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DIAGNÓSTICO DE DEPRESSÃO MAIOR... Grevet
SIMPÓSIO SOBRE DEPRESSÃO
Simpósio sobre Depressão
Diagnóstico de depressão maior e distimia
Major depressive disorder and dysthymic
disorder: diagnosis
Os transtornos do humor são uma
categoria diagnóstica que engloba os
transtornos do humor bipolar (mania,
hipomania, depressão bipolar, estados
mistos e ciclotimia) e os transtornos
unipolares (depressão maior e distimia). Neste trabalho abordaremos apenas o diagnóstico das formas unipolares dos transtornos do humor: a depressão maior e a distimia.
O humor de um indivíduo é caracterizado pela expressão verbal de sentimentos que refletem seu estado emocional interior. O afeto diz respeito à
expressão não verbal destes estados
emocionais. Os estados de humor normais são a alegria, a tristeza, a raiva e
o medo.
As patologias do humor são aquelas que alteram de maneira constante
estes estados emocionais. Quando um
indivíduo apresenta alteração de longa duração (mais de 2 semanas) numa
destas dimensões, podemos defini-lo
como um portador de doença do humor (afetiva). De modo geral, podemos
classificar os estados patológicos como
sendo os seguintes:
1) Alterações do humor que passem
da alegria normal para a euforia patológica ou da irritação normal para a
irritação patológica são classificadas
como episódios maníacos ou hipomaníacos (não abordados neste trabalho).
2) Alterações do humor que passem
do medo normal para o medo patológico caracterizam os episódios de ansiedade (não abordados neste trabalho).
3) Alterações do humor que passam
da tristeza normal para a depressão
patológica são classificadas como episódios de depressão maior (episódio
agudo) ou distimia (forma atenuada e
crônica).
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Os transtornos depressivos são considerados um grande problema de saúde pública pela Organização Mundial
da Saúde. São freqüentes: afetam, pelo
menos, 20% das mulheres e 15% dos
homens ao longo de suas vidas. Causam muito sofrimento e incapacidade:
A depressão é responsável pela maior
parte dos suicídios, sendo que 2/3 de
todos os suicídios são cometidos por
portadores de depressão. É também a
doença crônica que provoca maior incapacidade para o trabalho, com exceção do infarto do miocárdio.
Os aspectos da atividade normal
que são afetados incluem as relações
maritais e pessoais, o relacionamento
com os filhos, a saúde física, a capacidade de trabalhar, de manter amizades,
entre outros.
Além de apresentar alta comorbidade com outros quadros psiquiátricos,
os transtornos depressivos são freqüentemente comórbidos, com doenças físicas, como artrite, hipertensão arterial,
lombalgia, diabete e problemas cardíacos. Quando isso ocorre, geralmente há
um pior prognóstico para ambos problemas.
Nem sempre é fácil reconhecer um
quadro depressivo. A maioria dos sintomas físicos dos pacientes que buscam atendimento ambulatorial, público ou privado, não está associada a
processo orgânico de doença. O diagnóstico mais comum em cuidados primários é o de não-doença.
Quanto maior o número de sintomas físicos clinicamente inexplicáveis
apresentados por um paciente, maior
a chance de ele ter um diagnóstico
atual de ansiedade ou depressão e uma
incapacitação significativa no seu funcionamento social e profissional.
EUGENIO HORÁCIO GREVET – Psiquiatra do HCPA/UFRGS. Mestre em Bioquímica pela UFRGS. Doutorando na Pós-Graduação em Psiquiatria do Dep. de Psiquiatria da
UFRGS.
LAIS KNIJNIK – Psiquiatra pelo Curso de
Especialização em Psiquiatria da UFRGS.
Endereço para correspondência:
Eugênio Horácio Grevet
Av. Taquara 586/606, Petrópolis
Porto Alegre, RS, Brasil
Fax (51) 3321-2349
[email protected]
Um levantamento que investigou os
diagnósticos psiquiátricos na população urbana de Porto Alegre publicado
em 1992 por Busnello e colaboradores apresentou os transtornos afetivos
(do humor) como o terceiro grupo diagnóstico mais freqüente, vindo após os
transtornos de uso de substâncias e de
ansiedade. Os levantamentos epidemiológicos demonstram risco aumentado para depressão e sintomas depressivos em indivíduos que relatam acontecimentos negativos de vida. As mulheres apresentam uma prevalência de
2:1 em relação aos homens. A idade
média encontra-se entre os 20 e os 40
anos. Os separados e divorciados estão mais propensos a sintomas e quadros depressivos do que os solteiros e
casados. Há um achado considerável
de história familiar de transtornos de
humor em indivíduos afetados, especialmente em parentes de 1o grau, assim como história familiar de suicídio
e alcoolismo. No entanto, a transmissão genética de depressão não está determinada como a do transtorno bipolar tipo I.
A associação de experiências precoces de vida e aparecimento posterior
de um transtorno depressivo tem interessado os estudiosos. A perda parental antes da adolescência, assim como
um ambiente familiar disfuncional e
com muitas privações são fatores de
risco já estabelecidos, apesar das dificuldades metodológicas para documentar tais fatores, que variam subjetivamente.
Revista AMRIGS, Porto Alegre, 45 (3,4): 108-110, jul.-dez. 2001
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Quanto às características de personalidade associadas ao aparecimento
de um transtorno depressivo, estão o
desânimo, a introversão, a preocupação, a dependência e a sensibilidade
excessiva.
O desencadeamento de um transtorno depressivo é, muitas vezes, conseqüente a um fator estressante, que
denominamos estressores sociais.
Eles são os acontecimentos vitais,
os estresses crônicos e os problemas
cotidianos.
Os acontecimentos vitais são mudanças claras nos padrões de vida que
alteram o comportamento habitual e
ameaçam o bem-estar do indivíduo. O
luto é um exemplo típico de acontecimento vital, assim como a aposentadoria.
Os estresses crônicos compreendem aquelas situações de longa duração que desafiam o indivíduo, tais
como dificuldade financeira, conflito
interpessoal constante (por ex., dificuldades matrimoniais) e ameaça persistente à integridade (por ex., viver num
ambiente perigoso).
Os problemas cotidianos são acontecimentos comuns, porém estressantes, que fazem parte da vida moderna
(por ex., lidar com vizinhos desagradáveis).
A percepção que o indivíduo tem
de um acontecimento é provavelmente muito mais importante que o próprio acontecimento.
Clinicamente, a depressão apresenta sintomas que vão além das alterações do humor. São freqüentes alterações psicomotoras, cognitivas, neurovegetativas, nos ritmos circadianos e a
sazonalidade.
As alterações psicomotoras mais
freqüentes são a agitação ou o retardo.
Normalmente pensamos que o paciente classicamente deprimido é aquele
que não quer sair da cama, se move
lentamente e inicia qualquer atividade
física com extrema dificuldade. Temos
que ter em mente que muitos pacientes deprimidos podem apresentar-se
com extrema inquietude, dificuldade
em permanecerem sentados ou fechados em um mesmo ambiente por mui-
to tempo. Não é incomum que em depressões severas e psicóticas os pacientes tenham que ser contidos para sua
segurança.
As alterações cognitivas mais comuns são as alterações subjetivas da
memória, atenção e velocidade do pensamento e do raciocínio. É comum que
depressões que se iniciam na terceira
idade sejam confundidas com demências orgânicas (pseudodemências).
Outro tipo menos freqüente de alterações cognitivas são os delírios e as alucinações (estas percepções sensoriais
irreais).
São as alterações neurovegetativas
que conferem aspectos físicos aos quadros depressivos. Por isso, muitos destes pacientes procurarem ajuda médica para seus sintomas físicos, não percebendo o aspecto emocional envolvido no distúrbio. Os sintomas mais comuns são a anorexia, a perda de peso,
a hiperfagia, o aumento de peso, as alterações do sono (insônia ou hipersônia), as alterações no interesse sexual
(diminuição da libido) e sintomas somáticos, como fraqueza muscular, peso
na região das costas, plenitude gástrica e cefaléia.
Outro aspecto importante, nos
transtornos do humor, são as alterações
dos ciclos circadianos. Alterações nos
ritmos de sono-vigília, liberação de
cortisol e regulação da temperatura são
comuns em pacientes com depressão.
Finalmente, episódios com padrões
sazonais determinados podem ocorrer
em alguns casos. Estes se caracterizam
por aumento dos episódios em determinadas épocas do ano. Classicamente, as depressões soem ocorrer nos
meses de outono e inverno.
Devido à diversidade de apresentações clínicas existentes, é difícil descrever um tipo clássico de depressão
(talvez tenhamos que falar em vários
tipos de depressões). Em decorrência
dessa diversidade de apresentações,
são propostas classificações genéricas
para os quadros e transtornos do humor.
Atualmente existem basicamente
dois manuais mundialmente utilizados
para o diagnóstico dos transtornos
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mentais. O manual para diagnóstico de
doenças mentais da Associação Americana de Psiquiatria (APA), o DSMIV e o capitulo V de transtornos mentais e de comportamento da décima
Classificação Internacional de Doenças (CID-10) da Organização Mundial
da Saúde (OMS).
Com a utilização destes manuais a
psiquiatria e as áreas afins podem ter
uma linguagem psiquiátrica em comum
indiferentemente de onde estes manuais estejam sendo usados. Uma das
características fundamentais destes
manuais classificatórios é a utilização
de critérios diagnósticos descritivos,
hierarquizados, ateoréticos e de fácil
observação.
Inicialmente, é necessário diferenciar entre episódio e transtorno. Um
indivíduo que apresenta sintomas depressivos em número suficiente para
realizar o diagnóstico de depressão por
primeira vez é caracterizado como sofrendo de um episódio de depressão
maior. A ocorrência de sucessivos episódios se caracteriza com transtorno
depressivo maior. Quando o episódio
é de longa duração – mais de dois anos
– diagnostica-se depressão maior crônica. E quando estes sintomas de depressão são crônicos (mais de 2 anos)
e de baixa intensidade faz-se o diagnóstico de distimia.
Os critérios diagnósticos para episódio depressivo são os seguintes:
Episódio Depressivo – F32 –
(CID-10)
A) Critérios gerais para episódio depressivo
G1 – O episódio deve durar pelo
menos duas semanas.
G2 – Não haver sintomas maníacos ou hipomaníacos em qualquer época da vida.
G3 – O episódio não é atribuível
ao uso de substâncias psicoativas.
B) Critérios principais para episódio
depressivo (dois ou mais destes sintomas devem estar presentes sempre):
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(1) Humor deprimido que definitivamente seja anormal para
aquele indivíduo, presente pela
maior parte do dia e quase todos os dias, largamente não influenciado pelas circunstâncias
e mantido por pelo menos 2 semanas.
(2) Perda de interesse ou prazer por
atividades que normalmente são
agradáveis.
(3) Energia diminuída ou fadigabilidade aumentada.
C) Sintomas adicionais para episódio
depressivo:
(1) Perda de confiança ou auto-estima.
(2) Sentimentos irracionais de autoreprovação ou culpa excessiva
e inapropriada.
(3) Pensamento recorrente de morte ou suicídio ou qualquer comportamento suicida.
(4) Queixas ou evidências de diminuição da capacidade de pensar
ou concentrar-se, tais como indecisão ou vacilação.
(5) Alteração na atividade psicomotora com agitação ou lentificação
(tanto subjetiva como objetiva).
(6) Qualquer tipo de perturbação do
sono.
(7) Alteração do apetite (diminuição ou aumento), com correspondente alteração do peso.
Pode haver a presença ou ausência
de síndrome somática (características
melancólicas, neurovegetativas ou físicas):
(1) Marcante perda de interesse e
prazer em atividades que são
normalmente prazerosas.
(2) Falta de reações emocionais a
eventos ou atividades que normalmente produzem uma reação emocional.
(3) Levantar-se de manhã 2 ou mais
horas antes do habitual.
(4) Depressão pior pela manhã.
(5) Evidência objetiva de retardo ou
agitação psicomotora marcante
(observado ou relatado por outra pessoa).
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(6) Marcante perda do apetite.
(7) Perda de peso (5% ou mais do
peso corporal no último mês).
(8) Marcante perda de libido.
Como devemos utilizar estes critérios para realizar o diagnóstico? Primeiramente, o médico deve estar ciente dos sintomas e perguntá-los ao paciente. Devemos nos lembrar que o
paciente pode estar se sentindo muito
desanimado, porém preferir falar dos
seus sintomas físicos. O diagnóstico de
depressão é uma tarefa de anamnese.
Em segundo lugar, existem critérios
bem definidos para se fazer o diagnóstico formal de depressão e distimia,
incluindo-se sua gravidade. Como regra geral o CID-10 propõe o seguinte:
Nos episódios depressivos leves
devemos encontrar 2 ou 3 sintomas
mencionados acima causando angústia ao paciente, porém este poderá seguir com sua rotina diária.
No episódio depressivo moderado
devemos encontrar 4 ou mais sintomas
mencionados acima e estes causam
sofrimento e dificuldades nas atividades cotidianas.
Nos episódios depressivos graves
sem sintomas psicóticos devemos encontrar vários sintomas mencionados
acima e estes são marcantes e causam
muito sofrimento. O paciente geralmente não consegue prosseguir com
sua vida cotidiana.
Nos episódios depressivos graves
com sintomas psicóticos aparecem vários dos sintomas anteriores (mais de
quatro) e estes são acompanhados de
sintomas psicóticos, como delírios e
alucinações ou mesmo estupor depressivo (catatonia).
Quando os episódios se repetem, temos caracterizado o transtorno depressivo e este pode ser um transtorno depressivo recorrente episódio atual leve,
moderado, grave sem sintomas psicóticos ou grave com sintomas psicóticos.
A distimia (F 34.1) é uma depressão crônica de humor, com duração de
pelo menos alguns anos (2 ou mais),
que não é suficientemente grave ou
cujo(s) episódio(s) individual(is) não
é (são) suficientemente prolongado(s)
para justificar um diagnóstico de transtorno depressivo recorrente leve, moderado ou grave. Em muitos casos de
distimia, o paciente se encontra deprimido há tanto tempo (anos), que pode
pensar que sua tristeza e desânimo fazem parte de seu “temperamento”. Não
é incomum que os sintomas tenham se
iniciado na infância ou adolescência
(início precoce) e o paciente procure
ajuda somente na idade adulta.
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