a maioria de alunos negros e onde eles estão sub-representados? Quantos alunos negros
participam de bolsas de pesquisa e de extensão nos diferentes cursos e não só na área de
humanas? Quantos professores e professoras negras temos na UFMG, onde estão e
quantos fazem parte da pós-graduação? Qual é a porcentagem de funcionários negros
que possuímos e qual o seu grau de escolarização? Quantos negros têm participado de
cargos nas diferentes gestões do reitorado? Quantos reitores e reitoras negros nós já
tivemos? E pró-reitores? O que sabemos sobre as trajetórias de negros e negras na
UFMG? Temos alguns trabalhos de iniciação científica e de PET que já estudaram o
assunto e outros em andamento, mas, que eu tenha conhecimento, ainda não existe
nenhum estudo institucional sobre o tema como já temos sobre o acesso do aluno
oriundo da escola pública e que será apresentado nesta mesa. Além disso, o único censo
que já foi realizado na UFMG não incluiu o quesito cor. Um dos frutos desse seminário
(e esperamos por isso!) poderá ser a definição de mecanismos para conhecer a realidade
étnico/racial da UFMG.
Diante de tudo o que foi exposto, afirmo: não se discute democratização do
acesso e da permanência na universidade se essas questões não forem colocadas na
mesa e tratadas institucionalmente. E quando as colocarmos na mesa, não adianta
pensarmos que as resolveremos de uma vez. É preciso persistência e rigor na realização
dos diagnósticos e nas formulações políticas. É preciso também abrir o debate para a
comunidade acadêmica, para os movimentos sociais e para a sociedade. A questão das
cotas étnicas não pode se limitar a um grupo de professores ou a um núcleo de estudos e
pesquisas. A universidade tem o dever de aprofundá-la, informando, debatendo e
esclarecendo a população.
Assim, para falarmos se precisamos de cotas étnicas ou não na UFMG,
precisamos, com urgência, de uma iniciativa institucional: a realização de um censo
étnico/racial, a exemplo dos já realizados na USP e na PUC/MINAS. Precisamos,
também, com urgência, da inclusão do quesito cor nos formulários de matrícula do
aluno que entrou na UFMG antes do ano de 2003. Vamos aproveitar que estamos
informatizando as matrículas! Essa é uma medida urgente que poderá nos ajudar a
realizar estudos e diagnósticos que nos permitirão construir uma política universitária
que corrija distorções, tornando-nos mais democráticos.
Nesse sentido, na minha opinião, há muito que fazer para a implementação de
uma política de democratização e de inclusão social no ensino superior brasileiro. É
preciso entender também que democratizar o acesso caminha junto com a permanência,
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como já foi falado aqui. Este seminário nos mostrou experiências interessantes que
poderemos implementar à luz da realidade da UFMG, reforçando, estimulando e
aprimorando as experiências de permanência que já existem. Ampliar o acesso pelas
cotas não é só colocar negros e pobres dentro da universidade. É preciso dar-lhes
condições para permanecer com sucesso e sair com sucesso! Democratizar a
universidade pública, no Brasil, não pode se restringir ao estudo sobre os aspectos
sócio-econômicos. Caso só façamos isso, cairemos na mesma cilada das políticas de
caráter universalista que historicamente temos implementado e que, já constatamos, não
atingem a todos e nem resolvem o problema da pobreza, da desigualdade social e racial,
uma vez que tratam as desigualdades como um bloco único, não considerando a
raça/cor.
Finalizando, gostaria de lembrar uma afirmação de Boaventura Sousa Santos
citada num artigo do professor Antônio Flávio B. MOREIRA (2001), que nos ajuda a
pensar a questão das cotas como um imperativo social no contexto de uma política de
democratização do acesso que contemple as diferenças: as pessoas têm direito a ser
iguais sempre que a diferença as tornar inferiores; contudo, têm também direito a ser
diferentes sempre que a igualdade colocar em risco suas identidades. (SOUSA
SANTOS, 1997).
Referências bibliográficas:
GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da
igualdade.Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2001.
HENRIQUES, Ricardo. Desnaturalizar a desigualdade e erradicar a pobreza: por um
novo acordo social no Brasil. In: HENRIQUES, Ricardo. Desigualdade e pobreza no
Brasil.Rio de Janeiro: IPEA, 2000, p.1-18.
-------. Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida na década de 90.
Rio de Janeiro: IPEA, 2001.
MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa. A recente produção científica sobre currículo e
multiculturalismo no Brasil (1995-2000): avanços, desafios e tensões. Revista Brasileira
de Educação. Campinas: Autores Associados. n.18, set/out/nov/dez, 2001, p.65-81.
SILVÉRIO, Valter Roberto. Ação afirmativa e o combate do racismo institucional no
Brasil. São Carlos:2003 (mimeogr.)
SOUSA SANTOS, Boaventura. Toward a multicultural conception of human rights.
Zeitschrift für Rechtssoziologie, n.18, 1997, p.1-14.
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