As ONGs de Crianças e Adolescentes do Município de Vitória e o

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ONGs da Área de Criança e Adolescente em Vitória e a Construção da Cidadania
Dra. Vania Maria Manfroi
Daniele Vasconcelos Campagnaro
O presente texto tem como objetivo apresentar os resultados de uma pesquisa
realizada nas ONGs de atendimento a crianças e adolescentes no município de Vitória. É
importante situar em que movimento as ONGs surgem no processo histórico-social recente
e com quais objetivos elas são acionadas pelo Estado, pelo mercado e pela sociedade. Elas
surgem dentro da lógica neoliberal de minimização do Estado e a refilantropização das
políticas públicas.
Um dos pontos fulcrais de defesa dos neoliberais é a redução do Estado,
transformando-o em Estado mínimo com a redução gradual dos gastos sociais.
Contrariamente à tese do Estado intervencionista defendida pelo keynesianismo
o
neoliberalismo se baseia no questionamento do Estado de bem - estar e das propostas de
pleno emprego, originando com isso, o desemprego estrutural como forma de regulação
social. Yazbek (1995:11) afirma ainda que “sob a crise do Welfare State se radica também
a crise do pensamento igualitário e democrático”
São características da política social no modelo neoliberal: função meramente
compensatória e focalizada para atendimento apenas da pobreza extrema; a seletividade que
tem uma função regressiva de desmantelamento dos serviços sociais que produzem redução
dos gastos sociais. A pobreza é atendida através de políticas emergenciais e o Estado passa
a ter uma ação limitada e pontual.
Sposati afirma que “o desmanche da responsabilidade pública pelas políticas
sociais está em curso em nível mundial e, desde a década de 80, pelo que foi chamado de
„crise fiscal do Estado‟ e/ou „o fim do Estado de Bem Estar Social‟. O que se propõe é o
Estado mínimo, isto é, um Estado com baixa responsabilidade social e, portanto, com alta
redução do custeio dos serviços sociais”. (1995:132)
Sposati (1995:132) afirma ainda que a contrapartida do desmanche do Estado “é a
privatização e mercantilização dos serviços sociais, de um lado, e a redução da ação
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estatal em atender casos mais emergentes, através da solidariedade dos ricos com os
pobres, operando assim, o reforço do princípio liberal da subsidiariedade do papel do
Estado na proteção social”.
Podemos observar que no município de Vitória o conceito de gestão social como coresponsabilidade entre poder público e sociedade tem sido o pressuposto da administração
municipal. Um programa municipal que se chama de Rede criança tem como um dos
principais objetivos subsidiar as organizações não-governamentais a captarem recursos para
sua viabilização e há um processo de transferência de responsabilidades a esta esfera, na
medida em que as retaguardas, que são avaliadas pelos agentes do sistema de garantias
como insuficientes, funcionam sempre em parceria com entidades não-governamentais.
Um outro aspecto a se ressaltar com relação ao projeto neoliberal é a contratação
dos técnicos de forma precarizada, que não assegura nem mesmo a segurança para o
profissional contratado, reforçando a falta de autonomia do profissional frente ao
contratante. O profissional é contratado por três anos, depois ele fica um ano afastado e
pode ser recontratato, concorrendo a uma nova seleção. O profissional contratado não tem
direito a férias, previdência e nem 13º salário.
Portanto, as ONGs surgem como uma alternativa para essa subsidiariedade social,
substituindo a ação
do Estado nas políticas sociais, juntamente com a estratégia da
precarização do trabalho, como veremos a seguir nos dados a serem apresentados.
É nesse contexto que surgem as ONGs, baseadas na concepção da não-centralidade
do Estado na gestão das políticas sociais e da subsidiariedade da sociedade civil. A própria
compreensão de sociedade civil é profundamente equivocada, colocando-se a sociedade
civil como o privado, o mercado e o Estado, como público e como a área social marginal
com o acréscimo da política formal (Montaño, 1999). É nessa lógica que surge o chamado
terceiro setor voltado à área social, ou seja uma “atividade pública na esfera privada”
(Montaño, 1999:60).
As ONGs e o terceiro setor surgem no contexto neoliberal com o objetivo de
privatização da seguridade social, a precarização das políticas sociais estatais,
remercantilização dos serviços sociais e refilantropização das políticas sociais (Montaño,
1999).
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Os termos ONGs (Organização não- Governamental) e Terceiro Setor têm sido
utilizados em larga escala no Brasil, porém, a primeira questão a ser levantada é quanto à
imprecisão do uso dos termos e à heterogeneidade dos seus significados.
O termo ONGs, segundo Landin (1998: 25) “é expressão que traz a marca da
polissemia, movendo-se num campo que se presta a várias apropriações ideológicas ou
discursivas, possibilitando usos diversificados por diferentes atores (...). Suas conotações e
definições sociais podem, portanto, também variar com o tempo. No entanto, apesar da
polissemia, da mera definição literal por negação, no contexto brasileiro ( e não só)
durante as últimas décadas o nome tem sido predominantemente usado para designar um
conjunto determinado de organizações cuja pré- história remonta ainda aos anos 70 e cuja
história foi-se compondo ao longo dos anos 80”.
As ONGs são, então, as organizações da sociedade civil que, se expressam pela
negação de pertencimento ao Estado, mas que possuem um fim público não-estatal e que
não têm fins lucrativos, essa organizações também não são geridas pela lógica do mercado,
ou seja, não buscam lucro.
O termo ONG tem se pautado, especialmente pela fluidez e heterogeneidade contida
na sua definição. São denominadas, geralmente, como organizações sem fins lucrativos.
Há uma diferença fundamental entre as ONGs dos países do Norte e do Sul, pois nos
primeiros as ONGs têm função mais altruísta e filantrópica e na América Latina têm cunho
de cidadania, democracia, participação e justiça social.
Essa perspectiva é criticada por Montaño, à medida que nesse processo não são
desvendadas as relações que estão implícitas nesse processo, tais como já apresentamos
anteriormente.
As ONGs relacionam-se nacional e internacionalmente através das redes de
interesses comuns. Elas caracterizam-se, basicamente, por características mais assistenciais
e também por caráter de defesa da cidadania. Na perspectiva de defesa da cidadania é que
Montaño (1999:69) situa o debate da chamada “nova esquerda”, na qual é valorizada a
sociedade civil. No entanto, lembra o autor: “é na sociedade civil onde são reproduzidas,
sem interferência da „limitadora‟ lógica democrática, as relações sociais e o status quo. As
lógicas da sociedade civil (...), estão prenhes de concorrência, onde quem mais possui,, e
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não quem reúne maior número de vontades, é o dono da palavra. Aqui também prevalece o
espírito meritocrático, tão ao gosto da reengenharia e do neoliberalismo”.
Já o termo Terceiro Setor também tem essa heterogeneidade e imprecisão conceitual
e segundo Coelho (2000:58) “genericamente, a literatura agrupa nessas denominações
todas as organizações privadas, sem fins lucrativos, e que visam à produção de um bem
coletivo. O termo „terceiro setor‟ foi utilizado pela primeira vez por pesquisadores nos
Estados Unidos na década de 70, e a partir da década de 80 passou a ser usado também
pelos pesquisadores europeus. Para eles, o termo sugere elementos amplamente relevantes.
Expressa uma alternativa para as desvantagens tanto do mercado, associadas à
maximização do lucro, quanto do governo, com sua burocracia inoperante. Combina a
flexibilidade e a eficiência do mercado com a eqüidade e a previsibilidade da burocracia
pública”.
O que caracteriza uma organização do chamado terceiro setor então é que estas não
se pautam pelo lucro, mas possuem, como as ONGs interesse público e produzem bens
públicos, que segundo Coelho (2000: 59) “somente podemos dizer que têm fins públicos
aquelas organizações do terceiro setor que produzem bens ou serviços de caráter público
ou de interesse geral da sociedade. Assim, teríamos apenas dois subgrupos entre as
organizações do terceiro setor que cumpririam essa finalidade: as que prestam serviços
públicos e as que advogam direitos (de interesse geral e difuso da sociedade)”.
O conceito de terceiro setor, como pudemos ver acima constituiu-se na lógica do
pensamento neoliberal, como já expusemos anteriormente.
Situada a discussão sobre ONGs e terceiro setor no âmbito do neoliberalismo,
consideramos importante nos reportarmos a outro tema importante para situar teoricamente
o presente objeto, a concepção de direitos sociais inaugurada com a Constituição de 1988 e
seu desdobramento na política da criança e adolescente a partir da aprovação do Estatuto da
Criança e Adolescente.
Tomando como ponto de partida a concepção do Estatuto da Criança e do
Adolescente aprovado em 1990, que reafirma direitos sociais, estendendo-o a esse
segmento de maneira especial, pois são sujeitos de direitos em situação peculiar de
desenvolvimento e, por isso mesmo, têm a prioridade absoluta das políticas públicas,
podemos observar que não mudou a realidade das crianças e adolescentes no país. A lógica
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neoliberal, com sua proposta focalista, com a colaboração das ONGs não tem viabilizado os
direitos sociais da população infanto-juvenil.
A partir da Constituição de 1988 abriram-se novas possibilidades para essa nova
legislação que é o ECA. Ele foi resultado da articulação da sociedade civil. Segundo Costa
(1993:19): “O Estatuto da Criança e do Adolescente foi criado para regulamentar as
conquistas em favor da infância e da juventude, obtidas na Carta Constitucional....”. Ele é a
concretização dos direitos inscritos na Constituição Federal de 1988 no artigo 227 que
elenca os direitos fundamentais de defesa da infância e da juventude. Segundo Costa, “ele
inova em termos de concepção geral e de processo de elaboração” (idem:20).
A principal contribuição do Estatuto é a Doutrina da Proteção Integral baseada na
Declaração dos Direitos da Criança: “Esta doutrina afirma o valor intrínseco da criança
como ser humano; a necessidade de especial respeito à sua condição de pessoa em
desenvolvimento; o valor prospectivo da infância e da juventude, como portadoras da
continuidade do seu povo, da sua família e da espécie humana e o reconhecimento da sua
vulnerabilidade, o que torna as crianças e os adolescentes merecedores de proteção integral
por parte da família, da sociedade e do Estado, o qual deverá atuar através de políticas
específicas para o atendimento, a promoção e a defesa de seus direitos” (idem: 21).
A política de atendimento é definido no artigo 86 do ECA como um conjunto
articulado entre as “ações governamentais e não-governamentais, da União, dos estados, do
Distrito Federal e dos municípios”. Fazem parte da política de atendimento: as políticas
sociais básicas (saúde e educação), políticas de assistência social (para os que dela
necessitem); políticas
especiais de prevenção e proteção dos direitos das crianças e
adolescentes.
A política de atendimento, formulada a partir do Estatuto, compõe-se das políticas
sociais básicas, que são universais: saúde
e educação fundamental; as políticas de
assistência social: complementação alimentar e abrigo provisório; política de proteção
especial: plantões de recebimento e encaminhamentos de denúncias, reabilitação de
usuários de drogas, atendimento ao adolescente em conflito com a lei; política de garantias:
centros de defesa de direitos, Ministério Público e Defensoria Pública.
Toda essa política de atendimento só tem sentido se pensado como um sistema de
garantias articulado na defesa dos direitos, na proteção especial de crianças e adolescentes
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em situação de violência ou de vulnerabilidade social. O sistema de garantias constitui-se
de três eixos: eixo da promoção, de controle e de defesa. O eixo da promoção visa o
atendimento de crianças e adolescentes que estão excluídos das políticas estruturais; o eixo
do controle refere-se ao monitoramento dos direitos assegurados ás crianças e adolescentes
na Constituição; o eixo da defesa diz respeito à responsabilização em casos de qualquer
violação de direitos das crianças e adolescentes. No eixo da defesa atuam: Ministério
Público, defensorias públicas, juizados, centros de defesa e conselhos tutelares.
No entanto, embora tenha-se criado uma regulamentação dos direitos sociais na
Constituição de 1988 e no Estatuto da Criança e Adolescente, Yasbek (1995:11) afirma que
“as redefinições na relação capital e trabalho,
o processo de globalização, as
transformações que se operam no welfare state, e o avanço do neoliberalismo enquanto
paradigma político e econômico, trazem para o campo da Seguridade Social no país,
profundos paradoxos. Pois, de um lado o Estado brasileiro aponta constitucionalmente
para o reconhecimento dos direitos, por outro se insere no contexto de ajustamento a essa
nova ordem capitalista internacional, onde se observa a desmontagem de conquistas no
campo social e onde as políticas ortodoxas de estabilização da economia, com suas
restrições aos gastos públicos, reduzem e direcionam os investimentos sociais do Estado”.
Telles (1994:96) afirma que o Brasil é um país que ainda não conquistou patamares
mínimos de direitos e isso “dramatiza a questão social”.
A autora fala ainda da atual crise política do Estado. Para ela esta “é uma crise que
se mistura com a desorganização e destruição de instituições e serviços públicos dos quais
dependem grandemente as regularidades da vida social e que converge em uma corrosão
do sentido mesmo de ordem pública, do que são expressão as evidências da deterioração
de padrões societários, aí incluindo a violência de todos os dias...” (1994:97).
A autora aponta também os desafios da sociedade contemporânea:
- a sociedade brasileira vem se transformando rapidamente criando espaços heterogêneos,
complexos e diferenciados “cruzando transversalmente a estrutura de classes, desfazendo
identidades tradicionais e criando outras tantas, gerando uma pluralidade de interesses e
demandas nem sempre convergentes, quando não conflitantes e excludentes” (idem).
A sociedade brasileira é muito desigual e heterogênea na distribuição dos bens e
serviços, aonde o Estado não consegue responder aos padrões mínimos de cidadania, está
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se criando novos espaços de conflitos onde se redefinem as relações entre o Estado, a
sociedade e a economia “por conta de transformações econômicas e sociais que escapam a
mecanismos institucionais de regulação e ordenamento das relações sociais”. Isso cria
novos espaços de negociação.
As mudanças no mundo do trabalho e tecnológica vêm construindo um novo padrão
de exclusão social “em que à integração precária no mercado de trabalho se sobrepõem o
bloqueio de perspectivas de futuro e de perda de sentido de permanência à vida social”
(Telles, 1994:97).
A seguir analisamos os resultados da pesquisa, a partir dos dados empíricos
colhidos. Um aspecto muito ressaltado na defesa das ONGs e do terceiro Setor são as suas
qualidades: eficiência
e eficácia frente à burocracia estatal, que tem uma máquina
administrativa muito lenta. Porém, o que se verificou em nossa pesquisa foi a fragilidade
organizativa e funcional das organizações pesquisadas no município de Vitória.
Na pesquisa realizada no município de Vitória pôde-se perceber, a partir da listagem
das entidades que eram cadastradas no COMCAV (Conselho Municipal de Crianças e
Adolescentes de Vitória) percebe-se a heterogeneidade na atuação e a fragilidade dos
trabalhos desenvolvidos.
As ONGs pesquisadas, em número de 11, foram aquelas que atuam na área de
crianças e adolescentes, no município de Vitória e que tinham assistentes sociais em seus
quadros. A partir dos dados pesquisados pode-se traçar um perfil dessas instituições, com
as seguintes características.

A maioria das organizações possuem convênio com o poder público;

Pequena presença da iniciativa privada no financiamento dos projetos;

Grande número de organizações mantidas por entidades religiosas;

Apenas uma possui convênio internacional;

Presença maciça de mantenedoras ligadas à Igreja católica.
Um outro fator a ser destacado é quanto à secularização, na amostra pesquisada
percebe-se ainda que o fator religioso ainda é preponderante, pois das 11 ONGs
pesquisadas 7 têm vínculo religioso. Quanto ao tipo de religião vê-se que em sua grande
maioria são de origem católica.
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Esse dado é interessante porque podemos perceber que as ações sociais sempre
foram desempenhadas por congregações religiosas, desde o início da colonização no Brasil
os padres jesuítas centraram as ações de conversão nas crianças, segundo Arantes (1995:
183) “construindo casas e colégios, atraindo para junto de si os filhos índios e mestiços,
amparando órfãos portugueses e brasileiros, ocupando-se das famílias e dos filhos dos
portugueses, foram os jesuítas por mais de 200 anos, os educadores do Brasil”. Segundo a
mesma autora pode-se afirmar que durante 350 anos as políticas voltadas à infância e
adolescência foram, em sua grande maioria, de caráter religioso, mais especificamente
ligada à Igreja Católica.
Outros fatores a serem destacados são a fragilidade e a precariedade das ONGs. Ao
contrário da visão que se tem da qualificação dos técnicos das ONGs percebe-se a presença,
por exemplo, de expressivo número de voluntários, baixos salários e pouca qualificação
profissional. Constamos na pesquisa que a afirmação da qualificação dos profissionais que
atuam nessas instituições não é verdadeira, pois, em geral, as instituições contam com um
pequeno número de profissionais de nível superior. Porém, um fator determinante é o
número de voluntários que substitui um quadro profissional especializado.
Embora a maioria dos profissionais seja contratada por CLT, ou seja, com os
direitos trabalhistas assegurados, há um grande número de assistentes sociais voluntários e
já percebe-se outras formas precárias de contratação, tais como: trabalho tempo
determinado e indeterminado, temporário e prestação de serviços. Segundo Iamamoto
(1999:49) a tendência do modelo neoliberal tem sido uma realidade também enfrentada
pelos assistentes sociais: “a polivalência, a terceirização, a subcontratação, a queda de
padrão salarial, a ampliação de contratos de trabalho temporários, o desemprego são
dimensões constitutivas da própria feição atual do Serviço Social e não uma realidade
alheia e externa, que afeta „os outros‟”. Assim, a desregulamentação dos direitos sociais
tem sido presente também no cotidiano das entidades pesquisadas.
Com a globalização dos processos produtivos das relações políticas, a questão
social também se globalizou. Houve alterações no mundo do trabalho: novas técnicas e
automação, flexibilização e o aumento da produtividade e a necessidade cada vez de um
número menor de trabalhadores. A questão social ressurge recolocando em novos
patamares a exclusão social. Como afirma Fontes, a exclusão social contemporânea é
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diversa, “tende a criar, internacionalmente, indivíduos inteiramente desnecessários ao
universo da produção econômica. Para eles, aparentemente, não há mais possibilidade de
integração ou reintegração no mundo do trabalho e da alta tecnologia. Neste sentido, os
novos excluídos parecem ser descartáveis” (1995:29).
Um elemento que se destaca é a questão da cidadania que se torna cada vez mais
restrita a grupos, mesmo nos países centrais. “Há uma exclusão maciça internacional, com
populações inteiras sendo excluídas de toda e qualquer forma de cidadania, sendo
excluídas inclusive do direito de mudar de país. Se a cultura circula, novas barreiras
impeditivas (...) são erguidas” (idem : 30).
Neste processo o tema da exclusão social torna-se relevante. A principal
conseqüência é o processo de precarização do trabalho. Segundo Castell, a exclusão social
“afeta principalmente os trabalhadores, e dentre eles os pouco qualificados, mais do que
os executivos, por exemplo, mas é preciso dizer que há também um desemprego para os
quadros superiores, quer dizer, que ninguém escapa a essa reestabilização das situações
de trabalho” (1996:9).
Usando como exemplo a França, Castel
levanta três tendências relativas ao
trabalho, que assim classifica: desestabilização dos estáveis- “trabalhadores que ocupavam
uma posição sólida na divisão do trabalho clássica e que se encontram ejetados dos
circuitos produtivos; instalação na precariedade- “alternâncias de períodos de atividades,
de desemprego, de trabalho temporário, de ajuda social”; sobrantes- “pessoas que não têm
lugar na sociedade, que não são integrados, e talvez não sejam integráveis...” (idem:11).
Em termos de projeção para o futuro, o autor aponta algumas questões:
continuidade da ruptura entre trabalho e proteção, que ganham importância as proteções
sociais construídas pelo Estado. “Porque se o Estado se retira, há o risco do quase vazio,
da anomia generalizada do mercado, pois o mercado não comporta nenhum dos elementos
necessários à coesão social..”; tentar controlar o processo de desagregação da sociedade
salarial- “tratamento social do desemprego, ou de políticas de inserção, quer dizer,
tentativas para atenuar certos efeitos devastadores das transformações em curso...”;
enfraquecimento do suporte salarial: este termo designa tanto o salário quanto as proteções
sociais relativas ao trabalho. Criando-se várias alternativas de trabalho e de geração de
renda (idem: 12-5).
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Há uma grande dependência de algumas instituições com relação aos voluntários, o
que acaba por fragilizar o trabalho desenvolvido nas instituições, uma vez que as
responsabilidades de alguém que é contratado e de um voluntário não são as mesmas, não
se exige uma qualificação das pessoas envolvidas no voluntariado e falta de continuidade
no trabalho realizado na instituição.
Um outro aspecto a ser destacado são os tipos de atividades e projetos
desenvolvidos nas instituições e o nível de articulação entre as mesmas. Tanto o municipal_
CONCAV (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente), quanto o
estadual_ o CRIAD (Conselho Estadual dos Direitos da Criança e Adolescnete) são os mais
acionados no processo de articulação de parcerias e isso é muito importante, uma vez que
esse é um dos principais papéis do conselho. Por outro lado, o conselho tutelar também
aparece com um importante papel de articulação. É importante recordar que ambos os
conselhos foram propostos pelo ECA e trazem uma nova concepção sobre a infância e a
adolescência.
Os Conselhos Municipais de Direitos da criança e do Adolescente têm as seguintes
características: são órgãos públicos, paritários, deliberativos e de controle das ações,
formuladores de políticas, coordenação, e fiscalização instâncias de controle do
desempenho das mesmas.
É papel do Conselho Municipal de Direitos da Criança e Adolescente propor,
elaborar e controlar as políticas sociais da área de criança e adolescente, de forma
articulada às demais políticas sociais.
O conselho tem o importante papel de ser um articulador entre as diversas políticas
setoriais_ saúde, educação, cultura, esportes, lazer, saneamento e assistência e deve
implementar a Política Integral de Proteção à Criança e do Adolescente no município.
Também cabe ao conselho definir prioridades para a articulação de uma política de
atendimento à criança e adolescente no município. A política de atendimento é um conjunto
articulado entre as políticas sociais nacionais, estaduais e municipais As políticas de
atendimento caracterizam-se por políticas sociais básicas, política de assistência social,
política de proteção especial e política de garantias. Assim, o Plano Municipal de
Atendimento á Criança e ao Adolescente articula as políticas básicas, a assistência social e
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a proteção especial à população infanto-juvenil, buscando criar também melhorias nas
ações garantistas do Estado.
Entretanto, vários estudos têm apontado para a dificuldade de implementação dos
conselhos em nível nacional. Volpi (2000:27) ao discutir sobre o papel dos conselhos na
democratização da gestão das políticas de infância e adolescência, demonstra que no
CONANDA houve um refluxo no orçamento aplicado na área da criança e adolescente: “o
investimento social vem piorando significativamente, seja do ponto de vista dos recursos
alocados para o desenvolvimento das ações. O orçamento do Departamento da Criança e
do Adolescente caiu de R$ 85 milhões em 1995, para R$ 16 milhões em 1999”.
Houve um processo de investimento na criação dos conselhos de direitos, pautados
na visão de um Estado Democrático de Direito: “investiu-se muito no desenvolvimento de
um novo paradigma jurídico para a proteção social dos Direitos da Criança e Adolescente,
o que se seguiu foi uma diminuição da capacidade de mobilização social. O que deveria
ser uma instância participativa virou uma instância representativa com um certo
isolamento da base que elegeu o representante eleito” (Volpi, 2000: 28).
Ainda segundo o mesmo autor: “o governo brasileiro, a partir de uma série de
exigências do FMI sobre investimentos na área social, criou uma rede de proteção social
que pode ser resumida a 22 rubricas no orçamento da União. O governo deve assegurar
estas medidas, caso contrário corre o risco de não receber os empréstimos solicitados.
Uma análise dessas rubricas nos permite verificar que a sua maior característica é
reproduzir um modelo europeu de proteção social, no qual existe uma rede de serviços que
impede que o indivíduo seja excluído da sociedade (...).Acontece que, no nosso país, o
excluído já está estatelado no chão e a maioria da população já está excluída das mínimas
condições de sobrevivência. Portanto, não se trata de criar uma rede de proteção social,
mas de organizar um conjunto de serviços públicos e uma rede de inclusão social que
tragam o indivíduo excluído para participar da vida social” (Volpi, 2000: 32-3).
O Conselho Tutelar desempenha um importante papel no sistema de garantias e é
um órgão pelo ECA que tem a sociedade como responsável pelo cumprimento dos direitos
das crianças e adolescentes. Segundo Andrade (2000:15) “... o conselho tutelar se constitui
como órgão, instituição, que ocupa lugar intermediário entre a sociedade civil e o Estado.
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Um espaço de interseção entre o Estado e a sociedade civil ou um espaço lateral à
justiça”. O autor percebe na concepção do conselho tutelar uma ambigüidade, a partir de
duas perspectivas políticas: “uma oriunda da „vertente de direita‟, que pensa o CT
enquanto participação dos indivíduos não na busca da eliminação das desigualdades, mas
como mecanismo de regulação e controle das condutas individuais. Outra advinda do que
chamamos „vertente de esquerda‟, que tem como modelo os conselhos operários os quais,
através da participação social, buscam a eliminação das desigualdades e a transformação
da sociedade” (idem: 27). Cabe destacar o importante papel dos conselhos tutelares na
defesa dos direitos das crianças e adolescentes.
Assim, podemos considerar que, embora os conselhos de direitos e os conselhos
tutelares signifiquem um avanço na visão ampliada de relação entre Estado e sociedade
civil, sua atuação tem sido bastante limitada, ainda, em função da cultura política
remanescente no Brasil.
No entanto, a cultura dominante pelo coronelismo, patrimonialismo, clientelismo,
assistencilismo onde a apropriação do público pelos interesses privados é a tônica, são o
caldo cultural, que consolidaram um Estado nacional centralizado e dominado pelos
interesses de uma elite dominante.
Segundo Nogueira (1998:91), historicamente a gestão pública esteve sempre
aquém das necessidades da sociedade e sempre foi marcadas pelo caráter patrimonialista,
com bases fortemente locais: “o localismo nascido do empreendimento colonial
dissimularia sua recusa ao Estado, ciente de que o fenômeno estatal, se não podia ser no
longo prazo evitado, podia, certamente ser controlado. De qualquer modo, o privatismo
localista iria, ao longo do tempo, dispensar a necessidade de maior organização
administrativa e de maior controle do Estado: sua auto-suficiência e suas estruturas de
tipo mandonista não exigiriam sequer organização policial e jurídica por parte do Poder
Público”.
Assim, até que ponto as ONGs têm gerado, de fato, mudanças significativas no
tratamento da questão social, será que elas não têm apenas reforçado a sublaternidade da
questão social e o continuismo dessa tradição privatista de tratamento da questão social?

Conselho Tutelar
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Quem garante, de fato, o princípio da cidadania é o Estado e não será a substituição
da sua ação pelas ONGs que permitirá o acesso igualitário aos bens produzidos
socialmente.
Percebe-se que as atividades prioritárias desenvolvidas pelas instituições são, de
forma geral, de prevenção, profissionalização, reforço escolar, preparação profissional,
artes e lazer. Existem duas entidades que funcionam como abrigos.
Pode-se perceber a ênfase dada nas ONGs de Vitória, como em outras partes do
país, à cultura e ao esporte através de oficinas e cursos. Dentre os direitos previstos no ECA
a cultura, o lazer e os esportes são tratados no capítulo IV: “A criança e o adolescente têm
direito á educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o
exercício da cidadania e qualificação para o trabalho...”. Assim, se o direito à cultura,
lazer e esportes é universal a todas as crianças será que as ONGs que não têm caráter
universalizante podem, de fato, garantir essa política de atendimento?
Pavam (1999:127) destaca o fato de que, embora existam manifestações culturais no
país, não há a preocupação da criação de uma política cultural e da universalização dos
direitos à cultura, como política pública assumida pelo Estado. Assim se manifesta sobre o
assunto: “O grande problema que se apresenta, na realidade, não é a falta de
manifestações, mas a falta de uma política pública e uma universalização do atendimento à
criança e ao adolescente. A riqueza das experiências e das iniciativas inovadoras deveriam
servir de base para a construção dessa política universal, e elevar a Cultura ao nível de
Educação universal, da política de Saúde universal. Não existe, entretanto, uma
mentalidade, um princípio para construção dessa política, que assegure Cultura, Artes,
Esportes , lazer em nível de universalidade de atendimento. O que temos, hoje, são várias
ONGs, desempenhando o seu papel de sociedade civil organizada, elaborando e
executando projetos e propostas para que possam ser absorvidas pelo poder público”.
Percebe-se que mesmo quanto à política de abrigos, na cidade de Vitória e podemos
generalizar para o Estado do Espírito Santo, essas têm sido desenvolvidas a partir das
ONGs. Essa é uma das políticas sociais muito importantes e que não podem ser
negligenciadas pelo Estado.
Pode-se concluir que as ONGs que desenvolvem ações no âmbito da criança
e adolescente agem de forma a serem subsidiária às ações do poder público, pois no
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município de Vitória, a concepção de gestão social é de co-responsabilidade entre poder
público e sociedade tem sido o pressuposto da administração municipal. O Rede criança
tem como um dos principais objetivos subsidiar as organizações não-governamentais a
captarem recursos para sua viabilização e há um processo de transferência de
responsabilidades a esta esfera, na medida em que as retaguardas, que são avaliadas pelos
agentes do sistema de garantias como insuficientes, funcionam sempre em parceria com
entidades não-governamentais.
Um outro aspecto a ser ressaltado é que o município também implantou os
projetos PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), Agente Jovem de
Desenvolvimento Social e Humano, Projeto Sentinela, Bolsa Escola, além de programas
como Amigos da Escola que têm na subsidiariedade cuja principal característica é o
deslocamento da responsabilidade do Estado para a família e a comunidade. Esses
programas elaboradas em nível nacional são focalistas e não resguardam os direitos sociais
universais previstas no Estatuto.
Perante o exposto, na relação entre o ECA e o neoliberalismo tem-se a clareza de
que os projetos desenvolvidos na área de criança e adolescente do município de Vitória
ainda estão voltados para a situação de risco pessoal e social e têm caráter assistencial,
precisando avançar na efetiva articulação do sistema de garantias, garantindo as políticas
sociais básicas e universais.
Dessa maneira, podemos concluir que o repasse da responsabilidade do poder
público para as ONGs no que tange às políticas sociais, não é um fator de construção de
cidadania, mas ao contrário, um reforço da precarização social e da reestruturação
produtiva que interessa apenas ao capital.
Bibliografia
ANDRADE, José Eduardo. (2000)Conselhos Tutelares: sem caminhos ou cem caminhos? São
Paulo: Veras.
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