O grande peixe de couro piscivoro, surubim, Pseudoplatystoma

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DIVERSIDADE GENÉTICA DE SURUBIM (Pseudoplatystoma corruscans),
CACHARA (P. Fasciatum) E DO SEU HÍBRIDO INTERESPECÍFICO
Daniel Cardoso de Carvalho*, Denise Aparecida Oliveira de Andrade,
Alexandre Benvindo de Sousa, Edgar de Alencar Teixeira, Arno Soares Seering,
Paulo Mala Carvalho Faria e Linlcon Pimentel Ribeiro
*Laboratório de Genética, Escola de Veterinária Universidade Federal de Minas Gerais, Av. Antônio Carlos,
6627, Pampulha, CEP 3127-010 Belo Horizonte, MG, Brasil. Tel: (55) 31-3499-2206, Fax: (55) 31-3491-3963
E-mail: [email protected]
Resumo
O surubim e o cachara, peixes de couro da família Pimelodidea, são muito apreciados
para o consumo humano e importantes recursos pesqueiros em suas respectivas áreas de
ocorrência. Entretanto, o híbrido interespecífico dessas duas espécies é o preferido nos
sistemas de cultivo no Brasil. Neste trabalho, é descrita pela primeira vez a utilização de
seqüências de mtDNA 16S para comparação genética entre o surubim do São Francisco
(Pseudoplatystoma corruscans), o cachara de Mato Grosso do Sul (P. fasciatum) e o seu
híbrido interespecífico . Também foram analisadas amostras temporais de surubins do rio São
Francisco coletadas durante 3 anos em uma mesma localidade no médio rio São Francisco. O
objetivo foi verificar a possível existência de maior diversidade genética na época da
piracema comparada à época de repouso reprodutivo. Os resultados indicaram a existência de
pelo menos 3 haplótipos distintos nas populações naturais do São Francisco e de apenas
1 haplótipo nas amostras da piscicultura. Além disso, foi possível distinguir geneticamente o
surubim e o cachara e determinar o híbrido como do tipo cachapinta, uma vez que sua região
16S do mtDNA foi idêntica à do cachara. Os resultados genéticos sugeriram que a área de
estudo no São Francisco é um bom local para coleta de matrizes para sistemas de cultivo de
surubim e para estudos em telemetria, pois, provavelmente, se trata de um corredor entre
áreas de desova e alimentação.
Introdução
Os peixes de couro do gênero Pseudoplatystoma da família Pimelodidea estão
presentes em grandes e importantes bacias brasileiras. Na bacia do rio São Francisco
encontra-se apenas a espécie Pseudoplatystoma corruscans, conhecida popularmente como
surubim ou pintado. É a espécie de maior porte do gênero, podendo alcançar até 120 kg (Sato
et al., 2003), e um dos principais recursos pesqueiros dessa bacia (Menezes, 1956; Godinho et
al., 1997; Godinho & Godinho, 2003). Na bacia platina, são encontradas duas espécies em
simpatria: P. coruscans e P. fasciatum - surubim e cachara, respectivamente. Já na bacia
amazônica, ocorrem as espécies P. fasciatum (cachara) e P. tigrinum (caparari) (Welcomme,
1985; Petrere, 1995.).
O surubim apresenta grande valor comercial em suas áreas de ocorrência devido ao
seu grande porte e à carne saborosa sem mioespinhas. No São Francisco, essa espécie entra
em período reprodutivo na época das chuvas - entre os meses de outubro e janeiro (Godinho
et al. 1997; Brito & Bazzoli, 2003), quando fêmeas em maturidade sexual chegam a liberar
até 1,5 milhões de ovos não adesivos (Sato et al., 2003).
Nas últimas décadas, fatores como construção de barragens para geração de energia
elétrica, sobrepesca, destruição de lagoas marginais, poluição dos corpos hídricos e
introdução de peixes exóticos têm causado declínio evidente das populações de peixes na
natureza (Petrere, 1995; Godinho et al., 2006; Welcomme, 1985). Segundo Godinho et al.
(1997), a captura de surubins em uma importante área do médio São Francisco declinou de
10,3 para 0,8 kg de peixe/dia entre os anos de 1987 e 1999. Fica evidente, então, a
importância do cultivo dessas espécies, tanto para suprir o consumo humano direto - o que
diminuiria a pressão da pesca extrativista -, quanto para programas de repovoamentos de áreas
onde há sobre-exploração dos estoques naturais, mas tomando-se as devidas precauções
(Sousa et al., 2007).
O cruzamento de duas espécies diferentes para a obtenção de híbridos é relativamente
comum na piscicultura brasileira e freqüentemente associada à obtenção de linhagens estéreis
e com elevada produtividade. Existem diversos exemplos de híbridos na piscicultura no
Brasil: tambatinga (pirapitinga - Piaractus brachypomus X tambaqui - Colossoma
macropomum), piaupara (piauçu - Leporinus macrocephalus X piapara Leporinus
enlongatus), cachapira (cachara - Pseudoplatystoma fasciatum X pirarara - Phractocephalus
hemeliopterus), cachapinta (cachara - Pseudoplatystoma fasciatum X pintado Pseudoplatystoma corruscans) e outros. O nome popular do híbrido é constituído por metade
do nome da espécie que é utilizada como fêmea no cruzamento associado à outra metade do
nome do macho.
O cachapinta (cruzamento de fêmea de cachara com macho de pintado) e o pintachara
(cruzamento de fêmea de pintado com macho de cachara) são importantes híbridos que vêm
sendo cultivados em pisciculturas no lugar das espécies puras. Segundo os produtores de
alevinos, isto se deve ao fato desses serem mais dóceis, aprenderem a se alimentar mais
facilmente e possivelmente apresentarem taxa de crescimento mais elevada (Crepaldi et al.,
2003). Os híbridos têm sido cultivados em todo o Brasil e já vêm sendo encontrados na
natureza (como no rio Paraná), provavelmente devido a escapes de pisciculturas (Alberto
Prioli, dados não publicados). Existem preocupações sobre seu impacto nas espécies naturais,
existindo a possibilidade de contaminação genética por introgressão, entretanto nenhum
estudo foi conduzido e publicado nesse sentido até a presente data.
Ferramentas genéticas para a caracterização de espécies híbridas tem sido o objeto de
diversos estudos (Hanfling et al., 2005; Teixeira & Oliveira, 2005) e, quando possíveis,
podem ser muito úteis no monitoramento e manejo de hibridações.
Neste trabalho, foi utilizado seqüências de mtDNA região 16S ou haplótipos para a
caracterização da diversidade genética de amostras temporais de P. corruscans coletadas
durante 3 anos em um mesmo local no médio São Francisco em Minas Gerais. Avaliou-se
uma possível correlação entre diversidade genética e época do ano, sendo esperado uma maior
diversidade genética (maior número de haplótipos de mtDNA) nas amostras coletadas na
época da piracema devido às migrações dos espécimes para os sítios de desova. Essas
amostras foram ainda comparadas a espécimes de cachara e híbridos coletados em um sistema
de cultivo em Mato Grosso.
Material e Métodos
Espécimes de Pseudoplatystoma corruscans foram capturados na calha do Rio São
Francisco, próximo à cidade de São Francisco. Foram colhidas amostras durante três anos no
período da piracema (outubro-janeiro, indivíduos: 4P, 5P, 103P, 106P, 107P, 115P, 117P e
118P) e no período de repouso reprodutivo (maio-setembro, indivíduos: 81P, 82P, 85P, 91P,
94P, 96P, 98P e 101P). Os peixes foram capturados por redes de arrasto e anzóis, medidos,
pesados e sexados após abertura da cavidade celomática. Apenas fêmeas e machos com mais
de 6 kg (adultos) e sexualmente maduros foram utilizadas para essa análise. Amostras de
cachara (P. fasciatum - 1CA, 2CA, 3CA, 4CA, 5CA) e do híbrido (1H, 2H, 3H, 4H, 5H)
foram coletadas em tanques de cultivo em uma piscicultura em Mato Grosso do Sul.
O DNA foi isolado a partir de fragmentos de nadadeiras dos peixes utilizando-se o
método descrito por Sambrook et al. (1989). O seqüenciamento foi realizado utilizando-se
como DNA molde o gene 16S isolado por amplificação da cadeia da polimerase (PCR) com
primers
internos
específicos
para
essa
região
(16S-L19875’-GCCTCGCCT
GTTTACCAAAAAC-3’, 16S - H2909 5’-CCGGTCTGAACTCAGATCACGT-3’ - Palumbi
et al., 1991). A região 16S do mtDNA, previamente utilizada em estudos com outros peixes,
mostrou-se adequada para a distinção entre espécies (Farias et al., 1998, 1999; Andrade et al.,
2001).
O produto da PCR obtidos com os primers citados anteriormente, apresentou uma
banda aproximada de 500pb. Após a reação da PCR (16S - 94oC, 3min, 30X, 94oC, 1mim,
55oC 1mim, 72oC 3min, extention de 72oC 7 min), foi utilizado 1-2µl da reação total como
molde para o sequenciamento do DNA, seguindo as recomendações do fabricante (Big Dye
terminator mix V3.1 - Applied Biosystems). As reações foram analisadas em um
sequenciador de DNA automático ABI310 (Perkin Elmer™).
Os cromatogramas foram checados manualmente e as seqüências alinhadas utilizando
o software CLUSTAW incluído no programa Bioedit (Hall, 1999). As análises genéticas
foram realizadas com o programa MEGA (Kumar et al., 2004). O modelo evolucionário
escolhido foi Kimura 2-parameters. O método UPGMA (Unweighted Pair Group Method
with Arithmatic Mean) foi utilizado para o agrupamento com bootstrap baseado em 1.000
replicações.
Resultados e Discussão
Utilizando-se a região 16S do mtDNA (500 pb) foi possível diferenciar claramente o
P. corruscans do São Francisco do P. fasciatum do Pantanal. Essas duas espécies
apresentaram haplótipos com diferenças de 0,8 a 1% (6 sítios polimórficos). Os resultados
indicaram, ainda, a presença de pelo menos 3 haplótipos de P. corruscans nos 17 espécimes
analisados na população natural do São Francisco, indicando grande variabilidade genética
nos peixes capturados nesse local.
Na piscicultura, foi detectado apenas um haplótipo nos 5 espécimes analisados de P
fasciatum. O híbrido cultivado nessa piscicultura foi determinado como sendo cachapinta
(fêmea de cachara e macho de pintado) já que o mtDNA (herdado maternalmente) do híbrido
foi idêntico ao do cachara. Segundo Alberto Prioli (dados não publicados) já foram coletados
indivíduos híbridos de cachapinta no alto rio Paraná, possivelmente originados de escapes de
pisciculturas.
Por se tratar de uma região conservada do mtDNA, a região 16S é ideal para
comparações inter-específicas (Farias et al., 1998), como visto no presente trabalho. Com,
isso, foi possível diferenciar filogeneticamente o cachara do surubim, com agrupamento bem
suportado na árvore filogenética( boostrap de 98% - Fig. 1).
No período de repouso reprodutivo do surubim no rio São Francisco, foram detectados
2 haplótipos 16S distintos (Hapl I e II - Fig. 1) nos 9 espécimes de surubins analisados. Já na
piracema, foram encontrados 3 haplótipos distintos, sendo o haplótipo III detectado em dois
indivíduos dos 9 analisados e exclusivo do período de piracema. Entretanto, não podemos
afirmar que existe correlação entre a época de piracema e uma maior diversidade genética nas
amostras temporais, já que a diferença entre os períodos foi de apenas 1 haplótipo do período
de piracema. Godinho & Kynard (2006) descrevem que surubins do São Francisco
apresentam padrão dualístico de migração: alguns indivíduos possuem padrão migratório
enquanto outros possuem padrão residente. Tal característica poderia explicar os dados
moleculares de pouca diferenciação genética entre o período reprodutivo e o de repouso.
Os resultados genéticos mostram que a área de estudo desse trabalho apresentou
surubins com boa diversidade genética, mesmo quando analisado um marcador molecular
pouco variado, como a região 16S do DNA mitocondrial. Desse modo, esse local de coleta é
possivelmente um corredor de passagem para sítios de desova e reprodução, sendo um bom
local para coleta de espécimes a serem utilizados como matrizes para reprodução em cativeiro
e ainda para estudos migratórios por rádio-telemetria.
4P
118P
103P
98P
106P
117P
100P
40
Haplótipo I
104P
Surubim
94P
85P
96P
43
101P
82P
91P
5P
67
81P
Haplótipo II
107P
Haplótipo III
115P
64
1CA
2H
2CA
5H
3CA
98
4CA
Cachara/
Hibrido
3H*
4H
5CA
1H
0.004
0.003
0.002
0.001
0.000
Figura 1. Árvore filogenética consenso obtida através do método UPGMA utilizando se as seqüências
de DNA do gene mitocondrial 16S (500pb). Indivíduos com número e letra P indicam surubins
(P. corruscans) provenientes do rio São Francisco ( indica peixes coletados na piracema e  coletas
no período de repouso reprodutivo). Indivíduos com número e sigla CA indicam cacharas
(P. fasciatum) e com a sigla H, híbridos, sendo os dois provenientes de um sistema de piscicultura em
Mato Grosso do Sul. Os três diferentes haplótipos de surubim estão indicados.
Conclusão
A região 16S do mtDNA de Pseudoplatystoma foi suficiente para distinguir
geneticamente o surubim (P. corruscans) do cachara (P. fasciatum). Verificou-se, ainda, que
o híbrido interespecífico coletado na piscicultura de Mato Grosso é do tipo cachapinta, ou
seja, teve como mãe o cachara, já que a região 16S do mtDNA (herdado maternalmente) do
híbrido apresentou-se idêntica a (com crase) do cachara. Nas análises temporais apenas o
haplótipo III, detectado nos indivíduos 107P e 108P, foi exclusivo do período de piracema.
Pode-se concluir que as espécies P corruscans e P. fasciatum são bem distintas
geneticamente e que seu híbrido artificial, apesar dos benefícios para a piscicultura, deve ser
monitorado para que não contamine ambientes naturais provocando impactos genéticos como
introgressão de genes de cachara nas populações de surubim, o que pode acarretar em
extinção genética do surubim “puro” nas suas áreas de ocorrência. A área de estudo do
presente trabalho, o médio São Francisco, é provavelmente um corredor para áreas de
reprodução e alimentação e, assim, um bom local para coleta de matrizes.
Agradecimentos
Os autores agradecem a equipe do Laboratório de Genética Animal e de Aquacultura
da Escola de Veterinária da UFMG. Este trabalho foi financiado pela FEP-MVZ.
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