FENÔMENO DAS DROGAS

Propaganda
Fenômeno das drogas
FENÔMENO DAS DROGAS: CRENÇAS E ATITUDES DOS
GRADUANDOS DE ENFERMAGEM
DRUGS: BELIEFS AND ATTITUDES OF NURSING UNDERGRADUATES
FENÓMENO DE LAS DROGAS: CREENCIAS Y ACTITUDES DE LOS
GRADUANDOS DE ENFERMERÍA
Bruna Kelly de Jesus LemosI
Daiana Albino PenaII
Bárbara Rodrigues Carvalho CordeiroIII
Helen Balthazar de LimaIV
Gertrudes Teixeira LopesV
RESUMO: Estudo descritivo cujo objeto é as atitudes e crenças dos estudantes de enfermagem referente às drogas.
Objetivos: identificar as crenças dos estudantes em relação ao fenômeno das drogas; analisar as atitudes manifestadas
pelos graduandos diante do uso/abuso de substâncias psicoativas. Investigou-se 181 alunos de 16 universidades privadas
do Estado do Rio de Janeiro, entre julho e dezembro de 2006. Utilizou-se a escala sobre atitudes e crenças do Project
Nursing Education in Alcool and Drug Education. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário
Pedro Ernesto. Utilizou-se o programa estatístico Epi-Info e Excel para análise dos dados. A maioria dos estudantes
acredita ter conhecimento e formação adequada sobre drogas, entretanto expressou divergências em relação à forma de
abordagem do paciente. Revelam atitude de assumir a responsabilidade de intervir com o usuário, apesar de considerar
o encaminhamento para assistência a melhor forma de intervenção, reforçando o distanciamento entre o saber e o fazer.
Palavras-chave: Enfermagem; formação acadêmica; atitude e crença; droga.
ABSTRACT
ABSTRACT:: Descriptive study aiming at attitudes and beliefs of nursing students toward drugs. Objectives: to identify the
students’ beliefs regarding drugs; to analyze students’ attitudes toward the use/abuse of psychoactive substances. 181
students out of 16 private universities of the State of Rio de Janeiro, Brazil, were investigated between July and December,
2006. The scale on attitudes and beliefs of the Nursing Education in Alcohol and Drug Education Project was used, a
project approved by the Committee of Ethics of Hospital Universitário Pedro Ernesto. Data analysis was made with the EpiInfo and Excel statistics program. Most students believe to have considerable background to deal with cases of drugs.
However, they expressed divergences as for the approach of the patient. They believe they should take on the responsibility
to deal with the user, despite considering forwarding the patient to assistance the best intervention. That ambivalence
widens the gap between knowing about the problem and going about it.
Keywords: Nursing; academic background; attitude and belief; drug.
RESUMEN: Estudio descriptivo cuyo objeto es actitudes y creencias de estudiantes de enfermería referentes a las
drogas. Objetivos: identificar las creencias de los estudiantes en lo referente al fenómeno de las drogas; analizar las
actitudes reveladas por los estudiantes delante del uso/abuso de la sustancias psicoactivas. Se investigó 181 alumnos de
16 universidades privadas del Estado de Río de Janeiro, Brasil, entre julio y diciembre de 2006. Se uso la escala sobre
actitudes y creencias del Project Nursing Education in Alcool and Drug. El proyecto fue aprobado por el Comité de Ética
del Hospital Universitario Pedro Ernesto. Se utilizó el programa estadístico Epi-Info y Excel para analizar los datos. La
mayoría de los estudiantes cree tener conocimiento y formación adecuada sobre drogas, sin embargo había expresado
divergencias en lo referente a la forma de se acercar del paciente. Revelan actitud para tomar para sí mismo la responsabilidad
de intervenir con el usuario, aunque considere encaminar para asistencia la mejor forma de intervención, consolidando
el distanciamiento entre el saber y el hacer.
Palabras Clave: Enfermería; formación académica; actitud y creencia; droga.
INTRODUÇÃO
Droga é toda e qualquer substância natural ou
sintética que introduzida no organismo modifica suas
funções1. O problema do uso e abuso da droga enseja
diferentes e diversas dimensões, o que o caracteriza
Aluna do 6º período de graduação da Faculdade de Enfermagem da UERJ. Bolsista de Iniciação Científica da FAPERJ
Aluna do 8º período de graduação da Faculdade de Enfermagem da UERJ. Bolsista PIBIC do CNPq.
III
Aluna do 6º período de graduação da Faculdade de Enfermagem da UERJ. Bolsista de Iniciação Científica da FAPERJ.
IV
Aluna do 6º período de graduação da Faculdade de Enfermagem da UERJ. Bolsista PIBIC do CNPq.
V
Professora Titular da Faculdade de Enfermagem da UERJ, Departamento de Fundamentos de Enfermagem. Livre Docente e Doutora em Enfermagem.
Pós – Doutorada na Área de Drogas. Pesquisadora do CNPq. Procientista da UERJ. Membro do Grupo de Pesquisa em Álcool e outras Drogas GEPAD - da FENF/UERJ. Membro do Núcleo de Pesquisa em História da Enfermagem Brasileira - NUPHEBRAS - da EEAN/UFRJ. Endereço para
correspondência: Rua Dona Maria, 71, Bl 02 , Ap. 801. Tijuca – RJ. Cep: 20 541-030. E. mail: [email protected]
VI
Este artigo faz parte do Projeto de Pesquisa Conhecimentos, Atitudes e Crenças dos Enfermeiros sobre o Fenômeno das Drogas Adquiridos na Graduação:
estudo desenvolvido no Estado do Rio de Janeiro sob a coordenação da Profª. Dra. Gertrudes Teixeira Lopes e integra o Grupo de Estudos e Pesquisas
em Álcool e outras Drogas (GEPAD).
I
II
p.538 •
R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007 out/dez; 15(4):538-43.
Lemos BKJ, Pena DA, Cordeiro BRC, Lima HB, Lopes GT
como uma questão multicausal, multirelacional e
multifacetada, com forte implicação econômica.
Nesse aspecto, o fenômeno das drogas é considerado tanto como um problema social como de saúde, como revelam alguns estudos2.3. O consumo de
drogas é um problema crescente, principalmente no
extrato jovem da população, que tem se utilizado de
diferentes tipos de substâncias cada vez mais precocemente4.
Segundo dados de 1995, o alcoolismo e o consumo de outras drogas representaram cerca de 20%
das internações por transtornos mentais no Brasil.
Em outro estudo abrangendo as capitais de cinco
Estados, o consumo de drogas entre os meninos de
rua - sem considerar o álcool e o tabaco – atingiu
82% em São Paulo e 90% em Recife. As drogas ilícitas estão associadas ao aumento da violência e da
prostituição, problemas que repercutem de várias
maneiras na saúde da população urbana4.
Assim, entende-se que o conhecimento, ou a
sua falta, sobre o uso e abuso de drogas e a não reflexão sobre suas crenças e valores, no meio acadêmico, podem contribuir para a exacerbação de atitudes como preconceitos e estereótipos em relação aos
usuários de drogas que conseqüentemente podem se
manifestar nos cuidados ao paciente.
Tendo em vista a magnitude do tema em questão, realizou-se um estudo que tem como objeto as
atitudes e crenças do acadêmico de enfermagem sobre o fenômeno das drogas, à exceção do álcool e
fumo, adquiridos em sua formação acadêmica. A
exclusão do álcool e do fumo neste recorte analítico
se prende às características de legalidade dessas drogas, derivando configurações particulares em relação às atitudes e crenças dos profissionais.
Elaborou-se para o presente estudoVI as questões norteadoras: quais as atitudes reveladas pelos
estudantes de enfermagem relacionadas ao fenômeno das drogas, adquiridas na sua formação? Quais as
crenças manifestadas pelo estudante de enfermagem
em relação ao fenômeno das drogas? Instituiu – se
como objetivos: identificar as atitudes manifestadas
pelos estudantes de enfermagem diante do fenômeno das drogas, decorrentes de sua formação profissional e analisar as crenças dos estudantes acerca do
uso/abuso dessas substâncias psicoativas.
Pretende-se com esta pesquisa dar visibilidade à formação profissional de enfermeiros em relação à abordagem do tema drogas na graduação, a
partir das crenças e atitudes no tocante ao conhecimento, sentimento e comportamento manifestados
pelos estudantes sobre a temática.
Este estudo também pretende contribuir com
os diferentes segmentos que integram a formação do
enfermeiro, no sentido de dimensionar os valores,
atitudes e crenças absorvidas pelos estudantes em sua
formação acadêmica relacionadas às drogas; serve
ainda como alerta para as instituições formadoras em
que pesem a reflexão e a discussão de conteúdos que
venham a fortalecer o ensino sobre as substâncias
psicoativas, além de despertar nos estudantes um
olhar mais atentivo sobre o fenômeno das drogas e
uma tomada de posição mais adequada nas intervenções a serem realizadas com os usuários de drogas.
REFERNCIAL TEÓRICO
Silveira5:4 define drogas mais especificamente
como substâncias que produzem alterações ou mudanças “nas sensações, no grau de consciência e no
estado emocional”. Essas alterações podem variar
dependendo da pessoa que a usa, da droga utilizada,
sua quantidade e efeito e as circunstâncias em que é
consumida.
A temática droga carrega consigo um forte peso
de preconceito e repugnância por parte da população. Preconceito esse por crenças milenares, que levam a atitudes às vezes equivocadas devido à
inadequação do conhecimento sobre o problema.
De acordo com a literatura, crença “é qualquer
proposição simples, consciente ou inconsciente,
inferida do que uma pessoa diz ou faz”6:32. O autor considera ainda que “o conteúdo de uma crença pode
descrever o objeto de crença como verdadeira ou falso, correto ou incorreto; avaliá-lo como bom ou
ruim”6:32 ou, de acordo com as circunstâncias, como
sendo desejável ou indesejável. As crenças funcionam como predisposições que induzirão uma atitude
em resposta a um objeto ou situação.
Desse modo, define-se atitude como
uma organização de crenças, relativamente duradoura, em torno de um objeto ou situação que
predispõe que se responda de alguma forma preferencial6:34.
A crença na organização de atitude é formada
por três componentes: cognitivo, afetivo e
comportamental. O componente cognitivo diz respeito ao que a pessoa possui como conhecimento. O
afetivo considera os sentimentos, os quais podem ser
os mais variados. O comportamental refere-se à predisposição de resposta de vários princípios para agir7.
Ao conceber a atitude como uma organização
de crenças e determinar que “todas as atitudes incorporam crenças, mas nem todas as crenças fazem
R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007out/dez; 15(4):538-43.
• p.539
Fenômeno das drogas
parte, necessariamente, das atitudes”6:34, distinguese atitude de crença considerando que esta têm apenas um componente cognitivo e a outra apresenta
tanto o fator cognitivo quanto o afetivo6.
Pesquisando sobre atitudes dos estudantes de
enfermagem em relação ao usuário de drogas, Lopes
e Luis3 declaram quedeclaram que os estudantes não
acreditam no potencial de reabilitação do sujeito.
Tal pensamento pode ser fruto da crença de que uso
de drogas é ruim. Essa atitude por parte do profissional pode gerar desesperança no cliente e desestimular
seu tratamento.
De acordo com Kozier e Erb8, os valores são
crenças e atitudes cultivadas pelas pessoas sobre a
verdade, beleza, idéia, objeto ou comportamento.
Eles orientam as ações, a direção e o significado para
a vida do homem. Assim, as atitudes são formadas
por muitas crenças, constituindo-se de componentes comportamentais, cognitivos e afetivos. O componente afetivo da atitude de uma pessoa é geralmente embasado nos valores por ela apresentados.
Para a superação das barreiras no lidar com os
clientes usuários de drogas ou outro sofrimento psíquico, é preciso inicialmente repensar as crenças e
atitudes dos próprios profissionais de saúde quanto
às possibilidades terapêuticas e o promissor campo
da reabilitação, valorizando a construção de estratégias que promovam a expressão e a vivência dos direitos do cliente e assegurem uma atenção em saúde
mental que seja ética, resolutiva e qualificada9.
METODOLOGIA
Estudo de natureza descritiva quantitativa, foi
desnvolvido em 16 instituições de ensino superior
de enfermagem, privadas, do Estado do Rio de Janeiro. O critério de inclusão das escolas foi ter alunos matriculados no último período acadêmico por
ocasião da pesquisa. As escolas investigadas localizam-se nas regiões do Grande Rio, Serrana, Norte e
Sul Fluminense. O estudo se prende às instituições
privadas por já ter sido realizada anteriormente pesquisa com as instituições públicas.
A amostra foi composta de 181 alunos que estavam cursando o último período da graduação e
que aceitaram participar voluntariamente da pesquisa.
O critério de inclusão dos estudantes atendeu
às seguintes características: ser aluno regularmente
matriculado na instituição de ensino; ter cursado a
Escola/Faculdade desde o início da graduação; ser
aluno do último período acadêmico; desejar participar voluntariamente da pesquisa.
p.540 •
R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007 out/dez; 15(4):538-43.
A coleta dos dados ocorreu entre os meses de
junho a dezembro de 2006. As informações foram
obtidas pela pesquisadora e por alunos bolsistas do
Programa de Iniciação Científica e alunos voluntários integrantes do projeto, mediante a aplicação da
Nursing Education in Alcool and Drug Education (Escala de Atitudes e Crenças NEADA), o qual faz parte de um programa de treinamento em álcool e drogas para enfermeiros, estudantes e docentes de enfermagem de Connecticut, EUA, e utiliza três categorias de análise (concordo, indiferente e discordo).
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética do
Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (HUPE/UERJ).
Os estudantes que aceitaram participar da pesquisa
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foi também elaborado um termo de autorização para entrada no campo de pesquisa.
Para obtenção dos dados junto aos estudantes
nas diferentes instituições de ensino, entrou-se em
contato, inicialmente por telefone ou e-mail, com
os dirigentes das escolas para agendamento de encontros para apresentação do projeto. Nessa oportunidade, procedeu-se a assinatura do termo de aprovação para entrada no campo, assim como foram
feitos contato com os professores referência indicados para acompanhar a execução da coleta dos dados, de acordo com as diretrizes de cada instituição.
Junto a esses professores, foram agendadas datas e locais para a aplicação do questionário, ocasião
em que foi apresentado aos alunos o projeto com as
informações necessárias solicitando-se a colaboração, bem como a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido àqueles que concordaram
em participar do estudo.
Para realizar a análise dos dados, foram cumpridas as seguintes etapas: realização de um banco de
dados no programa estatístico Epi-Info e utilização
do programa Excel; e seguiu-se a discussão dos resultados com suporte da literatura pertinente1-16.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Este estudo evidenciou em relação à formação
acadêmica sobre o fenômeno das drogas que os estudantes consideraram seu conhecimento adequado
para lidar com um assunto multifacetado, multicausal
e complexo.
Quanto às atitudes e crenças manifestadas pelos estudantes de graduação em enfermagem do último período, os resultados demonstraram uma certa
incoerência entre as questões discutidas.
Lemos BKJ, Pena DA, Cordeiro BRC, Lima HB, Lopes GT
Os dados evidenciados sobre a adequação da
educação básica dos estudantes de enfermagem em
relação ao uso/abuso de drogas destacam que a maioria ¾ 164 (90,5%) ¾ dos acadêmicos declara que
recebeu conteúdos e conhecimentos adequados sobre drogas; 12 (6,7%) optaram pela alternativa indiferente e 5 (2,8%) discordaram.
Diante desses resultados, os estudantes de enfermagem se consideram suficientemente preparados
para lidar com o abuso de drogas no cotidiano da
vida profissional, sendo esse preparo decorrente de
sua formação acadêmica. Apesar de tal afirmativa, o
que se tem observado e até mesmo comprovado por
estudo realizado com estudantes de enfermagem é
que os conteúdos ainda não são sistematizados mediante disciplinas na grade curricular e que muitas
vezes se restringem a uma unidade de ensino, como
por exemplo a disciplina de saúde mental3.
Esse quadro se agravou profundamente com a
reforma curricular, na medida em que foi reduzida
sensivelmente a carga horária destinada à disciplina
de saúde mental, chegando em algumas instituições
de ensino brasileira a ser eliminada10.
Estudos sobre o ensino dos acadêmicos de enfermagem acerca do fenômeno das drogas, realizados na Colômbia, apontam que os graduandos possuem preparo teórico sobre o tema em questão e atitudes positivas no trato com o mesmo, porém apresentam dificuldades para lidar com essa problemática11. Estudo similar realizado no Estado do Rio de
Janeiro evidenciou a existência de fragilidades nos
conhecimentos teóricos específicos (drogas) obtidos
pelos estudantes, bem como a manutenção de atitudes e crenças não tão positivas em relação ao usuário, o que pode vir a interferir na forma de prestação
de cuidados de enfermagem à clientela usuária de
substâncias psicoativas3.
A análise das crenças dos estudantes diante das
questões relativas à forma de abordagem dos sujeitos
usuários de drogas mostra que existe uma certa incoerência em suas respostas, quando perguntados sobre o
diálogo a ser estabelecido com os usuários. Segundo os
resultados conseguidos, os estudantes sabem que perguntas fazer, entretanto, eles se dividem nas opiniões
sobre a dificuldade de realizar esta abordagem, o que
de certa forma pode ser entendido como conhecimento
insuficiente para tratar desse assunto.
A análise dos resultados revela que a maior
parcela dos estudantes – 128 (70,7%) – afirma saber que perguntas fazer para identificar se o paciente é usuário de drogas; 10 (5,5%) declararam ser indiferentes e 43 (23,8%) discordaram da afirmativa,
ou seja, não sabem o que perguntar ao paciente em
relação ao seu uso de substâncias.
Os resultados obtidos demonstram que a predominância de respostas foi dos estudantes que não
encontram dificuldades para lidar com paciente usuário de droga. Entretanto, merece destacar que aproximadamente 30% dos entrevistados não se reconheceram aptos a estabelecer o diálogo com esses
pacientes.
Tal resultado contrapõe-se ao que foi evidenciado em um estudo realizado sobre a formação do
enfermeiro e o fenômeno das drogas no Sul do Brasil, o qual além de confirmar uma desarticulação entre
a teoria e prática, revelou que os conteúdos são
centrados nos modelos médico e moral, o que acaba
por dificultar a comunicação interpessoal dos estudantes com os pacientes12.
Quando questionados sobre as dificuldades em
falar com o paciente sobre seu uso de drogas, os resultados se aproximam entre aqueles que negam essas dificuldades – 86 (47,5%) – e aqueles que, ao
contrário, concordam que a tarefa é difícil – 84
(46,4%). Ainda, 11(6,1%) assumiram a posição indiferente, demonstrando não ter opinião formada
sobre o assunto.
Tais resultados podem ser explicados pelas diferentes procedências de instituições de ensino dos
sujeitos investigados, na medida em que alguns cursos podem valorizar mais o conteúdo fenômeno de
drogas e, portanto, oferecer mais oportunidade de
aprendizado aos alunos, enquanto outros podem
propiciar esse conhecimento apenas em dada disciplina, cerceando seu aprofundamento, uma vez que
ele abrange dimensões múltiplas e outros podem até
nem oferecer esse conteúdo13.
Os resultados apurados acabam por reafirmar
achados de outro estudo realizado, no qual se levanta o questionamento a respeito da formação que esses alunos estão recebendo sobre o tema drogas. Essa
formação, por vezes, não fornece elementos suficientes que garantam a segurança e menor dificuldade no estabelecimento de uma relação terapêutica
com os pacientes3.
A discussão sobre as atitudes manifestadas pelos estudantes, em relação às intervenções a serem
feitas no encaminhamento do usuário para assistência, reafirma que eles não se encontram devidamente preparados para atender esta clientela, contradizendo a sua formação adequada para lidar com o usuário de drogas. Em outra perspectiva, os estudantes
se consideram responsáveis por essa intervenção,
entretanto identificam no encaminhamento a um
R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007out/dez; 15(4):538-43.
• p.541
Fenômeno das drogas
programa assistencial a melhor solução para atender as demandas de cuidado desses usuários.
Os resultados sobre a melhor forma de intervenção do enfermeiro com o paciente dependente
de drogas revelaram que o encaminhamento para
um programa de tratamento é a melhor opção para
o enfrentamento da questão, segundo a maioria, 135
(74,6%), dos acadêmicos de enfermagem; 20 (11%)
se declararam indiferentes à questão e 26 (14,4%)
discordaram da afirmativa feita, ou seja, o encaminhamento segundo eles não é a melhor maneira de
tratar do assunto.
Estudos demonstraram que existem duas formas distintas de ações do enfermeiro diante do paciente dependente/usuário de droga. Uma é a realizada por enfermeiros capacitados, que trabalham em
instituições que assistem usuários de drogas, nas quais
o enfermeiro se envolve intensamente no cuidado a
essa clientela, realizando consultas de enfermagem,
grupos operativos e terapêuticos, ações de reabilitação, etc. E a outra, é aquele enfermeiro que se depara com o dependente/usuário de drogas no seu serviço e, por falta de capacitação ou de interesse, acaba
fazendo uma abordagem equivocada, muitas das vezes carregada de preconceitos, não dando a devida
atenção que esses casos requerem14.
Diante dessa perspectiva, o que está em jogo
no atendimento do usuário de drogas é a capacitação
ou a qualificação do enfermeiro para propor terapêutica e assistência adequadas. Com isso, nota-se a
que intervenção deve ser realizada pelo enfermeiro,
o que o impede de fazê-lo, ou achar que não lhe
compete, é a falta de conhecimento fruto de um a
formação frágil, e/ou a falta de interesse por parte
dos estudantes em querer lidar com esse público, sendo mais fácil e agradável passar adiante o problema.
O enfermeiro é um profissional que, ao longo
de sua trajetória histórica, se caracterizou por estar
em contato direto com aqueles que se encontram
sob os seus cuidados, tendo por isso construído uma
larga experiência no campo dos relacionamentos
inter-pessoais, desenvolvendo ações de promoção da
saúde, de prevenção, educação, curativas, de reabilitação e reinserção social, tanto nas instituições de
saúde como na própria comunidade15.
Assim, o papel do enfermeiro em seu campo de
atuação demarca sua posição quando ele participa de
todo o processo de resolução de problemas de enfermagem, cunhando seus deveres como profissionais.
Analisando-se a responsabilidade do enfermeiro
ao intervir quando o paciente é usuário de drogas, a
maioria dos estudantes de enfermagem 123 (68,0%)
p.542 •
R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007 out/dez; 15(4):538-43.
concorda que o enfermeiro deve intervir mesmo que a
problemática da droga não seja a principal razão do tratamento; 28 (15,5%) optaram pela categoria indiferente como resposta e 30 (16,5%) discordaram.
Os estudantes de enfermagem, em sua maioria,
tomam para si a responsabilidade de intervir nos casos de uso/abuso de drogas, o que de certa forma é
coerente com a resposta deles em relação à sua adequada formação profissional. O fato de os estudantes reconhecerem ser de responsabilidade do enfermeiro cuidar dos indivíduos com história de uso/abuso de substâncias psicoativas abre uma perspectiva
positiva e otimista em relação a essa clientela.
No entanto, o que se tem observado em estudos
anteriores é o despreparo desse profissional para dar
conta da demanda de problemas oriundos e conseqüentes do uso/abuso de substâncias psicoativas.
Pode-se inferir diante dos resultados que os estudantes, conquanto queiram demonstrar que possuem conhecimentos consolidados a respeito da questão, manifestam crenças e atitudes discordantes a
respeito da atenção a ser dada ao usuário de drogas.
Tal comportamento parece mesmo ser decorrente do
conhecimento ainda frágil e desarticulado entre suas
idéias e o mundo real das drogas.
Portanto, o que se espera é que esses futuros
enfermeiros vislumbrem a necessidade de uma mudança de paradigma que, rejeitando as explicações
reducionistas, permita a articulação de diferentes
saberes, condição para uma aproximação realista ao
fenômeno das drogas, e possibilite ao enfermeiro a
prestação de cuidados a essa clientela com
resolutividade, ética e qualidade9,16.
CONCLUSÃO
O estudo com acadêmicos de enfermagem do
Estado do Rio de Janeiro apontou aspectos interessantes, por vezes confusos e contraditórios.
Em que pese a sua formação acadêmica sobre
drogas, a maioria dos estudantes acredita ser ela adequada, ao tempo em que se considera apta para dialogar com o paciente e identificar sua condição de
usuário dessas substâncias.
Entretanto, quando questionados sobre a dificuldade de se relacionar com esses pacientes, os resultados se equivalem entre aqueles que afirmam ou
negam essa dificuldade. Esse achado expressa certa
controvérsia em relação à sua formação adequada e
também quanto à afirmação de que sabem o que
perguntar ao paciente. Parece ficar claro que os estudantes possuem algum embasamento conceitual e
Lemos BKJ, Pena DA, Cordeiro BRC, Lima HB, Lopes GT
que acreditam no seu potencial para cuidar dos usuários de drogas, porém não se sentem seguros para o
enfrentamento, ou seja, para fazer uma abordagem
direta com essa clientela.
Outro ponto que merece destaque se relaciona
com a afirmativa de que é responsabilidade dos enfermeiros intervir quando o paciente faz uso de substâncias psicoativas. No entanto, quando questionados sobre a melhor maneira de intervenção, os estudantes se eximem dessa responsabilidade e buscam
no encaminhamento a um programa de tratamento
a melhor forma de atendimento aos dependentes.
Mais uma vez se configura o distanciamento entre o
saber e o fazer revelado pelas crenças e atitudes manifestadas pelos estudantes investigados.
REFERÊNCIAS
1. Aquino MTC. Prevenção do abuso de drogas: trabalhando com dinâmicas. Rio de Janeiro: NEPADUERJ; 1998.
2. Braga VAB, Bastos AB. Formação do acadêmico de
enfermagem e seu contato com as drogas psicoativas.
Rev Texto e Contexto Enfermagem. 2004;13:242-8.
3. Lopes GT, Luis MAV. A formação do enfermeiro e o
fenômeno das drogas no Estado do Rio de Janeiro –
Brasil: atitudes e crenças. Rev Latino-am Enfermagem. 2005; 13(Ed. Esp): 765-6.
4. Organização Pan-Americana da Saúde. Saúde no
Brasil. [site de Internet] [citado em 10 jan. 2007].
Disponível em: http://www.opas.org.br.
5. Silveira DX. Um guia para a família. Brasília (DF):
Presidência da República, Secretaria Nacional
Antidrogas; 2000.
6. Rokeach M. Crenças, atitudes e valores. Tradução
de Ângela Maria Magnan Barbosa. Rio de Janeiro:
Interciência; 1981.
7. Lakatos EM. Marconi, MA. Sociologia geral. 4a ed.
rev. e amp. São Paulo: Atlas;1982.
8. Kozier B, Erb G. Fundamentals of nursing: concepts
and procedures. 3rd. Menlo Park: Addison-Wesley; 1987.
9. Prandoni RFS, Padilha MICS, Spricigo JS. A reforma psiquiátrica possível e situada. R Enferm UERJ.
2006; 14:357-65.
10. Siqueira MM de. Painel de reflexões sobre drogas.
Rev Enfermagem Atual. 2006; 6 (31):8-12.
11. Ramos LH, Pillon SC, Cavalcanti MB, Luis MAV,
Padredi F, Laranjeira RR. O ensino sobre dependência
química em cursos de graduação de enfermagem no
Brasil, 1998. Rev Acta Paul Enf. 2001; 14 (3): 35-43.
12. Mendoza EV, Pillon SC. A formação dos enfermeiros e o fenômeno das drogas na Colômbia: conhecimentos atitudes e crenças. Rev Latino- am Enfermagem. 2005;13 (Ed. Esp.): 845-53.
13. Carraro TE, Rassool GH, Luis MAV. A formação
do enfermeiro e o fenômeno das drogas no sul do Brasil: atitudes e crenças dos estudantes de enfermagem
sobre o cuidado. Rev Latino-am Enfermagem. 2005;
13 (Ed. Esp): 863-71.
14. Munari DB, Oliveira NF, Fernandes CNS. O modelo de educação de laboratório na formação do enfermeiro: avaliação do graduando de enfermagem. R
Enferm UERJ. 2006; 14: 385-90.
15. Rosa AJS. Painel de reflexões sobre drogas. Rev
Enfermagem Atual. 2006; 6(31): 8-12.
16. Spricigo JS, Carraro TE, Cartana MHF, Reibnitz
KS. Atenção ao usuário de drogas - um espaço para o
enfermeiro. Rev Texto e Contexto Enfermagem. 2004;
13:296-302.
Recebido em: 10.08.2007
Aprovado em: 19.12.2007
R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007out/dez; 15(4):538-43.
• p.543
Download