Intervenção do Presidente - Autoridade da Concorrência

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Apresentação às Câmaras do Comércio Luso-Alemã,
Luso-Francesa, e
Luso-Holandesa
Lisboa, 12 de Dezembro de 2006
Campeões Nacionais?
Sim, como empresas com sucesso;
Não, se forem à custa do proteccionismo.
Abel Moreira Mateus1
Presidente da Autoridade da Concorrência
“É preciso concentrar-mo-nos antes que nos venham comprar”
“Temos que conquistar dimensão antes de nos internacionalizarmos”
“Como é que podemos concorrer no mercado europeu quando uma empresa alemã é 20
ou 30 vezes maior que a portuguesa?”
“Temos que proteger os centros de decisão nacionais.”
Citações livres de políticos e empresários portugueses
1
Agradeço as contribuições valiosas dos Doutores José Braz e Pedro Geraldes.
1
Vamos abordar neste trabalho a temática do interface entre a política industrial e a
política da concorrência, num contexto de mercado concorrencial global, e em
particular da União Europeia, aplicando-a ao caso polémico dos Campeões Nacionais.
Este é hoje um dos temas que tem provocado mais divisões e discussões acesas entre os
países da União, distinguindo os Nórdicos e Anglo-saxónicos claramente mais liberais,
e contra a política dos Campeões Nacionais, e os países do Sul da Europa, em particular
a França, Espanha e onde se pode incluir Portugal, em que muitas vezes se defende este
tipo de política. Mas o que é afinal um Campeão Nacional no contexto de um mercado
cada vez mais global? É tempo de clarificar algumas das ideias que estão por trás desta
política, e que tanto pode encobrir um novo tipo de proteccionismo, como pura e
simplesmente destacar um conjunto de empresas que na dinâmica do mercado se
destacaram como empresas de sucesso. O principal argumento deste trabalho é que a
política industrial numa economia de mercado, para ser eficiente, deve ser o mais
horizontal possível, reduzindo as barreiras à entrada e expansão das empresas, e,
como está consagrado na própria Constituição, respeitar o equilíbrio e dinâmica
da concorrência.
Evidentemente que uma economia de sucesso se faz com empresas de sucesso, mas
deverá haver uma política económica que seja explicitamente selectiva (targeted) para
proteger os Campeões Nacionais? Esta é uma questão que muitas vezes põe em
confronto a política industrial e a política da concorrência. Haverá casos em que a teoria
económica pode ser invocado para que a promoção dos campeões nacionais se
sobreponha à política da concorrência? É evidente que uma Autoridade da Concorrência
não pode partilhar uma política discriminatória entre agentes do mercado como a dos
Campeões Nacionais. Como veremos, a teoria económica e mesmo as lições que
podemos tirar da prática da política económica aconselham sempre uma política
económica e em particular uma política de auxílios de Estado que seja o mais neutral e
não distorcionária possível.2
Uma das políticas da concorrência mais ligada à problemática da dimensão das
empresas, característica muitas vezes referida dos Campeões Nacionais, é a da
concentração de empresas, que faz parte explícita da Lei 18/2003 e das Políticas
Comunitárias através do Regulamento Comunitário das Concentrações. E as questões
aqui têm surgido em catadupa desde a primeira oposição da Autoridade a uma
concentração: “É preciso concentrar-mo-nos antes que nos venham comprar”, “Temos
que conquistar dimensão antes de nos internacionalizarmos”. Mas também se ouvem
vozes contrárias, ou seja, que pugnam por uma rejeição de determinada concentração,
ou mesmo quem diga que “Engordar o porquinho torna-o mais apetitoso para o
comprador estrangeiro”.
Por outro lado, existe o problema do “level playing field”: “Deverá a Política
Económica Portuguesa rejeitar a ideia dos Campeões Nacionais quando os outros
países3 os procuram criar e defender?” “Nós temos que aceitar a concorrência, mas os
outros não nos deixam concorrer com eles”. A situação é colocada ainda de uma forma
2
Este tema foi desenvolvido em A. Mateus, “Política industrial, política da concorrência e
competitividade”, Ordem dos Economistas, 2005, disponível no site da AdC.
3
Como recentes processos da Comissão contra os actuais governos da Espanha, França. Itália e Polónia
parecem evidenciar, em casos bastante mediáticos.
2
mais dramática: “Como é que podemos concorrer no mercado europeu quando uma
empresa alemã é 20 ou 30 vezes maior que a portuguesa?”
Coloquemos desde já quatro questões que desmistificam muita desta retórica. Primeiro,
“São as empresas que concorrem e não os países”, como Paul Krugman muitas vezes
afirma, “Governments do major mistakes picking winners”, frase que tenho ouvido
repetida e corroborada inúmeras vezes ao longo da minha longa carreira como
economista. Aliás não seria de esperar outra coisa, quando se relê um livro de Tom
Peters que foi um bestseller dos anos 1980, “In Search of Excellence”, e que demonstra
que “Das 10 empresas de maior sucesso dos anos 80 só cerca de 10% estão na lista dos
anos 90”. Onde está hoje uma IBM, ou uma Delta que recentemente até entrou em
processo de falência? E nem por isso os EUA deixaram de ser a economia desenvolvida
mais dinâmica dos anos 90.
Não estamos de nenhuma forma a negar a importância das políticas económicas de
desenvolvimento activo, e em particular da política industrial. Aquelas são essenciais
para o crescimento económico. Os Governos devem preocupar-se com as condições
macro-estruturais, mas evitar o micro-management, sobretudo em áreas típicas da
iniciativa empresarial. A Política Económica não deve ser feita por intervenções avulsas
no domínio empresarial, seja por investimentos públicos que não sejam submetidos a
um rigoroso escrutínio de benefícios e custos, seja intervindo na dinâmica da economia
de mercado. Como economista sempre acreditei que o objectivo da Política Económica
é a maximização do Bem-Estar Social no longo prazo, e é pelo crescimento económico
que se mede o sucesso das políticas económicas prosseguidas pelos governos de um
país. A pedra de toque é assim muito clara: está o nosso país a convergir ou não para a
média do rendimento per capita da União Europeia? Ou melhor, a aproximar-se dos
melhores níveis de desenvolvimento desta União? Se não está, temos que reorientar as
políticas e aprender com os erros passados, senão a trajectória não se inverte. E, como
demonstraremos, uma política de concorrência mais eficaz é essencial para a aceleração
do crescimento.
1. O que é um Campeão Nacional?
Falar de Campeões Nacionais é temática sempre eivada de grande emoção e que
convém ser desmistificada. A primeira questão que nos devemos colocar é qual o
conceito de Campeões Nacionais? Tratar-se-á de:
•
Empresas, e sobretudo grandes empresas, de capital maioritariamente nacional?
•
Empresas nacionais com direitos exclusivos de mercado que deverão ser
protegidas da concorrência doméstica em apoio da sua internacionalização?
E, excluímos deste conceito:
•
Empresas de capital maioritariamente estrangeiro, mas com uma estrutura de
governação constituída por gestores nacionais?
3
•
Empresas de capital e gestão estrangeiros que contribuem significativamente
para as exportações, enquanto geram um volume significativo de emprego
nacional?4
Com o processo de internacionalização em curso, associado ao livre movimento de bens
e capitais na União Europeia, é hoje difícil responder à questão: de que nacionalidade é
uma dada empresa. Muitas das grandes multinacionais estão cotadas nas principais
bolsas e têm o capital bastante disperso. Com os fundos de investimento internacionais,
que distribuem as suas carteiras pelas grandes empresas dos mais diversos países, desde
os mercados emergentes aos países mais avançados, o capital destas empresas dispersase, e por vezes é difícil identificar o país que as controla – à parte da questão que aquela
flutua com elevada frequência. Não tem hoje a PT, o BCP, a EDP, o BES e o BPI uma
grande parte do seu capital em mãos estrangeiras?
Está hoje demonstrado teoricamente que o livre movimento de factores produtivos, e em
particular do capital, promove o desenvolvimento. Em Portugal sempre foi bem vindo o
Investimento Directo Estrangeiro, que muito contribuiu para o nosso crescimento
económico, e esperemos que assim continue para diminuir o gap tecnológico que
continua a separar-nos dos países mais avançados da UE. Mas se é assim, não faz
sentido a política proteccionista contra os influxos de capitais.
Com a globalização e a forma difusa como hoje se distribui o capital das empresas
cotadas nas bolsas, faz pouco sentido continuar a falar de “empresas nacionais”. Daí que
se tenha passado para o conceito de “proteger os centros de decisão nacionais”, no
sentido de que o “cérebro de decisão da empresa” continue no país, eventualmente com
maioria de gestão portuguesa. Evidentemente que em termos de economia internacional
tal só faz sentido se for uma gestão eficiente, pois de contrário estará sujeita a ser
contestada por uma OPA, e a ser substituída por uma gestão mais eficiente.
Na medida em que o management de uma empresa é o agente, cujo principal são os
accionistas, aquele só consegue dominar a empresa quando o capital está muito
disperso. Mas o normal na vida e governação das empresas são os accionistas
dominarem a empresa. Neste caso, o domínio de um conjunto significativo do capital
de grandes empresas depende da riqueza líquida de um país. Só criando mais
riqueza teremos possibilidade de ter maior proporção no capital das grandes empresas.
Estamos a reconduzir-nos sempre ao problema de base: a quase-estagnação e
afastamento de Portugal dos níveis de desenvolvimento europeus. É em situações de
crise prolongada que a população, empresários e governos de um país sentem que “a
propriedade está a ser alheada, e que é necessário mais proteccionismo”. Neste caso, o
que é fundamental é tomar as medidas apropriadas para relançar o crescimento de uma
forma sustentada.
No início dos anos de 1990 escrevemos um conjunto de três artigos no Expresso em que
defendíamos a internacionalização da economia portuguesa, que recebeu largos
aplausos. Sustentávamos que a globalização tinha dado origem a uma estratégia
empresarial em que as fases de produção de uma mesma empresa se poderiam localizar
4
A Ford e VW como campeões naturais estrangeiros contribuíram muito mais para a economia nacional
de que teria acontecido se tivéssemos cedido à tentação de criar um campeão nacional como fez a Malásia
com o fabricante de automóveis Proton, um verdadeiro buraco financeiro , como o The Economist
noticiou recentemente.
4
em diferentes países, segundo as suas vantagens comparativas. Mais ainda, as empresas
portuguesas teriam que pensar cada vez mais no mercado europeu e global para colocar
os seus produtos e serviços, tirando partido das economias de escala, de gama e na
diferenciação dos produtos. Esta visão implicava uma profunda alteração nas estratégias
de investimento, operacionais e de marketing das empresas, fossem PMEs ou grandes
empresas.
Esta visão tanto é válida para as empresas portuguesas, como espanholas, alemãs ou de
qualquer outro país. Então é evidente que o essencial para o PIB português crescer é ter
empresas localizadas em Portugal, que sejam eficientes, explorando as vantagens
comparativas do país e numa perspectiva dinâmica, contribuindo para o
desenvolvimento tecnológico do país. Localização, localização e localização, é a
palavra-chave numa Europa de regiões, em que estamos a construir um vasto mercado
de 400 milhões de habitantes, único e fluido.
Assim, a conclusão mais sólida, do ponto de vista económico, é de que para o
desenvolvimento da economia o fundamental é que existam empresas eficientes,
que assim criam riqueza e emprego, localizadas em todo ou em parte em Portugal,
que maximizem o bem-estar social da sua população, no longo prazo.
Tomemos a analogia futebolística, e suponhamos que o país quer ter um campeão
nacional ao nível dos melhores europeus. O país quer? O que significa? Já aqui temos
um complexo problema de economia política: como os recursos são escassos, a decisão
deve ser sempre posta em termos de custos e benefícios e definindo um conjunto de
alternativas.
Mas suponhamos que mesmo assim suponhamos que é tomada tal decisão.
O país ter um campeão nacional significa que o clube “escolhido” terá que vencer as
competições nacionais para poder entrar nas competições europeias. Conclusão: não é
possível concorrer com sucesso no mercado internacional se não se souber concorrer
no mercado nacional.
Mas que clube escolher? Naturalmente um clube que já tenha uma boa equipa e muitos
adeptos: um dos “grandes”. Mas se o governo escolher o Benfica isso desagrada aos
adeptos do Sporting e do Porto. E mutatis mutandis. Conclusão: as políticas industriais
de apoio a determinadas empresas discriminam em relação às restantes, distorcendo
seriamente a concorrência.
E mesmo assim não temos a certeza de que o clube em que se vai investir tenha sucesso.
Estamos perante o terrível problema de como escolher o potencial vencedor. Conclusão:
Os governos não têm conhecimento suficiente do mercado e das empresas, nem
capacidade de previsão (diria mesmo presciência) para poderem escolher as empresas
que terão sucesso.
Suponhamos que está feita a escolha: é o Sporting. Como desenhar e executar as
políticas para que o Sporting se torne campeão? É necessário recrutar um treinador de
reputação mundial? É necessário investir na formação de jogadores portugueses, ou na
compra de jogadores estrangeiros? É necessário investir nas instalações, equipamentos,
ou num novo estádio? Para um economista estas opções têm diferentes impactos no
5
VAB português: por exemplo, se recrutar estrangeiros isso irá onerar a balança de
pagamentos portuguesa. Se investir num estádio haverá elevados custos de capital
iniciais, e com um impacto sobre o objectivo só remoto no longo prazo, etc. Conclusão:
as políticas industriais que o governo escolhe para apoiar o campeão nacional não são
indiferentes e é necessário fazer uma escolha criteriosa da sua eficiência em termos de
benefícios e custos.
Não haveria uma política claramente superior às que acabámos de enunciar? Sim, uma
política de promover a formação física nas escolas, ou seja, promover o
desenvolvimento do capital humano, e apoiar as escolas de jovens futebolistas de todos
os clubes que preencham um mínimo de requisitos. Esta política de “desenvolvimento
do contexto económico” ou de enquadramento, tem não só o mérito de ser não
distorcionária do mercado (dos clubes e seus adeptos), como de promover um
desenvolvimento sustentado. A política de protecção e apoio ao Sporting até pode dar
certo num dado ano ou um par de anos, mas se o treinador sair ou os melhores
jogadores forem vendidos lá se vai o investimento feito!
2. Caracterização da estrutura e dinâmica empresariais de uma economia
A maioria das empresas de uma economia, seja a de Portugal, da UE ou dos EUA é
constituída por PMEs. As empresas com mais de 500 empregados apenas representam
0,15% do total do número de empresas em Portugal, 0,29% nos EUA e 0,35% em
França. Mas isso não significa que as grandes empresas não sejam importantes numa
economia, sobretudo pelos efeitos conglomerais que representam. Em termos de volume
de vendas, representam 24% em Portugal, 32% em Espanha e 50% na França.5
De que depende a dimensão de uma empresa: depende evidentemente da dinâmica do
mercado, mas em especial da curva de custos de longo prazo, e dos sunk-costs exógenos
e endógenos, em relação com a procura do mercado. As economias de escala são
importantes em determinados sectores industriais, por razões tecnológicas ou dos sunkcosts necessários em I&D: aviões, automóveis, turbinas de geradores, químicas,
refinação de petróleo e derivados e farmacêuticas. Nas indústrias alimentares por causa
dos custos de marketing. Também os sectores das telecomunicações, distribuição
comercial e retalho financeiro (banca e seguros) e de electricidade, água, gás e
saneamento, que são em grande parte caracterizadas por economias de rede têm
importantes segmentos caracterizados por escalas óptimas mínimas que sustentam
apenas um pequeno número de empresas mesmo num país de média ou grande
dimensão europeia.6 Consequentemente, as economias de escala e/ou de gama que
justificam empresas de elevada dimensão são essenciais apenas num reduzido
número de indústrias, quando tomamos como referência uma economia com a
dimensão da portuguesa.
Mesmo assim, a questão da escala óptima mínima é bastante complexa, e pode variar no
tempo, com o desenvolvimento tecnológico: por exemplo, na indústria siderúrgica era
de 1 a 2,5 milhões de toneladas no início dos anos 1950, passando para 12 milhões nos
anos 1980. Porém, nos finais daquela década surgem as mini-siderurgias e a sua
especialização em aços especiais, com uma dimensão significativamente inferior.
5
Veja-se A. Mateus, Economia Portuguesa, Verbo, 3ª edição, páginas 214-215.
Vejam-se, por exemplo, Abel e Margarida Mateus, Microeconomia, Verbo, vol I, páginas 375 e seg. E
vol. II páginas 85 e seguintes e o capítulo 21.
6
6
Quando comparada a escala óptima mínima com o nível de procura do mercado temos
uma ideia da taxa “natural” de concentração. Terá uma pequena economia graus de
concentração da sua produção superiores a uma grande economia? Em primeiro lugar, a
teoria das vantagens comparativas ricardiana diz-nos que a pequena economia tende a
especializar-se num pequeno número de sectores com a abertura ao comércio
internacional. A moderna teoria do comércio intra-industrial diz-nos que devido às
economias de escala e de gama, e à diferenciação em bens não homogéneos, se dá a
persistência de uma série de indústrias em diferentes países, sendo a sua localização
dependente de factores históricos, entre outros. De qualquer maneira, é evidente que os
graus de concentração de produção serão maiores quanto mais pequena for a
economia e mais fechada estiver ao comércio internacional. É o caso de Portugal,
comparado com a UE e os EUA.7
Será este facto um motivo de preocupação para a política de concorrência, pois maior
grau de concentração está correlacionado com maior poder de mercado? Não, pois nos
sectores sujeitos a concorrência internacional o mercado relevante é o europeu ou
mesmo o global. Esta é a orientação seguida pelas Autoridades Nacionais da
Concorrência em toda a UE e pela Comissão Europeia. Não faz, pois, qualquer
sentido a crítica à Autoridade que esta toma sempre como mercado relevante o
nacional. Este é o ponto de partida da Lei 18/2003, do ponto de vista jurisdicional, mas
nunca ficamos por aqui.
O problema surge nos bens não transaccionáveis onde existem os chamados monopólios
naturais, como no caso do transporte e distribuição em alta da electricidade, gás e água.
Aqui existe uma falha do mercado e estas indústrias têm que ser sujeitas a regulação.
Mas ao caracterizar a estrutural empresarial desta forma não nos esqueçamos que a sua
composição é extremamente dinâmica: as empresas nascem, crescem e muitas morrem.
Daí a necessidade de a política industrial facilitar o processo de criação/entrada de
empresas e de retirada do mercado. Quanto maior for a mobilidade económica,
devido ao abaixamento das barreiras à entrada, e à mobilidade do trabalho, mais
eficiente será a economia. Luís Cabral não tem deixado de sublinhar a importância
deste processo para o desenvolvimento português.8
Debrucemo-nos, agora, sobre alguns estudos de casos.
3. Caso: NOKIA vs. GAZPROM
Por exemplo, será a NOKIA um campeão nacional Finlandês ou a GAZPROM um
campeão nacional Russo? Porventura, nem um nem outro na acepção em que esta
caracterização é frequentemente utilizada em Portugal. Com efeito, a NOKIA é um
produtor eficiente competindo no mercado global, com base num país sem vantagem
comparativa que o qualificasse unicamente, à partida, para uma posição de liderança na
7
A única referência que conhecemos para esta questão é Abel e Margarida Mateus, Microeconomia:
exercícios e estudos de casos, vol. II, apêndice ao capítulo 16, Verbo, 2002, que reporta os graus de
concentração de empresas a 3-dígitos da CAE para Portugal, União Europeia e EUA.
8
Vejam-se os dados estatísticos comparativos entre Portugal e a UE em A. Mateus, Economia
Portuguesa, Verbo, 3ª edição.
7
produção de equipamentos de telecomunicações. Por outro lado, a GAZPROM é um
monopólio estatal, cuja eficiência produtiva e disponibilidade de tecnologia de
exploração é frequentemente posta em questão pelos seus clientes, mas que acontece
estar baseada num país em que detém uma vantagem comparativa importante.
Entre a NOKIA e a GAZPROM há, pois, uma semelhança e uma diferença de fundo. A
semelhança é que ambas operam no mercado internacional, dispondo de economias de
escala muito importantes. A diferença de fundo é que a NOKIA tem sucesso fruto da
vantagem competitiva que soube criar, enquanto que a GAZPROM capitalizou na
vantagem comparativa existente. Importa aqui salientar que estes dois “campeões” o são
em economias em estádios de desenvolvimento muito diferentes - a Finlândia e a Rússia
– e seguindo políticas económicas também radicalmente diferentes. A Finlândia, após o
colapso do COMECON, enfrentou corajosamente um penoso ajustamento, com fortes
quebras de salários reais, no quadro da sua adesão ao mercado comum Europeu e à
adopção da moeda única. A Rússia continua a prosseguir reformas tendentes à criação
dos fundamentos de uma economia de mercado assente num Estado de Direito,
descriminando favoravelmente os empresários e investidores locais, ainda que públicos,
mesmo em detrimento da inovação e do progresso.
4. As vantagens comparativas dos países
O que antecede não pretende implicar a neutralidade das políticas públicas em matéria
da promoção do investimento e da iniciativa empresarial em cada país. Primeiro, um
quadro macro-económico estável é um requisito fundamental. Segundo, políticas fiscais
competitivas e estáveis, bem como a flexibilidade das políticas laborais. Terceiro, a
disponibilidade de serviços de infra-estruturas económicas de qualidade a preços
competitivos. E quarto, a disponibilidade de quadros de regulação económica e de
aplicação da justiça imparciais e eficazes. Estes são os requisitos da vantagem
competitiva dos países, sempre que integrados em espaços económicos e quadros
institucionais mais amplos. É seguramente o caso a que ambicionam os Países Membros
da UE. Mas aceite este enquadramento, subsiste, ainda, um papel importante para as
políticas nacionais dos Estados-membros. Este deve ser focado na remoção das
desvantagens comparativas, como, por exemplo, o baixo nível de formação da mão-deobra.
Em termos de políticas públicas, o desafio parece, pois, ser mais o do desenvolvimento
económico global das nações, com a consequente dinâmica das vantagens comparativas,
e menos o da selecção burocrática dos ganhadores segundo critérios que nada têm ver
com o funcionamento competitivo dos mercados. Para as empresas nacionais que
operam nos mercados dos bens transacionáveis, elas estão naturalmente sujeitas à
selecção concorrencial, seja no mercado doméstico seja nos mercados comunitários e
estrangeiros. Aqui há a garantia que, se sobreviverem, elas são as empresas com
vantagens competitivas que entrarão num círculo virtuoso de expansão e crescimento.
Para as empresas que operam nos sectores dos bens não-transacionáveis, há que emular
o funcionamento dum mercado competitivo através de regulação económica apropriada.
A alternativa será pôr as empresas com potencial vantagem competitiva numa
desvantagem comparativa através dos preços mais elevados que terão de suportar
quando operarem num determinado país. E, a prazo, tal só poderá conduzir à
deslocalização do tecido produtivo.
8
Naturalmente que os aspectos anteriores terão sempre, em qualquer economia, que ser
considerados numa perspectiva de ajustamento e de transição. E os custos de
ajustamento não são, no curto prazo, imediatamente compensados pelos benefícios que
se materializarão sempre num horizonte mais alargado. Normalmente os Governos, no
quadro dos ciclos eleitorais, são alvos preferidos das pressões de grandes grupos
nacionais que, frequentemente, são os que os que mais terão a perder numa alteração do
status quo. Aqui, o que está em jogo é, muitas vezes, a tentativa de manutenção de
ineficiências produtivas e de gestão, ou mesmo, a manutenção de rendas de monopólio a
coberto de um conceito equívoco de campeões nacionais. É também conhecido da teoria
económica do proteccionismo do comércio externo, que a gestão consegue facilmente
mobilizar apoios nas forças de trabalho organizado, que tentarão continuar a captar
alguns elementos dos lucros supra-normais gerados.
5. “A engorda do porquinho torna-o mais cobiçado”
Mas não nos enganemos, os custos impostos sobre os sectores competitivos da
economia e sobre o bem-estar dos consumidores finais pelos ditos campeões são
elevadíssimos. Mais, a protecção desses grupos ditos nacionais em situações de
monopólio ou quase-monopólio, nomeadamente, através de elementos mais
discricionários que sempre subsistem no exercício da regulação económica, só os
tornará mais atractivos a take-overs e esses, frequentemente, de grupos estrangeiros que
mais facilmente poderão capitalizar numa gestão mais eficiente. Teríamos, então o
paradoxo da protecção por via duma reserva de mercado para os campeões nacionais, ao
custo de preços não competitivos para os consumidores e sem qualquer incentivo a uma
maior eficiência, e que a prazo só iria conduzir à sua alienação a grupos estrangeiros
que continuariam a beneficiar da mesma reserva de mercado. Ou por outras palavras, a
descriminação positiva de campeões nacionais não só não conduz à eficiência e ao bemestar como é auto-destrutiva a prazo.
A ideia que um campeão está mais protegido contra take-overs de concorrentes
internacionais é uma ilusão. Pelo contrário, um monopólio ou empresa dominante
nacional tornar-se mais apetecível pela sua rentabilidade superior. À escala global um
campeão português será sempre pequeno e facilmente comprável por empresas globais.
Quando tal sucede, será a um preço superior mas esse proveito vai exclusivamente para
os accionistas e não para os consumidores que facilitaram esse lucro adicional pagando
os preços superiores cobrados pelo campeão
6. Política da concorrência e internacionalização
Em tudo o que antecede releva a política da concorrência como um instrumento
fundamental na prossecução da eficiência e do bem-estar. Ao restringir a formação de
um poder de mercado excessivo, a política da concorrência tem como objectivo último
aumentar o bem-estar dos consumidores. Mas sempre que aplicada ao sector dos bens
não-transacionáveis ela está na realidade também a eliminar desvantagens comparativas
para a produção de bens transaccionáveis na economia nacional. Ou por outras palavras,
energia, transportes e comunicações mais baratas beneficiarão directamente os custos de
produção do sector exportador da economia tornando-o mais competitivo
internacionalmente.
9
Também, ao impedir uma excessiva concentração empresarial, está a política da
concorrência a dar importantes sinais competitivos ao sector produtivo. Em primeiro
lugar, o ter que satisfazer o teste de mercado no mercado doméstico é o primeiro passo
para aprender a competir internacionalmente. Ou por outras palavras, será difícil ou
mesmo impossível encontrar empresas competitivas internacionalmente que primeiro
não o tenham sido no mercado nacional. E em segundo lugar, um sinal forte para a sua
internacionalização numa base de vantagem competitiva logo conducente a uma maior
escala. Convém, ainda, não esquecer que o alargamento de mercados, e na realidade a
política da concorrência, ocorrem numa base de reciprocidade. Isto é, a concorrência a
enfrentar no mercado nacional tem uma contrapartida porventura muito mais
importante: as possibilidades acrescidas de um mercado muito mais amplo.
7. Campeões internacionais
Em pequena economias abertas, como a Portuguesa, a ênfase das política públicas deve
ser mais na remoção das desvantagens comparativas que as empresas exportadoras
enfrentam do que na selecção burocrática de ganhadores de grande dimensão baseadas
em reservas de mercado. Equiparado o level-playing field com as empresas baseadas
noutros países com menores custos de contexto, menores custos dos inputs não
transaccionáveis, e uma força de trabalho melhor formada, as empresas exportadoras
saberão melhor que os burocratas como ganhar vantagem competitiva num ciclo
virtuoso de crescimento.
O Investimento Português no Estrangeiro começou a ser encarado a partir de meados
dos anos de 1990 como um sinal de maturidade da economia portuguesa. Muitas
pessoas se interrogaram se não seria o “renascer da ideia de império português” que
marcou cinco séculos da nossa história. Passada uma década, a experiência é muito
diversa, com empresas privadas em retirada de alguns mercados e empresas com algum
controle do Estado que permanecem. Mas algumas empresas privadas foram bem
sucedidas: por exemplo, na banca na Polónia. As empresas privadas evidentemente
também fazem maus investimentos, e por isso são penalizadas, mas é ao empresário que
cabe avaliar a rentabilidade dos seus investimentos futuros.9 Mas não falemos apenas
nas grandes empresas. Existe cada vez um maior número de PMEs que se
internacionaliza. Enquanto que os governos devem tomar uma atitude neutral em
relação ao investimento directo no estrangeiro, a política económica deve procurar
remover as barreiras do “proteccionismo externo” – a questão básica do “level playing
field” que será abordada mais abaixo, assim como a política industrial deve procurar
remover as barreiras à internacionalização, nomeadamente pela formação e difusão da
informação sobre os mercados externos.
O objectivo essencial de promover a cooperação e o auxílio ao desenvolvimento dos
países subdesenvolvidos deve ser prosseguido pela criação de instrumentos específicos
para esta política, como se está a fazer actualmente entre nós.
9
É contra a racionalidade económica promover campeões nacionais, em sectores de bens não
transaccionáveis, que com base nas rendas de monopólio obtidas no país, fazem investimentos no
estrangeiro. Primeiro, prejudicam os consumidores e baixam a competitividade das empresas de bens
transaccionáveis. Segundo, é duvidoso que obtenham no exterior uma taxa de rentabilidade superior à
normal –até porque normalmente estão sujeitos a regulação. Terceiro, não existem economias de escala
ou de gama, nem sinergias, que justifiquem a expansão internacional.
10
Um dos problemas do investimento directo no estrangeiro é que acentuou o deficit da
nossa balança de pagamentos. A fuga de capitais foi considerada por muitos
economistas como a causa do declínio do RU desde a segunda metade dos anos 1800.
Evidentemente, que numa economia aberta, o capital responde às melhores
oportunidades: à mais elevada taxa de rentabilidade. Mas um país em que a poupança
foge para o exterior sempre foi considerado, no meu dicionário, e em muitos outros,
como um país em sérias dificuldades, em que urge aumentar a sua competitividade.
Aos governos caberá remover a desvantagem comparativa de fazer negócios. Às
empresas caberá desenvolver a vantagem competitiva de conquistar mercados. E às
Autoridades Nacionais da Concorrência assegurar que as regras do jogo são cumpridas
no mercado.
E apesar das mais diversas barreiras a uma produção mais eficiente, haverá seguramente
em Portugal largas centenas de PMEs que são verdadeiramente campeãs
internacionais. Elas não são notícia nos media, são desconhecidos os que as gerem:
mas o nosso futuro depende delas e o delas será influenciado por nós.
8. Política da Concorrência e Política Industrial
Para que uma economia funcione eficientemente é necessário:
• Que os mercados de bens e serviços funcionem concorrencialmente:
concorrência perfeita entre muitas empresas, oligopólios em que a intensidade
da concorrência leva ao preço próximo do custo marginal
• Que os monopólios naturais – “animal cada vez mais raro” – ou mercados com
importantes externalidades (p.ex. ambientais), ou informação imperfeita (p.ex.
capitais), sejam sujeitos a regulação
• Que o sector público funcione eficientemente e não distorça desnecessariamente
a economia
• Que o mercado de capitais funcione e haja o livre take-over entre empresas que
permita a gestão eficiente entre empresas
• Que se estabeleça uma corrida (concorrência) entre empresas na busca da
inovação, com vista à conquista do mercado mas que, assim, gere progresso
técnico.
As empresas concorrem entre si no mercado local, regional, nacional, europeu e
global. Os clubes de futebol também concorrem em diferentes campeonatos. O jogo
entre estes é de soma-nula: o que uma empresa ganha em vendas é o que as restantes
perdem, os pontos que um clube ganha é o que os outros perdem. Mas desde Adam
Smith e Ricardo sabemos que quando dois países trocam entre si bens e serviços
podem aumentar o bem-estar de ambos (embora haja contracção de uns sectores –
com perdas para os trabalhadores – e expansão de outros) assim como quando se
transferem factores produtivos entre eles.10
10
Este foi uma das mais importantes críticas que Krugman fez a Porter quando este
publicou um livro sobre a “concorrência entre nações”.
11
Será que a política de concorrência prejudica os campeões nacionais?
•
•
•
Nos sectores dos bens transaccionáveis, geralmente o mercado relevante é mais
vasto que o nacional, daí que na análise da concorrência que se baseia no
mercado relevante, não se prejudica a empresa por ter uma quota elevada no
mercado de um pequeno país
Nas cadeias de distribuição, ou quando existem factores de diferenciação locais,
a análise da concorrência passa para o mercado relevante local, e é aí que se
focaliza o estudo
Nos sectores de bens não transaccionáveis, em grande parte abrigados da
concorrência internacional, o mercado é nacional (ou regional). Ao promover a
constituição de monopólios estamos a aumentar os lucros desta empresa (que até
pode estar nas mãos de accionistas estrangeiros) em detrimento do bem-estar dos
consumidores e da competitividade das restantes empresas – este problema é
sobretudo grave em empresas de infra-estruturas
As empresas de bandeira nacional – à parte as questões de segurança e empresas
públicas – têm justificação económica específica? Se a característica nacional é
importante, por razões políticas, então o Governo tem obrigação de esclarecer os
benefícios e custos do projecto. Veja-se o caso da companhia aérea nacional, onde se
diz que podem existir diferentes sensibilidades políticas: protegida em Portugal e
Grécia, deixada liquidar na Bélgica e Suiça, em comum entre nórdicos. Porém, é apenas
através de empresas eficientes e inovadoras que se maximiza o bem-estar social e o
crescimento. Proteger empresas com gestão ineficiente através da protecção a takeovers só leva a baixo crescimento da produtividade.
É evidente que a soberania se corporiza num Estado forte e que este defende os
interesses da comunidade que o elegeu democraticamente. Este deve estabelecer as
regras do jogo de uma forma não discriminatória para as empresas, respeitando os
Tratados Comunitários. De facto, não há nada na teoria económica que justifique que
uma empresa estrangeira se comporte, ao funcionar eficientemente, de maneira diferente
da nacional (excepção na exploração de recursos naturais, onde é necessário estabelecer
o nível óptimo de royalties). Tomemos o exemplo de um banco. O Estado pode recorrer
a um banco “nacional” para atribuir empréstimos a empresas ineficientes, projectos não
produtivos, ou comprar empresas com má gestão que estão sujeitas a uma OPA por
estrangeiros. Porém, estas decisões só levam a baixa produtividade da economia e
comprometem a longo prazo a rentabilidade desse banco.
Só através da concorrência a empresa é obrigada a ser eficiente. Ao aprender a
concorrer no mercado nacional sabe enfrentar a concorrência global – seja no mercado
nacional dos concorrentes externos, ou lá fora ao concorrer nas exportações. Não há
razão para supor que o Estado seja melhor a identificar as oportunidades de
investimento e os sectores de sucesso que os empresários. Daí que a política industrial
se deva circunscrever a criar condições favoráveis à actividade económica em geral e ao
florescimento de empresários. Poderá também desempenhar um papel na resolução de
problemas de falhas de coordenação entre empresas ao nível do investimento
(economias de aglomeração, criação de infraestruturas, acesso a informação).
Existem duas importantes excepções teóricas. Primeiro, a existência de elevadas
externalidades. Por exemplo, o Estado deve incentivar e financiar a Investigação e
12
Desenvolvimento, por causa da elevada rentabilidade social em relação à privada e
dificuldades em apropriar-se dos resultados da investigação fundamental. Segundo, a
necessidade de as políticas económicas corrigirem os desequilíbrios sociais, com vista a
atingir um dado nível de equidade (objectivos sociais).
9. O problema do “level playing field” na União Europeia
A concepção do papel do Estado na economia tem sofrido grandes mutações ao longo
das últimas três décadas, tanto na Europa como no nosso país. É evidente que não se
pode pôr em causa o núcleo central do exercício da soberania do Estado, e das suas
actividades de produção de bens públicos, desde a defesa à justiça, educação, saúde e
segurança social. Contudo, quanto à intervenção na economia, desde a Revolução aos
anos 1980 se afirmava que o Estado deveria ser proprietário dos sectores estratégicos da
economia. A definição de sector estratégico evoluiu ao longo do tempo. Primeiro era o
sector financeiro, indústrias de base e serviços sociais. Com as reformas dos anos 1980
e o processo de privatizações, ainda hoje em curso, a banca foi privatizada, à excepção
da CGD, e hoje ninguém contesta que indústrias como a siderurgia estejam em mãos
privadas.
Mas desde logo é claro que o primeiro problema do “level playing field” na União
Europeia é a grande pluralidade de regimes de propriedade que continuam a persistir.
Por exemplo, na banca, temos países com bancos estatais, como Portugal, a Espanha em
que as regiões detém as caixas, e a Alemanha onde existem os Landers. A definição
destes regimes faz parte da soberania nacional. Porém, podem gerar-se situações de
concorrência desequilibrada. Por exemplo, uma Caixa espanhola pode comprar um
banco privado português mas este não pode comprar uma Caixa. É evidente que
também um banco espanhol privado não pode comprar a CGD. Por causa dos
desequilíbrios criados, por vezes os Estados têm intervido proibindo aquisições dentro
do seu território por empresas estatais, ou com maioria de capital ou algum tipo de
controle de outros Estados. São questões que se colocam no foro comunitário, bastante
complexas, e para as quais urge dar uma maior harmonização por causa dos
ressentimentos que se criam entre os países. Veja-se a orientação recente da Comissão
Europeia na eliminação das “golden shares” em que apenas aceita argumentos estritos
de segurança nacional.
Mas mesmo que seja ultrapassada a questão da definição do “level playing field” em
termos público-privados, surge a seguir o problema se os sectores estratégicos devem
permanecer ou não no controle de accionistas nacionais e/ou com os centros de decisão
em território nacional. Este tipo de políticas de campeões nacionais levanta problemas
conhecidos à luz dos Tratados Comunitários, pois está frequentemente em conflito com
a liberdade de movimento de capitais, ponto fundamental na construção do Mercado
Único. Os casos nos sectores eléctrico em Espanha, e da banca na Itália e Polónia estão
entre os casos mais mediáticos nas mãos da Comissão Europeia, e que atestam das
actuais dificuldades com que nos deparamos.
E o problema é ainda mais grave para os pequenos países, como a regra dos Dois Terços
do Regulamento das Concentrações Comunitárias. Este problema, no nosso
entendimento, surge sobretudo por causa das enormes diferenças na aplicação do
13
controle de concentrações a nível nacional. Dispenso-me de falar de alguns casos mais
polémicos. A criação do Mercado Único e a igualdade de oportunidades entre empresas
exige uma maior harmonização. Temos pugnado por esta ideia a nível comunitário.
Sabemos que alguns governos se opõem ao unbundling na electricidade e gás proposto
pela Comissão. Para além do impacto que tem na estrutura concorrencial destes países,
e sobre a qual nos dispensamos de tecer comentários, esta posição prejudica a
construção de um Mercado Único da Energia, que seria favorável para todos os
consumidores e empresas da União.
10. Conclusão: Porque é urgente que Portugal adopte uma política de concorrência
mais eficaz?
A adesão de Portugal à zona do euro veio a colocar um desafio acrescido às Políticas
Económicas Nacionais. Desaparecida a possibilidade de utilizar o instrumento cambial,
e o atraso nos níveis de desenvolvimento das estruturas produtivas do país num contexto
de maior globalização, assumem cada vez mais relevância as Políticas de
Desenvolvimento Estrutural.11
Depois de ter atingido um pico no rendimento per capita de 74% da média da UE,
Portugal interrompeu o processo de convergência a partir de 1998, tendo já perdido
cerca de 8 pontos percentuais. As razões desta estagnação, embora em parte
conjunturais, – a Europa tem estado imersa desde 2000 numa quase-estagnação – são
essencialmente estruturais: perda de competitividade, uma estrutura produtiva que sofre
forte concorrência global (têxteis) e dos novos países da UE (automóveis e máquinas),
perante custos laborais relativamente elevados e baixo nível de qualificação da mão-deobra, associados a problemas estruturais que não têm sido resolvidos por reformas
profundas e essenciais.
Portugal tem uma longa tradição de abertura ao exterior, e está mais que provado que
essa abertura – através do comércio e transferência de tecnologia (IDE) foi um dos
factores mais importantes do crescimento económico. A época de ouro do crescimento,
ou o período pós-adesão à CE são fases de intensa abertura ao Exterior, com
intensificação da concorrência e com impacto positivo sobre a produtividade das
empresas. Os problemas actuais resultam do baixo crescimento produtividade da
produtividade, que perante a manutenção do crescimento dos padrões de consumo criou
um elevado endividamento externo.
Dar subsídios às empresas em dificuldades, proteger as ineficiências de gestão, dirigir
os recursos escassos para investimentos de baixa produtividade (“elefantes brancos”) e
captar recursos que são absorvidos na ineficiência de alguns serviços públicos (25% da
despesa pública) são os verdadeiros factores de regressão.
Vejamos alguns dos argumentos teóricos que nos podem guiar na definição da política
industrial no interface com a política da concorrência. A velha teoria da indústria
11
Haveria uma alternativa de política macroeconómica que seria o corte dos salários nominais,
acompanhada por uma redução dos preços, fazendo a “mímica” de uma desvalorização, mas esta política
é afastada pelos poderes políticos dizendo que é impraticável.
14
nascente, sujeita a learning-by-doing e com efeitos de reputação e custos de marketing
continua válida, mas a protecção tem que ser temporária e degressiva no tempo. As
teorias do comércio com bens de diferentes qualidades e concorrência imperfeita podem
justificar subsídios à penetração nos novos mercados (Helpman e Krugman), mas com
níveis baixos, e é necessário que o financiamento não distorça substancialmente a
economia. As indústrias sujeitas a elevados custos afundados (sunk costs), como a de
construção de grandes aviões comerciais de longo curso, resultantes dos enormes custos
de investigação e desenvolvimento, podem necessitar de subsídios iniciais até ganharem
escala suficiente (Brander e Spencer).
Também na teoria da política económica do segundo óptimo se apresentam algumas
excepções bem delimitadas. Suponhamos um mundo em que dois países têm elevados
níveis de poteccionismo. É melhor (em termos de bem-estar) uma redução simultânea e
proporcional do nível de protecção dos dois países, do que uma decisão unilateral.
Também a criação de uniões aduaneiras pode aumentar o bem-estar mundial se a
criação de comércio for superior à deslocação do Exterior para a união
Esta teoria pode ser transposta para alguns problemas de concorrência, nomeadamente
em termos da aquisição de activos. Certos países protegem grandes empresas nacionais,
sobretudo em sectores considerados estratégicos, seja através de auxílios de Estado,
protecção contra entrada de estrangeiros no capital, favorecimento em concursos
públicos. Existem alguns casos paradigmáticos: França na Alshtom, Alemanha com os
bancos dos Lander, Espanha com as Caixas bancárias. Existe aqui claramente um
problema de regras do jogo, conhecido por “level playing field”. Os outros países
podem responder a este jogo com medidas semelhantes. Mas aplicam-se aqui todas as
conclusões obtidas na teoria do proteccionismo: uma solução superior em termos de
bem-estar económico na UE é que todos os países abram os seus mercados com
vista à construção do mercado único, conforme está previsto nos Tratados
Comunitários.
Mas não basta que exista um quadro institucional “state of the art”, é essencial que a
política seja implementada de uma forma vigorosa. Aqui põe-se outra questão, que
muitas vezes se tem ouvido. Deverá Portugal ter uma política da concorrência com
maior vigor na sua implementação que os seus parceiros comerciais? A resposta é
simples. Os benefícios adicionais que se obtêm vão no sentido de ter um mercado mais
eficiente e empresas que são criadas e crescem num ambiente mais competitivo, e em
que as distorções económicas são menores. E geralmente com custos de implementação
negligenciáveis.12 E num ponto de vista bilateral, mesmo que um parceiro importante
não nos abra o seu mercado tanto como nós abrimos o nosso, é preferível procurarmos
outros parceiros mais receptíveis que reduzir a nossa abertura. No fundo, o julgamento
aqui é muito simples: os benefícios adicionais são o impacto na competitividade da
economia.
12
Os custos de uma boa em contraste com uma má lei são insignificantes. Os recursos dedicados a uma
Autoridade da Concorrência e aos Tribunais para implementação da política são também muito reduzidos
em relação ao PIB.
15
A contribuição que o aperfeiçoamento do sistema de regulação13, e em particular o da
concorrência, pode trazer para o crescimento económico de Portugal é de uma enorme
importância. Segundo a OCDE, o gap tecnológico que nos separa dos países mais
desenvolvidos poderia ser reduzido de um quarto, e a produtividade subir 10% se os
nossos sistemas de regulação se aproximarem das “melhores práticas” entre os países
nossos parceiros. É que este impacto é tanto maior quanto o país está mais longe da
fronteira tecnológica mundial, como é o nosso caso.
A política de regulação e, em particular, a actuação da Autoridade da Concorrência,
podem contribuir para o crescimento do PIB de uma forma fundamental. Primeiro,
uma regulação mais eficiente e política de concorrência mais eficaz contribuiriam para a
redução dos preços das infraestruturas (telecomunicações, energia, comunicações,
transportes) que são um factor essencial da competitividade da economia. A detecção de
cartéis e outras práticas restritivas pode reduzir de forma substancial a despesa pública e
os custos de investimento privado e público, contribuindo para a redução dos impostos.
Finalmente, uma actuação mais adequada do Estado, de forma a reduzir os factores de
distorção no mercado contribuiu para uma economia mais eficiente.
OBRIGADO pela atenção dispensada.
13
Esta é uma noção genérica que engloba nuns casos desregulamentação, noutros casos regulação mais
eficaz de acesso a infraestruturas básicas, noutros casos pode envolver medidas estruturais para tornar o
sector mais concorrencial.
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