Fernanda Satomi Ito E. de Souza

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FERNANDA SATOMI ITO E. DE SOUZA
PERIGOS NA APROVAÇÃO DA EUTANÁSIA E ORTOTANÁSIA NO BRASIL EM
FACE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Monografia apresentada ao curso de
Graduação em direito da Universidade
Católica de Brasília, como requisito
parcial para obtenção do Título de
Bacharela em Direito.
Orientador: Prof. Esp. Fabrício Jonathas
Alves da Silva.
Brasília
2012
Trabalho de autoria de Fernanda, intitulado “PERIGOS NA APROVAÇÃO DA
EUTANÁSIA E ORTOTANÁSIA NO BRASIL EM FACE DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS”, requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito,
defendida e aprovada, em ___de ______________ 2012, pela banca examinadora
constituída por:
___________________________________________________
Presidente: Prof. Esp. Fabrício Jonathas Alves da Silva
Universidade Católica de Brasília
___________________________________________________
Integrante: Prof.
Universidade Católica de Brasília
___________________________________________________
Integrante: Prof.
Universidade Católica de Brasília
Brasília
2012
Dedico a minha mãe Leila Harumi Ito, que
serviu de inspiração para escolha e
elaboração do trabalho.
AGRADECIMENTO
Agradeço à minha família pelo apoio e incentivo, que contribuiu para o
desenvolvimento do trabalho, em especial meu esposo que esteve presente em
todas as etapas de elaboração e ajudou a tomar decisões importantes sobre a
conclusão do tema. Agradeço também aos amigos que torceram pelo crescimento
acadêmico. Por último, agradeço a minha falecida mãe, que se não fosse por ela
não teria escolhido o tema e não teria maturidade suficiente para compreender os
assuntos tratados nesse trabalho.
RESUMO
SOUZA, Fernanda Satomi Ito E. de . Perigos na Aprovação da Eutanásia e
Ortotanásia no Brasil em face dos Direitos Fundamentais. 2012. 74f. Monografia
(Graduação em Direito) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2012.
Este trabalho estuda os procedimentos da Eutanásia e da Ortotanásia e suas
vertentes, trabalhando a aplicabilidade da sua legalização no Brasil. Para o
aprofundamento do tema, este trabalho apresenta um estudo das antinomias entre
os Princípios Fundamentais: direito à vida, direito à dignidade da pessoa humana e
direito à segurança pública. Para melhor compreensão do significado do testamento
vital, o trabalho traz uma pequena análise do Direito Bioético e seus princípios.
Neste trabalho, também iremos estudar o entendimento atual da Lei Brasileira sobre
o tema, verificando a interpretação do nosso Código Penal que não menciona a
Eutanásia nem a Ortotanásia, porém são tratados como crimes comuns na
interpretação da Lei. Vamos estudar o polêmico Projeto de Lei número 6.715/2009
que pretende liberar a utilização da Ortotanásia no Brasil e diminuir a pena nos
casos de Eutanásia. Outro caso polêmico tratado neste trabalho seria a
interpretação do novo Código de Ética Médica que deixa livre para o entendimento
médico a aplicabilidade ou não da Ortotanásia. Trataremos, ainda, sobre os
principais motivos para a não aprovação desses procedimentos no Brasil, levando
em consideração o nosso meio social, político, hospitalar, familiar entre vários
outros. Por fim, estudaremos casos reais e que tiveram repercussão mundial de
pessoas que pediram ajuda para morrer. Analisando a atual situação da Holanda,
um país que atualmente a Eutanásia é legalizada, porém estudos mostram uma
situação de horror em que a população idosa e doente está sendo submetida à
Eutanásia sem pedir pelo procedimento, levando assim a nossa preocupação da
liberação desses procedimentos em um país como o Brasil.
Palavras chave: Eutanásia. Ortotanásia. Dignidade da pessoa humana. Direito à
vida. Direito a segurança pública. Projeto de Lei nº 6.715/2009. Código de Ética
Médica.
ABSTRACT
SOUZA, Fernanda Satomi Ito E. de. Dangers on the Approval of Euthanasia and
orthothanasia in Brazil in the face of Fundamental Rights. 2012. 74p. Monograph
(Degree in Law) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2012.
This work studies the procedures of euthanasia and orthothanasia, and its
dimensions, working the applicability of its legalization in Brazil. For a deeper theme,
this paper presents a study of the contradictions between the Fundamental
Principles: right to life, right to human dignity and right to public safety. To better
understand the meaning of living will, the work provides a short analysis of the
Bioethics law and its principles. In this paper we study the current understanding of
Brazilian law on the subject, checking the interpretation of our Criminal Code does
not mention the orthothanasia or euthanasia, but are treated as ordinary crimes in
interpreting the Law. Let us study the controversial Bill 6.715/2009 number that want
to release the use of orthothanasia in Brazil and reduce the penalty in cases of
euthanasia. Another controversial case would be treated in this work the
interpretation of the new Code of Medical Ethics that leaves you free to medical
understanding the applicability or not of orthonasia. We will of the main reasons for
not adopting these procedures in Brazil, taking into account our social, political,
hospital, family and several others. Finally, we study real cases and had worldwide
repercussions of people who asked for help to die. Analyzing the current situation of
the Netherlands, a country that currently Euthanasia is legalized, but studies show a
situation of horror in which the elderly and sick are being subjected to euthanasia
without asking the procedure, thus leading to our concern about the release of these
procedures in a country like Brazil.
Keyword: Euthanasia. Orthothanasia. Human dignity. Right to life. Right to public
safety. Bill No. 6.715/2009. Code of Medical Ethics.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9 1 1.1 1.2 1.2.1 1.3 1.3.1 1.3.2 1.3.3 1.3.4 MORTE E CONSIDERAÇÕES ACERCA DA EUTANÁSIA .......................... 12 HISTÓRIA DA EUTANÁSIA............................................................................ 16 CONCEITOS DE EUTANÁSIA ....................................................................... 20 Da eutanásia .............................................................................................. 20 DAS CLASSIFICAÇÕES DE EUTANÁSIA ..................................................... 24 Da ortotanásia ........................................................................................... 24 Da distanásia ............................................................................................. 25 Da mistanásia ............................................................................................ 26 Instigação ao suicídio ............................................................................... 27 2 BIOÉTICA E DIREITOS FUNDAMENTAIS.................................................... 29 2.1 BIOÉTICA E BIODIREITO .............................................................................. 29 2.2 PRINCÍPIOS BIOÉTICOS NA EUTANÁSIA ................................................... 31 2.2.1 Princípio da beneficência ......................................................................... 32 2.2.2 Princípio da não-maleficência.................................................................. 32 2.2.3 Princípio da autonomia............................................................................. 33 2.2.4 Princípio da Justiça .................................................................................. 35 2.3 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................................................. 36 2.3.1 Dignidade da pessoa humana.................................................................. 39 2.3.2 Os direitos da personalidade e a recusa terapêutica no código civil
brasileiro................................................................................................................... 44 3 EUTANÁSIA E ORTOTANÁSIA SEGUNDO A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
48 3.1 ANTECEDENTES LEGISLATIVOS ................................................................ 48 3.2 EUTANÁSIA, ORTOTANÁSIA E PARTICIPAÇÃO EM SUICÍDIO NO CÓDIGO
PENAL VIGENTE ...................................................................................................... 48 3.2.1 Eutanásia como tipo privilegiado ............................................................ 49 3.3 APLICABILIDADE DA ORTOTANÁSIA NO NOVO CÓDIGO DE ÉTICA
MÉDICA ..................................................................................................................... 50 3.4 RESOLUÇÃO 1.805/06 DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA............. 51 3.5 PROJETO DE LEI Nº 6.715/ 2009 .................................................................. 53 4 PERIGOS NA APROVAÇÃO DA EUTANÁSIA E ORTOTANÁSIA NO
BRASIL EM FACE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: APONTAMENTOS
ACERCA DE SUA APLICABILIDADE ..................................................................... 55 4.1 APONTAMENTOS RELACIONADOS A ESTUDOS DE CASOS ................... 59 4.1.1 Caso Terri Schiavo .................................................................................... 59 4.1.2 Caso Ramón Sampedro ............................................................................ 60 4.1.3 Caso Vincent Humbert .............................................................................. 61 4.2 CASOS DE PEDIDOS DE EUTANÁSIA NO BRASIL..................................... 63 4.3 CASOS DE EUTANÁSIA NA HOLANDA........................................................ 64 CONCLUSÃO............................................................................................................ 66 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 71 ALVES, RICARDO BARBOSA. EUTANÁSIA, BIOÉTICA E VIDAS SUCESSIVAS.
SOROCABA: BRAZILIAN BOOKS, 2004. ............................................................... 71 9
INTRODUÇÃO
Atualmente, a medicina vem desenvolvendo várias formas de retardar a
morte, mesmo em casos em que não é possível alcançar a cura ou a melhora do
paciente em relação a dor. No Brasil não há lei que regularmente o assunto. As
pessoas que se encontram com doença terminal ou estado vegetativo não têm a
opção de encerrar seu sofrimento. Abre-se, assim, o debate sobre o direito à vida, à
dignidade humana e à dignidade na hora de morrer.
Com base nessas informações, a presente pesquisa versará sobre a
possibilidade de legalização da Eutanásia e Ortotanásia no Brasil sob o ponto de
vista dos direitos humanos e da legislação brasileira.
Esses procedimentos serão uma solução para pessoas moribundas que não
aguentam mais sentir dor, que sabem que seu fim está próximo e veem a própria
vida sendo continuada por métodos artificiais? Essa prática abrirá uma brecha para
prática de atos de "limpeza” de hospitais, principalmente públicos, uma vez que
vivemos em um país que, mesmo sem a legalização de procedimentos como os
discutidos neste trabalho, ocorrem casos de negligencia e descaso com os
pacientes?
No Brasil não existe tipificação na Lei para a Eutanásia. As decisões sobre o
assunto são julgadas e puníveis como homicídio comum. Já a Ortotanásia é
considerada crime em nossa Lei, de acordo com o art. 13, parágrafo segundo do
Código Penal Brasileiro.
O próprio Código de Ética Médica é contraditório sobre o assunto. No capítulo
I, parágrafo XXII, diz que nos casos clínicos irreversíveis e terminais o médico
deverá evitar o uso de meios terapêuticos e utilizar apenar métodos paliativos; já
em no artigo 32 fala em proibição do médico em deixar de usar todos meios
disponíveis para diagnóstico e tratamento. Como observamos, os dois trechos
citados são contraditórios, deixando livre para o médico sua decisão da prática da
ortotanásia. Dessa forma vemos a necessidade do estudo desse tema, sendo que
nosso Código Penal não está de acordo com o Código de Ética Médica.
10
Outro motivo para o estudo do caso seria a polêmica causada pela discussão
o Projeto de Lei 6715/2009, que regula a liberação da Ortotanásia no Brasil. Se
houver a liberação desse PL, a Ortotanásia deixa de ser crime no Brasil e também
segue a discussão para diminuição da pena para o médico que realizar Eutanásia
por compaixão.
Diante desse panorama do nosso presente e futuro social, a problemática que
esse trabalho apresenta é o questionamento se a legalização desses procedimentos
fere, ou não, o direito à vida garantido pela Constituição Federal em seu art. 5º e se
a aprovação fere o direito à dignidade da pessoa humana, também garantido pela
CF em seu artigo 1º parágrafo III.
A escolha do tema deu em razão de motivos pessoais, humanitários e sociais,
sendo que o tema ainda não tem espaço na lei brasileira, apenas adaptações para
tipificar o crime. Isso não tem impedindo atos de Ortotanásia no meio médico, sendo
até duvidoso seu respaldo no Código de Ética Médica. Apresentar-se-á também
grande polêmica com Projeto de Lei que pretende regulamentar o procedimento de
Ortotanásia e a redução da pena para Eutanásia.
O que seria um bem maior? A proteção à vida acima de tudo ou a proteção de
uma morte digna? Sendo que nesse meio existem fatores psicológicos, sociais,
políticos, religiosos e vários outros a serem vistos e pensados. E que trabalharemos
no desenvolvimento do trabalho.
A eutanásia não encontrou guarita na legislação pátria. Nem o Código
Criminal do Império de 1830, nem o de 1890 e muito menos a Consolidação das
Leis Penais de 1932 se renderam ao tema. O Código Penal vigente (de 1940), não
se manifestou a respeito. Por isso, até hoje a eutanásia é considerada um homicídio,
embora já se tenha notícia de movimentos simpatizantes, como a intitulada Católicas
pelo Direito de Decidir (CDD), que seria uma ONG formulada por militantes cristãs,
que questionam “É possível afirmar a defesa da vida e condenar as pessoas a sofrer
indefinidamente num leito de morte, condenando o acesso livre e consentido a uma
morte digna, pelo recurso à eutanásia?" .O agente, na melhor das hipóteses, tem a
pena atenuada pelo particular motivo de ter praticado o crime por um relevante valor
social ou moral.
O aspecto de maior relevância proposto no trabalho é saber se existem
situações legítimas de interrupção ou de não manutenção da vida humana, e saber
11
se isso vai de encontro com o direito à vida, ou se o contrário, ou seja, a não
permissão da opção de uma pessoa escolher se quer viver ou não vai de encontro
com o direito à dignidade humana.
Neste trabalho pretendemos investigar se o Direito Penal Brasileiro encontrase despreparado para lidar com as novas realidades biotecnológicas envolvendo o
final da vida, e se isso faz necessário um maior estudo a respeito de não se
considerar ilícito o uso da eutanásia ou ortotanásia em casos aonde a dor e a falta
de dignidade estão além do direito à vida. Ou se, por outro lado, o estado Brasileiro
suporta e se está preparado para liberação da Eutanásia e da Ortotanásia.
Pretende-se atuar na pesquisa dedutivo hipotético e a pesquisa bibliográfica,
com a busca da exploração das características lógicas do conhecimento.
Para a análise da questão, pretende-se fazer um histórico acerca do tema,
analisar a definição de eutanásia e conceitos relacionados, abarcando a definição de
ortotanásia, distanásia e mistanásia, as classificações de eutanásia e o suicídio
assistido. Após esse momento terá um estudo sobre os direitos humanos e sua
aplicação no final da vida, tópico que correlaciona os direitos humanos positivados
em sede constitucional e infra-constitucional e o assunto em estudo, focando a
proteção à vida e à dignidade no morrer, um enfoque na eutanásia e o final da vida.
Pretende-se também um estudo não aprofundado da matéria discutida nesse
trabalho em outros países.
O presente trabalho objetiva conhecer o instituto da Eutanásia, tentando ter
uma visão Jurídica, histórica e social a respeito do assunto. O objetivo específico da
pesquisa é caracterizar e explicar a Eutanásia e seu liame com os princípios
constitucionais do direito à vida e o Direito à dignidade humana através do método
dedutivo hipotético aliada a pesquisa bibliográfica.
12
1
MORTE E CONSIDERAÇÕES ACERCA DA EUTANÁSIA
Em nossa Constituição Federal em seu art. 5º dispõe sobre o direito à vida,
esse fazendo parte dos Direitos e Garantias Fundamentais. Proibindo assim,
qualquer um definir o momento de sua morte ou da morte de outrem. Sendo que a
vida é um bem indisponível.
Sendo assim é de grande importância para esse trabalho a definição de
morte. Mas o que seria a morte? Morte simplesmente seria a falta de vida. Segundo
o dicionário Houaiss “morte”: seria o fim da vida, interrupção definitiva da vida
humana, animal ou vegetal, fim da existência de qualquer ser ou ente da natureza.
Seria a única coisa que temos certeza em nossa vida, que um dia iremos morrer.
Entretanto, existe uma diferença entre morte clínica e morte biológica. Morte
biológica seria a morte das células e dos órgãos, nem sempre a morte biológica
ocorre de forma súbita, as vezes ocorre de forma gradual. Já a morte biológica, o
momento da morte é definido pela medicina e também pelo direito, como no caso da
morte encefálica.
Como explica Villas-Bôas (2005, p. 18) “O organismo não morre todo a um só
tempo: células morrem diariamente, enquanto outras podem manter suas funções
durante algum tempo após o diagnóstico do óbito". Essa seria a morte biológica de
acordo com a autora.
Em 1985, um grupo de cientistas do mundo inteiro se reuniu no Vaticano,
para formar a Pontifícia Academia das Ciências (1985 apud VILLAS-BÔAS, 2005, p.
19), com a finalidade de discutir qual seria o momento exato da morte, e concluíram
que “uma pessoa está morta quando sofreu uma perda irreversível de toda a
capacidade de integrar e de coordenar as funções físicas e mentais do corpo". Esse
entendimento é a morte clínica, seria a morte como entendimento de pensadores e
cientistas.
Uma forma de detectar a morte de um indivíduo utilizado desde a antiguidade,
seria a parada cardiorrespiratória. Porém, hoje em dia, com o avanço da medicina,
mesmo com a parada cardiorrespiratória é possível recuperar a vida com aparelhos
de reanimação. Segundo Villas-Bôas (2005, p. 18) “com os atuais conhecimentos e
13
recursos médicos, a parada momentânea da circulação ou da respiração pode ser
contornada dentro de certo tempo, desde que não haja comprometimento do
comando vital".
Com o desenvolvimento no meio tecnológico e a grande eficácia dos
métodos de transplante de órgãos, a parada cardiorrespiratória que antigamente
era considerada o grande sinal de morte passou a ser defasado. Segundo Pessini
(2007, p. 51), com “os avanços da medicina, tais como medidas de ressuscitação
cardíaca, máquinas de circulação extracorpórea e respiradores artificiais, tornaram
obsoleta a tradicional definição clínica da morte identificada como parada
cardíaca.”
Com esse panorama se torna importante o estudo de morte encefálica. Que
seria quando a lesão ocorre tanto na área cortical quanto no tronco encefálico do
cérebro, seria esse o caso em que ocorrem possíveis casos que potenciais
doadores de órgãos.
É nesse interregno-enquanto ainda se mantêm a circulação e a respiração
artificiais, mas o encéfalo foi irreversivelmente destruído-que se estabelece
o critério de morte encefálica e quando pode ocorrer a remoção de órgãos
ainda íntegros para transplante.(VILLAS-BÔAS, 2005, p. 23)
Hoje em dia esse é o melhor modo de identificar morte. Porém, o diagnóstico
tem que ser feito de forma criteriosa, não somente porque a população não vê com
bons olhos considerar morto alguém que o coração ainda está funcionando, mas
principalmente para caráter jurídico, para que não tenha um diagnóstico errado,
sabendo que pode ser de caráter irreversível.
Através da resolução nº 1.480/97, o Conselho Federal de Medicina definiu
novos critérios para definição da morte encefálica que seriam:
CONSIDERANDO que a parada total e irreversível das funções
encefálicas equivale à morte, conforme critérios já bem estabelecidos
pela comunidade científica mundial; CONSIDERANDO o o ônus
psicológico e material causado pelo prolongamento do uso de recursos
extraordinários para o suporte de funções vegetativas em pacientes com
parada total e irreversível da atividade encefália; CONSIDERANDO a
necessidade de judiciosa indicação para interrupção do emprego desses
recursos;CONSIDERANDO a necessidade da adoção de critérios para
constatar, de modo indiscutível, a ocorrência de morte;CONSIDERANDO
que ainda não há consenso sobre a aplicabilidade desses critérios em
crianças menores de 7 dias e prematuros,
14
RESOLVE:
Art. 1º. A morte encefálica será caracterizada através da realização de
exames clínicos e complementares durante intervalos de tempo variáveis,
próprios para determinadas faixas etárias.
Art. 2º. Os dados clínicos e complementares observados quando da
caracterização da morte encefálica deverão ser registrados no 'termo de
declaração de morte encefálica' anexo a esta Resolução.
Parágrafo único. As instituições hospitalares poderão fazer acréscimos ao
presente termo, que deverão ser aprovados pelos Conselhos Regionais de
Medicina da sua jurisdição, sendo vedada a supressão de qualquer de seus
itens.
Art. 3º. A morte encefálica deverá ser conseqüência de processo irreversível
e de causa reconhecida.
Art. 4º. Os parâmetros clínicos a serem observados para constatação de
morte encefálica são: coma aperceptivo com ausência de atividade motora
supra-espinal e apnéia.
Art. 5º. Os intervalos mínimos entre as duas avaliações clínicas necessárias
para a caracterização da morte encefálica serão definidos por faixa etária,
conforme abaixo especificado:
a) de 7 dias a 2 meses incompletos - 48 horas
b) de 2 meses a 1 ano incompleto - 24 horas
c) de 1 ano a 2 anos incompletos - 12 horas
d) acima de 2 anos - 6 horas
Art. 6º. Os exames complementares a serem observados para constatação
da morte encefálica deverão demonstrar de forma inequívoca:
ausência de atividade elétrica cerebral ou, ausência de atividade
metabólica cerebral ou, ausência de perfusão sangüínea cerebral.
(Conselho Federal de Medicina, 1997, resolução nº 1.480/97)
O procedimento de desligamento dos aparelhos nos casos de mortes
diagnosticadas por encefalia, não são caracterizadas crimes no nosso País, visto
que o indivíduo foi considerado clinicamente morto. Segundo Villas-Bôas (2005)
“Não se cogita, portanto, de prática de qualquer delito contra a vida, nem se há de
falar em eutanásia quanto ao desligamento de aparelhos em paciente com morte
encefálica confirmada".
O tema abordado nesse trabalho não é relativo ao procedimento relatado
acima, mas sim dos casos que a pessoa se encontram em estado vegetativo ou em
coma, despendendo muito tempo e dinheiro público e familiar. Qual seria então a
diferença entre morte encefálica e estado vegetativo ou coma?
Segundo Villas-Bôas, o estado de coma seria a alteração no nível de
consciência na parte psíquica e motora, causado por algum tipo de agressão ao
sistema nervoso central. A gravidade do coma é definida em escalas. A mais
15
utilizada é a de Glasgow “seus escores variam entre 3 (que equivale ao coma
ultrapassado) a 15 (que equivale ao indivíduo lúcido, sem alterações de
consciência).
Mesmo em casos mais graves de coma existe a possibilidade do paciente
retornar com poucas sequelas. Esse é um dos motivos principais que a Eutanásia
não seria um procedimento aconselhável nessas situações.
No Brasil é considerado crime suspender o tratamento de pessoas em estado
de coma. Porém, são conhecidos nos hospitais, procedimentos médicos que
diminuem o tempo de vida desses pacientes. Elencamos o relato de um médico
intensivista que possui 15 anos de experiência e é coordenador da UTI de um
grande hospital:
[...] Conta que há bem pouco tempo estava com todas as vagas de seu
setor ocupadas. Numa delas, um paciente que teve perfuração do abdome
a bala, com comprometimento do intestino e infecção generalizada,
sobrevivia com o auxílio de um respirador artificial e não se tinha esperança
de que viesse a melhorar. Era consenso entre os médicos que ele não sairia
do coma. Do lado de fora, três pacientes em estado grave, mas com
perspectiva de melhora, esperavam no pronto socorro por um leito na UTI.
As chances de cada um deles diminuíam a cada hora. "Cheguei junto ao
leito daquele paciente que jamais voltaria a ficar consciente e diminuí o nível
do aparelho que o fazia respirar de forma artificial", relata o médico. Não era
a primeira vez que ele agia desse modo. (VEJA, edição 1767, 4 de
setembro de 2002)
Com esse relato vemos que mesmo sendo crime, médicos usam da sua
autonomia para decidir quem vive e quem morre. Não entendemos como pode um
médico se desfazer da vida de um paciente. De tal ato surge a questão temerária de
se aprovar métodos relacionados a Eutanásia e a Ortotanásia.
Outro estado intermédio que causa muita polêmica no meio médico seria o
entendimento do estado vegetativo. De acordo com Villas-Bôas (2005, p. 33) no
estado vegetativo “há destruição do córtex cerebral, parte do encéfalo
responsável pelas funções superiores que caracterizam a atividade neurológica
humana, tais como a capacidade de raciocínio, memória, relação social,
compreensão e expressão.”
Nesses casos os outros sentidos e órgãos funcionam normalmente, às vezes
até vivendo independente de aparelhos. Esses pacientes vivem sem a menor noção
16
do que acontece ao seu redor, esperando até que a morte chegue por outros meios.
Ao menos, é o que a doutrina médica alega.
Após essa breve abordagem sobre a morte e seus estados intermédiários,
passemos a aprofundar o procedimento de Eutanásia.
1.1
HISTÓRIA DA EUTANÁSIA
Embora a Eutanásia seja um assunto tratado de forma polêmica no Brasil e
no mundo, é um procedimento comum na história da humanidade. Existem relatos
desse procedimento desde a Antiguidade até o período atual.
Na bíblia (1Sm 31, 1-13), existe um dos primeiros casos relatados de pedido
de Eutanásia. No referido trecho bíblico, Rei Saul pede para um amalequita que lhe
tire a vida, temendo se tornar prisioneiro, sendo que após o ocorrido o mesmo
amalequita acaba perdendo a vida a mando do Rei Davi, que no caso demonstrou
sua repulsa em tirar a vida do “ungido” de Deus.
Segundo Ian Dowbiggin (SANCHEZ, 2009, G1 apud DOWBIGGIN),
historiador e autor de "A Concise History of Euthanasia, isso provavelmente ocorreu
como uma forma de protesto contra grande número de casos.
Os seguidores de Hipócrates proibiam os médicos de tirar a vida de um
paciente. Mas na Roma e Grécia antiga no geral havia uma tolerância
grande sobre a eutanásia e o suicídio. Geralmente os médicos da época
abandonavam o leito quando percebiam que um paciente estava quase
morrendo.
Por vezes a eutanásia foi confundida como práticas que procuravam não
eliminar a dor de quem sofria uma doença incurável, mas sim, eliminar a vida do
próprio indivíduo que a partir daquele momento se tornava um estorvo para o seu
meio familiar e social.
Grande parte do temor relacionado à Eutanásia tem relação com o programa
da Alemanha Nazista intitulado Programa de Eutanásia (Aktion T4, 1939 apud
VILLAS-BÔAS, 2005, p. 9), sendo utilizado como método de purificação das
espécies, e tinha como objetivo a eliminação de crianças deficientes físicas e
mentais. Passando esse primeiro momento, em 1940, o Plano alemão de eutanásia
17
não-voluntária estendeu suas práticas para adultos deficientes e depois para negros,
judeus, ciganos e homossexuais, que foram executados aos milhares nos campos
de concentração nazistas, com o lema de matar aquele que tivesse “uma vida que
não merecia ser vivida".
A sombra deixada pela experiência nefasta e totalitária da estado nazista
aboliu toda e qualquer possibilidade de resgate do direito de morrer com a
devida dignidade. A experiência eugênica conduzida por Hitler confundiu o
senso comum: ainda hoje se usa indiscriminadamente o termo eutanásia,
seja como sinônimo de genocídio ou de morte digna. (DINIZ-COSTA, 2004,
p. 10)
Como lembra Villas-Bôas (2005), os idosos da ilha grega de Cós eram
levados para uma festa na qual lhes eram oferecidos venenos; em Esparta, os
recém-nascidos eram atirados em um despenhadeiro; os doentes, na Índia, eram
jogados no rio Ganges; os esquimós deixavam seus idosos trancados em seus iglus;
nas Cruzadas, uma lâmina afiada chamada misericórdia tinha por função diminuir a
dor dos combatentes que eram gravemente feridos nas batalhas; Napoleão fez
pedidos ao médico da sua tropa na Ilha de Elba, para que o mesmo acelerasse a
morte dos soldados atingidos pela peste; Nobel teria proposto a um ministro italiano
que fossem criados estabelecimentos nos quais seriam mortos por asfixiamento as
pessoas que não desejassem mais viver; em tribos de hábitos antropofágicos, os
idosos eram mortos e devorados por seus familiares.
Segundo relatos do Padre José de Anchieta (FERNANDES-FLORESTAN,
1963, p.188, na obra Organização Social dos Tupinambás), índios e negros
utilizavam práticas que se assemelhavam à Eutanásia. De acordo com esses
relatos, crianças que nasciam com deficiências físicas ou se não soubessem qual
era o pai eram enterradas vivas após o nascimento
Na década de 50, o papa Pio XII manifestou claramente que ninguém é
obrigado a receber tratamentos exagerados para manter a vida. Bem antes, 400
anos a.C., o filósofo grego Sócrates disse: "Preferirei morrer a mendigar servilmente
a vida e fazer-me outorgar uma existência mil vezes pior que a morte".
Em seu livro, O Paciente Terminal e o Direito de Morrer, Röhe (2004) fez um
histórico jurídico, lembrando que no Código Penal Uruguaio de 1933, talvez, tenha
sido o primeiro a autorizar a prática da eutanásia na forma de homicídio piedoso,
18
nesse país, as pessoas que praticassem o ato da eutanásia poderiam serem
“perdoados” se fossem movidos pelo sentimento de piedade.
[…] tanto na legislação holandesa como na portuguesa,[...], ocorria a
exoneração do castigo sem, contudo, deixar de caracterizar o ato como o
de “matar alguém”, ou seja, continuava a ser crime, o que refletia a
proposta de Jimenéz de Asúa, feita na década de vinte. Logo, somente
agora haveria uma proposta concreta de regulamentação da
eutanásia.(Rohe, 2004, p. 9)
O Código Penal da Polônia versa sobre a eutanásia, contudo é mais
criterioso, no sentido que deve existir o consentimento da paciente enfermo e tem
que ser praticado com compaixão. Na Colômbia existe uma grande discussão
acerca da eutanásia. A Constituição do país isenta de responsabilidade criminal
aquele que mata paciente terminal com seu prévio consentimento, entretanto a lei
ainda não foi regulamentada. Nesse país existe um grande Movimento pelo Direito
a Morrer com Dignidade, criado em 1979.
Segundo Pessini (2007), a Holanda e a Bélgica legalizaram a prática da
eutanásia em 2002. As decisões médicas relacionadas ao tema legalizado foram
divididas em quatro áreas, são elas: a) decisões de omissões no tratamento; b)
alívio da dor e do sofrimento; c) eutanásia e suicídio assistido; d) ações de abreviar
a vida do enfermo sem sua autorização.
No Brasil, a lei estadual nº 10.241/99, sancionada pelo então governador
Mário Covas, de São Paulo, estabeleceu em 1999 o direito de um doente terminal
recusar o prolongamento de sua agonia e optar pelo local da morte.
Com a evolução técnico-científico na área médica, houve um grande aumento
de recursos para a manutenção da vida, sendo que várias doenças antes
consideradas incuráveis ou por vezes dolorosas passaram a ser consideradas
suportáveis.
O avanço biomédico, em especial as técnicas paliativas, trouxe para a
cena do debate não apenas a discussão sobre a existência ou não de
um suposto direito a escolher o momento da morte, mas também o tema
dos tratamentos extraordinários que podem estender indefinidamente a
vida, impedindo que as pessoas efetivamente morram. (DINIZ-COSTA,
2004, p. 10)
19
Assim, o homem teve sua vida prolongada por aparelhos de ventilação
mecânica e por meios de reanimação cardiopulmonar. Em meio a essa evolução,
surgiu um tipo de conduta diferenciada da Eutanásia tradicional, no qual o médico se
omite a utilizar todos os tipos de recursos que adiam a morte inevitável.
Segundo Pessini (1996, p.607) “não há lugar pior e mais frio para o fazer,
cercado de aparelhos, manipulado, aviltado em sua integridade e despojado de todo
o poder de autogestão, em nome de uma questionável defesa extremada do direito à
vida”. Esse pensamento nos leva a pensar que antigamente, a morte ocorria no lar
da pessoa, junto com os seus familiares e pessoas amadas.
Com a evolução técnico-científico e o crescimento das possibilidades de
tratamento, houve uma migração das pessoas doentes para os hospitais na
expectativa de prolongar vidas que por vezes não podem ser curadas - esse
momento final é apenas retardado com mais dor física e psicológica, não apenas
para o paciente como para os familiares. “É fácil notar como a história da
tecnologia médica evoluiu na cura de muitas doenças ao mesmo tempo que
tornou a morte um processo longo e potencialmente sofrido. (SCHELP, 2002,
VEJA )”.
A edição 162 de março de 2001 da revista Super Interessante, publicou uma
breve síntese histórica de fatos importantes acontecidos no século passado a
respeito do assunto eutanásia:
1906 – Uma proposta para a regularização da eutanásia é rejeitada no
Estado americano de Ohio, dando início à polêmica sobre o assunto;
1920 - O americano Frank Roberts envenena sua mulher com arsênico, a
pedido dela, que sofria de esclerose múltipla. É condenado à prisão
perpétua e morre na cadeia;
1934 - O Uruguai torna-se o primeiro país do mundo a abrir a possibilidade
para a eutanásia no Código Penal, quando libera da ameaça de prisão o
autor de “homicídio piedoso”;
1939 - A Alemanha institui o Aktion 4, um plano de eutanásia para matar
quem tivesse “uma vida que não merecia ser vivida”. Crianças deficientes
físicas e mentais passaram a ser mortas;
1940 - O plano alemão de eutanásia não-voluntária se estende para adultos
deficientes e depois para negros, judeus, ciganos e homossexuais. Hoje,
muitos condenam a eutanásia por medo de um novo holocausto;
1971 - A médica holandesa Geertruida Postma injeta uma superdose de
morfina em sua mãe doente, matando-a. É condenada a um ano de
20
condicional, mas seu gesto inicia a discussão pública do assunto e faz com
que muitos médicos admitam praticar eutanásia;
1989 - Jack Kevorkian, o “Doutor Morte”, estréia sua “máquina do suicídio”
na dona-de-casa Janet Adkins, de 54 anos, que sofria de Alzheimer;
1993 - A Holanda aprova uma lei que impede que os médicos que
pratiquem eutanásia ou suicídio assistido sejam processados. Apesar disso,
essas práticas continuam sendo consideradas crime;
1996 - Um projeto de lei legalizando a morte piedosa é proposto Senado
brasileiro. Jamais foi colocado em votação;
1997 - O Estado de Oregon torna-se o primeiro nos Estados Unidos a
aceitar o suicídio assistido. Anos depois, o governo passa a pagar as
famílias que optassem por abreviar a vida, como compensação pela
economia que elas davam ao sistema de saúde;
2000 - A Câmara Baixa do Parlamento holandês aprova uma lei que legaliza
a eutanásia e o suicídio assistido. Agora falta passar pela Câmara Alta, que
vota o assunto em abril ou maio de 2001. (REVISTA SUPER
INTERESSANTE, ed. 162 de mar. 2001)
Após esse breve histórico temos a necessidade de reconhecer os conceitos
referentes à eutanásia e outros conceitos relativos à intervenção humana no
momento da morte.
1.2
CONCEITOS DE EUTANÁSIA
Antes de nos aprofundarmos no assunto temos a necessidade de aprender
sobre os conceitos e classificações da Eutanásia para melhor entendimento dos
capítulos seguintes. Segue os conceitos e definições de Eutanásia, Ortotanásia,
Mistanásia e Suicídio Assistido.
1.2.1 Da eutanásia
De acordo com o dicionário Houaiss (2001), eutanásia é o “Ato de
proporcionar morte sem sofrimento a um doente atingido por afecção incurável que
produz dores intoleráveis”.
21
O termo Eutanásia significa uma morte sem sofrimento, um procedimento que
antecipe a morte com o objetivo de aliviar a dor de um paciente que tenha uma
doença que se supõe não ter mais cura, que geralmente está em seu estágio
terminal e em grande sofrimento, sendo tanto a pedido da pessoa que sofre quanto
de seus familiares.
A expressão “eutanásia”, tal como compreendida no mundo moderno, é
classicamente atribuída ao filósofo e político inglês Francis Bacon, que a
teria cunhado no século XVII, a partir dos radicais gregos eu (bom, belo,
verdadeiro, tranquilo) e thanatos (morte). Designava a ação do médico
que “fornece ao doente, quando já não há esperança, uma morte doce e
pacífica”. Bem antes dele, Suetônio, ao descrever a morte de imperador
Augusto, dizia que: “sua morte foi doce e tal como ele sempre a
desejara, porque, quando ouvia dizer que alguém morrera prontamente e
sem dor, desejava para ele e para os seus um fim semelhante, servindose da expressão grega euthanasia”. (VILLAS-BÔAS, 2005, p. 7)
Não é levado em consideração somente o tempo que resta de vida da pessoa
ou sua dor física. Casos envolvendo doenças que causam um sofrimento moral ou
psicológico também levam ao pedido de realização da eutanásia. Exemplo disso é o
mal de Alzheimer, em que o paciente sabe a irremediável situação de constante
perda que o seu corpo e a sua mente sofrerão até a sua morte, bem como no caso
da tetraplegia, que o paciente terá que se submeter à total abdicação da sua autosuficiência e sempre necessitará de assistência para todos seus atos.
A partir de Tomás Morus e Roger Bacon, no século XVII, no termo
eutanásia adquire o significado que faz referência ao ato de pôr fim à vida
de uma pessoa enferma. O debate sobre a eutanásia não se centra na
legitimidade de dispor da vida de qualquer pessoa, mas de a pessoa
enferma, para a qual não existem esperanças de vida em condições que
possam ser qualificadas como humanas, pedir e obter a eutanásia.
(PESSINI, 2007, p. 379)
Outra situação que tem bastante repercussão quando o assunto é eutanásia
está relacionado à condição de pacientes em estado vegetativo, em que o paciente
é mantido apenas por aparelhos e não apresenta resposta a qualquer estímulo.
Na vida vegetativa ou estado vegetativo persistente – expressão criada em
1972 pelos médicos americanos Jennett e Plum – há destruição do córtex
cerebral, parte do encéfalo responsável pelas funções superiores que
caracterizam a atividade neurológica humana,a tais como a capacidade de
raciocínio, memória, relação social, compreensão e expressão, cognição,
22
sensibilidade..., com perda permanente dessas aptidões. (VILLAS-BÔAS,
2005, p. 33)
A eutanásia pode ser classificada de várias formas. Dentre elas, existem as
mais difundidas, que são: quanto ao tipo de ação; quanto ao consentimento do
paciente; e quanto à finalidade do agente.
Quanto ao tipo de ação existem três vertentes. A primeira é a eutanásia ativa,
que se diz dos casos em que o agente, geralmente o médico em conjunto com a
família do paciente, pratica um ato comissivo, ou seja, comete, faz, executa ato para
provocar a morte sem sofrimento do paciente, por fins misericordiosos.
A segunda é a eutanásia passiva, que consiste no ato omissivo de suspender
atos extraordinários que ainda mantêm o paciente vivo, geralmente praticado em
pacientes em quadros terminais ou que precisam de ajuda de aparelhos para
sobreviverem.
A terceira, chamada eutanásia de duplo efeito, diz respeito ao comportamento
médico que ao receitar remédios que têm por objetivo diminuir a dor do paciente
aplica uma dose elevada para também apressar a morte do mesmo, sendo que essa
decisão deve vir acompanhada de consentimento da pessoa enferma ou de seus
familiares.
Distingue-se entre eutanásia ativa (positiva ou direta), de um lado, e
passiva, de outro. No primeiro caso, trata-se de uma ação médica pela qual
se põe fim à vida de uma pessoa enferma, por um pedido do paciente ou a
sua revelia. (PASSINI, 2007, p. 279)
Quanto ao consentimento do paciente, a eutanásia pode ser voluntária,
quando há a vontade do paciente e ele solicita a conduta, ou involuntária, quando
outra pessoa toma a decisão da morte sem a anuência do paciente, visto que o
enfermo está em tal situação que não pode responder por seus atos.
No caso da involuntária, a pessoa que toma a decisão da morte tem que ser
representante legal do paciente, sendo que essa decisão não pode ser tomada
somente pelo médico. Existe um entendimento não majoritário que entende que a
eutanásia voluntária compreende tanto a vontade do paciente quanto a vontade de
seu representante, e a eutanásia involuntária seria contra a vontade do enfermo.
23
Mas nesse sentido não teria como falar em morte piedosa ou tranquila, já que o
enfermo não quer morrer.
No que tange à vontade do enfermo, a conduta eutanásica pode ser
voluntária, quando solicitada pelo paciente, em gozo pleno de sua
capacidade; ou involuntária, quando realizada por decisão de outra pessoa
que não o próprio interessado, o qual possivelmente não se encontra em
condições de decidir. (VILLAS-BÔAS, 2005, p. 83)
A última classificação mais conhecida é a eutanásia quanto a finalidade do
agente, que surgiu a partir da obra “Libertad de Amar y Derecho a Morrir” do autor,
Luiz Jimenez de Asúa que foi um importante advogado Espanhol, na área do Direito
Penal, no início do século XX.
Dentre as várias classificações adotadas para a conduta eutanásica, uma
das mais conhecidas advém da década de 40, com a obra clássica de Luis
Jimenez da Asúa, Libertad de Amar y Derecho a Morrir. Nesse texto, o autor
defende que só existiriam três formas de eutanásia: libertadora, eliminadora
e econômica, conforme os fins visados pelo agente.(VILLAS-BÔAS, 2005,
p. 87).
Em seu livro o autor alegou existir três formas de eutanásia: eutanásia
libertadora, eutanásia eliminadora e eutanásia econômica.
A libertadora (terapêutica), que seria a forma de livrar uma pessoa enferma de
uma doença que lhe cause grande dor e que seja incurável.
A eliminadora, também conhecida por eugênica, consiste nas práticas de
eliminação de pessoas com deficiência física ou mental, pessoas com doenças
contagiosas ou até mesmo criminosos, essa eliminação tem o intuito de “limpar” uma
espécie ou um grupo social.
A econômica, aplicada também em pessoas com deficiências, em idosos,
inválidos e pessoas em estado vegetativo ou em coma. Sendo que o objetivo aqui é
apenas econômico, tirando os gastos que essas pessoas davam por suas doenças
ou estado físico.
24
1.3
DAS CLASSIFICAÇÕES DE EUTANÁSIA
No estudo do procedimento da Eutanásia existem suas outras formas de
aplicação. Nos próximos tópicos falaremos das outras vertentes que envolvem a
Eutanásia, que seriam: A Ortotanásia, a Distanásia, a Mistanásia e a Instigação ao
Suicídio.
1.3.1 Da ortotanásia
Ortotanásia é um procedimento que consiste na não intromissão no momento
da morte, tanto para acelerar quanto para adiar, ou seja, a morte em seu tempo.
Segundo Cabette (2009, p. 25) “É a 'morte correta', mediante a abstenção,
supressão ou limitação de todo de todo tratamento fútil, extraordinário ou
desproporcional, ante a iminência da morte do paciente, morte esta a que não se
busca [...], nem se provoca.”
Muitos confundem a ortotanásia com a eutanásia passiva, mas esse não é o
entendimento majoritário, sendo que, a eutanásia passiva consiste na omissão de
tratamento por parte do autor. A ortotanásia seria a restrição em condutas médicas
que são inúteis para a melhora do paciente.
Segundo o penalista Guilherme Nucci (2002, p. 270), seria ortotanásia “[…]
deixar o médico de ministrar remédios que prolonguem artificialmente a vida da
vítima, portadora de enfermidade incurável, em estado terminal e irremediável, já
desenganada pela medicina.”
A necessidade do estudo da Ortotanásia parte do crescimento da
medicalização da morte. Por vezes, é adiada a morte de um paciente que não tem
expectativas de melhoras, sendo que é adiado também o sofrimento e a dor do
mesmo.
[…] O grande desafio da ortotanásia, o morrer corretamente, humanamente,
é como resgatar a dignidade do ser humano na última fase da sua vida,
especialmente quando ela for marcado por dor e sofrimento. A ortotanásia é
a antítese de toda tortura, de toda morte violenta em que o ser humano é
25
roubado não somente de sua
dignidade.(PESSINI, 2007, p. 401)
vida
mas
também
de
sua
A ortotanásia consiste na possibilidade de trabalhar com as pessoas a
distinção de curar e cuidar, entre tentar manter uma pessoa viva quando esse é o
procedimento correto e deixar a pessoa morrer no momento certo.
1.3.2 Da distanásia
A distanásia e a eutanásia têm em comum a preocupação com o momento da
morte. Enquanto a eutanásia se baseia em uma qualidade no final da vida, a
distanásia se preocupa com o prolongar a vida, mesmo que leve à uma morte lenta
e sofrida, causada pelo uso de recursos médicos para prolongar a morte, até mesmo
contra a vontade da pessoa que morre.
O caso que chegou à Justiça brasileira envolvia um bebê de 8 meses,
com um quadro clínico degenerativo, incurável, e que exigia sessões
diárias de intervenção no corpo para mantê-lo vivo. Seus pais
descreveram estas intervenções como atos de tortura: “isso que a gente
chama de tortura é a fisioterapia, puncionar a veia, aspirar o pulmão
duas ou três vezes por dia, isso tudo o incomoda, machuca (…) e não há
qualquer possibilidade de modificar o quadro dele...". (PIOVESAN,
SARMENTO, 2007, p. 300).
Seria uma atitude médica que, visando salvar a vida do paciente terminal,
submete-o a grande sofrimento, sendo observado que essa ação é inútil para a cura
do paciente enfermo. Seria uma lentidão no momento da morte.
Segundo Robatto (2008, p. 41) “Distanásia, “obstinação terapêutica”,
tratamento
fútil,
inútil,
ação
antiética
através
a
qual,
enfim,
busca-se
desesperadamente curar o impossível, a morte!”.
O médico dominado pela obstinação de recuperar vidas a qualquer
custo, prolongaria ao máximo o funcionamento do organismo debilitado,
negligenciando a vontade do paciente e o fator “qualidade de vida”. Esse
médico terá trazido, então, dor e sofrimento gratuitos: justamente aquilo
que a eutanásia procura eliminar. (RÖHE, 2004, p. 15).
26
O médico não tem nenhum dever ético ou legal que o obriga a prolongar a dor
e a angústia do paciente que está morrendo. Os termos utilizados para esse tipo de
ato são diferenciados em outros países, como exemplo, nos Estados Unidos é
chamado de “futilidades médicas” (medical futility).
Trata-se de um neologismo, uma palavra nova, de origem grega. O prefixo
grego dys tem o significado d e ”ato defeituoso”, portanto a distanásia
significa prolongamento exagerado da morte de um paciente. O termo
também pose ser empregado como sinônimo de tratamento inútil. (PESSINI,
2007, p. 407).
Antigamente era comum alguém morrer de velhice ou de doença, aos
médicos só restava acompanhar o doente na fase mais avançada, diminuindo a dor,
fazendo com que seus últimos momentos fossem mais confortáveis. Hoje com o
modernização da medicina, vários médicos se comportam com arrogância ou as
vezes com um pensamento apenas monetário e tentam adiar uma morte que não
tem mais cura, sendo que a manutenção de um paciente terminal tem um preço bem
alto, por conta de equipamentos sofisticados ou até remédios.
Segundo Pessini (2004, p. 220) “A distanásia, também designada como
encarniçamento terapêutico ou obstinação ou futilidade terapêutica, é uma postura
ligada especialmente aos paradigmas tecno-científico e comercial-empresarial da
medicina.”
Concluímos que a Distanásia seria o contrário da Eutanásia, ou seja, o uso de
meios terapêuticos de modo excessivo para manter um paciente em fase terminal
vivo.
1.3.3 Da mistanásia
Nos países desenvolvidos, a morte costuma ocorrer na velhice, isso se deve a
boa infra-estrutura do país que garante casa, educação, saúde, comida e etc. Não
ocorre o mesmo nos países subdesenvolvidos, que a morte costuma ocorrer em
todas a faixas etária, até em crianças.
O motivo seria, na maioria das vezes, o descaso do estado com a sua
população, que têm instituições hospitalares de alta qualidade, cujo acesso é
27
reservado apenas para uma minoria rica, em contrapartida a população pobre não
tem o atendimento básico nos hospitais público e sofrem pela falta de de direito à
saúde, são nesses países que ocorrem a mistanásia.
Mistanásia seria a morte por falta de atendimento médico adequado, por
pobreza em uma sociedade, por falta de condições econômicas da própria pessoa
ou de seu país. É uma morte miserável fora e antes do tempo.
O termo tem origem algo obscura; para uns, provém do grego mis (que
significa "infeliz”), para outros, do radical também grego mys (“rato”). Em
qualquer das duas opções, a expressão tem aplicabilidade perfeita ao
seu sentido, que remete a uma morte miserável.(VILLAS-BÔAS, 2005, p.
75)
A mistanásia seria o mesmo que uma eutanásia social, seria o caso das
vítimas de erro médico, as pessoas que foram vítimas na era Nazista,
condenados a pena de morte ou até pessoas que são deixadas sem tratamento
até a morte. Na mistanásia, por maioria das vezes, não chega a ter tratamento
hospitalares. São as mortes que ocorrem nos corredores de hospitais públicos,
sempre com descaso.
1.3.4 Instigação ao suicídio
Enquanto a Eutanásia não tem previsão legal no Código Penal Brasileiro o
Suicídio Assistido é previsto em seu art. 122, que o descreve como prática de
“induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça" e
prevê de um a seis anos de reclusão, sendo que não existe atenuante para a pena
em caso de relevante valor moral.
Como ferrenho opositor a qualquer forma de interrupção da vida, Verspieren
lembra, ainda, que o suicídio é um grave problema de saúde pública e que sua
admissão para doentes terminais poderia levar a um desestímulo quanto à evolução
dos cuidados paliativos, como se o tratar de pacientes em morte iminente fosse
mero desperdício de recursos materiais e humanos. (VILLAS-BÔAS, 2005, p. 95
apud Verspieren, 2001, pp. 93-106)
28
Dessa forma, o suicídio assistido é diferenciado da eutanásia pelo agente da
morte, que no caso é a própria pessoa enferma. O paciente que comete esse ato
também está em grande sofrimento e possui uma doença incurável. O terceiro nesse
caso apenas ajuda materialmente o paciente a conseguir o resultado desejado.
29
2
BIOÉTICA E DIREITOS FUNDAMENTAIS
As expressões Bioética e Biodireito surgiram com o crescimento dos avanços
tecnológicos ligados à medicina, têm como principal objetivo proteger os pacientes,
com foco proteção à vida. Seria um normativo sobre direitos e deveres dos que
prestam
assistência
médica,
principalmente
para
pacientes
adoentados
e
vulneráveis. Têm uma preocupação ecológica e com a qualidade de vida que se
deixa às futuras gerações. Segue abaixo considerações sobre Bioética e
Biodireito.(VILLAS-BÔAS, 2005, pag. 107)
2.1
BIOÉTICA E BIODIREITO
Segundo Villas-Bôas o termo foi inventado pelo oncologista americano,
Van Rensselaer Potter, que definiu em seu livro “Bioethics bridge to the future”
como sendo a “ciência da sobrevivência humana”, uma “ponte para o futuro",
tendo como objetivos primordiais “promover e defender a dignidade humana e a
qualidade de vida”, abrangendo também a vida humana, como defesa do
equilíbrio ambiental.
A versão da Bioética mais comum utilizada nos dias atuais surgiu em 1972,
quando o médico André Hellegers (HELLEGERS, 1972 apud VILLAS-BÔAS,
2005, p. 107) associou a expressão a situações geralmente dirigidas para a
relação entre médico e paciente, com discussões envolvendo assuntos
polêmicos, como a pesquisa em seres humanos, reprodução assistida, aborto,
eutanásia e etc.
Segundo Pessini (2004, p. 159) “Entendemos aqui Bioética como o resgate da
dignidade humana e da qualidade de vida, num momento crítico da existência
humana em que as pessoas estão enfrentando a morte iminente e inevitável”.
O Nascimento da Bioética foi o nome dado à uma Conferência que aconteceu
em 23 e 24 de setembro de 1992, na Universidade de Washington, Seattle, esse
evento reuniu os “pioneiros” da nova ética da medicina.
30
O motivo principal dessa Conferência ocorreu devido a um grande problema
envolvendo a invenção da primeira máquina de hemodiálise, na década de 60, com
o surgimento dessa grande invenção se tornou necessário a escolha de quem ia
poder fazer parte das pessoas que poderiam ser tratadas com o equipamento,
visto que era bem maior a quantidade de pessoas que queriam receber o
tratamento para a possibilidade técnica ou econômica de oferecer o mesmo.
Assim, foi criado um comitê para a escolha dos pacientes para o programa de
hemodiálise.
Desse forma, o comitê defrontou com a tarefa inviável de determinar
critérios em questões não-médicas. Deveria ser a personalidade?
Finanças? Aceitação social? Contribuição passada ou futura?
Dependentes familiares e apoio? Embora o comitê fosse anônimo, a
notícia de sua existência surgiu no New York Times. A correspondente
da revista Life Shana Alexander foi a Seattle cobrir o que ela descreveu
na conferência sobro “o nascimento da bioética” como “a mais fascinante
história de sua carreira". (PESSINI, 2007, p. 26)
A grande valorização dos direitos humanos teve grande influência para o
surgimento da Bioética. A Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), o
Código de Nurëmberg (1947) e a Declaração de Genebra que são documentos de
repúdio às atrocidades cometidas contra a dignidade da pessoa humana durante a
Segunda Guerra Mundial, também foram muito importantes para a Bioética.
A Bioética é, por excelência, transdisciplinar. Para ela colaboram
conhecimentos médicos, jurídicos, filosóficos, sociológicos, de Psicologia,
Antropologia, Administração Hospitalar, entre outros. Para alguns, trata-se
de uma versão aplicada da Ética, numa época em que é flagrante a tomada
de consciência da cidadania, observada em todos os setores da sociedade
e mais perceptível no Direito, que vê crescer em importância
microssistemas relativos aos direitos sociais […]. (VILLAS-BÔAS, 2005, p.
109)
Com o passar do tempo as pessoas passaram a ficar cada vez mais bem
informadas sobre os seus direitos, sendo que esse direito também abrangia o poder
de intervir na conduta médica, decidindo se desejavam receber tratamento médico
ou não caso fosse facultativa essa escolha.
A Bioética surgiu no instante em que houve necessidade d esse
disciplinar o comportamento do homem diante das novas tecnologias e
avanços nos conhecimentos científicos. O homem avistou novas
31
possibilidades até então desconhecidas, o que fez renascer o debate
ético a respeito: a intervenção da ciência domina cada vez mais as
forças da natureza e interfere diretamente no mundo natural. (RÖHE,
2004, p. 76)
Assim, a comunidade médica teve que criar um regramento para a conduta
médica, ajudando os profissionais da medicina a terem base para resolverem
conflitos éticos em sua profissão.
O direito está totalmente ligado à ética, sendo que os dois caminham juntos.
Como mesmo lembra Villas-bôas “Se a Ética sem o Direito perde força, o Direito
sem a Ética é ilegítimo”.
[…] a professora Maria Helena Diniz aponta o Biodireito como nova
disciplina jurídica que tem a vida como objeto principal e é fruto dos
"desafios levantados pela biomedicina […], tomando por fontes imediatas
a bioética e a biogenética". Percebe-se também, nesse ponto, a
tendência a aproximar o Biodireito dos arcabouços bioéticos, dando
margem, inclusive, à possibilidade de se recorrer aos princípios bioéticos
enquanto tais, como fontes do questionamento sobre estarem eles ou
não agasalhados pelo ordenamento jurídico pátrio. (VILLAS-BÔAS,
2005, p. 115)
Segundo a autora o Direito Biomédico trabalharia com questões envolvendo à
saúde e à evolução biomédica. A Bioética soluciona os problemas envolvendo o
sentimento social em relação à vida e à saúde, enquanto o Direito se utiliza disso,
uma vez que provida de maior agilidade para acompanhar as mudanças científicas e
culturais do que seria possível à lei fazer. Dessa forma alguns autores adotaram a
expressão Biodireito designado para o tratamento jurídico nos temas que a bioética
trabalha.
2.2
PRINCÍPIOS BIOÉTICOS NA EUTANÁSIA
Tratar do final da vida é um assunto muito polêmico que levam normas
bioéticas e normas jurídicas em geral sempre a viverem em constante conflito. Por
isso é necessário estudar os princípios bioéticos e alinhá-los para a tentativa de
solução desses conflitos. Segundo Röhe (2004, p. 76) “Os princípios da Bioética
32
serviram, então, para estabelecer parâmetros éticos para as pesquisas tecnológicas
e frear o domínio humano sobra as demais formas de vida.”
Segue abaixo considerações sobre os Princípios da Beneficência, Princípio
da não-maleficência, Princípio da Autonomia e Princípio da Justiça.
2.2.1 Princípio da beneficência
Como o próprio nome já informa, esse princípio visa o bem do outro. O
médico no caso procura sempre o bem do seu paciente. O que é questionado pela
autora Villas-Bôas é se de fato justifica todas as atitudes do médico, quando bem
intencionado, ainda que represente uma violação da vontade, dos valores e aos
direitos do paciente.
No princípio da beneficência, o Relatório Belmont rechaça claramente a
idéia clássica da beneficência como caridade e diz que a considera, de uma
forma mais radical, uma obrigação. Neste sentido são formuladas duas
regras como expressões complementares dos atos de beneficência: a) não
causar dano e b) maximizar os benefícios e minimizar os possíveis riscos.
(PASSINI, 2007, p. 58)
É com base no princípio da Beneficência que é legítima a coação para
impedir suicídio, mesmo indo contra o desejo da pessoa que pratica o ato. Nesse
caso é visto como praticar o bem, a defesa da vida. Alguns autores não entendem
esse procedimento como benéfico, como cito abaixo:
O problema reside o fato de que o conceito ético e moral de bem não é
unívoco ou objetivo. Quem é capaz de dizer exatamente o que é benéfico
para outro? Para o suicida, talvez, o benéfico estivesse em que se lhe
ajudassem a terminar a vida mais rápido e sem dor.(VILLAS-BÔAS, 2005,
p. 117)
Contudo, é identificado como bem a cura, a melhora, a promoção da vida e da
saúde. Esses casos são vistos como o princípio da beneficência.
2.2.2 Princípio da não-maleficência
33
O médico deve sempre usar os seus conhecimentos para o bem do paciente
e nunca para prejudicá-lo. Partindo desse princípio e levando para a Distanásia,
caberia nesse ponto a proibição do médico na obstinação terapêutica, que o
médico mesmo sabendo da inutilidade do tratamento, insistem em aplicá-la,
fazendo, assim, com que o paciente tenha um fim doloroso prolongado pela
arrogância médica.
Diz-se, portanto, que, em face do paciente terminal, quando já não há
benefícios possíveis a se oferecer […], deve nortear as decisões
médicas o princípio da não-maleficência, evitando-se intervenções fúteis,
que apenas prolongam e tornam mais doloroso o processo de morrer,
sema
potencialidade de revertê-lo. Devem-se, então, priorizar os
cuidados paliativos, de alívio e de conforto. (VILLAS-BÔAS, 2005, p.
118)
Não é ligado ao princípio da não-maleficência a eutanásia, visto que, o
médico praticando tal ato, vai causar um mal irremediável ao paciente.
2.2.3 Princípio da autonomia
Por esse princípio, o paciente tem o direito de ser considerado como apto a
decidir acerca do seu próprio corpo e se quer ou não se submeter a certos
tratamentos, se isso lhe for de direito. Segundo Villas-Bôas esse princípio tem
ligação com o direito de liberdade e de legalidade, sendo que o paciente não é
obrigado a se submeter a algo que a lei não lhe obrigue.
Como parte dessa autonomia o paciente pode deixar em testamento sua
vontade de continuar ou não com tratamentos médicos extraordinários. Esse tipo de
testamento será tratado no tópico seguinte.
2.2.3.1 Consentimento informado em testamento vital
34
Para o paciente praticar a sua autonomia por vezes é necessário a presença
de um documento demonstrando seu consentimento informado, esse documento
deve ser livre, expresso e esclarecido.
O paciente deve ter o esclarecimento médico sobre as medidas a serem
tomadas, para que no consentimento informado possa decidir a respeito dos
procedimentos que serão realizados.
Para ter validade jurídica, o consentimento deve ser expresso por indivíduo
legalmente capaz e de maneira livre e voluntária, sem coação física ou
moral. O consentimento tem também por característica o fato de ser
renovável a cada fase ou novo procedimento e revogável a qualquer tempo.
(VILLAS-BÔAS, 2005, p. 121)
Em alguns países como a Califórnia onde a eutanásia é um procedimento
legal é necessário preencher requisitos para que seja aceito o pedido. Como
exemplo, a possibilidade de ter um aviso prévio, mediante de testamentos, no qual o
paciente pode deixar informações, como um atestado de recusa antecipada de
tratamentos. Como exemplo, Califórnia e o estado de Oregon nos Estados Unidos,
existe o chamado testamento vital (living will).
O living will ou 'testamento em vida' pretende estabelecer os tratamentos
médicos indesejados, caso o paciente incorra em estado de inconsciência
ou esteja em estado terminal. São mais comuns as disposições sobre
recusa de entubação e de ressuscitação (do not ressuscitate orders).
(FREIRE DE SÁ, 2005, p. 36)
No Brasil não existe uma lei que regula o testamento vital. Contudo, o Código
Civil de 2002, em seu art. 1.857, § 2º preceitua que são válidas a disposições
testamentárias mesmo que não patrimoniais e no art. 1.861 regulamenta que
mesmo se o testador estiver incapacitado não invalida o testamento.
Segundo Mariz (Correio Braziliense, número 17.872, 29 de Abril de 2012), no
26º Tabelionato de Notas de São Paulo, houve um aumento de 20 vezes, no registro
de testamento vital, passou de 22, em 2002, para 406 em 2011. Essas pessoas
fizeram vários pedidos, desde o pedido da não utilização de procedimentos
extraordinários, em casos de doenças graves e terminais, até o local da morte e
opção por cremação.
35
No caso pode-se valer desses artigos para orientar o representante legal
quanto ao modo que enfermo gostaria de ser tratado caso se encontrasse
incapacitado.
As críticas referentes ao testamento em vida seria o período entre quando foi
feito o testamento até o momento que a pessoa vai realmente fazer valer seu
pedido. A crítica seria se a pessoa permaneceria querendo a mesma coisa que anos
atrás.
Se hoje se faz um testamento de vida e se este só vier a ser concretizado,
por exemplo, passados vinte anos, será que se pode dizer que a vontade
“atual” é ainda aquela que então se manifesta? E é ou não verdade,
sobretudo quando trabalhamos sobre questões do “ser”, que a atualidade é
peça essencialíssima para se aferir da validade da vontade?(DINIZ.;
COSTA, 2004, p. 145-146)
Esse dispositivo não pode ser levado em conta para práticas de eutanásia, já
que o procedimento não é legalizado no Brasil. Contudo, poderia se valer desses
dispositivos legais para a recusa terapêutica.
2.2.4 Princípio da Justiça
O princípio da justiça tem como principal meta atingir o direito da igualdade. O
acesso à saúde deveria ser igual para todas as classes sociais, mas esse
entendimento é quase utópico, pois mesmo nos países desenvolvidos, não existe a
possibilidade de dar o mesmo tratamento para toda a sociedade, devido a inevitável
limitação dos recursos disponíveis.
O princípio da justiça consiste,[...], na “imparcialidade na distribuição […]
dos benefícios, riscos e encargos, proporcionados pelos serviços de
saúde". Segundo os mentores do Principialismo, o princípio em tela se
refere à equitativa distribuição de recursos naturalmente escassos, de
modo que todos possam deles se beneficiar e suportem os ônus de
modo justo e equânime. (VILLAS-BÔAS 2005, p. 122 apud DINIZ, 2001,
p. 16)
Por esse princípio deve-se compreender também que o paciente terminal
tem o mesmo direito a tratamento que um paciente normal, para que não haja
36
ferimento nos princípios de beneficência e a não-maleficência da conduta. Seria
a conscientização que a sociedade e o Estado têm que priorizar pelo direito à
saúde.
Levando em consideração esse princípio podemos verificar uma preocupação
futura, caso fossem legalizadas a Eutanásia e a Ortotanásia no Brasil. Seria um lei
de grande benefício para as pessoas enfermas, porém em um país como o Brasil
seria preocupante o pensamento da prática de tais procedimentos para desocupar
leitos de hospitais com paciente onerosos.
Já sabemos que o Princípio da Justiça no Brasil é todo dia ferido. Assistimos
nos noticiários histórias de pessoas que morrem nos corredores dos hospitais
públicos, grávidas que abortam por falta de atendimento e pessoas que precisam
apenas de um tipo de procedimento para melhora e pela demora acabam por piorar
sua situação.
Uma pergunta fica no ar, o Princípio da Justiça seria respeitado caso os
procedimentos de Eutanásia e Ortotanásia fossem autorizados? Acreditamos que
não. Porque seria necessário uma mudança em vários aspectos do Estado
Brasileiro. Mudança na sociedade, mudanças na estrutura dos hospitais, mudança
no Governo entre outras. Teria que existir uma mudança drástica no governo do
Estado.
2.3
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Os Direitos Humanos foram criados como uma forma de proteção ao ser
humano contra formas de excessos exercidos pelo poder estatal, essa proteção
seria a satisfação das necessidades fundamentais para a sobrevivência da espécie
humana.
"Conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que
tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua
proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de
condições mínimas e desenvolvimento da personalidade humana".
(MORAES, 2012, p. 39)
37
Como lembra Villas-Bôas, o homem percorreu um longo caminho rumo ao
respeito dos seus semelhantes. A autora faz um pequeno histórico dos documentos
importantes envolvendo os Direitos Humanos, começando com a Magna Carta
(Inglaterra, 1215), quando primeiro fixaram documentos para regular os direitos à
liberdade, à propriedade, à necessidade de processo legal para privar alguém de
seus bens e liberdade.
Esse primeiro documento tinha uma preocupação pequena em relação à
dignidade da pessoa, mas significou um grande avanço para a proteção aos bens e
à posição social. Seguiram-se a esse documento outros de teor semelhante, como
o The Petition of Rigths, Inglaterra, 1628; the Bill of Rights, Inglaterra, 1688; a
Declaração da Virgínia, Estados Unidos, 1776; a II Convenção da Filadélfia, Estados
Unidos, 1787 e em destaque a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
(França, 1789), que além de ratificar sobre propriedade, citou também à liberdade
em suas diversas formas, como ambulatórias, religiosas, de opinião e etc. Esse
documento definiu a liberdade como sendo "poder fazer tudo quanto não incomode o
próximo", ainda assim, não foi mencionado sobre vida e saúde.
Esse tema começou a ter maior relevância a partir do século XX, que foram
os documentos que seguiram à II Grande Guerra, devido aos atos hediondos
cometidos nos campos nazistas, ficou clara a necessidade de se estabelecerem
normas mundialmente aceitas para a proteção do ser humano. Surgiram a
Organização das Nações Unidas (ONU), o Código de Nüremberg (1947), que
versava sobre pesquisas com seres humanos, e a Declaração Universal dos Direitos
do Homem (1948), que teve grande importância para o lançamento dos direitos
humanos em âmbito internacional.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem […]. Seu artigo 3º
consagra, afinal, o direito à vida, vedam-se a tortura, a escravidão, a
degradação (artigos 4º e 5º); protege-se a privacidade (artigo 12);
asseguram-se a participação democrática (artigo 21), a remuneração
justa por seu trabalho (artigo 23), o lazer (artigo 24), a educação (artigo
26), entre outros direitos, somando-os às conquistas já firmadas e
ordenando-os em um documento de amplo reconhecimento. (VILLASBÔAS, 2005, p. 134)
Ainda no século XX várias declarações e tratados internacionais foram
criados e logo incorporados nos ordenamentos jurídicos nacionais. De acordo com
38
(VILLAS-BÔAS, 2005, p.135), os direitos fundamentais, que são a parte positivada
dos direitos humanos, possuem a mesmo grau de relevância de imperativo
constitucional em um grande número de nações. Mas cada país usa de seus
costumes e cultura para aplicar esses direitos, assim alguns aceitam a pena de
morte, eutanásia ou aborto, sem considerarem que isso infringe o direito
fundamental de seu país, enquanto que outros países não aceitam esse tipo de
conduta por proteção à vida.
Diz Eliana Calmon que atualmente “a preocupação […] não é mais pela
vida, mas pela qualidade de vida” e destaca, nesse contexto, o
acréscimo de poder humano na determinação de nascimento e morte em
face das novas tecnologias, bem como a questão da manipulação
genética de animais e plantas e do próprio ser humano. A ética
profissional passa a requerer uma maior manifestação por parte do
Direito, com o escopo de que a evolução científica não atropele os que
deveriam ser veneficiados por ela. (VILLAS-BÔAS, 2005, p. 136 apud
CALMON, 2002, p. 151-159)
Já se discute no rumo dos Direito Humanos, a existência de direitos
específicos para pacientes terminais, diante da situação que com a evolução
tecnológica na medicina os médicos procuram a todo custo manterem o paciente
vivo, sendo visto como uma obsessão da parte médica.
Assim, como lembra (VILLAS-BÔAS, 2005, p. 136-137) é que em 1983, em
Veneza, foi realizada a 35º Assembléia Geral da Associação Médica Mundial, nesse
evento foi produzido a "Declaração de Veneza sobre o Paciente Terminal", versando
sobre a possibilidade de omissão e suspensão de medidas extraordinárias e
tratamentos que se mostrem fúteis, sendo mantido os tratamentos paliativos. Em
junho de 1999, o Conselho Europeu também falou sobre o assunto na
Recomendação n. 1418, acerca da “Proteção dos Direitos Humanos e da Dignidade
dos Doentes Incuráveis e Terminais".
Esse foram exemplos das tendências de entendimentos que estão ocorrendo
no mundo sobre os Direitos Humanos em relação à eutanásia. Tais entendimentos,
entretanto, precisam ser internamente admitidos pelo país para exercerem seus
efeitos entre os doentes terminais, dentro de um processo de positivação dos
direitos humanos.
Hoje em dia, os Direitos Fundamentais positivado nos Direitos Humanos,
foram complementares e incorporados em vários países, inclusive no nosso. Porém,
39
vemos que cada Estado tem seu entendimento sobre o que seria prudente para seu
país em relação aos Direitos Humanos. Cada País se utiliza da sua história, cultura
e modos para reger seu próprio direito.
2.3.1 Dignidade da pessoa humana.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, inciso III, tem como um dos
fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana.
Segundo (VILLAS-BÔAS, 2005, p. 137), há quem entenda que, devido a esse inciso,
as demais disposições que constam na Constituição e as demais disposições
normativas que dela derivem só podem ser interpretadas à luz da dignidade da
pessoa humana.
Tal entendimento é de especial importância para o estudo dos pacientes
terminais que quando já não têm condições de exercer com plenitude os demais
direitos que lhes cabem, torna-se necessário observar e garantir, ao menos, a
conservação da sua dignidade nos seus últimos momentos.
A liberdade e a dignidade são valores intrínsecos à vida, de modo que
essa última não deve, necessariamente, ser considerada bem supremo e
absoluto, acima dos dois primeiros valores, sob pena do amor natural
pela vida se transformar em idolatria. E a consequência do culto à
idólatra à vida é a luta, a todo custo, contra a morte. (FREIRE DE SÁ,
2005, p. 33)
Em contraponto ao entendimento que o paciente terminal, pelo princípio da
dignidade da pessoa humana, pode decidir se deseja viver ou não, é preciso
estudar o artigo 5º da Constituição brasileira, que ao tratar dos Direitos e Garantias
Individuais, refere-se expressamente ao direito à vida. É com base em tal garantia
que vários pensadores são contra a eutanásia, citando como exemplo o jurista
Celso
Ferenczi,
que
em
entrevista
dada
à
revista
Super
Interessante
(BURGIERMAN, 2001, Edição 162), declarou que “A vida não é um bem próprio,
pessoal.
Trata-se de um bem comunitário que pertence à sociedade”. Para ele, a
eutanásia não viola apenas a lei divina, como também a nossa Carta Magna, que
40
estabelece o direito fundamental à vida. Ferenczi ainda alega que esse tipo de
direito é inalienável, ou seja, não se pode abrir mão dele. “O que se chama de
morte piedosa vai contra a declaração dos direitos humanos da ONU". E como os
direitos humanos são cláusulas pétreas da Constituição brasileira, só poderiam ser
modificados com uma nova Assembléia Constituinte, Ferenczi conclui que “a
legalização da eutanásia seria inconstitucional”.
De outro lado, há os que alegam que a Carta Magna nacional não explica o
significado da expressão "vida". Um dos que defende essa linha é Azevedo (2002, p.
5), que vê o direito à vida como sendo uma proteção da sua própria vida contra
outrem, ou seja, ninguém tem o direito de tirar a vida de outra pessoa. Entretanto,
se o paciente terminal decide que não deseja mais viver é um direito dele, da
mesmo forma que se ele não estiver em condição de fazer o procedimento e pedir
para outra pessoa fazer, o mesmo não deveria ser penalizado.
Para explicar por que temos uma permissão de dar fim à nossa vida
basta admitir que é verdadeiro que não estamos sob a obrigação de não
fazê-lo (logo, que ninguém tem um direito sobre nós a que nós não o
façamos). Temos, é verdade, um direito sobre os demais a que ninguém
ameace ou elimine nossa vida. Logo, que estamos todos sob a
obrigação de não ameaçar ou eliminar a vida de outrem. Porém, e se a
vida deixar de ser um bem para alguém? Ora, nesse caso, torna-se
plausível, razoável, que este alguém possa desejar o fim de sua própria
vida. Mas e se ele não tiver condições de tirar sua própria vida
(suponhamos que seja tetraplégico)? Poderia ele retirar de alguém essa
obrigação, suspendendo-a, criando, com efeito, uma permissão? Isso me
parece claramente plausível, e seria plenamente explicado pelo fato de
termos um poder sobre nós mesmos, ou, em outras palavras, pelo fato
de nosso direito à vida incluir um poder, a saber, o poder de alterar as
proibições dos demais de não nos matar, concedendo-lhes a licença de
nos ajudar. Assim, se alguém está proibido de ajudar-me a cometer o
suicídio, e se essa proibição, em última instância, dá-se em respeito a
meus direitos de não ser vitimado pela ação de outrem, se tenho o
domínio sobre minha própria vida, então é razoável que eu possa
também ter o poder de alterar os direitos de outrem, retirando-lhes
excepcionalmente a proibição de ajudar-me em tentativas de suicídio.
(AZEVEDO, 2002, p. 5)
A discussão envolvendo a interpretação correta em relação ao direito à vida
no Brasil não tem muita polêmica, visto que, a população carente por vezes nem
chega a ter tratamento básico. De qualquer forma, é necessário uma discussão mais
aprofundada sobre o assunto no Brasil, uma vez que já constam relatos de
41
pacientes terminais que decidiram abreviar a vida no Brasil, como o relato na revista
Super Interessante sobre uma senhora que optou por abreviar a vida:
A gaúcha Eulália era uma senhora ativa que não parava em casa. Aos
63 anos, perdeu o marido. Dali em diante, sua vida mudou. Era vista
pedindo a Deus que a levasse logo. Foi acometida de uma osteoporose
e ficava cada vez mais tempo na cama, definhando, gemendo de dor.
Com os anos, perdeu a lucidez e passou a confundir até os rostos mais
familiares. Teve que começar a usar fraldas. E chorava com a
humilhação de depender dos parentes para tudo. Matriarca de uma
família de médicos, dona Eulália foi bem assistida. Aos 75 anos, seu
quarto se transformou em um leito de hospital. Ela passou a se alimentar
por sonda, a receber soro. Até que entrou em coma, vítima de mau
funcionamento dos órgãos e da alimentação insuficiente. [...] Um dia, um
dos médicos da família observou seus reflexos e concluiu que, embora o
coração continuasse batendo firme e a respiração não desse sinais de
fraqueza, dona Eulália jamais se recuperaria do coma. A profissão lhe
dava acesso a medicamentos controlados e ele conseguiu morfina. Um
dos parentes aplicou a injeção no braço da doente. A respiração dela foi
ficando cada vez mais espaçada. Quinze minutos depois, dona Eulália
inspirou suavemente. Nunca mais soltaria o ar. (BURGIERMAN, 2001,
edição 162)
Não tem como ter uma noção se esse tipo de caso é raro ou é comum no
Brasil, pelo mesmo fato da eutanásia não ser um assunto comentado tanto na área
jurídica quanto na área médica. No entanto, é certo que por vezes médicos do país
se deparam com casos de pacientes que não desejam mais viver, por estarem em
estado de grande sofrimento.
A revista Veja (SCHELP, 2002, edição 1767), entrevistou 27 médicos
acostumados a trabalhar com pacientes graves. Em uma enquete, 26 desses
médicos foram favoráveis a interrupção de tratamentos fúteis, sendo que alguns até
admitiram o uso de sedativos tão fortes que, enquanto aliviam as dores, também
acabam por diminuir o tempo de vida do paciente.
VEJA entrevistou 27 médicos que conhecem bem esse cenário,[...] Há os
que acham que se podem desligar todas as máquinas e retirar os
medicamentos inúteis e há os que consideram perversa a hipótese de
suspender o uso do respirador, tecnicamente levando o paciente à morte
por asfixia. Outros admitem o uso de sedativos tão fortes que, enquanto
aliviam dores, tornam mais próximo o fim, por seus efeitos colaterais.
(SCHELP, edição 1767, 4 de setembro de 2002)
O ato médico de adiar a morte de alguém demonstra que o médico dispõe da
vida do paciente. Villas Boas (2005, p.139) questiona por que o paciente não pode
42
dispor sobre sua vida, quando esse direito é dado a terceiros, como no caso de o
médico decidir se o paciente vai ficar atrelado artificialmente a uma vida que se
esgota ao natural, sem lhe oferecer, com isso, qualquer benefício efetivo ou
desejado, mesmo contra a vontade do paciente.
De acordo a autora há quem entenda que para resolver o empasse
envolvendo o princípio do direito à vida, seria necessário estipular que a vida do
paciente que sobrevive apenas artificialmente e vegetativa, já não seria configurada
a vida humana.
Tal interpretação remete à questão da qualidade de vida que ao entender da
autora (FREIRE DE SÁ, 2005, 59-60) “não se pode privilegiar apenas a dimensão
biológica da vida humana, negligenciando a qualidade de vida do indivíduo” a autora
ainda entende que “o prolongamento da vida somente pode ser justificado se
oferecer às pessoas algum benefício”.
O jurista Alexandre de Moraes (MORAES, 2012, p. 320), “O direito à vida tem
um conteúdo de proteção positiva que impede configurá-lo como o direito de
liberdade que inclua o direito à própria morte.”. O que entendemos com esses
dizeres é que o Direito à vida está acima de qualquer outro direito. Que o homem
tem direito à vida e não sobre a vida.
Após esse breve estudo é possível observar que há uma incompatibilidade
nas normas Constitucionais e para o melhor estudo do tema o autor Anderson Rohë
(ROHË, 2004, p. 34 apud BOBBIO, 1994, p. 86) aponta duas condições para
verificar uma antinomia: “as duas normas devem pertencer a um mesmo
ordenamento e ter o mesmo âmbito de validade, seja este de caráter temporal,
espacial, material ou pessoal".
Como o estudo é sobre princípios, as antinomias tornam-se ainda mais
complexas, pois os princípios são mandamentos principais do Direito, a base do
sistema jurídico.
A constitucionalização dos princípios jurídicos e a consolidação de uma
cultura de eficácia vinculante dos princípios constitucionais enseja uma
estruturação dos mecanismos de resolução das colisões entre os valores
constitucionais, bastante correntes em uma Constituição aberta e prolixa
como a brasileira, que alberga um sistema jurídico constitucional
extremamente dinâmico. Os métodos clássicos de resolução de antinomias
entre regras jurídicas não conseguem dar resposta às situações em que
colidem dois ou mais princípios constitucionalmente válidos, já que a
43
solução de conflitos entre princípios deve vencer o prisma da validade e
alcançar a idéia de densidade e de peso dos valores em
choque.(CRISTÓVAM, 2002, http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.Asp ?id=3
6 82)
Um conflito envolvendo regras somente pode ser resolvido se for introduzida
uma cláusula de exceção em uma das regras conflitantes, na intenção de remover o
conflito. Já para conflitos envolvendo Princípios não se resolve no campo da
validade, mas no campo do valor.
O conflito entre as normas só poderá ser solucionado com a inserção de
uma exceção ou diante da invalidade de uma norma frente a outra. Mas a
tensão entre os princípios não se resolve no campo da validade, mas na
dimensão de seu peso diante do caso concreto, já que só podem colidir
princípios válidos. […] Diante da oposição entre princípios, verifacar-se-á
qual deles diante do caso particular assumirá uma posição de peso e
destaque. O outro, ao ceder lugar ao primeiro, não deixará de ser
considerado válido. (ROHË, 2004, p. 35)
A dignidade da pessoa humana, como já falado anteriormente neste trabalho,
é vista como um valor que deve ser seguido em todas a normas, como uma base
para todo o ordenamento jurídico. Segundo Anderson Rohë (ROHË, 2004, p. 36) “a
dignidade da pessoa humana vem sendo encarada como o valor que orienta todo o
ordenamento jurídico e lhe empresta unidade e coerência". Sendo que a proteção à
vida acaba por ir de encontro à liberdade de escolha do ser humano, que por sua
vez vai choca-se com a segurança da ordem pública.
Quando a liberdade científica rompe fronteiras há séculos traçadas pelo
homem, a vida privada humana é de alguma forma atingida. Estará
presente uma colisão com interesses da comunidade (como a saúde, a
segurança pública e a família), haverá colisão de direitos fundamentais com
outros valores constitucionais. (RÖHE, 2004, p. 37)
O direito à segurança tende a limitar a liberdade do ser humano. A resposta
para solucionar problemas envolvendo até que ponto pode-se interferir na liberdade
de uma pessoa em benefício da segurança de uma sociedade, apenas poderá ser
resolvida caso a caso. De acordo com Anderson Röhe (RÖHE, 2004, p. 36)
“somente diante do caso concreto será possível ponderar o peso de cada princípio
concorrente". Com isso, um ordenamento que pretende atender tanto a garantia da
44
segurança quanto a liberdade, que inevitavelmente gerará uma antinomia, haverá
uma “guerra de valores".
Afirma-se, então, que as normas restritivas de direitos fundamentais
deverão se limitar ao necessário para salvaguardar outros direitos e
interesses caros à Lei Maior. Deverão ser adequados, necessários e
proporcionais. Deverão se ajustar ao caráter geral e abstrato, não se
operando assim o efeito retroativo. Diga-se, de passagem, que a
própria Declaração Universal dos Direitos do Homem, artigo 29,
permite que o legislador estabeleça limites aos direitos fundamentais.
(RÖHE, 2004, p. 38)
Segundo Anderson Röhe (RÖHE, 2004, p. 36), em um sistema fechado,
convergências envolvendo princípios, não são resolvidos. Já em sistemas abertos, a
aceitação de um princípio para resolver uma problemática não levaria ao
esgotamento do outro princípio convergente. “Muito pelo contrário. A interação com
os demais princípios iria servir como um manto protetor".
Dessa forma, o autor acredita que a Constituição pode estabelecer restrições
quanto aos direitos Constitucionais, seja direta ou indiretamente, ou, então, sujeitar à
reserva da lei a matéria da colisão de direitos fundamentais. Nesta hipótese, pode o
texto constitucional, recomendar a análise de legislador infraconstitucional para
restringir direitos.
2.3.2 Os direitos da personalidade e a recusa terapêutica no código civil
brasileiro.
Direito da personalidade seria o direito que todo ser humano tem de dispor
sobre o seu corpo, mente, imagem, enfim, tudo que compõe a sua personalidade.
Como apresenta o jurista Miguel Reale (REALE, 2004) o direito a personalidade
representa um valor fundamental, a partir do corpo, e nos é defeso dispor do
mesmo, salvo se produzir diminuição permanente da dignidade física, ou contrariar
os bons costumes, salvo para fins de transplante.
De acordo com o entendimento do jurista apresentado, o ser humano tem o
direito de dispor sobre o seu corpo, porém esse dispor está limitado à uma decisão
médica.
45
Segundo outro jurista Carlos Alberto Bittar (BITTAR, 2004, p. 273) que arrola
como sendo direitos da personalidade o direito à vida, à integridade física, ao corpo,
as partes separadas do corpo, ao cadáver, à imagem, à liberdade, à intimidade, à
integridade psíquica, à identidade, ao segredo, à honra, à voz, ao respeito e às
criações intelectuais.
Segunda Maria Elisa Villas-Bôas, Gagliano e Pamplona (VILLAS-BÔAS,
2005, p. 142 apud GAGLIANO/PAMPLONA, 2002, p. 144) definem os direitos da
personalidade como sendo “aqueles que têm por objeto os atributos físicos,
psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais". A autora relata
que alguns autores criticam o entendimento que os direitos de personalidade seriam
“poderes que o homem exerce sobre sua própria pessoa", pois com esse tipo de
entendimento poderia dar abertura para justificar o suicídio ou para motivar o pedido
de ajuda para o mesmo ato.
Compreendem-se os direitos personalíssimos e os direitos essenciais ao
desenvolvimento da pessoa humana que a doutrina moderna preconiza e
disciplina no corpo do C.C. Como direitos absolutos, desprovidos, porém, da
faculdade de disposição. Destinam-se a resguardar a eminente dignidade
da pessoa humana, preservando-a dos atentados que podem sofrer por
parte de outros indivíduos. (FREIRE DE SÁ, 2005, p. 16 apud GOMES,
1987, p. 131)
Existe uma grande relação dos direitos humanos com os direitos da
personalidade, sendo que ambos tratam dos direitos indispensáveis aos seres
humanos, a diferença está que nos direitos humanos seria a proteção do homem em
oposição ao abuso do poder do estado, enquanto direitos da personalidade seria a
proteção do homem frente a outro particular.
Os direitos humanos são, em princípio, os mesmos da personalidade;
mas deve-se entender que quando se fala dos direitos humanos,
referimo-nos aos direitos essenciais do indivíduo em relação ao direito
público, quando desejamos protegê-los contra as arbitrariedades do
Estado. Quando examinamos os direitos da personalidade, sem dúvida
nos encontramos diante dos mesmos direitos, porém sob o ângulo do
direito privado, ou seja, relações entre particulares, devendo-se, pois,
defendê-los frente aos atentados perpetrados por outras pessoas.
(TEPEDINO, 1999, p. 33)
O estudo do direito da personalidade é de grande importância para o
estudo da eutanásia, como conceitua Maria de Fátima Freire de Sá (FREIRE DE
46
SÁ, 2005, p. 16) “por direitos de personalidade entendem-se as faculdades
jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem
assim da sua projeção essencial no mundo exterior.”, entretanto, a autora afirma
que mesmo a liberdade e dignidade da pessoa humana serem direitos amparados
tanto por nossa constituição quanto na esfera privada, ainda assim, com o
desenvolvimento da medicina e da biotecnologia, a intromissão na escolha de um
homem no final da sua vida, são formas de novas ameaças contra a liberdade
humana.
O direito da personalidade como espécie de direito subjetivo, ou seja, a
possibilidade que a norma dá a um indivíduo em exercer conduta determinada em
lei, não é bem recebida, como relata Maria de Fátima Freire de Sá (FREIRE DE SÁ,
2005, p. 16), vários juristas, entre eles Iellinek, Savigny, Roubier, Simoncelli e
outros,
negaram o direito da personalidade como categoria, por alegarem que
admitindo-o
estaria legitimando o direito ao suicídio ou qualquer forma de
automutilação. Ao passo que existem autores que qualificam o direito da
personalidade como direitos subjetivos, como o escritor italiano Adriano de Cupis
(DE CUPIS, 1950, p. 18), entretanto, o autor acredita que esta denominação se
refere, àqueles direitos essenciais por constituírem a "medula” da personalidade
humana.
Outra questão enfrentada, seriam as correntes que acreditam que os direitos
de personalidade não seriam sobre a própria pessoa, alguns (SZANIAWSKI, 1993,
p. 45) autores acreditam que esses direitos são apenas uma parte da pessoa ou
algumas de sua parte, não o ser humano como um todo. Outros (MESSINEO, 1954,
p. 5) defendem a idéia que esses direitos estariam fora da própria pessoa, cabendo
a sociedade respeito á esses direitos. Já a corrente (TOBEÑAS, 1952, p. 17) que
defende os direitos de personalidade de direitos sobre a própria pessoa alegam que
o ser humano é considerado uma só unidade física e moral.
Após enfrentada a questão dos direitos da personalidade como direitos
subjetivos, há que se enfrentar outras questões igualmente relevantes. Há
correntes de pensamento que se opõem àquela que defende tratarem-se os
direitos de personalidade de direitos sobre a própria pessoa. Alguns autores
trazem contribuição no sentido de que referidos direitos dizem respeito a
apenas uma parte da pessoa ou a algumas partes. Outros pugnam pela
idéia de que os mesmos direitos estariam fora da própria pessoa, sendo
obrigação da sociedade o respeito a eles. As divergências doutrinárias são
47
diretamente ligadas à diversidade terminológica, verdadeiro obstáculo a um
entendimento uniforme dessa categoria de direitos subjetivos. (FREIRE DE
SÁ, 2005, p. 18)
As características dos direitos de personalidade são: absolutos, necessários,
vitalícios, intransmissíveis, irrenunciáveis, extra patrimoniais, imprescritíveis e
impenhoráveis. Segundo Maria Elisa Villas-Bôas (VILLAS-BÔAS, 2005, p. 142), a
indisponibilidade tem importância na discussão envolvendo eutanásia, pois segundo
ela, não há como dispor parcialmente do corpo humano, “é um bem uno e
indivisível".
Dessa forma a autora alega que não há como resolver os conflitos
envolvendo o direito à vida com ponderação, como ocorre de regra nos conflitos
envolvendo princípios, mas sim pela técnica do "tudo ou nada”, ou seja, “ou se
acolhe integralmente como intangível a vida ou se a admite, ao menos em certo
grau, disponível".
48
3
EUTANÁSIA E ORTOTANÁSIA SEGUNDO A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Neste capítulo, faremos uma abordagem sobre a Eutanásia e a Ortotanásia
na Legislação Brasileira. Inicialmente, passamos a analisar os antecedentes
legislativos.
3.1
ANTECEDENTES LEGISLATIVOS
Nos códigos penais de 1830 e 1890 não existiam citações à Ortotanásia nem
em relação à Eutanásia. O casos eram julgados da mesmo forma que participação
em suicídio. O Código de 1890 em seu artigo 299, constituiu crime “induzir ou ajudar
alguém a suicidar-se, ou para esse fim fornecer-lhe meios com conhecimento de
causa - pena de prisão cellular por dous a quatro annos.”. O mesmo Código não
previa a forma privilegiada no tipo de crime.
Já o Código de 1969, em seu artigo 120, previa a diminuição da pena caso o
ato do crime ter sido “impelido por motivo de relevante valor social ou moral”. Porém,
não previa expressamente os atos de Eutanásia e Ortotanásia.
Estudaremos agora o que o Código Penal vigente rege em relação aos
assuntos tratados nesse trabalho.
3.2
EUTANÁSIA, ORTOTANÁSIA E PARTICIPAÇÃO EM SUICÍDIO NO CÓDIGO
PENAL VIGENTE
Da mesma forma que seus antecedentes, o Código penal de 1940 também é
omisso no que se trata em relação à Eutanásia e Ortotanásia. Sendo que tanto
Eutanásia quanto a Ortotanásia são tratadas como Homicídio simples, de acordo
com o artigo 121, possuindo diminuição na pena caso o “agente comete o crime
impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta
49
emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a
pena de um sexto a um terço.”
Já no que diz respeito à instigação ao suicídio é tratado como crime no artigo
122 que diz “Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que
o faça: Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão,
de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza
grave.”.
Esse artigo demonstra de forma mais evidente que o nosso Código é contra
qualquer forma de ajuda à tirar a vida de alguém. Sendo que a vida é um bem
indisponível, ou seja, a pessoa não tem liberdade de pedir para que outrem tire sua
própria vida, mesmo que em casos extraordinários.
3.2.1 Eutanásia como tipo privilegiado
A Eutanásia é tratada como homicídio pelo nosso Código Penal, porém, sob
forma privilegiada. Segundo Mirabete (2012, p.67) é um “homicídio praticado com o
intuito de livrar um doente, irremediavelmente perdido, dos sofrimentos que o
atormentam”.
O sujeito ativo que comete o crime de homicídio privilegiado na Eutanásia não
precisa ser necessariamente um médico, pode também ser familiares e amigos que
querem ajudar o ente querido. Já no caso da Ortotanásia o sujeito ativo se refere
principalmente ao médico, sendo que para a suspensão de tratamentos
extraordinários precisa da aprovação de uma equipe especializada e exames que
detectem que o paciente não tem mais possibilidade de cura.
Segundo Villas-Bôas (2005, p. 182), há quem entenda que o parágrafo 1º do
artigo 121, é causa de diminuição de pena e não um delito privilegiado, pois, “não
tem parâmetros autônomos de pena.
Outro estudo importante seria a necessidade da autorização ou não do
paciente para o procedimento da Eutanásia. Iremos fazer breve estudo sobre o
assunto no próximo tópico.
50
3.3
APLICABILIDADE DA ORTOTANÁSIA NO NOVO CÓDIGO DE ÉTICA
MÉDICA
O novo Código de Ética Médica entrou em vigor em 13 de abril de 2010 e
trouxe algumas alterações consideráveis em relação aos cuidados paliativos e
autonomia do paciente. Trouxe também um conflito entre a liberação ou não da
Ortotanásia.
Em seu texto traz menção ao direito da dignidade humana em seu capítulo
primeiro, parágrafo VI, quando fala “O médico [...] Jamais utilizará seus
conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser
humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.”
A grande problemática envolvendo o novo código seria o parágrafo XXII no
capítulo dos Princípios Fundamentais. A leitura deixa brechas para prática da
Ortotanásia, sendo que parágrafo traz que o médico deve evitar utilizar de métodos
terapêuticos em pacientes em situações irreversíveis e terminais, ou seja, a
liberação da Ortotanásia para os pacientes especificados no código.
Esse princípio está em desacordo com nosso Código Penal, sendo que
Ortotanásia é considerada crime, mesmo que possuindo atenuante por ser homicídio
cometido com relevante valor moral e social, o procedimento não deixa de ser
homicídio doloso e punível.
O artigo 41 traz conflito, já que veda “Abreviar a vida do paciente, ainda que a
pedido deste ou de seu representante legal”, ou seja, a proibição não só da
Eutanásia como da Ortotanásia. Porém, em seu parágrafo único volta a liberar a
Ortotanásia:
Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os
cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou
terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a
vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu
representante legal.(Código de Ética Médica, art. 41, Parágrafo Único)
O novo Código também traz autonomia na decisão dos pacientes. Os artigos
24, 31, 34 e 41, protegem a decisão dos pacientes e liberam a Ortotanásia. No texto
não vemos em nenhum momento a menção da palavra Eutanásia ou Ortotanásia,
51
mas está implícito a sua autorização, podendo assim o médico ter seu livre
entendimento do que deve fazer.
Ainda que não cite a palavra, o Código de Ética Médica autoriza a
ortotanásia. Do grego orthos, correto, e thanatos, morte, o procedimento
consiste na suspensão dos tratamentos agressivos e inúteis entre as
vítimas de doenças incuráveis e irreversíveis. É dar ao doente o poder de
decisão sobre o que lhe resta ainda de vida. A ortotanásia não está
contemplada em lei, mas dificilmente um médico seria punido pela
Constituição.(Revista VEJA, Edição 2162, 28 de abril de 2010)
Mesmo sendo considerado crime em nosso Código Penal, dificilmente um
médico que utilizar a Ortotanásia será punido. E muitos protegem esse
entendimento levando em consideração o princípio da dignidade da pessoa humana.
Segundo Alexandre Aboud (Procurador do estado de São Paulo, em entrevista dada
à revista VEJA, Edição 2161, 2010) “O princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana serve para dar total segurança ao médico que suspende
tratamentos que não mais garantem a dignidade de seu paciente”.
O que nos deixa em dúvida seria, o que é mais válido? O nosso Código Penal
ou o Código Ético de Medicina? Normalmente a resposta para essa pergunta seria o
nosso Código Penal. Mas sabemos que isso não é o que está sendo respeitado.
3.4
RESOLUÇÃO 1.805/06 DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA.
A Resolução nº 1.805/06 versa sobre a ortotanásia, porém não faz menção à
Eutanásia. Essa resolução permite que aos médicos a interrupção de tratamento
que prolonguem a vida de paciente terminal que não tenha mais chances de cura.
Seria uma autorização para apenas antecipar uma morte inevitável, sem causar
ação ou omissão, como no caso da eutanásia. Esse procedimento deve ser feito
pelo médico em conjunto com o paciente ou seus representantes legais.
O cardiologista Roberto D' Ávila, Diretor do CFM e um dos responsáveis
pela redação do texto da resolução, aponta para a necessidade de mostrar
aos profissionais da medicina que a ortotanásia "não é uma infração ética
nem uma derrota". Segundo ele, “os médicos são treinados para vencer a
morte a qualquer custo". No entanto, isso seria um erro a ser corrigido,
devendo-se banir da prática médica a chamada "futilidade” ou “obstinação
terapêutica". (CABETTE, 2009, p. 35)
52
O Presidente do Conselho Federal de Medicina (2006), declarou que a
Eutanásia é um procedimento ilegal no Brasil, sendo que o objetivo principal do
médico é ajudar e salvar a vida do paciente. Porém, ele também acreditava que a
medicina não pode ser maior que a natureza e tentar de todas as formas evitar o
inevitável. Nesse sentido, declara que "não submeter ninguém a sofrimento
desnecessário” e declarou ainda que a resolução foi formulada a partir de consenso
entre vários pensadores, desde médicos, cientistas, sociólogos, antropólogos até
religiosos.
Segundo Cabette (2009), alguns pensadores como Alexandre Magno
Fernandes Moreira Aguiar fazem referência à um precedente legal que seria a Lei
Estadual nº 10.241/99, do Estado de São Paulo. A referida lei deixava livre para
escolha do paciente se queria ou não receber tratamentos dolorosos e
extraordinários para tentar prolongar a vida. Como já foi mencionado neste trabalho,
o próprio governador Mario Covas, que sancionou a lei, fez uso da legislação para
afastar o prolongamento artificial da sua própria vida.
Afinal, o que é cessar um tratamento, ou omiti-lo, se não provocar
intencionalmente o término da vida de um ser humano? Assim, a
distinção entre eutanásia ativa e passiva (ortotanásia), não parece
fornecer qualquer distinção moral útil. Na verdade, acreditamos que
existam situações nas quais seja inclusive moralmente mais adequado
lançar mão da eutanásia ativa, quando, por exemplo, o deixar morrer
implicar em um sofrimento injustificável do paciente, prolongando-se de
forma incompreensível não a vida, mas a agonia da morte. (SANTOS
FILHO, 2006, http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9287)
De acordo com Cabette, exitem também manifestações contra a referida
Resolução, que entendem ser impossível a prática da Ortotásia por qualquer meio,
já que fere nossa Carta Magna no que diz respeito a proteção à vida. Entre os
manifestantes contra a Resolução, Euclides Antônio dos Santos Filho, diz que a
Resolução 1.805/06 faria uma falsa distinção entre "matar e deixar morrer", segundo
ele tanto na eutanásia ativa como na passiva, o autor mata o paciente. Ele entende
que na Eutanásia ativa do autor mata por ação e na Eutanásia passiva mata por
omissão.
Já Cabette (2009) é contra o pensamento de Santos Filho, e pensa que o
mesmo fez um identificação inadequada nos conceitos de eutanásia passiva e
53
ortotanásia. Sendo que na Eutanásia passiva realmente se mata o enfermo por
omissão, na ortotanásia “o autor não age e a morte ocorre naturalmente como
ocorreria mesmo se praticasse alguma ação. Essa ação seria inútil para preservar a
vida, apenas contribuindo para acentuar e/ou prolongar o sofrimento do enfermo.”.
Segundo o relatado, na visão do autor na Ortotanásia o autor não faz nada, pois não
há nada a se fazer.
Após essa análise do entendimento Médico sobre o assunto e constatar
divergências entre o Código Médico e a Legislação Brasileira, iremos estudar o
polêmico Projeto de Lei nº 6715/2009, que pretende legalizar a Ortotanásia.
3.5
PROJETO DE LEI Nº 6.715/ 2009
A Ortotanásia como já foi estudado, é o procedimento de suspensão de
tratamentos médicos em pacientes com doenças incuráveis e terminais. Seria a
morte no seu tempo.
Hoje, esse procedimento não é explicitamente citado em nosso Código Penal,
porém é julgado como crime doloso na modalidade omissiva no artigo 13, parágrafo
segundo.
Existem autores como Villas-Bôas (2005, p. 189) que acreditam que a
Ortotanásia nem poderia ser considerado homicídio, sequer privilegiado. Já que não
é uma atitude médica para matar o paciente, mas sim a falta de utilizar todos meios
terapêuticas em pacientes que não tem expectativa de vir a melhorar.
Defendemos que a omissão ou a retirada dessas medidas não configura
o tipo do homicídio, sequer privilegiado, pois se trata de decisão do
âmbito profissional, acerca da conveniência e da indicação de certos
tratamentos, faltando-lhe, no caso, o dever de agir. Não há
obrigatoriedade de se fazer uso de todos os recursos tecnológicos e
farmacológicos disponíveis, se o próprio doente, no exercício de sua
autonomia, não deseja prolongar sua existência além dos limites
naturais. (Villas-Bôas 2005, p. 189)
Outro ponto que favorece a Ortotanásia no Brasil, como já foi falado, seria a
brecha deixada pelo Código de Ética Médica em seu parágrafo XXII, que traz que o
54
médico deve evitar a utilização de procedimentos terapêuticos em pacientes
terminais.
Como tentativa de regulamentar a Ortotanásia, está passando por análise o
Projeto de Lei nº 6715/2009, que vai permitir ao médico a suspensão de tratamentos
extraordinários aos pacientes terminais e que não possuem chances de cura. Esse
procedimento seria permitido com apenas o laudo de dois médicos.
O Projeto de Lei gera polêmica, pois permite em nossa Lei o uso da
Ortotanásia. A grande preocupação seria na forma de utilização dessa Lei. Sabemos
que seria um grande avanço para ajudar pacientes terminais, porém deixaria um
espaço para procedimentos de Eugenia no Brasil.
O próximo Capítulo tem grande relevância para o estudo do tema, porque
nele vamos estudar os grandes riscos na liberação da Ortotanásia e Eutanásia no
Brasil.
55
4
PERIGOS NA APROVAÇÃO DA EUTANÁSIA E ORTOTANÁSIA NO
BRASIL EM FACE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: APONTAMENTOS
ACERCA DE SUA APLICABILIDADE
Em todo momento nesse trabalho nos confrontamos com questionamos que
nos leva a crer que realmente seria prudente a liberação da Eutanásia e Ortotanásia
no Brasil. Nos colocamos no lugar dos pacientes em estágio terminal ou até mesmo
no lugar de pessoas em coma. A maioria das pessoas gostaria de poder decidir não
continuar com o tratamento ou até mesmo escolher morrer quando o sofrimento
fosse maior que a vontade de viver.
O
problema
aparece
quando
pensamos
que
a
liberação
desses
procedimentos podem ser utilizados para causar o mal.
Segundo Cabette (2009, p. 71) “Em face dessa facilidade para justificar o mal,
é preciso ter muito cuidado e estar sempre atento para os perigos de adotar certas
posturas, especialmente quando isso envolve vidas humanas.”
Já é de conhecimento popular a existência do tráfico clandestino de órgãos.
Criminosos sequestram pessoas ou até arranjam voluntários para vender seus
órgãos por altos preços. A liberação da Eutanásia e Ortotanásia poderia abrir
espaço para facilitar esse tipo de mercado, sendo que temos conhecimento de
médicos que podem se corromper nesse meio.
De acordo com Cabette (2009, p. 72) “o comércio clandestino de órgãos já é
uma realidade e se alastra por países que permitem ou não a eutanásia ou a
ortotanásia. Na verdade, qualquer coisa pode ser pervertida pela cupidez e utilizada
de forma deturpada”.
Outro ponto crítico na liberação desses procedimentos e talvez o mais grave.
Seria a possibilidade de parentes e até mesmo o Estado se livrarem de pacientes
dispendiosos para o seu meio. Segundo Ricardo Alves (2001, p 73) “eutanásia
compassiva, piedosa, que na verdade esconde o inconfessável desejo de livrar-se
do fardo oneroso e incômodo que o moribundo representa”.
Uma pessoa doente pode representar um gasto enorme para o Estado e para
sua família. Seriam gastos com cirurgias constantes, remédios, internações entre
56
outros. O problema financeiro em manter um paciente terminal é maior em países de
terceiro mundo como o Brasil.
O Desembargador Djalma Lofrano (2001, Jornal Tribuna da Magistratura)
pensa que “Em uma terra como a nossa, em que as coisas proibidas se praticam
num crescimento ciclópico, imagine-se o que poderá acontecer, se houver a
liberação. Há o perigo de que passemos a matar os nossos semelhantes através da
justificativa da eutanásia”.
É difícil imaginar que em nosso país esse tipo de situação vai ser evitada,
sabendo que a maioria da população sequer tem acesso á um sistema de saúde
razoável.
Carência de leitos em hospitais, superlotação dos Pronto-Socorros,
escassez de medicamentos, falta de profissionais éticos já são lugarcomum em nossa rotina diária. Até que ponto, portanto, a legalização da
eutanásia negativa não viria agravar ainda mais esta situação? Será que
a falta de punição não levaria a uma indiscriminada morte de pacientes
graves? Infelizmente, somos obrigados a concluir que a permissão legal
para a eutanásia passiva conduziria a uma terrível "limpeza" em nossos
hospitais, sendo eliminadas pessoas com grandes chances de cura
somente para poupar trabalho e gastos. Lembre-se, ainda, do problema
do tráfico de órgãos humanos; certamente muitos seriam os
assassinados, a título de eutanásia, simplesmente para terem seus
órgãos retirados e comercializados ilegalmente a preços exorbitantes.
Estaríamos, então, diante uma situação caótica e inaceitável do ponto de
vista ético e moral. (TOLEDO, 2006)
É impossível não concordar com a autora citada. Temos conhecimento do
Estado que vivemos. Sabemos das dificuldades enfrentadas nos hospitais
Brasileiros, que sofrem com falta de remédios, falta de leitos médicos, falta de
médicos capazes entre tantas outros problemas. Sem contar as notícias de
médicos inescrupulosos que atendem tanto em hospitais públicos quanto em
particulares.
Historicamente o assunto nos remete à Alemanha Nazista, ao mando de
Adolf Hitler, foram mortos judeus, ciganos, negros, pessoas doentes entre vérios
outros que não pertenciam á raça ariana. Esse tipo de acontecimento histórico é
conhecido como genocídio, que seria o extermínio de grupos por motivos raciais e
étnicos.
57
O termo Genocídio é recente na história da humanidade, entretanto sua
prática é longínqua. A palavra só passou a ser utilizada para identificar a
matança deliberada de pessoas no final da primeira metade do século
XX. Nesta ocasião, ocorreu o mais famoso dos genocídios no
conhecimento popular, a matança de judeus promovida por Adolf Hitler e
sua Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Para tentar
explicar o elevado número de assassinatos de pessoas integrantes de
um grupo específico e pressionar por justiça, o polonês Raphael Lemkin
cunhou o termo, em 1944, baseado no grego e que significa matar uma
raça ou tribo. (GASPARETTO JÚNIOR, 2011)
De acordo com o texto acima, seria exagero falarmos que a liberação da
Eutanásia e da Ortotanásia levaria á um genocídio. Porém esse tipo de exemplo
histórico nos mostra como o ser humano pode se valer de motivos absurdos para
cometer atrocidades.
O que podemos relacionar esses casos de Genocídio com o nosso meio
social, seria a provável facilidade em matar pacientes pobres com possibilidade de
cura, porém em estado grave, apenas para diminuir o custo desse paciente ou para
esvaziar um leito de um hospital cheio.
Já citamos neste trabalho o caso do médico coordenador da UTI em um
grande hospital do Brasil, que, em entrevista concedida à Schelp para revista
semanal VEJA (2002), assumiu diminuir o nível do aparelho que fazia um paciente
grave respirar de forma artificial, para esvaziar o leito, com a intenção de atender
pessoas que tinham mais possibilidades de sobreviver, segundo seu entendimento
pessoal.
Ao contrário do que acontece diante da hipótese de praticar a eutanásia,
ocorre com certa freqüência a decisão de se retirar esses chamados
suportes de vida, deixando que a natureza cumpra seu curso. Há muitas
razões para justificar essa decisão. A mais comum é que se quer
abreviar o sofrimento daquele doente. Outra é que a própria família já
não agüenta o padecimento. Mas há também razões práticas, como a
necessidade de abrir vaga na UTI para alguém que tenha mais chances
de sobreviver ou a falta de cobertura de um plano de saúde. (VEJA
Schelp, 2002, Edição 1767)
Com essa confissão médica, vemos que o ato da Ortotanásia já está sendo
praticada em alguns casos nos hospitais Brasileiros. Médicos se tornam Deuses que
se acham detentores de conhecimento absoluto para decidir deixar morrer um
paciente que julga não ter cura.
58
Segundo Alves (2004, pag. 15), na Holanda, aonde é autorizado a Eutanásia,
a população está utilizando um documento chamado “testamento para sobreviver”. A
Eutanásia virou um procedimento tão comum na Holanda que começou a ser
praticados atos de sacrifício de idosos e pessoas com qualquer tipo de doenças
graves e até pouco graves.
O documento apelidado de “cartão-não-me-matem”, seve como apelo para
que não sejam submetidos a Eutanásia sem sua vontade. O clima no país é de
terror, aonde idosos tem medo de ir aos hospitais e não voltarem vivos ou por
decisão dos médicos ou da família que estão cansados dos gastos despendidos
com uma pessoa doente. Alves (2001) relata um caso de Eutanásia a pedido de
uma paciente porque ficaria com cicatrizes no rosto. Esse relato demonstra como se
tornou banal o procedimento na Holanda.
Com esse pensamento, nos remete possível normatização Projeto de Lei
6715/2009, que legaliza a Ortotanásia com apenas a aprovação de dois médicos. O
que daria mais espaço para procedimentos duvidosos.
Existem autores como Reboul (2004), que acreditam que a liberação de
certos procedimentos que têm uma boa intenção para um grupo de pessoas,
podem desencadear procedimentos ruins para a sociedade como um todo.
Segundo o autor o “argumento de direção consiste em rejeitar uma coisa – mesmo
admitindo que em si é inofensiva ou boa – porque ela serviria de meio para um fim
que não se deseja”.
Há quem entenda também que o procedimento da Eutanásia e ortotanásia vai
contra a moral. Como Toledo (2006), que questiona se seria justo tirar a vida de
outra pessoa por dó ou piedade. A autora alega que agimos dessa forma pena de
nós mesmos “seres frágeis, falíveis e comodistas, incapazes de assumirmos a
responsabilidade de cuidar de outrem”.
Após descrever os motivos que nos remete ao medo dos procedimentos
analisados nesse trabalho, no próximo capítulo, e último, iremos falar sobre os casos
conhecidos no mundo sobre a prática da Eutanásia.
59
4.1
APONTAMENTOS RELACIONADOS A ESTUDOS DE CASOS
No intuito de corroborar com a pesquisa, neste tópico abordaremos casos qu
se tornaram conhecidos mundialmente em razão das polêmicas que os cercaram.
Desde casos em que os pacientes conseguiram o direito de morrer até outros que
não conseguiram e recorreram ao suicídio.
4.1.1 Caso Terri Schiavo
Um dos casos mais polêmicos de Eutanásia é o da americana Terri Schiavo,
que após uma parada cardíaca teve seu córtex cerebral destruído e viveu durante
15 anos em estado vegetativo. Segundo a Veja Schelp (2005) o marido de Terri,
Michael Schiavo, tentou judicialmente durante 12 anos a autorização para que
fossem retirados os aparelhos que alimentavam artificialmente o corpo da sua
esposa, segundo ele essa era a vontade de sua esposa quando viva e consciente.
Terri, uma norte-americana de 41 anos, teve uma parada
cardiorrespiratória em 1990 que ocasionou um grave dano cerebral,
fazendo-a entrar em estado vegetativo persistente. O marido dela pediu
à justiça americana a retirada da sonda de alimentação, mas os pais e o
irmão dela foram contrário ao ato. Terri não tinha deixado um
testamento, mas o marido alegava que ela já tinha manifestado a
vontade de não passar por uma situação semelhante quando estava
lúcida. Os pais negavam essa afirmativa. Contudo, como ela legislação
americana o marida era o responsável legal, a justiça autorizou a
retirada da sonda em 19 de março 2005. Terri faleceu 12 depois. O caso
foi interpretado como eutanásia. (CORREIO BRAZILIENSE Mariz, 2012,
Número 17.874)
Contra esse pedido de Michael, estavam o pais de Terri que alegavam que a
filha “conservava, sim, certo nível de consciência”. Entretanto, os médicos alegam
que esse tipo engano é comum, já que os pacientes em estado vegetativo parecem
estar conscientes por às vezes terem movimentos espontâneos, mas não têm a
mínima noção do que acontece ao seu redor.
A repercussão desse caso foi mundial e os pais da Terri ganharam apoio
nacional e de grupos religiosos. Entretanto, Terri veio à óbito no dia 31 de março de
60
2005, 3 semanas após a decisão judicial de retirar a sonda de alimentação que a
mantinha viva. Segundo Schelp (2005), Terrei morreu de “inanição e desidratação,
aos 41 anos”.
De acordo com entrevista dada à VEJA Schelp (2005), o jurista americano
Marc Spindelman, alega que o procedimento adotado para a morte de Terri Schiavo
não foi Eutanásia, visto que para a prática desse procedimento é preciso uma
atitude ativa do médico, como uma injeção de droga letal, sendo que no caso eles
agiram passivamente retirando a sonda de alimentação. Para Spindelman esse
procedimento está mais caracterizado como Ortotanásia, e o mesmo alega que
“suspender tratamentos que apenas prolongam a vida de pacientes em estado
vegetativo é algo aceito há muito tempo nos Estados Unidos”.
Para os pais de Terri, retirar a sonda de alimentação e deixar a pessoa
definhar até a morte, equivale a uma eutanásia, ou até pior. Não deixamos de
pensar da mesma forma que os pais de Terri, qual seria a diferença entre matar uma
pessoa com remédios letais e deixar uma pessoa morrer aos poucos de
desnutrição? Seria uma morte mais justa e humana morrer rapidamente com um
remédio letal e não definhar dia a dia sem alimentação.
4.1.2 Caso Ramón Sampedro
Ramón Sampedro ficou tetraplégico aos 25 anos, quando pulou do alto de um
rochedo e por não ter notado que a maré tinha baixado, sofreu um choque na
cabeça contra a areia, o que acabou provocando um comprometimento irreversível
da coluna vertebral.
A história verídica desse jovem marinheiro espanhol que aos 25 anos ficou
tetraplégico após trágico mergulho no mar da costa da Galícia. Ao pular na
água projetando-se de um rochedo, no momento em que a maré havia
baixado, comprometeu irreversivelmente a coluna vertebral devido ao
choque da cabeça contra a areia.(PESSINI, 2008)
Segundo Pessini (2008) após o acidente Ramón viveu 29 anos obstinado á
conseguir o direito de morrer na justiça. Em 1993, o caso foi levado aos Tribunais
com a intenção de liberar casos de Eutanásia no país, porém seu pedido foi negado.
61
Em 1998, Ramón conseguiu realizar sua vontade com a ajuda de sua amiga
Ramona Maneiro. Através do suicídio assistido Ramona ajudou Ramón a tomar
cianureto. O ato foi filmado, e sua amiga foi incriminada pela polícia como sendo
participante no crime.
Comovidos com a história pessoas de todo mundo enviaram cartas
confessando o mesmo crime. Como a polícia não conseguiu investigar todas as
declarações, acabou por arquivar o caso.
A história de Ramón Sampedro virou filme em 2003, tendo como diretor, o
espanhol, Alejandro Amenábar, como ator princial Javier Bardem que interpretou
Ramón e o nome do filme é Mar Adentro.
Segundo Pessini (2008) Ramón deixou um testamento contra a tese da “vida
como obrigação”. Abaixo segue trecho desse testamento:
Senhores Juízes, negar a propriedade privada de nosso próprio ser é a
maior das mentiras culturais. Para uma cultura que sacraliza a propriedade
privada das coisas – entre elas a terra e a água – é uma aberração negar a
propriedade mais privada de todos, nossa Pátria e reino pessoal: nosso
corpo, vida e consciência, nosso Universo.(Pessini, 2008, apud
SAMPEDRO)
Sampedro critica a indisposição do nosso corpo, sendo que vivemos em um
meio social que prega a privatização de terras e bens materiais. Na visão dele, é um
absurdo não poder decidir sobre sua própria vida.
4.1.3 Caso Vincent Humbert
A história de Vincent Hunbert se assemelha com a história do Ramón
Sampedro pelo fato que Vincent também não conseguiu a autorização para morrer e
obteve ajuda para chegar ao fim desejado.
Documentada em primeira pessoa no best-seller Peço o direito de morrer, a
história do jovem francês começou com um acidente de carro, em 2000.
Aos 19 anos, Vincent perdeu todos os sentidos, exceto audição e a
inteligência. Ele movimentava ligeiramente a mão direita com uma pressão
no polegar a cada letra falada pela mãe. Pediu aos médicos pela eutanásia,
mas não foi atendido. Em 2002, solicitou ao presidente Jacques Chirac um
indulto antecipado a quem o ajudasse a morrer. Como também não teve
sucesso, a mãe o ajudou, colocando uma overdose de sedativos em sua
62
sonda. Dois dias depois, com estado de saúde cada vez pior, Vincent
morreu. O chefe da equipe médico, Frédéric Chaussoy, assumiu ter
desligado o respirador. Os dois foram processados por homicídio
premeditado, mas absolvidos por pressão da opinião pública. Xhaussoy
escreveu o livro Eu não sou um assassino. (CORREIO BRAZILIENSE
Mariz, 2012, Número 17.874)
De acordo com Goldim (2003/2004) Vincent sofreu um grave acidente
automobilístico aos 20 anos, após esse acidente ficou em coma durante nove
meses, quando acordou foi constatado que havia ficado tetraplégico, cego e surdo.
O único movimento preservado seria uma leve pressão no polegar. Que foi a forma
encontrada por Vincent de se comunicar com sua mãe, que ditava o alfabeto até
Vincent apertar o polegar na letra que queria, dessa forma conseguia formar
palavras.
Após aprender essa forma de comunicação começou a pedir para que os
médicos aplicassem a Eutanásia, alegando que não conseguia viver daquela forma.
Os médicos por sua vez, negaram, já que França Eutanásia é considerada crime.
Seu pedido chegou até o presidente do País na época (2002), Jacques Chirac, que
também lhe negou o pedido.
Segundo Goldim (2003/2004) após seu pedido ser negado várias vezes,
Vincent fez um livro de 188 páginas, intitulado “Peço-vos o direito de morrer”, nesse
livro ele explicou a atitude futura da mãe em ajudar na morte do próprio filho. E foi o
que sua mãe fez no dia 24 de setembro de 2003. Marie Humbert, aplicou alta dose
de barbitúricos através da sonda gástrica. Porém, quando a equipe médica verificou
que o paciente havia piorado fizeram tentativas de reanimação, sendo que Vincent
ficou em coma profundo. A equipe médica decidiu em conjunto por suspender todas
as formas terapêuticas, sendo que o paciente veio a falecer no dia 27 de setembro
de 2003.
Marie Humbert foi acusada por administração de substâncias tóxicas e o
médico foi acusado por envenenamento com premeditação.
A história de Vincent Humbert também virou filme chamado “O Escafandro e a
Borboleta”.
63
4.2
CASOS DE PEDIDOS DE EUTANÁSIA NO BRASIL.
No Brasil não existem casos polêmicos de Eutanásia, porém existem casos
de pedidos de Eutanásia e Ortotanásia. O jornal Correio Brasiliense (2012,
número 17.872), apresentou o caso do paciente Miguel Arcanjo Ferreira, que foi
diagnosticado em 2008 com ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), uma doença
neurodegenerativa. Miguel perdeu todos movimentos do corpo e também perdeu
a capacidade de falar e respirar, porém sua capacidade psíquica não foi
prejudicada.
Miguel aprendeu a se comunicar, usando a mesma metodologia do Vincent
Humbert.
Com o auxílio de um quadro que exibe as letras do alfabeto, na ordem da
mais frequente no português (A) para a menos usada (Z), o homem de 50
anos conseguiu formar a primeira frase. “A, E, O, S, R...”, começou o
psicólogoda unidade, Adriano Facioli, Após o R, Miguel olhou para a
esquerda, sinalizando um sim. “R? É a letra R”, indagou o profissional. Em
cerca de 15 minutos, sempre com a pergunta de confirmação a cada letra
escolhida, um pedido já havia sido feito: “Remédio para garganta”. (VEJA,
2012, 29 de Abril de 2012)
Apesar do sucesso na utilização do procedimento relatado acima, Miguel
começou a demonstrar seu desejo de morrer. De acordo com Mariz (2012, pag. 12),
mesmo nos dias mais felizes, Miguel sempre frisa sua vontade de não continuar
vivendo. O caso de Miguel não pode ser levado aos tribunais brasileiros, já que para
realizar o seu desejo de morte seria necessário um ato ativo, ou seja, a Eutanásia.
Procedimento, que como já explicamos nesse trabalho, não é legalizado em nosso
Código Penal.
Segundo Mariz (2012, pag. 12), existem casos, como o da paciente Irene
Oliveira Freitas, 82 anos, internada em estado grave, em que o Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul obrigou que o Hospital Ernesto Dornelles suspendesse o
tratamento de hemodiálise que mantinha a paciente viva. Outro caso parecido
aconteceu no Distrito Federal em 2006, quando uma decisão judicial favorável, para
recusa de tratamento extraordinários, foi dado aos pais de uma bebê de 8 meses,
64
com quadro degenarativo crônico e incurável. Dois dias após essa decisão o bebê
faleceu.
Os casos citados acima, são exemplos de Ortotanásia. Já que os pacientes e
seus parentes tiveram uma liberação judicial para a interrupção dos tratamentos
extraordinários.
4.3
CASOS DE EUTANÁSIA NA HOLANDA
Após falar de três casos que geraram comoção mundial a favor da Eutanásia,
iremos estudar breves situações, que ocorreram na Holanda, que nos levará á
pensar se a liberação desses procedimentos é mesmo válida em um País como o
Brasil.
De acordo com Severo (2005), o Dr. Jack Willke, em um encontro em Brasília,
relatou um caso real que conheceu em sua visita à Holanda. O caso relatado seria
de uma senhora com câncer, que foi diagnosticada, em uma sexta-feira, por um
clínico geral, que seu câncer havia se espalhado e não tinha possibilidade de cura,
porém a mulher não sentia mal estar e conseguia levar uma vida independente.
O clinico avisou para paciente que seu caso seria avaliado novamente na
segunda-feira. O clínico que cuidava do caso tirou o final de semana de folga e
quando voltou na segunda-feira, como combinado, não encontrou sua paciente.
Questionou outro médico residente aonde estava sua paciente o mesmo informou
que tinha aplicado a Eutanásia na senhora um dia antes. Seu ato de praticar a
Eutanásia na senhora foi justificado pelo fato que mesmo a senhora não estando em
estágio terminal, sua doença não teria cura e que precisava do leito dela para
ocupar com outros doentes.
Outro caso intrigante relatado pelo Dr. Jack Willke, seria de um senhor que
tinha uma doença grave e era cuidado por sua esposa e por um amigo médico do
Dr. Jack Eilke. O paciente acabou pegando uma bronquite e, enquanto o seu médico
particular se ausentou, a esposa chamou outro médico para examiná-lo. O médico
veio, examinou o paciente, e aplicou uma injeção que matou o senhor uma hora
depois, deixando tanto a esposa quando o médico particular chateados com a
decisão tomada. Já que o paciente não queria ser morto.
65
De acordo com os relatos acima, sentimos um terror causa pela liberação da
Eutanásia na Holanda. Claro que não podemos falar com certeza esses
procedimentos seriam deturpados dessa forma no Brasil. Porém, fica o
questionamento se valeria a pena “pagar para ver”.
66
CONCLUSÃO
Para concluir a pesquisa realizada, necessário se fez passar por pontos
principais relacionados aos conceitos de Eutanásia, Ortotanásia, Distanásia,
Mistanásia e Suicídio Assistido. Há ainda a necessidade de nos lembrarmos da
discussão dos Direitos Humanos no que tange o empasse entre a Dignidade da
Pessoa Humana e o Direito à vida. Relacionar a discussão sobre a liberação, ou
não, dos procedimentos de Eutanásia e Ortotanásia no Código Penal, levando em
conta o novo Projeto de Lei nº 6715/2009.
A outra forma de Eutanásia praticada em países como a Holanda, seria uma
forma de livrar parentes e os hospitais de pacientes onerosos e demandam cuidado
e tempo. Esse tipo de procedimento é o que entra em choque com o sentimento de
altruísmo da Eutanásia. A Ortotanásia é a morte no seu tempo. Quando o médico
deixa de utilizar procedimentos extraordinários para manter um paciente com
doença grave ou terminal.
A Distanásia é o contrário da Ortotanásia. Seria a arrogância do médico em
utilizar todos procedimentos para manter um paciente vivo, não para salvar e sim
para elevar o ego do profissional. Mesmo que leve á uma morte lenta e dolorosa. A
Mistanásia é a morte das pessoas pobres em hospitais públicos, que por vezes não
chegam a ter o tratamento mínimo. Seria a morte por miséria, por falta de tratamento
médico.
A outra face do problema seria que a liberação da Eutanásia e Ortotanásia
em um País despreparado poderia levar ao terror de termos pessoas sendo
sacrificadas por conveniência médica para liberação de leitos, ou por pedido familiar
por questões financeiras e de comodismo. Seria o medo desse tipo de liberação se
transformar em Mistanásia, quando esses pacientes não teriam sequer a
oportunidade de receber tratamento.
No Capítulo 2 da trabalho estudamos sobre Bioética e Biodireito que
surgiram com o enorme crescimento tecnológico e científico na área da medicina.
Esses campos foram criados com o objetivo de proteger a vida, principalmente
paciente em situações vulneráveis.
67
Há ainda uma abordagem a respeito dos cinco princípios da Bioética: Por
Princípio da beneficência entende-se que o médico sempre tem de agir para o bem
do paciente. O Princípio da não-maleficência, seria a proibição do médico agir de
qualquer forma que prejudique o paciente. O Princípio da autonomia define que o
paciente tem o direito de decidir sobre seu próprio corpo, se quer ou não, participar
de algum tratamento. O Princípio da Justiça seria o direito de todos terem o mesmo
tipo de tratamento médico, pobres e ricos. Porém, é um princípio impossível de ser
praticado em quase todos o países, pela dificuldade de proporcional o mesmo
tratamento para toda sociedade.
Outro ponto que possui grande relevância para o tema principal
desenvolvido neste trabalho, são os Direitos Humanos. Fizemos um breve histórico
dos acontecimentos mundiais que serviram de base para a formulação de princípios
para proteção do homem contra os abusos de seus Estados.
Os Direitos Fundamentais positivados nos Direitos Humanos foram
acrescentados nas Leis de vários Países, entre eles o Brasil, como parte do seu
regramento social. A dificuldade encontrada para essa incorporação se deve ao fato
de cada País ter seus modos e costumes construídos de acordo com a sua história.
Dessa forma, cada País tem sua própria interpretação do que seja o direito à vida e
o direito à dignidade humana.
Isso explica a razão de países como Holanda, Bélgica, Uruguai e alguns
estados do EUA, tolerarem a prática da Eutanásia, enquanto outros, como o Brasil,
não possuírem em seus ordenamento jurídico liberação para esse tipo de
procedimento.
Outro ponto de debate no Brasil com relação aos direitos humanos seria o
debate sobre a dignidade humana. Autores como, Maria de Fátima Freire de Sá,
Maria Elisa Villas-Bôas, Leo Pessini e vários outros, entendem que o Princípio
Fundamental da Dignidade da pessoa humana, que está positivado em nossa
Constituição Federal, em seu artigo 1º, parágrafo III, seria um direito que rege todo
os outros direitos. Sob o ponto de vista dos autores a favor da Eutanásia e
Ortotanásia, a pessoa com doença grave que não estiver vivendo de forma digna,
não tem a obrigação de continuar vivo.
Outro entendimento dos autores que defendem a Eutanásia, seria que o
direito à vida não é uma proteção contra a própria pessoa, mas sim uma proteção da
68
sua própria vida contra outrem. Dessa forma quem ajuda um paciente com doença
grave e terminal a morrer não deveria ser penalizado.
Na outra linha de pensamento, juristas como Alexandre de Moraes,
entendem que o direito à vida está acima que de qualquer outro direito. O direito é
um bem indisponível, a pessoa não possui o direito de decidir se quer viver ou não.
De acordo com o estudo de antinomias, quando a contradição é entre
princípios, fica mais difícil de resolver o problema. Sendo que no quesito da
liberdade de morrer para pacientes com doenças graves, o princípio à vida está em
encontro com princípio da dignidade da pessoa humana, que por sua vez está em
encontro com a segurança da ordem pública.
O relacionamento entre a o risco na liberação dos procedimentos de
Eutanásia e Ortotanásia e a segurança da ordem pública seria que com a liberação
houvesse um aumento significante nos casos de descaso médico, de liberações de
Eutanásia em pessoas em estado grave apenas para liberar leitos dos hospitais
lotados ou até para satisfazer a vontade de familiares que querem desfazer de um
parente doente.
A problemática do tema seria até que ponto a segurança da sociedade pode
limitar a liberdade da pessoa humana. Para alguns autores, como Anderson Röhe, a
formula de solução dessa antinomia seria ponderando o valor do princípio caso a
caso.
Com o que estudamos vimos que a liberação dos procedimentos estudados
neste trabalho pode trazer problemas irremediáveis para sociedade, colocando em
risco a segurança da população.
Outro tema abordado nesse trabalho foi a análise do novo Código de Ética
Médica, que entrou em vigor em 13 de abril de 2010. Alguns artigos desse novo
Código trouxeram uma dúvida na liberação da Ortotanásia. O que entendemos com
este texto é que não é obrigatório para o médico continuar com tratamentos
considerados inúteis, por ele, para tentativa de dar mais tempo de vida para paciente
em estágio terminal.
Esse tipo de procedimento vai de encontro com o nosso ordenamento
jurídico, já que o procedimento da Ortotanásia é considerado homicídio doloso na
modalidade omissiva, de acordo com o art. 13 parágrafo 2º do nosso Código Penal.
69
É proibido ao médico deixar de fornecer assistência médica, mesmo que a pedido do
paciente ou representante legal.
O Projeto de Lei nº 6715/2009, estudado neste trabalho, pretende liberar o
procedimento da Ortotanásia, sendo necessário apenas o consentimento do
paciente, ou de seu responsável (familiares), e o atestado de 2 médicos.
Temos conhecimento de procedimentos médicos, que antes mesmo de
termos a aprovação desse Projeto de Lei, se assemelham à Ortotanásia. Desde a
retirada de tratamentos necessários para sobrevivência do paciente, sem perguntar
para o próprio paciente ou familiares, até a aplicação de tantas drogas fortes para
diminuir a dor que acabam acelerando a morte do paciente.
No meio social no qual vivemos, em que alguns médicos já aprenderam
como agir com frieza e calculismo e o nosso próprio Estado mata todos dias
pessoas pobres sem o mínimo de atendimento médico, nos perguntamos se a
liberação desse tipo de procedimento vai trazer um bem para nossa sociedade ou
vai aumentar o caos em que estamos inseridos, principalmente aos mais pobres.
O Capítulo 3 é o de maior importância para o ponto decisivo deste trabalho.
Com ele estudamos motivos para não aprovação da Eutanásia e Ortotanásia no
Brasil. Entendemos a necessidade de uma pessoa com doença terminal ou
totalmente paralisada em não querer mais continuar vivendo com a dor ou preza em
um corpo inválido. Porém o ponto que não nos permite legalizar esse tipo de atitude
altruísta seria o risco de que outras pessoas usarem esse tipo de procedimento para
fazer o mal, principalmente para pessoas incapazes.
Falamos desde o risco de matarem pessoas apenas para utilizar os órgãos
no tráfico clandestino, até o risco de matança de pessoas com doenças graves,
porém tratáveis ou às vezes até pacientes terminais que desejam continuar vivendo,
com a desculpa que o hospital está cheio e têm outras pessoas com melhores
possibilidades de tratamento.
Casos de familiares que possuem parentes doentes, mas demandam muito
dinheiro e tempo, que preferem se desfazer desses parentes moribundos.
Mostramos relatos da Holanda, que demonstram que esse medo não é infundado, é
real. O País onde os velhinhos andam com um documento pedindo para não serem
mortos.
70
Estudamos também casos de pessoas com o corpo totalmente paralisado
que pediam para morrer. Sentimos o terror que deve ser se ver preso, lúcido, em um
corpo inválido, precisando da ajuda de outras pessoas para viver. Essas pessoas
trabalhadas aqui como Vincent Hunbert e Ramón Sampedro, conseguiram o que
queriam, porém outras se encontram na mesma situação e não tiveram a mesma
sorte.
Ajudar essas pessoas a morrer compensaria colocar em risco a segurança
de país já falido na área da saúde pública? Por conhecimento pessoal e em
pesquisa sabemos que não. Não acreditamos em um plano utópico que tudo daria
certo, que apenas as pessoas que realmente desejassem seu próprio fim
receberiam esse tratamento, sabemos que outras pessoas com pouco conhecimento
também cairiam nessa situação, sem querer e sem ter pelo menos a opção de negar
ou aceitar.
71
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