Hernias - Parede Abdominal

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2. HÉRNIAS DA PAREDE ABDOMINAL
Luís Massaro Watanabe
Prof. Adjunto da Área de Clínica Cirúrgica da Faculdade de Medicina da Universidade de
Brasília. Prof Doutor da Escola Superior de Ciências da Saúde da Fundação de Ensino e
Pesquisa em Ciências da Saúde.
E- mail: [email protected]
Endereço: SQN 316 Bloco A Apartamento 102 – Bairro Asa Norte – Brasília-DF
CEP: 70775-010
Residência: (61) 3274.3696 – Celular: (61) 9983.7136 – Consultório: (61) 3242.5252.
Paulo Mendelssonh Ferreira Otero
Prof. Adjunto da Área de Clínica Cirúrgica da Faculdade de Medicina da Universidade de
Brasília
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Hérnia da parede abdominal é definida como protrusão anormal de órgão ou víscera
intra-abdominal recoberta por peritônio através de um orifício natural ou anômalo.
A
protrusão é resultante da pressão intra-abdominal ser maior que a externa e que, ao
contrapor-se a parede abdominal, resulta em aumento da sua área de fraqueza. O princípio
de Pascal ajuda na compreensão do processo de formação da hérnia: O aumento na pressão
intra-abdominal gera uma tensão que é transmitida, às paredes do abdome. Com base na lei
de Laplace (T = PR/2w, onde T é a tensão sobre a parede, P é pressão do compartimento, R
é o raio do compartimento e w é a espessura da parede), a tensão exercida sobre a parede
do abdome é diretamente proporcional ao raio do compartimento. A tensão será maior com
o aumento do raio e a redução da espessura da parede. Assim, a aplicação da lei de Laplace
pode ter relevânc ia no entendimento da evolução da hérnia. A progressão é relacionada
com aumento da tensão sobre a cavidade herniária, em função do aumento do raio e da
redução da espessura da parede, com o surgimento do defeito. Por conseguinte, após o
aparecimento do defeito da parede abdominal, a hérnia teria a tendência de progredir pelo
aumento da tensão no interior saco herniário .
A maioria das hérnias da parede abdominal está localizada na região inguinal. As
hérnias ventrais, causadas por fraquezas da parede abdominal anterior, são classificadas
como primárias (hérnia umbilical, hérnia epigástrica, hérnia de Spieghel) e secundárias
(hérnia incisional). As hérnias lombares são as causadas por defeitos na parede abdominal
póstero- lateral. O foco deste fascículo está direcionado para hérnias da parede abdominal,
com exceção das hérnias inguinais, flemorais e incisionais, que são delineadas em outros
fascículos.
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HÉRNIA LOMBAR
Introdução
As hérnias lombares são protrusões relativamente raras, que surgem através de
defeitos na parede abdominal póstero- lateral.
História
A hérnia lombar foi evidenciada pela primeira vez em 1672 por Barbette, mas a
primeira publicação foi feita em 1731 por DeGarangeot. Em 1750, Ravaton realizou o
primeiro reparo cirúrgico de uma hérnia lo mbar estrangulada em uma mulher grávida. O
trígono lombar inferior foi descrito por Jean Louis Petit em seu livro Traité des Maladies
Chirurgicales, que foi publicado em 1774, vinte e quatro anos após a sua morte. Petit
delineou os limites anatômicos do defeito, que recebeu a denominação de trígono lombar
inferior ou trígono de Petit. Grynfeltt (1866) foi o primeiro a descreve r uma hérnia através
do trígono lombar superior, que se firmou como trígono de Grynfeltt. Como Lesshaft, em
1870, também relatou uma hérnia no trígono lombar superior, esse espaço triangular tem
sido também denominado, por alguns autores, de trígono de Lesshaft.
Aspectos morfológicos e fisiológicos
A região lombar é definida superiormente pela 12ª costela, medialmente pelo
músculo eretor da espinha, inferiormente pela crista ilíaca e lateralmente pelo músculo
oblíquo externo. Os defeitos das hérnias lombares, congênitos ou adquiridos, têm como
base a aponeurose do músculo transverso do abdome e, com a expansão da hérnia,
subseqüente envolvimento das camadas mais superficiais.
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As hérnias lombares ocorrem através do trígono lombar inferior de Petit e através do
trígono lombar superior de Grynfeltt. No trígono de Petit, o limite inferior ou base do
espaço triangular é a crista ilíaca, o limite lateral é a margem posterior do músculo oblíquo
externo, o limite medial é a margem anterior do músculo latíssimo do dorso (grande
dorsal) e o assoalho é formado pelas aponeuroses dos músculos oblíquo interno e
transverso do abdome. O trígono de Grynfeltt distingue-se por ter uma localização superior
e medial e por ser um espaço triangular mais largo, em comparação ao trígono de Petit. A
maior regularidade do trígono de Grynfeltt em relação ao de Petit, relatada pela maioria
dos autores, não foi observada em estudos recentes. Os trígonos de Petit e Grynfeltt foram
identificados em cerca de 82% e não observados em aproximadamente 18% dos espécimes
analisados .
O trígono de Grynfeltt é um espaço triangular invertido (vértice dirigido
inferiormente), com o limite superior ou base do espaço triangular formada pela 12ª costela
e a margem inferior do músculo serrátil póstero- inferior; o limite medial definido pela
margem lateral do músculo eretor da espinha ; o limite lateral demarcado pela margem
posterior do músculo oblíquo interno; e o assoalho constituído pela fáscia transversal e
aponeurose do músculo transverso do abdome. O trígono de Grynfeltt está coberto pelos
músculos oblíquo externo e grande dorsal. O pedículo neurovascular formado pelo 12º
nervo intercostal e pelos vasos intercostais penetra o assoalho do trígono superior.
Com base na localização anatômica, as hérnias lombares têm sido classificadas em
superior, inferior e difusa. As hérnias lombares difusas, geralmente decorrentes de
processos cirúrgicos, traumáticos ou infecciosos, têm localização variada dentro da região
lombar, visto que não se restringem aos trígonos inferior e superior, com inclusive
extensão para fora dos limites dessa região.
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Etiofisiopatologia
As hérnias lombares podem ser de origem congênita ou adquirida. A hérnia
congênita surge na infância, em decorrência de defeitos no sistema musculoesquelético da
região lombar e está associada com outras más- formações. As hérnias adquiridas podem
ser primárias, caracterizadas pelo aparecimento espontâneo, ou secundárias, resultantes de
intervenções cirúrgicas prévias, infecção ou trauma. Enquanto as hérnias primárias são
raras, a maioria das hérnias lombares é secundária. Os fatores predisponentes da hérnia
lombar adquirida primária incluem a idade, obesidade, magreza extrema, emagrecimento
intenso, doenças crônicas debilitantes, atrofia muscular, bronquite crônica. No
emagrecimento acentuado, a perda do tecido adiposo parece favorecer o rompimento do
assoalho do trígono lombar superior no local de penetração do pedículo neurovascular. As
hérnias primárias estão usualmente associadas ao esforço físico vigoroso, especialmente
em pacientes com idade avançada ou com perda substancial de peso. As hérnias primárias
são encontradas mais freqüentemente no lado esquerdo do abdome.
As hérnias lombares adquiridas secundárias estão associadas com processos que
modificam a integridade da parede abdominal, tais como a contusão abdominal,
esmagamento, fraturas da crista ilíaca, incisões cirúrgicas, infecções ósseas (pelve e
costelas), abscesso hepático, hematomas retroperitoneais infectados. A hérnia traumática
lombar deve ser considerada em qualquer paciente com trauma abdominal grave,
especialmente com hematoma de flanco ou fratura pélvica. No entanto, a maioria das
hérnias foi observada em vítimas de colisão de veículos e contidas pelo cinto de segurança.
A localização da hérnia não corresponde necessariamente ao local do trauma, mas
predileção para locais de fraqueza anatômica da região lombar. O mecanis mo da lesão é
relacionado ao aumento agudo da pressão intra-abdominal atribuída à desaceleração
brusca, transmitida pelo cinto de segurança em função do impacto. O trígono lombar
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inferior é referido como o local mais freqüente de hérnias lombares traumáticas. Portanto,
a hérnia lombar de origem traumática não segue o consenso de que o local mais comum da
hérnia lombar seja o trígono lombar superior.
As hérnias lombares incisionais estão associadas com as incisões lombares para
nefrectomia, adrenalectomia, reparo de aneurisma de aorta abdominal, ressecções de
tumores de parede abdominal, cirurgias plásticas com rotação do músculo latíssimo do
dorso. A prevalência de hérnia lombar após lombotomia é de cerca de 10 a 30% [30]. A
divisão ou lesão intra-operatória do nervo subcostal, com a atrofia da musculatura da
parede abdominal pela desnervação e o enfraquecimento subseqüente do músculo e da
aponeurose, tem sido relacionada como fator predisponente da hérnia lombar incisional.
A relação percentual entre as hérnias lombares congênitas e as hérnias lombares
adquiridas não tem modificado com o tempo, com valores aproximados de 20% e 80%,
respectivamente. Quanto ao agente etiológico das hérnias lombares adquiridas, igualmente
não foi observada mudança no percentual de hérnias primárias (50 a 55%), porém houve
aumento considerável nas hérnias incisionais (10% para 31%) e redução das hérnias de
origem infecciosa (17% para 2%).
Quanto ao conteúdo das hérnias lombares, observa-se à extrusão de gordura préperitoneal ou vísceras intra-abdominais (omento, intestino grosso, intestino delgado, rim,
baço, estômago) através do defeito na parede abdominal.
Propedêutica pré -operatória
O diagnóstico clínico das hérnias lombares é considerado difícil, sobretudo em
pacientes obesos e nos assintomáticos. A apresentação clínica mais comum da hérnia
lombar é a presença de abaulamento na parede abdominal póstero- lateral que se torna mais
evidente com a tosse e o esforço físico. A região abaulada usualmente é redutível e
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desaparece com o decúbito. As queixas referidas pelo paciente incluem o desconforto
abdominal, fadiga e dor na região dorsal. Ocasionalmente, as hérnias lombares são
assintomáticas. Ao exame físico, a palpação do abdome não é considerada um meio
apropriado de diagnóstico de hérnia lombar, porque não permite a diferenciação entre a
hérnia verdadeira e o adelgaçamento da parede abdominal por atrofia muscular.
Embora menos comum, a hérnia lombar pode estar associada com um quadro clínico
de obstrução intestinal, caracterizada por náuseas, vômitos, distensão abdominal e
palpação de um abaulamento não redutível na parede abdominal póstero- lateral. Quando se
palpa um tumor não redutível, torna-se fundamental estabelecer o diagnóstico diferencial
com outros processos patológicos comuns, tais como lipomas, fibromas, hematomas e
abscessos, tumores renais e hérnias musculares.
Diversos autores têm destacado o benefício da tomografia computadorizada (TC) no
diagnóstico da hérnia lombar, com fornecimento de informações adicionais para o processo
de decisão terapêutica. A indicação da TC baseia-se principalmente na dificuldade de
avaliar o defeito da parede abdominal pela palpação do abdome. A TC propicia uma
avaliação clara do tamanho do defeito da parede abdominal e das relações anatômicas, a
definição das diferentes camadas musculares, a identificação do conteúdo da hérnia e a
exclusão de outros processos patológicos. A TC é também a modalidade de escolha para a
diferenciação diagnóstica entre a hérnia lombar real e o adelgaçamento da parede
abdominal póstero- lateral por atrofia muscular, cujo comportamento pode ser semelhante à
de uma hérnia. A parede abdominal delgada pode propiciar abaulamento ao esforço, com
redutibilidade à palpação, que não pode ser diferenciada pelo exame clínico de uma hérnia
verdadeira. Com base nos casos relatados na literatura de cirurgias desnecessárias em
pacientes com atrofia muscular sem defeito aponeurótico, a TC poderia evitar, nesses
casos, a intervenção operatória. Por conseguinte, a TC tem sido recomendada como
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procedimento de rotina na avaliação pré-operatória de pacientes com hérnia lombar. A TC
é importante na avaliação completa do defeito da parede abdominal, com definição da
localização, do tamanho e do conteúdo da hérnia, para facilitar a elaboração de um plano
cirúrgico e promover a escolha da técnica mais apropriada.
Condutas operatórias: indicações, técnicas e táticas
Com base na evolução natural da hérnia lombar, caracterizada pelo crescimento
persistente e aumento progressivo dos sintomas, a maioria dos cirurgiões indica o reparo
cirúrgico da hérnia, exceto em pacientes de alto risco. Como a intervenção operatória
torna-se mais complexa em casos avançados, a cirurgia deve ser indicada logo após o
diagnóstico, para evitar a progressão da hérnia.
Diversas intervenções operatórias são descritas para o reparo do defeito da parede
abdominal nas hérnias lombares. Os procedimentos relatados incluem o fechamento
primário ; a rotação de retalho musculofascial, tais como a fáscia glútea ou a fáscia lombar;
e o uso de material protético. O fechamento primário do defeito da parede abdominal é
considerado freqüentemente inadequado no tratamento das hérnias lombares. A rotação de
retalhos musculofascial, além de requerer dissecção extensa, tem o potencial de criar
tecidos isque miados. Em função da inerente fragilidade dos tecidos circunjacentes ao
defeito e o uso difundido de malha na prática cirúrgica, a malha sintética como elemento
de reforço da parede abdominal tem sido a conduta mais usual.
Diversos tipos de próteses têm sido usados no reparo das hérnias da parede
abdominal. As três opções básicas de materiais protéticos usados são as malhas de
polipropileno (Prolene ®, Marlex® ), poliéster (Mersilene ®) e o politetrafluoretileno
expansivo (GoreTex®, DualMesh®, MotifMESH®). A malha de polipropileno é uma das
mais usadas no reparo de hérnias da parede abdominal, com taxas de complicação
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relativamente baixas. No entanto, como o polipropileno e o poliéster causam resposta
inflamatória quando colocado diretamente sobre as vísceras, recomenda-se que essas
malhas não sejam colocadas em situação intraperitoneal, para minimizar a formação de
aderências e o risco de erosão intestinal, com subseqüente formação de fístula digestiva. O
politetrafluoretileno expansivo (ePTFE) é indicado para uso intraperitoneal, por reduzir a
formação de aderência s às vísceras subjacentes. Todavia, ainda não se conhece a
repercussão clínica das aderências associadas ao ePTFE. As malhas de polipropileno e
poliéster, em decorrência dos processos adversos, têm sido cobertas por membranas ou
películas protetoras, para minimizar a formação de aderências e fístulas. Essas malhas,
denominadas compostas ou de dupla camada (TiMesh®, Parietex Composite®, Parietene
Composite® ), foram manufaturadas também para uso intraperitoneal.
Embora não haja consenso sobre a melhor abordagem no reparo das hérnias
lombares, as duas mais usadas incluem a abordagem aberta com incisão lombar e a
abordagem laparoscópica (transabdominal ou extraperitoneal total). A dificuldade para
estabelecer um procedimento como o mais favorável tem sido relacionado com a raridade
relativa das hérnias lombares, os limites pouco precisos do defeito aponeurótico, a fraqueza
dos tecidos circunvizinhos e a experiência clínica limitada de cirurgiões no tratamento
dessas hérnias.
A abordagem cirúrgica aberta é a opção mais comum, com particular indicação para
pacientes com grandes defeitos ou com recidivas decorrentes de reparo por via
laparoscópica. Uma desvantagem da via de acesso aberta é a necessidade de dissecção
extensa dos planos parietais em torno do defeito, mas tem como vantagem o controle do
grau de tensão da malha na reconstrução parietal, com maior potencial para um apropriado
resultado funcional e estético. No entanto, o reparo das hérnias da parede abdominal
posterior é considerada difícil, em decorrência da ausência de uma definição clara dos
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planos musculofasciais, da presença de um limite ósseo e da fraqueza dos tecidos
adjacentes.
A abordagem laparoscópica tem sido considerada uma opção segura e efetiva,
especialmente para o tratamento de pacientes com orifícios herniários pequenos ou
moderados. No entanto, resultados bem-sucedidos foram também observados no
tratamento laparoscópico de grandes hérnias lombares incisionais. Em comparação com a
via de acesso aberta, o reparo por via laparoscópica tem se revelado menos invasivo e
igualmente eficaz, além da vantagem da redução da dor pós-operatória, da permanência
hospitalar, da necessidade de analgésico e das complicações de ferida. Como em outras
hérnias da parede abdominal, a visão interna do abdome permite definir com mais clareza
o local, o tipo, o tamanho e as bordas do defeito da hérnia lombar. Além disso, a
abordagem laparoscópica proporciona uma excelente visão da área lombar e menor risco
de lesões de estruturas adjacentes durante o reparo.
Na abordagem laparoscópica, o paciente é posicionado em decúbito lateral, com a
mesa cirúrgica em flexão, para expandir o espaço entre o gradil costal e a crista ilíaca.
Além de ampliar a área operatória, esta posição possibilita que a malha seja colocada e
fixada sem prejudicar posteriormente a mobilidade lateral do tronco. A malha é
selecionada com base na avaliação do tamanho do defeito e deve ter a dimensão suficiente
para permitir a cobertura completa do defeito, além de uma margem adicional de pelo
menos 5 a 6 cm, em torno de todo o perímetro, para que propicie a sobreposição da borda
do defeito. Os pontos de fixação da malha variam de acordo com a localização da hérnia.
Superiormente, a malha é fixada na 12ª costela ; inferiormente, na crista ilíaca;
medialmente, na aponeurose do músculo eretor da espinha; e lateralmente, na aponeurose
do oblíquo externo. Para a sutura da malha na crista ilíaca, furos são feitos na borda óssea,
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utilizando-se de um instrumento de perfuração. Recomenda-se que os furos sejam
colocados a 1 cm da borda para evitar a lesão de nervos presentes nessa área.
Acompanhamento pós-operatório
As complicações pós-operatórias do reparo das hérnias lombares incluem seromas,
hematomas, infecção da ferida operatória e dor. Por conseguinte, as orientações para o
paciente incluem a observação de sinais indicativos de hematoma e de infecção de ferida; o
uso de analgésicos para o controle da dor; e instruções sobre o retorno ao trabalho e às
atividades físicas habituais.
HÉRNIA DE SPIEGHEL
Introdução
As hérnias de Spieghel são protrusões que se desenvolvem através de defeitos na
aponeurose de Spieghel, delineada como uma região côncava limitada pela linha semilunar
de Douglas e pela borda lateral do músculo reto abdominal (linha semicircular). As hérnias
de Spieghel são relativamente raras (0,1 a 2% de todas as hérnias da parede abdominal) e
podem ocorrer em qualquer grupo etário. No entanto, a maioria das hérnias de Spieghel
ocorre em pacientes com idade entre 40 e 70 anos, com uma média de idade de cerca de 60
anos [32]. A hérnia de Spieghel parece ter uma predisposição maior em mulheres e pode
ser bilateral.
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Histórico
Em 1645, Adriaan van der Spieghel, anatomista belga, foi o primeiro a descrever as
estruturas anatômicas da linha semilunar e a sua relação com a borda lateral do músculo
reto abdominal. A protrusão através de um defeito na aponeurose de Spieghel foi
reconhecida pela primeira vez por Klinkosch, em 1764.
Aspectos morfológicos e fisiológicos
O defeito herniário ocorre através de uma faixa aponeurótica, delimitada lateralmente
pela linha semilunar de Douglas e medialmente pela linha semicircular da borda lateral do
músculo reto abdominal, denominada de “aponeurose de Spieghel”. A linha semilunar se
estende desde a extremidade da 9ª cartilagem costal até o tubérculo púbico. Do ponto de
vista anatômico, as hérnias de Spieghel estão localizadas acima do ponto onde os vasos
epigástricos inferiores cruzam a linha semilunar. A hérnia que se localiza abaixo dos vasos
epigástricos inferiores é denominada de hérnia inguinal direta, visto que a protrusão ocorre
através do triângulo de Hesselbach. No entanto, alguns autores descrevem a hérnia de
Spieghel baixa, localizada abaixo dos vasos epigástricos inferiores, que necessita ser
diferenciada da hérnia inguinal direta. O local mais comum da hérnia de Spieghel é a
região da linha semilunar delimitada pelos vasos epigástricos inferiores e a linha arqueada
ou semicircular, o que corresponde a região de 6 cm acima da linha que passa entre as
espinhas ilíacas ântero-superior (Figura 1). A linha semilunar de Douglas é o ponto que
define a mudança na composição diferenciada da lâmina posterior da bainha do músculo
reto abdominal. Acima da linha semilunar, a lâmina posterior é formada pelas aponeuroses
dos músculos oblíquo interno e transverso do abdome. Abaixo dessa linha, as aponeuroses
dos músculos oblíquo interno e transverso do abdome tornam-se parte da lâmina anterior
da bainha do reto abdominal, o que deixa apenas a fáscia transversal para cobrir a face
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posterior do músculo reto abdominal. A debilidade da lâmina posterior, abaixo da linha
arqueada, gera uma área de fraqueza, com predisposição para a formação da hérnia. Apesar
das variações, a linha semilunar está localizada usualmente à cerca do ponto médio entre a
cicatriz umbilical e o púbis.
Em quase todas as hérnias de Spieghel o saco herniário não atravessa a aponeurose
do músculo oblíquo externo. A aponeurose do oblíquo externo permanece intacta, com o
saco herniário alojando-se entre os planos musculares situados abaixo dessa aponeurose.
Em casos eventuais, o saco herniário pode atravessar a aponeurose do oblíquo externo e
alcançar o tecido subcutâneo. A maioria das hérnias de Spieghel apresenta um saco
herniário, que se encontra vazio em um terço dos casos. As estruturas usualmente
observadas no interior do saco herniário incluem o omento, o intestino delgado e o cólon.
O orifício da hérnia de Spieghel é usualmente pequeno, circular ou oval, bordas bem
definidas e com indicações de ter diâmetro menor do que 2 cm em 57% dos casos. O
orifício herniário pequeno está associado com maior risco de estrangulamento.
Etiofisiopatologia
A hérnia de Spieghel ocorre através de defeitos aponeuróticos congênitos ou
adquiridos. A origem congênita é considerada nas hérnias de Spieghel que ocorrem em
crianças e recém- nascidos. Em crianças, a hérnia de Spieghel foi também relacionada com
fatores traumáticos, causados por guidom de bicicleta e outros tipos de traumas fechados.
Em adultos, a hérnia de Spieghel é referida como uma protrusão através de áreas de
separação das fibras dos músculos oblíquo externo e transverso do abdome. É considerado
fator predisponente o aumento da pressão intra-abdominal causado por esforço físico
excessivo, tosse crônica, esforço à micção, ascite, obesidade mórbida e multiparidade. A
rápida perda de peso em pacientes obesos e as operações abdominais prévias parecem ter
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um papel no desenvolvimento da hérnia. Como base na observação de que muitos
pacientes com hérnia de Spieghel tinham operações abdominais prévias adjacentes à linha
semilunar, sugere-se que a contração do processo cicatricial poderia causar áreas de
fraqueza na aponeurose de Spieghel, com o aumento do risco de hérnia.
Propedêutica pré -operatória.
O diagnóstico clínico da hérnia de Spieghel é freqüentemente difícil, porque as
queixas são vagas e o saco herniário é, em geral, pequeno, com tendência de se estender
entre os planos musculares da parede abdominal anterior (hérnia intraparietal) e de
permanecer abaixo da aponeurose do músculo oblíquo externo. A dificuldade diagnóstica
torna-se ainda maior no paciente obeso. O retardo diagnóstico é freqüente. Por
conseguinte, o diagnóstico de hérnia de Spieghel requer um alto índice de suspeição, dado
a falta de sinais e sintomas consistentes.
As queixas mais freqüentes referidas pelo paciente com hérnia de Spieghel são dor
abdominal ou uma massa palpável intermitente na borda lateral do reto abdominal. A dor é
usualmente localizada e associada à postura. A dor e o abaulamento podem aumentar com
a tosse, o esforço e a manobra de Valsalva. Alguns pacientes são assintomáticos e o achado
de hérnia é incidental. Como o orifício herniário é usualmente estreito, verifica-se que uma
proporção significativa de pacientes apresenta encarceramento ou, até mesmo,
estrangulamento. Na hérnia estrangulada, a queixa principal é a dor e a sensibilidade
acentuada no local da hérnia. As manifestações clínicas de obstrução intestinal ocorrem se
o intestino faz parte do conteúdo estrangulado. Os sinais e sintomas de estrangulamento ou
obstrução podem aparecer como as primeiras queixas clínicas. Outra complicação
potencial é a hérnia de Richter, caracterizada pela protrusão ou estrangula mento de apenas
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parte da parede intestinal, usualmente a borda antimesentérica, sem sinais concomitantes
de obstrução intestinal.
No exame físico, dor ou sensibilidade à palpação pode ser o único achado observado.
As hérnias pequenas não são usualmente palpáveis, em razão do tamanho e da integridade
da aponeurose do oblíquo externo. Nas hérnias grandes, pode-se palpar uma massa, que,
quando redutível, pode produzir uma sensação gorgolejante na redução manual. Se for
evidenciada uma massa não redutível, torna-se importante o diagnóstico diferencial com
lipomas e tumores intra-abdominais e de parede abdominal.
As técnicas de imagem são instrumentos úteis no esclarecimento diagnóstico de
casos duvidosos . A ultra-sonografia (US) e a TC de abdome, com atenção especial sobre o
local da dor ou a massa palpável, são úteis na localização do defeito musculoaponeurótico
e no delineamento do conteúdo do saco herniário. A acurácia da US é operador
dependente. Na US, a manobra de Valsalva constitui em uma estratégia que permite avaliar
o movimento de deslizamento do conteúdo do saco através do orifício herniário. A TC tem
sido considerada o método de escolha no diagnóstico da hérnia de Spieghel, por fornecer
maiores detalhes sobre o defeito parietal e elementos para o dia gnóstico diferencial de
patologias intra-abdominais e da parede abdominal.
Condutas operatórias: indicações, técnicas e táticas.
A intervenção operatória é o tratamento indicado para todos os pacientes com hérnia
de Spieghel, em função do risco elevado de estrangulamento. O reparo primário da hérnia
de Spieghel apresenta um alto índice de sucesso, com poucos casos de recorrência. A
abordagem operatória clássica é o reparo por uma incisão transversa sobre o local da
hérnia. Após a abertura da aponeurose do oblíquo externo, o procedimento consiste na
dissecção do saco herniário e reparo primário do defeito, mediante a reaproximação das
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camadas aponeuróticas. Em hérnias grandes, recomenda-se o uso de material protético
como elemento de reforço da parede abdominal, de forma que a malha seja colocada no
espaço pré-peritoneal ou intraperitoneal, com ancoragem nos músculos e aponeuroses, sem
tensão. A malha deve ter tamanho suficiente para cobrir todo o defeito e se estender além
da borda por pelos menos 3 cm. Se a opção for para o uso intraperitoneal, a escolha da
malha tem que considerar as complicações específicas relacionados com o material
protético, ou seja, risco de aderências e de fístulas digestivas.
Quanto ao reparo com malha, algumas alternativas técnicas foram descritas, embora
com resultados ainda não validados por outros estudos. Com base nos princípios do reparo
com material protético estabelecido pelo grupo de Lichtenstein, alguns autores relataram
que a colocação da malha entre o músculo oblíquo externo e o músculo oblíquo interno é
também segura e efetiva. O procedimento de introdução da malha entre os músculos
oblíquos caracteriza-se por ser mais simples e pela possibilidade de colocar uma malha
ampla que cubra adequadamente o defeito herniário. Essa opção baseia-se na dificuldade
de colocação da malha pré-peritoneal, em decorrência do peritônio ser fino e muito
aderente ao tecido musculoaponeurótico.
Outros autores propõem o uso da malha dupla PHS (Prolene Hernia System),
tamanho grande, no reparo da hérnia de Spiegel, quando o orifício herniário tem o mesmo
diâmetro do conector. O procedimento consiste na inserção da malha inferior no espaço
pré-peritoneal, do conector na obliteração do orifício herniário e da malha superior sobre o
músculo oblíquo interno. A malha é fixada nas bordas do defeito muscular e o oblíquo
externo é fechado sobre a malha. A conclusão dos autores é que o uso do PHS simplifica a
técnica e produz menos desconforto pós-operatório.
O reparo da hérnia de Spieghel, por via laparoscópica, é relatada por alguns autores,
especialmente pela abordagem transperitoneal. As vantagens são semelhantes às
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observadas em outros procedimentos laparoscópicos, inclusive com a possibilidade de
esclarecer diagnósticos incertos ou controversos. Nas hérnias encarceradas, a via
laparoscópica transperitoneal possibilita que os órgãos encarcerados sejam reduzidos e
examinados, sob visão, quanto à integridade e viabilidade. Além disso, diante de um
diagnóstico incerto, a abordagem transperitoneal permite também a exploração da cavidade
abdominal.
O reparo laparoscópico da hérnia de Spiegel por dissecção extraperitoneal total é
também considerado seguro e efetivo, sem as inconveniências da via transperitonenal e a
necessidade de anestesia geral. A desvantage m da via extraperitoneal total é não permitir o
exame da cavidade abdominal nos casos de incerteza diagnóstica e ser considerada menos
segura no reparo das hérnias encarceradas e estranguladas.
Acompanhamento pós-operatório.
Nos reparos das hérnias da parede abdominal, as orientações pós-operatórias são
semelhantes. Na hérnia de Spieghel, as instruções ao paciente incluem a observação de
sinais indicativos de hematoma e de infecção de ferida; o uso de analgésicos para o
controle da dor; e instruções sobre o retorno ao trabalho e às atividades físicas habituais.
HÉRNIA EPIGÁSTRICA
Introdução
A hérnia epigástrica é a protrusão que ocorre através de um defeito aponeurótico na
linha alba, entre o umbigo e o apêndice xifóide. A hérnia epigástrica é observada em 3 a
5% da população, especialmente entre as idades de 20 e 50 anos, e mais comumente em
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homens do que em mulheres. Os defeitos são geralmente pequenos e cerca de 20% das
hérnias epigástricas são múltiplas.
Histórico
As hérnias epigástricas foram descritas desde 1285, mas o termo hérnia epigástrica
foi introduzido por Leveille em 1812. Em 1895, William Mayo desenvolveu a técnica
operatória de imbricação aponeurótica, que é ainda muito usada no reparo de hérnias
ventrais.
Aspectos morfológicos e fisiológicos
A linha alba é formada pelo entrecruzamento das fibras tendinosas de todas as
camadas das bainhas anterior e posterior do músculo reto abdominal. Askar ressaltou que
as bainhas anterior e posterior do reto abdominal, acima da cicatriz umbilical, tinham três
camadas de fibras tendinosas, com formação de um padrão cruzado em tríplice decussação
que confere à linha alba uma textura aponeurótica mais firme e mais resistente à herniação.
Esse autor relacionou a formação da hérnia epigástrica com a presença de um padrão único
de decussação aponeurótica. Todavia, os diferentes níveis de decussação propostos por
Askar não foi confirmada em estudos histológicos de biópsias de linha alba.
A hérnia epigástrica está localizada mais comumente no ponto médio entre a cicatriz
umbilical e o apêndice xifóide. O diâmetro dos defeitos pode variar de milímetros para
diversos centímetros. A gordura pré-peritoneal é o conteúdo da maioria das hérnias
pequenas. A protrusão de vísceras intra-abdominais é incomum, mas quando ocorre, o
omento é o mais encontrado. Ele pode ser diferenciado da gordura pré-peritoneal pela
presença de vasos atravessando o orifício herniário.
19
Etiofisiopatologia
A fraqueza de origem congênita das fibras aponeuróticas da linha alba foi
considerada, por muito tempo, a hipótese do desenvolvimento de hérnia epigástrica. A
causa da hérnia epigástrica foi relacionada também com a protrusão de gordura préperitoneal em defeitos aponeuróticos criados por vasos sangüíneos que atravessam a linha
alba. Entretanto, essa teoria é questionada porque tais vasos sangüíneos não têm sido
observados na dissecção do saco herniário, durante a intervenção operatória. Askar, com
base na freqüência elevada de uma única faixa de decussação aponeurótica em pacientes
com hérnia epigástrica, referiu que esse padrão de decussação seria o fator predisponente
para o desenvolvimento de hérnia na linha alba. Outros autores, não reconhecendo a teoria
de Askar, propuseram como elemento favorecedor da hérnia na linha alba a combinação de
baixa densidade e adelgaçamento das fibras tendinosas.
Na fase inicial, a protrusão é pequena e contém gordura pré-peritoneal. À medida que
a hérnia aumenta de tamanho, acredita-se que o peritônio seja tracionado através do defeito
aponeurótico, com formação de um saco herniário. Episódios identificáveis de aumento da
pressão intra-abdominal, tais como tosse crônica e esforço físico excessivo, foram
observados na história de pacientes com hérnia epigástrica. Há pouca dúvida que o esforço
excessivo contribui para a progressão da hérnia. A gestação repetida tem sido referida
como a principal causa de hérnias epigástricas adjacentes à cicatriz umbilical.
Propedêutica pré -operatória.
A hérnia epigástrica é usualmente assintomática. A dor epigástrica, quando presente,
leva à necessidade do diagnóstico diferencial com outras afecções do abdome superior. No
processo de diferenciação diagnóstica, a dor da hérnia epigástrica surge com o esforço e
alivia com o repouso. Outra queixa freqüente é o relato de uma pequena massa palpável na
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região epigástrica, o que exige a diferenciação com tumores subcutâneos (lipoma, fibroma
ou neurofibroma).
Ao exame físico, observa-se uma massa na linha média, acima da cicatriz umbilical,
de consistência firme e elástica. A dor ou a sensibilidade à palpação é de intensidade
variável. O orifício herniário geralmente não pode ser palpado, porque, na maioria das
vezes, o defeito é pequeno e a massa não é redutível. No paciente obeso, a palpação da
hérnia epigástrica torna-se consideravelmente mais difícil.
A identificação da hérnia epigástrica, pela US ou pela TC, pode ser necessária em
pacientes obesos. À US, a manobra de Valsalva pode auxiliar na identificação do conteúdo
herniário. O Doppler pode ser útil na diferenciação entre vasos omentais e gordura préperitoneal.
Condutas operatórias: indicações, técnicas e táticas.
Em adultos, a maioria das hérnias epigástricas é tratada por intervenção operatória,
porque as hérnias pequenas têm risco aumentado de encarceramento e as grandes são
sintomáticas ou esteticamente desconfortáveis. Alguns autores referem que as hérnias
epigástricas pequenas, menores que 1,5 cm, e assintomáticas não necessitam de tratamento
cirúrgico. Em crianças, a conduta expectante foi recomendada para a hérnia epigástrica,
com base na expectativa de fechamento espontâneo entre as idades de 2 e 6 anos.
Entretanto, outros autores recomendam o reparo logo após o diagnóstico, justificado pela
observação de que mais de 50% das 40 crianças com hérnia epigástrica tinham sintomas ou
evoluíram com alargamento do defeito da parede abdominal.
Embora a hérnia epigástrica seja muito comum e o procedimento de reparo
relativamente simples, observa-se que não há uma abordagem consistente e universalmente
aceita para o reparo das hérnias epigástricas. Reconhece-se a necessidade de diretrizes
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baseadas em melhores evidências que delineiem sobre quando se indica o fechamento
primário ou quando é essencial o uso do material protético. As taxas de recorrência de 20%
associadas com a técnica de Mayo e suas modificações são consideradas inaceitáveis.
No procedimento operatório das hérnias ventrais, reconhece-se que o fechamento do
defeito aponeurótico deve interferir minimamente na biomecânica da parede abdominal
anterior. Os princípios reconhecidos como importantes incluem:
- a dissecção exagerada, a regularização das bordas e as manobras de alargamento
artificial do orifício herniário podem, ao seccionar fibras tendinosas, levar ao
enfraquecimento aponeurótico e aumentar o risco de recidiva da hérnia;
- o reparo do defeito herniário não deve causar estiramento ou tensão excessiva na
aponeurose, porque o tecido aponeurótico já exaurido tende a se esgarçar novamente;
- os pontos devem ser passados através de um tecido saudável;
- o fio de sutura deve ser forte o suficiente para sustentar o reforço durante o período
crítico da cicatrização.
A abordagem cirúrgica de eleição é o reparo do defeito aponeurótico através de uma
incisão vertical ou transversal. A incisão vertical tem a vantagem de permitir, por meio do
prolongamento da incisão, a exploração visual da linha alba, uma vez que as hérnias
múltiplas são freqüentes. Uma das operações mais realizada no reparo dos defeitos
herniários na linha alba tem sido a técnica de Mayo, que consiste na imbricação das bordas
aponeuróticas, para propiciar uma maior superfície de adesão. Apesar da técnica de Mayo
ter sido considerada tão promissora, uma alta taxa de recorrência, com variação de 20 a
28%, foi relatada por diversos estudos. A tensão na ferida, causada pelo processo de
imbricação é considerada fator predisponente da recidiva. Como a técnica de Mayo é ainda
realizada por muitos cirurgiões, tal conduta pode ser justificada pela falta de um
procedimento operatório padrão para o tratamento das hérnias ve ntrais. Em decorrência da
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tensão na ferida causada pela técnica de Mayo, alguns autores recomendam a sutura
primária, borda com borda, dos defeitos aponeuróticos pequenos. Nas hérnias grandes,
especialmente se houver tensão excessiva com o fechamento primário do defeito,
recomenda-se o uso de material protético com a finalidade de criar um reparo livre de
tensão.
O reparo da hérnia epigástrica com uso de material protético tem sido indicado com
maior freqüência, fundamentado pelos bons resultados obtidos nas herniorrafias inguinais.
Na intervenção operatória, enfatiza-se como cuidado importante que o reparo com malha
seja completamente livre de tensão. Os reparos com próteses são diferenciados pela
técnica, pelo tipo de material e pela posição da malha. As várias técnicas relatadas com o
uso de material protético incluem a colocação de malhas nos planos pré-peritoneal ou
intraperitoneal; o reforço duplo com a malha PHS; e a obliteração do anel herniário com o
tampão auto-expansível mesh plug.
Acompanhamento pós-operatório.
As complicações pós-operatórias (seromas, hemorragias, infecção) são mínimas nas
herniorrafias epigástricas.
HÉRNIA UMBILICAL
Introdução
A hérnial umbilical é a protrusão que ocorre através de um defeito aponeurótico na
cicatriz umbilical. A hérnia umbilical é muito comum. Estima-se que cerca de 10% de
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todas as crianças nascem com uma hérnia umbilical. A incidência é particularmente alta
em crianças negras, com índices oito vezes maior do que em neonatos brancos. Além
disso, a incidência de hérnia umbilical está aumentada em associação com certas doenças,
tais como hipotireoidismo congênito, síndrome de Down, síndrome de Freeman-Sheldon,
síndrome de Beckwith-Wiedemann, síndrome de Hunter-Hurler, osteogêneses imperfe ita e
síndrome de Ehlers-Danlos. Em adultos, as hérnias umbilicais representam cerca de 6%
das hérnias da parede abdominal. Em adultos, a hérnia umbilical é mais freqüente em
mulheres e ocorre mais comumente na quinta e sexta décadas de vida.
Histórico
Em termos históricos, etmologicamente onphalos era a pedra central do templo de
Apolo em Delfos, e esse termo foi utilizado para designar o ponto central de um recém
nascido de onde saía o cordão umbilical. Hipócrates utilizou o termo grego hernios, para
descrever as protrusões (hérnias) abdominais, e o papiro de Ebers, de aproximadamente
1500 AC, já detalhava o uso de fundas de proteção nos portadores de herniações.
Aspectos morfológicos e fisiológicos
O umbigo é formado pelo anel umbilical, um orifício na linha alba através do qual os
vasos umbilicais do feto passam para o cordão umbilical, em direção à placenta. O anel
umbilical é delimitado por quatro bordas: a fáscia umbilical posteriormente; a linha alba
anteriormente; e lateralmente as bordas mediais das duas bainhas do músculo reto
abdominal.
A evolução natural dos defeitos aponeuróticos em crianças é fechar espontaneamente
no decorrer dos primeiros 4 a 5 anos de idade. O anel umbilical diminui progressivamente
de tamanho e evolui finalmente com o fechamento do anel. Os defe itos com diâmetros
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menores do que 1 cm fecham espontaneamente em 95% dos casos, antes dos cinco anos de
idade. No entanto, um anel umbilical com diâmetro maior do que 1,5 cm raramente fecha
espontaneamente. Em contraste com as hérnias de crianças, as hérnias umbilicais de
adultos não tendem ao fechamento espontâneo. O omento é o conteúdo mais freqüente das
hérnias umbilicais, mas pode ser observado parte do cólon transverso ou intestino delgado.
Etiofisiopatologia
De acordo com o tempo real de ocorrência na vida, a hérnia umbilical é classificada
em infantil ou adulta. A hérnia umbilical infantil aparece dentro de poucos dias ou semanas
após a queda do cordão umbilical e é coberta por pele verdadeira. O aumento do tamanho
do defeito é incomum. Apesar dos defeitos das hérnias infantis permanecerem pequeno s, o
estrangulamento é raro.
A hérnia umbilical adulta aparece dentro de um período remoto do fechamento do
anel umbilical. Portanto, as hérnias adultas não resultam da persistência de hérnias infantis,
mas, em quase 90% dos casos, por defeitos adquiridos por enfraquecimento gradual do
tecido cicatricial que fecha o anel umbilical, relacionado com o aumento da pressão intraabdominal. As situações de aumento da pressão intra-abdominal incluem a multiparidade,
a obesidade, a tosse crônica, o trabalho com grande esforço físico, a ascite, a diálise
peritoneal prolongada e os grandes tumores intraperitoneais. Em pacientes cirróticos com
ascite, a herniação umbilical ocorre em 20% dos pacientes, em função do aumento da
pressão intra-abdominal, da fraqueza da parede abdominal pelo mau estado de nutrição e
do alargamento do anel umbilical por dilatação da veia umbilical em pacientes com
hipertensão porta. Diferentemente das hérnias infantis, o estrangulamento é freqüe nte nas
hérnias umbilicais adultas.
25
Askar, em 1984, observou que tanto as hérnias umbilicais, paraumbilicais como as
epigástricas são mais comuns naqueles pacientes que apresentam decussação aponeurótica
única da linha alba, quando comparados com os pacientes normais que apresentam
decussação tripla.
Propedêutica pré -operatória
O diagnóstico é geralmente feito pelo exame clínico, sem maiores dificuldades. A
manifestação usual é a observação de um abaulamento na cicatriz umbilical, usualmente
assintomático, mas que pode estar associado a desconforto ou dor. A hérnia umbilical
infantil, em geral, manifesta-se como uma protrusão arredondada, pequena, comumente
assintomática, facilmente redutível e que torna mais proeminente quando a criança chora
ou tosse. Ao exame físico, a palpação de um anel aponeurótico e de um saco herniário
facilmente redutível na cicatriz umbilical sela o diagnóstico. Em pacientes obesos, o
diagnóstico pode não ser tão aparente, especialmente quando o orifício herniário é
pequeno.
O encarceramento, o estrangulamento e a evisceração são complicações relatadas em
cerca de 5% dos pacientes com hérnias umbilicais. Em pacientes cirróticos com ascite
volumosa, a distensão acentuada do saco herniário pode causar ulceração, necrose e
ruptura da pele sobre a hérnia, com formação de trajeto fistuloso, drenagem de líquido
ascítico e peritonite. Nas hérnias encarceradas, o diagnóstico diferencial deve ser feito com
nódulo metastático umbilical de câncer gástrico (s inal de irmã Maria José), granuloma
umbilical e cistos de úraco ou ônfalomesentérico. Em casos excepciona is ou atípicos, a US,
a TC ou a ressonância magnética são necessárias como medidas diagnósticas auxiliares.
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Condutas operatórias: indicações, técnicas e táticas.
Nas crianças, a maioria dos cirurgiões recomenda a intervençaõ cirúrgica eletiva das
hérnias umbilicais que não fecham espontaneamente por volta dos 4 ou 5 anos de idade. A
intervenção operatória deve ser antecipada nas hérnias sintomáticas, muito grandes ou que
evoluem com aume nto progressivo do anel herniário.
Em adultos, cuja maioria das hérnias é adquirida, as indicações cirúrgicas e a técnica
operatória mais apropriada ainda são objetos de controvérsias. Herniações pequenas,
assintomáticas ou não percebidas pelos pacientes não necessitam tratamento operatório. No
entanto, hérnias volumosas, sintomáticas e encarceradas necessitam de tratamento
cirúrgico. Em pacientes cirróticos com ascite volumosa, a herniorrafia é indicada na
presença de distensão e adelgaçamento da pele sobre a hérnia, com base no risco de ruptura
e de desenvolvimento de peritonite. A cirrose e a ascite não devem ser fatores
desencorajadores do reparo, mas medidas terapêuticas compensatórias da ascite
significativa e dos distúrbios nutricionais devem ser instituídas antes da intervenção
operatória, para reduzir a morbidade e a recorrência.
O reparo do defeito aponeurótico na herniorrafia umbilical é comumente feito através
de uma incisão transumbilical ou infra-umbilical. A incisão transumbilical, apesar de ser
mais trabalhosa, oferece um excelente resultado estético. Dentre as técnicas mais utilizadas
temos a clássica operação de Mayo, o reparo com malha de prolene por via aberta e o
reparo com malha PHS. Na operação de Mayo, cuja técnica já foi anteriormente descrita, o
aumento de tensão na ferida operatória resultante da imbricação aponeurótica é
considerado o fator predisponente da recorrência. Em hérniações pequenas, o fechamento
linear transverso do defeito aponeurótico, por simples aproximação das bordas, utilizando
fio inabsorvível resistente, é considerada suficiente. Hérnias com orifícios maiores de 4
centímetros devem ser fechados com malha de polipropileno, porque há evidências de
27
menores índices de recorrência. Os índices de recorrências são maiores após o reparo por
fechamento primário (11%), quando comparados com o reparo com malhas de
polipropileno (1%).
As técnicas relatadas com o uso de material protético são semelhantes aos reparos
anteriormente descritos para a hérnia epigástrica. As malhas são colocadas também nos
planos intraperitoneal e pré-peritoneal. A malha de prolene é convenientemente interposta
entre o peritônio e a face posterior da bainha do reto abdominal, em decorrência do risco
de erosão intestinal. O orifício herniário pode ser fechado sobre a malha desde que não
cause aumento de tensão no local da sutura. A malha de prolene dupla PHS é também
aplicada como elemento de reforço na herniorrafia umbilical, por propiciar o reforço
protético tanto das bainhas posteriores como das bainhas anteriores dos músculos retos
abdominais (Figura 2). Há relato de que a malha dupla PHS resultaria em menor dor pósoperatória, menor tempo de internação e menor tempo de cirurgia, quando comparado ao
reparo simples com malha de prolene. Outra opção é a obliteração do anel herniário com a
malha em forma de tampão auto-expansível “mesh plug”.
O reparo da hérnia umbilical, por via laparoscópica, foi considerado uma alternativa
segura e efetiva, além das vantagens no que diz respeito à dor pós-operatória, tempo de
internação hospitalar e morbidade resultante dos procedimentos. A abordagem
laparoscópica tem sido reservada para as hérnias grandes, maiores do que 3 cm, e para as
hérnias recorrentes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O reparo das hérnias da parede abdominal é ainda um desafio para os cirurgiões. Nas
hérnias epigástricas e umbilicais, embora sejam freqüentes e não exijam procedimentos de
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reparos complexos, não se observa, até o presente, um consenso sobre a melhor abordagem
operatória. Reconhece-se a necessidade de diretrizes baseadas em melhores evidências que
delineiem sobre quando se indica o fechamento primário ou quando é essencial o uso do
material protético. As hérnias de Spieghel e as hérnias lombares apresentam peculiaridades
que dificultam o diagnóstico e a aquisição de experiência clínica, em função da relativa
raridade e da localização em regiões anatômicas não usuais.
Outro fator desafiador é a redução das taxas de recorrência após o tratamento
cirúrgico das hérnias da parede abdominal. Como a recorrência pós-operatória é comum, a
tendência atual tem sido direcionada pela substituição do fechamento primário do defeito
herniário pelo reparo livre de tensão, com o uso de material protético. À semelhança das
hérnias inguinais, o uso de malhas protéticas no reparo das hérnias ventrais e lombares tem
sido associado com resultados promissores. Diversos autores publicaram resultados de
evidente redução das taxas de recorrência.
Nas últimas décadas, o reparo das hérnias da parede abdominal, por via
laparoscópica, tem se tornado uma opção segura e efetiva, com vantagens em comparação
com a via aberta, tais como redução da dor pós-operatória, da permanência hospitalar, da
necessidade de analgésicos e das complicações de ferida. Todavia, nas hérnias ventrais e
nas hérnias lombares, a abordagem laparoscópica não atingiu o grau de definição que está
sendo alcançada no reparo das hérnias inguinais.
Literatura Recomendada
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31
Linha
Semilunar
Fáscia de
Spiegel
6 cm
Triângulo de
Hesselbach
Vasos
epigastricos
inferiores
Figura 1 – Diagrama da parede abdominal anterior. Delimitação da área de 6 cm acima da
linha que cruza as espinhas ilíacas ântero-superiores, correspondente ao local mais
comum da hérnia de Spieghel.
32
Músculo reto
abdominal
Músculo reto
abdominal
PHS
Peritônio
Figura 2 – Reparo de hérnias da linha alba com malha dupla PHS (prolene hérnia system).
Malha inferior posicionada no espaço pré-peritoneal, conector colocado de modo a
promover a obliteração do orifício herniário e malha superior posicionada sobre a bainha
anterior do músculo reto abdominal.
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