Sistemas de Nefrometria para predizer

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EDITORIAL
Atestado médico e suas implicações
N
as palavras de Souza Lima, presentes no Tratado de Medicina
Legal, o Atestado Médico é a afirmação, por escrito, de um fato
médico e suas consequências. O mesmo pode ser oficioso (solicitado por qualquer pessoa cujo interesse atenda), administrativo (exigido por autoridades administrativas — licenças, aposentadorias) ou judiciário (requisitado por juiz).
Nos casos em que houver atendimento médico, o profissional tem
o dever ético de fornecer atestado, já que o Código de Ética Médica
(CEM) o considera parte integrante da consulta, devendo refletir a
verdade dos fatos. É importante que, ao emitir o Atestado, se identifique com certeza, a pessoa sobre a qual se elabora este documento,
bem como os dados do médico que o assina.
O atestado gracioso (de favor), aquele em que a pessoa, apesar
de não ter tido atendimento médico, requer ao profissional a fim de
usufruir algum benefício, é uma situação grave e criminosa, já que
se encontra tipificada no Código Penal — Art. 302: “Dar o médico, no
exercício de sua profissão, atestado falso” — e no Código de Ética
Médica (CEM) vigente — Art. 80: “É vedado ao médico: expedir documento médico sem ter praticado ato profissional que o justifique,
que seja tendencioso ou que não corresponda à verdade”, devendo
tal prática ser proscrita, pois só faz desprestigiar a imagem do médico e da Medicina.
O médico não deve revelar o diagnóstico da doença que motivou
o documento, mesmo sob forma codificada (CID), salvaguardando o
sigilo profissional, havendo exceção nos casos de dever legal, justa
causa ou por autorização expressa do paciente.
Com a promulgação da Lei dos Juizados Especiais, o Atestado
Médico assumiu a posição de substituto eventual da perícia médico-legal nos casos de lesão corporal leve, sendo essa mais uma razão
para o esmero e cuidado ao se emiti-lo.
Dr. Celso Lara
Prof. Adjunto de Urologia da UERJ
Prof. Adjunto de Medicina Legal da UFRJ
Editor chefe
Ronaldo Damião
Editores associados
Danilo S. L. da Costa Cruz
Eloisio Alexsandro da Silva
A T U A L I Z A Ç Ã O
Sistemas
de Nefrometria para
predizer resultado pós-operatório e complicações na Nefrectomia Parcial – Estado Atual
WILSON F S BUSATO JR
Professor de Urologia, Universidade do Vale do Itajaí | UNIVALI | Itajaí | SC
GILBERTO L ALMEIDA
Urologista | Instituto Catarinense de Urologia | SC
FELIPPE S BUSATO
Doutorando da UNIVALI
Introdução
A mudança na abordagem do câncer renal (CR) nas últimas décadas é decorrente,
fundamentalmente, do uso rotineiro de exames de imagem, em que cerca de 70% dos
tumores são diagnosticados incidentalmente e também de uma maior disponibilidade
das técnicas minimamente invasivas (TMI)1.
Atualmente, entre 80-90% dos CR são diagnosticados como localizados (T1) e mais de
60% apresentam-se menores que 4cm2. A
nefrectomia parcial (NP) é considerada o tratamento padrão para a maioria dos casos de
tumores renais localizados, uma vez que as
abordagens laparoscópica, aberta e robótica
apresentam resultados oncológicos equivalentes à nefrectomia radical (NR)2. Estudos
comparativos sugerem que a NP pode diminuir a morbimortalidade nos pacientes com
2
UROLOGIA ESSENCIAL
V.4  N.1  JAN  JUN  2015
tumores T1, assim como reduzir as taxas subsequentes de insuficiência renal3, 4, redução
no risco de complicações cardiovasculares e
morte prematura4.
Mesmo com tantas opções de tratamento disponíveis (laparoscópico, aberto,
robótico, percutâneo ou active surveilance), a decisão pode ser difícil e baseada em
critérios subjetivos, tais como: estado geral
do paciente, anatomia do tumor, opção do
paciente, experiência da equipe cirúrgica e
tecnologia disponível5. A avaliação radiológica pré-operatória é o recurso mais utilizado para indicar o tratamento, levando-se
em consideração variáveis como diâmetro
e localização do tumor, profundidade e
proximidade dos vasos do hilo e da pelve
renal6. Essas definições são observador-dependentes e podem não ter uniformidade;
uma escolha inadequada pode aumentar o
www.urologiaessencial.org.br
risco de fístula, perda da unidade renal ou de recidiva local7.
Só recentemente tem havido uma preocupação em padronizar o processo de decisão do tratamento em tumores T1 mediante sistemas de
escore nefrométricos. São métodos estruturados
e quantificáveis para descrever achados anatômicos relevantes do tumor5. Três sistemas morfométricos renais estão em uso atualmente, a saber:
R.E.N.A.L., P.A.D.U.A. e C-index.
Conduzimos uma pesquisa em outubro de 2012,
utilizando Medline, Embase e Web of Science Databases, utilizamos para pesquisa as palavras-chave
nephrometry score (70), robot-assisted partial nephrectomy (127), laparoscopic partial nephrectomy
(743) e open partial nephrectomy (369) utilizando
como limitador os estudos publicados nos últimos
5 anos. Muitos estudos encontrados na pesquisa se
sobrepunham e somente foram levados em consideração aqueles mais recentes, com maior número de
participantes ou com dados mais completos. Esta
revisão discutirá as características de cada um dos
sistemas e o impacto de sua aplicação na redução
da morbidade e das complicações na NP, com uma
comparação entre as vantagens de uso de cada um
e a aplicação prática desta metodologia.
Sistemas nefrométricos
Sistemas nefrométricos (SN) ajudam a padronizar a abordagem dos tumores T1, melhorando os
resultados clínicos e permitindo a comparação entre as séries e os métodos de abordagem2. Os sistemas R.E.N.A.L. e P.A.D.U.A. são muito semelhantes e abordam aspectos da localização anatômica
do tumor que, de forma subjetiva, já eram levados
em consideração pelos urologistas para escolher a
abordagem. Já o sistema C-index é um valor medido que deriva diretamente do tamanho do tumor
e sua distância do centro do rim6. Recentemente,
um sistema que busca unir o R.E.N.A.L. com o C-index, denominado DAP (Diameter-Axial-Polar)
foi descrito8. No entanto, existem críticas de que
esses SN são complexos, despendem tempo e habilidade para aplicação e sua individualização é de
valor limitado. Além disso, teriam pouca probabilidade de alterar a decisão cirúrgica.
R.E.N.A.L.
Em 2009, Kutikov e Uzzo descreveram oescore
nefrométrico R.E.N.A.L.: R (raio ou diâmetro máximo do tumor), E (exofítico ou endofítico), N (proximidade ao sistema coletor), A (anterior ou posterior) e L (localização polar), conforme mostrado
na figura 19.O diâmetro máximo pode ser medido
em qualquer plano (axial, sagital ou coronal) e
baseia-se na classificação TNM. Exceto pelo componente “A”, que indica locação anterior ou posterior, uma escala de até 3 pontos é utilizada para
cada parâmetro, perfazendo uma soma total de 4
a 12. A localização longitudinal é dada por uma linha transversal que passa nos bordos mediais do
parênquima renal (figura 2). A complexidade dos
tumores renais pode ser dividida em 3 grupos,
de acordo com a soma total: baixa complexidade
(4-6), média (7-9) e alta complexidade (10-12). O
sistema pode utilizar tanto a tomografia computadorizada axial quanto a RNM e apresenta elevada reprodutividade interobservador (0,92; p<0,001)
(10)
. Um site na internet auxilia a calcular o escore
(http://www.nephrometry.com)
O R.E.N.A.L. é o mais utilizado SN, com vários
artigos descrevendo seu uso clínico prático. Escores elevados associam-se significativamente com
maiores incidências de complicações, mesmo após
ajustados para as características básicas dos pacientes nos modelos logísticos multivariáveis (11).
A utilização do SN é um indicador mais sensível
da possibilidade de complicações pós-operatórias
após NP baseada na característica isolada do tumor. Isoladamente, apenas o “N” está associado a
complicações e hemorragia. Além disso, alto escore no R.E.N.A.L. associa-se com um aumento de
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FIGURA 1
Sistema R.E.N.A.L.
Plano frontal
Plano transverso
Plano sagital
Ant
Post
Sistema R.E.N.A.L.
CRITÉRIO
(R)aio máximo (cm)
(E)xofítico/endofítico
(N) Proximidade do sistema coletor (mm)
(A)nterior/Posterior
(L)ocalização relativa as linhas polares
1 PONTO
≤4
≥ 50% exofítico
≥7
Inteiro acima ou
abaixo das linhas
polares
Exemplo de escore
Raio (4,3cm) = 2 pontos
Exofítico (>50%) =1 ponto
Proximidade do seio (< 4mm) = 3 pontos
complicações Clavien grau III, mas não graus I e II.
Outro aspecto importante é o tempo de isquemia
quente. Alguns estudos têm demonstrado uma relação entre esse tempo e o escore R.E.N.A.L., apesar
de não haver uma definição clara do limite de tempo
aceitável em um paciente com os dois rins e função renal normal, ou mesmo concordância de que o
R.E.N.A.L. pode predizer esse tempo (12). Cha et al.
correlacionaram o escore R.E.N.A.L. com o grau de
4
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V.4  N.1  JAN  JUN  2015
2 PONTOS
> 4 mas < 7
< 50% exofítico
< 4 mas < 7
3 PONTOS
≥7
100% endifítico
≤4
Sem pontuação. Usa-se a, p e x
<50% dentro das
>50% dentro das linhas
linhas polares
polares
Anterior = a
Localização (>50%) = 3 pontos
Escore final = 2 + 1 + 3 + a + 3 = 9a
declínio da função renal seguindo NP após 38 meses
(12)
. Satasivam et al. encontraram 20,7% de patologia
benigna em lesões de baixa complexidade contra
6,2% na de alta, demonstrando o potencial desse escore também em predizer taxas de malignidade de
massas renais.
White et al. avaliaram o papel do escore
R.E.N.A.L. em tumores complexos maiores que 7
cm de diâmetro e concluíram que o sangramento,
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FIGURA 2
Caracterização da localização longitudinal. Em A. PADUA linha polar axial passa
na parte superior e inferior mais externa do seio renal e B. RENAL linha polar passa nas bordas
mediais do parênquima renal.
tempo de isquemia quente e complicações foram
estatisticamente maiores naqueles tumores com
escore elevado (13). Vale salientar que nenhum componente individual ou o sistema R.E.N.A.L. tem
mostrado ser capaz de predizer a perda da função
renal pela taxa de filtração glomerular.
P.A.D.U.A.
Outro sistema, conhecido como P.A.D.U.A.
(Preoperative Aspects and Dimensions Used for an
Anatomical classification ), foi proposto em 2009
por Ficarra et al.14 e é muito similar ao R.E.N.A.L.
mas baseia-se em sete achados: localização anterior, localização posteror, localização longitudinal,
relação com seio renal, relação com sistema coletor, porcentagem de tumor exofítico e diâmetro
tumoral (Figura 3). A pontuação vai de 6 a 13 e
classifica a complexidade em baixa (6-7), moderada (8-9) e alta (10-13)14. De modo diferente do
sistema R.E.N.A.L., o P.A.D.U.A. avalia separadamente o comprometimento do sistema coletor. O
motivo disso é que a abertura da via excretora requer uma reconstrução mais extensiva e aumenta
o risco de complicação de fístula urinária.
Outra diferença é a definição dos limites da
região interpolar (Figura 2). Enquanto o sistema
R.E.N.A.L. define esses limites baseado na localização de um plano transverso, passando pelo
bordo medial do parênquima renal, no sistema
P.A.D.U.A. os limites polares são dados por uma
linha transversal que passa nos limites superior
e inferior da gordura do seio renal. Essa pequena diferença de definição pode divergir em até
2 a 4cm2. É importante acompanharmos os trabalhos futuros, comparando ambos os sistemas,
uma vez que essa pequena diferença pode ter
um impacto importante na definição da complexidade da ressecção.
Algumas poucas séries não encontraram relação entre escore nefrométrico e complexidade
da ressecção na NP. A maior parte destas séries
são heterogêneas, como a relatado por Mufarrij et al., em estudo no qual, dos 92 pacientes da
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FIGURA 3
Sistema P.A.D.U.A.
Plano frontal
Plano transverso
Plano sagital
Cranial
Caudal
CRITÉRIO
1 PONTO
Medial ou Lateral
2 PONTOS
3 PONTOS
Sem pontuação. Usa-se M ou L
Associação com seio renal
não envolvido
envolvido
Associação sistema coletor
não envolvido
envolvido
Exofítico
≥ 50%
< 50%
100% endofítico
Diâmetro do tumor
≤4≥7
> 4 mas < 7
≥7
anterior ou posterior
Sem pontuação. Usa-se A ou P
localização axial
Todo acima/abaixo da linha
polar axial
≥50% entre as linhas
polares axiais
Exemplo de escore
Médio/lateral = L
Seio renal (não compromete) = 1 ponto
Sistema coletor (não envolvido) = 1 ponto
Exofítico (>50%) = 1 ponto
série, apenas 4 foram classificados como de alta
complexidade15. As validações externas que têm
sido publicadas indicam, numa análise univariada, uma correlação com a taxa de complicação e
tempo de isquemia quente, principalmente para
tumores acima de 4cm. Isoladamente, somente o
envolvimento do seio renal, do sistema coletor e
o diâmetro do tumor têm relação com o risco de
complicações.
Tyritzis et al. realizaram a validação do escore
P.A.D.U.A. em 74 NP e encontraram uma sensibi6
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V.4  N.1  JAN  JUN  2015
Diâmetro ( 2,9cm) = 1 ponto
Anterior/posterior = A
Axial (todo abaixo) = 1 ponto
Escore final = L + 1 + 1 + 1 + 1 + A + 1 = 5LA
lidade de 91% e especificidade de 78%. Ainda, um
escore ≥8 identificou um grupo de pacientes com
quase 20 vezes maior risco de complicações16.
CENTRALITY-INDEX
O C-index foi proposto por Simmons et al.
em 2010 (17) e, de modo diferente dos sistemas
R.E.N.A.L. e P.A.D.U.A., é uma medida calculada e
não um sistema descritivo por categoria. Para predizer a complexidade da ressecção, baseia-se no
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tamanho do tumor e na distância da periferia deste
ao centro do rim, sendo que esses valores podem
ser obtidos em imagens transversais de tomografia
2D. Apesar de parecer simples, a metodologia descrita é relativamente complexa de aplicar (figura 4).
A medida do C-index começa pela identificação da
imagem transversa mais superior e da mais inferior
do rim. Calcula-se o número de cortes entre elas
para obter a imagem média. A seguir, identifica-se o corte que mostra o maior diâmetro tumoral
e, após isso, conta-se o número de cortes entre a
imagem do plano médio renal e a do maior diâmetro tumoral e, enfim, multiplica-se pela espessura
de cada corte. Essa distância é a medida vertical
do centro renal ao plano do centro do tumor. Deixa-se, então, o mouse no centro do rim e as imagens
axiais vão sendo roladas até o plano que mostre o
diâmetro tumoral máximo. Do cursor do mouse até
o centro do tumor será a medida horizontal. Agora, basta aplicar o teorema de Pitágoras para achar
FIGURA 4
Sistema C-index
Y distância vertical; X distância horizontal; R raio do tumor
Exemplo de escore
Centro do tumor fora do centro renal = >1
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Atualização
“c”, que é a distância real entre o centro do rim e
do tumor. Por fim, a distância “c” é dividida pelo
raio do tumor e se obtém, finalmente, o C-index. Se
o C-index for zero, então o centro do tumor estará
no centro do rim. Se CI=1, significa que a borda do
tumor encosta no centro do rim. Quanto maior o índice, mais distante está o tumor do centro do rim e,
quanto menor, maior a complexidade da ressecção.
Apesar da complexidade do cálculo, acaba por
ser um método objetivo, com a variação interobservador de apenas 7%, mas com uma curva de
aprendizado relativamente longa de 14 medidas (2).
Existe uma carência de trabalhos validando esse
escore com metodologia correta.
DIAMETER-AXIAL-POLAR
Recentemente, Simmons et al. propuseram um
novo sistema de escore como uma integração dos
sistemas R.E.N.A.L. e C-index, denominado DAP
(Diameter-Axial-Polar) (8). Esse sistema é baseado
em apenas 3 variáveis: diâmetro do tumor, distância do centro renal e distância polar. A ideia foi de
simplificar o cálculo do C-index e segue 4 passos:
1) passar as imagens no plano axial até encontrar
o maior diâmetro do tumor; 2) no mesmo plano
axial, uma linha que determina a periferia do rim
exclusiva do tumor é delineada, designando-se
um ponto no centro. Mede-se a distância da borda
do tumor a esse ponto central; 3) identifica-se o
plano renal equatorial situado no ponto médio entre os planos dos polos superior e inferior do rim,
de modo semelhante ao C-index. Determina-se a
distância do limite do tumor com esse plano renal
equatorial, contando-se o número de cortes axiais
e multiplicando-se pela distância da espessura do
exame. Para a determinação correta da margem do
tumor, vale o plano axial em que o limite está mais
claro desde um corte anterior, algo borrado ou mal
definido e 4) o escore DAP final é calculado pela
soma da pontuação dos três parâmetros (figura 5).
Este é um sistema muito recente e espera-se,
nos próximos anos, por estudos validando essa
metodologia, tanto nas NP abertas quanto nas técnicas minimamente invasivas.
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FIGURA 5
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Comparação dos sistemas nefrométricos
Sistema D.A.P.
A
B
CRITÉRIO
1 PONTO
2 PONTOS
3 PONTOS
Diâmetro
< 2,4 cm
2,4 a 4,4 cm
> 4,4 cm
Distância Axial
> 1,5 cm
≤ 1,5 cm
Sobrepõem
Distância Polar
> 2 cm
≤ 2 cm
Sobrepõem
Exemplo de escore
Caso A
Caso B
Diâmetro
(4,6cm) = 3 pontos
(2,8cm) = 2 pontos
Distância axial
(≤1,5cm) = 2 pontos
(sobrepõem)= 3 pontos
Distância polar
(≤ 2 cm) = 2 pontos
(sobrepõem) = 3 pontos
Escore final=
3 + 2 + 2= 7
2 + 3 + 3= 8
8
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V.4  N.1  JAN  JUN  2015
A criação de um SN tem dois objetivos básicos:
a padronização das séries e dos estudos publicados,
permitindo comparações e definições de diretrizes
internacionais e predizer o sucesso da nefrectomia
parcial pela definição do risco de complicações pós-operatórias, assim como dos resultados oncológicos
e funcionais6. Para atingir o primeiro objetivo é preciso que o método seja de fácil execução, reproduzível e com baixa variabilidade interobservador. Em
termos de capacidade de aferir o grau de dificuldade, é preciso que haja uma superioridade do sistema
como um todo sobre cada um dos seus parâmetros
isoladamente pois, caso contrário, usar-se-ia apenas
o componente isolado.
A concordância interobservador do escore RENAL é de 51% a 92%, sendo os parâmetros porcentagem exofítica, proximidade e localização polar aqueles com maior variação. O C-index mostra
uma menor variação interobservador (84%), sendo a
medida da distância central o parâmetro de maior
variação. Já o sistema nefrométrico P.A.D.U.A. tem
sido descrito com 81% de concordância interobservador18. Argumenta-se que uma variabilidade média de 15% pode dificultar o uso generalizado dos
sistemas, uma vez que essa variabilidade permite
comparações díspares entre as séries.
Okhunov et al. realizaram uma análise da correlação entre os 3 sistemas. Todos apresentaram
associação significativa com o tempo de isquemia
quente e a porcentagem de mudança na creatinina sérica, e o C-index também foi associado ao
tempo de internação (Tabela 1)18. Tanto o sistema
R.E.N.A.L. quanto o P.A.D.U.A. têm importante alteração na creatinina nas lesões complexas, e podem
auxiliar na decisão operatória, principalmente em
pacientes com a função renal já comprometida. Os
tumores rotulados como de baixa complexidade no
sistema R.E.N.A.L. têm significativamente menor
tempo de isquemia quente, comparados com aqueles de moderada e alta complexidade. Essa diferen-
Sistemas de Nefrometria para predizer resultado pós-operatório e complicações na Nefrectomia Parcial – Estado Atual
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ça no tempo de isquemia não foi identificada no
sistema P.AD.U.A.18. É importante salientar que nenhum dos sistemas mostrou diferença significativa
entre lesões categorizadas como de complexidade
moderada e alta. Existe uma grande dificuldade em
comparar o sistema C-index com os outros sistemas por categoria. O C-index não indica a área geográfica do tumor no rim, tornando as comparações
limitadas. Dois aspectos práticos vantajosos adicionais são: o sistema R.E.N.A.L. é um acrônimo que
faz referencia à metodologia, sendo mais fácil a me-
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Atualização
de início os SN puderem aferir a dificuldade da
ressecção de pequenas massas renais, já estaremos dando um grande passo. A utilidade desses
escores para o treinamento de novos urologistas,
deixando as lesões menos complexas para treinamento de residentes e para urologistas iniciantes,
em detrimento das lesões de complexidade média
a alta, direcionadas para centros mais experientes, pode ser uma opção.
Estamos falando de uma metodologia nova,
mas alguns dados já podem ser separados e utili-
TABELA 1 Correlação entre os escores C-index, PADUA e RENAL e os fatores clínicos20
C-index
P.A.D.U.A.
R.E.N.A.L.
Rho
p<
Rho
p<
Rho
p<
Complicações pós-operatórias
-0,06
0,526
-0,04
0,677
0,01
0,885
Tempo operatório
-0,04
0,706
-0,06
0,562
0,01
0,935
Internação
-0,21
0,039
-0,02
0,814
0,00
0,982
Sangramento
0,09
0,376
-0,04
0,691
-0,01
0,936
Isquemia quente
-0,44
0,001
0,25
0,016
0,32
0001
% alteração creatinina
-0,33
0,001
0,37
0,001
0,41
0,001
morização, e o sistema C-index, cuja referência ao
ponto central renal sobreposto ao centro do tumor
como C=0 ou limite tumoral junto ao centro renal
em C=1, facilita a compreensão.
Aplicação clínica
O primeiro SN foi desenvolvido tendo como
base nefrectomias parciais abertas e uma dúvida nas técnicas minimamente invasivas logo
surgiu19. Atualmente, a maioria das publicações
se refere à avaliação de técnicas minimamente
invasivas.
De todas as possibilidades de uso clínico, a
correlação com achados patológicos, oncológicos e funcional são as mais procuradas. Mas, se
zados na rotina diária. Por exemplo, pacientes com
tumores rotulados como C-index<1,3 foram mais
de nove vezes mais frequentemente submetidos à
nefrectomia radical. Tumores com C-index≤1 têm
um tempo de isquemia 2,3 vezes maior que 35
minutos. Na prática, tumores cujo limite encoste
no centro renal têm alto risco de lesão isquêmica.
Esses pacientes devem ser informados do maior
risco de perda renal intraoperatório.
Waldert et al. relataram uma associação do
P.A.D.U.A. ≥10 com um aumento do tempo de isquemia quente numa análise multivariada (22 vs 34
minutos; p=0,006)19. Escore P.A.D.U.A. de 8-9 tem
uma taxa de risco de 14,5 de complicações pós-operatórias, quando comparados com tumores de
escore 6-7. Já tumores ≥10 têm risco 30,6 2. De uma
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forma prática, tumores com escore >10 têm 3 vezes
maiores riscos de complicações comparados àqueles <10. Bruner et al. demonstraram uma associação entre o escore R.E.N.A.L. e fístula urinária.
Cada unidade do escore R.E.N.A.L. está associada
com um aumento de 35% no risco de fístula2.
repercussão dessa perda pôde ser avaliada em um
estudo sobre a perda funcional renal após 1 ano, no
qual não se observou correlação do C-index e tempo
de isquemia com perda funcional tardia20. Entretanto, é preciso um maior número de trabalhos e um período maior de seguimento.
Outro benefício dos SN é a definição do resultado funcional após a NP. Samplaski et al. 20 avaliaram
a função renal em 131 pacientes submetidos a NP
e demonstraram que o percentual de perda da taxa
de filtração glomerular se correlacionou diretamente
com o C-index e o tempo de isquemia. Vale ressaltar que o C-index também prediz o maior tempo de
isquemia. C-index escore <2,5 associou-se com 2
vezes mais risco de perda funcional renal >30%. A
CONCLUSÃO
Os escores nefrométricos associam-se com duração da isquemia quente, taxas de complicações,
porcentagem de mudança da creatinina e resultados funcionais e podem ajudar a escolher a melhor
técnica operatória.
Nenhum escore (R.E.N.A.L., P.A.D.U.A. ou C-index) mostrou superioridade sobre os outros.
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10
UROLOGIA ESSENCIAL
V.4  N.1  JAN  JUN  2015
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M U LT I D I S C I P L I N A R I D A D E
Uso de drogas na Doença Renal
Crônica: o que é de interesse do
urologista
Egivaldo Fontes Ribamar
Serviço de Nefrologia – Hospital Universitário Clementino Fraga Filho – UFRJ >> Serviço de Nefrologia – Hospital
Federal de Bonsucesso – Ministério da Saúde
Pablo Machado Borela
Serviço de Nefrologia – Hospital Universitário Clementino Fraga Filho – UFRJ
Introdução
A
doença renal crônica (DRC) é considerada, atualmente, uma verdadeira epidemia em todo o mundo e um
importante problema de saúde pública no
Brasil. Constitui um grande risco para pacientes com diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares, doenças mais prevalentes na população idosa. A DRC consiste
na presença de lesão renal com a consequente perda crônica e progressiva da função renal1. Com o avançar da doença, os
rins vão perdendo a capacidade de manter
a homeostase do meio interno, até que, na
fase mais avançada, o indivíduo deve ser
indicado para a diálise ou o transplante,
considerado o tratamento de escolha. A
National Kidney Foundation (NKF), no documento Kidney Disease Outcomes Quality Initiative (K/DOQI), caracterizou a DRC
com base em dois critérios principais2:
14
UROLOGIA ESSENCIAL
V.5  N.1  JAN  JUN  2015
Critério 1:
Presença de lesão renal por um período
maior ou igual a 3 meses, caracterizada por
anormalidades estruturais ou funcionais,
com ou sem diminuição da taxa de filtração glomerular (TFG) e manifestada por
anormalidades patológicas ou marcadores
de lesão, que incluem alterações sanguíneas, urinárias ou exames de imagem renal.
Exemplo: um paciente com rins policísticos, observados na ultrassonografia (exame de imagem), mesmo com clearance de
creatinina normal (> 90ml/min), tem DRC,
pois tem marcador de dano renal (múltiplos cistos).
Critério 2:
Se a TFG for menor que 60 mL/min/1,73
m2, por um período maior ou igual a 3 meses, com ou sem a presença de lesão renal
documentada.
www.urologiaessencial.org.br
Exemplo: um paciente com hipertensão arterial,
com clearance de 50ml/min/1,73m2, mesmo sem
hematúria ou proteinúria, tem DRC, pois a TFG está
< 60ml/min/1,73m2).
Para ser considerado portador de DRC, o paciente deve ter um ou ambos os critérios citados. Em
pacientes idosos, esta definição deve ser vista com
mais cuidado, pois o próprio envelhecimento pode
causar arterioloesclerose renal e redução fisiológica
dos fluxos renais e da TFG. Um paciente de 70 anos,
por exemplo, com creatinina 1,0mg%, tem TFG
(CKD-EPI) de 76ml/min. Essa TFG reduzida se deve
à progressão própria da faixa etária e não a uma
possível nefropatia crônica. Após os 40 anos, ocorre uma perda fisiológica, em média, de aproximadamente 1ml/min/ano da filtração glomerular. Tal
observação é fundamental, pois esses casos estão
muito presentes no meio urológico e são bastante
sensíveis à agudizações da doença, a complicações
clínicas e a atrasos na recuperação, ao serem submetidos a procedimentos cirúrgicos ou expostos a
medicações potencialmente nefrotóxicas.
Com base nesses critérios, a DRC foi classificada em 5 estágios, conforme a TFG, com objetivo de
uniformizar a conduta e facilitar o entendimento e
a condução dos pacientes com nefropatia crônica,
nos seus vários estágios (TABELA 1).
Epidemiologia da DRC
A DRC tem uma enorme prevalência em pacientes com diabetes e hipertensão arterial, doenças
crescentes, que comumente evoluem com alguma forma de nefropatia. As causas mais comuns
de DRC em todo o mundo são o diabetes mellitus
(DM), a hipertensão arterial (HAS) e as glomerulonefrites (GNC). No Brasil, dados oficiais da Sociedade Brasileira de Nefrologia revelam que hipertensão
é a causa mais comum de DRC na fase dialítica. Os
pacientes diabéticos, idosos e os familiares de pacientes com DRC prévia têm risco aumentado de
desenvolver a DRC.
Na maioria dos casos, a doença renal tem evolução progressiva, insidiosa e assintomática, até que a
TFG caia a valores baixos, como 30 ml/min/1,73m2,
sendo necessária especial atenção na condução
desses pacientes, pelo alto risco de agudização e
complicações. Esses pacientes merecem muito
cuidado na prescrição de drogas, especialmente
anti-inflamatórios não hormonais (AINH), contrastes radiológicos, antibióticos nefrotóxicos, entre
outras, assim como na realização de procedimentos
invasivos, como cirurgias, em que há grande risco
de piora funcional e ocorrência de distúrbios metabólicos, dificultando enormemente o tratamento.
Como avaliar a função renal na prática
TABELA 1 Estágios da doença renal crônica3, 4.
Estágio
TFG (ml/min/1,73m2)
1
≥ 90 (com um marcador de dano renal
presente)
2
60-89
3A
45-59
3B
30-44
4
15-29
5
<15 (fase dialítica)
Em qualquer paciente que será submetido a procedimento cirúrgico ou uso crônico de medicamentos, recomenda-se uma detalhada avaliação da função renal. Historicamente, a medida mais utilizada
da filtração glomerular é a depuração ou clearance
de creatinina na urina de 24 horas. O clearance de
creatinina não é uma medida ideal, pois a creatinina, além de filtrada, sofre secreção nos túbulos renais. Apesar disso, é muito utilizado, devendo ser
recomendado, especialmente nas situações em que
as fórmulas de estimativa da TFG são menos precisas, tais como4:
- extremos da idade e do tamanho corporal;
- estado nutricional ruim;
V.5  N.1  JAN  JUN  2015 UROLOGIA ESSENCIAL
15
MULTIDISCIPLINARIDADE
IMPLICAÇÕES DO GADOLÍNIO NO SISTEMA URINÁRIO
CARLOS MARTINS CARNEIRO DE ARAÚJO JÚNIOR
- pacientes obesos;
- doenças musculoesqueléticas;
- pacientes com paraplegia ou quadriplegia;
- piora aguda da função renal;
- ajuste de doses de medicamentos.
Muitos pacientes urológicos, especialmente os
idosos, enquadram-se bem nesse perfil, fazendo
da urina de 24h um método importante e seguro
para avaliar a função renal. Além da urina de 24h,
várias fórmulas que estimam a TFG têm sido utilizadas com grande frequência e precisão. Essas
fórmulas utilizam dados demográficos e clínicos e
as mais utilizadas atualmente são:
a- COCKROFT-GAULT (CG)*:
Publicada em 1976, usa a creatinina, o peso e a
idade como variáveis5. É a mais tradicional, fácil,
rápida e pode ser obtida por cálculos manuais e
em aplicativos.
TFG (ml/min) = (140 – idade) x peso / (72 x creatinina sérica)
* no sexo feminino, multiplicar o resultado final por 0,85 (devido à menor massa muscular da
mulher)
b- MDRD (Modification of Diet in Renal Disease):
Publicada em 1999, é usada com maior acurácia em pacientes com TFG <60ml/min/1.73m2 5.
Quando a TFG >60ml/min, a precisão é menor. Os
cálculos geralmente são automáticos, gerados em
calculadoras ou aplicativos, devido à complexidade da fórmula.
TFG (mL/min/1,73 m2) = 186 x (creatinina sérica) - 1,154 x
(Idade) - 0,203 x (0,742 se mulher) x (1,212, se de origem
africana, considerado como raça negra em outras localidades)
16
UROLOGIA ESSENCIAL
V.5  N.1  JAN  JUN  2015
LEONARDO KAYAT BITTENCOURT
c- CKD-EPI (Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration):
Foi publicada em 2009, usa as mesmas variáveis da MDRD, é mais precisa, especialmente
em pacientes com TFG >60ml/min/1.73m2 5. Os
cálculos são feitos geralmente em calculadoras
ou aplicativos, devido à complexidade da fórmula. Atualmente é uma das fórmulas mais utilizadas
pelos nefrologistas.
Todas essas fórmulas podem ser recomendadas para avaliação da função renal, propiciando
uma excelente correlação com a verdadeira TFG,
com rápida obtenção do resultado, importante
para o estabelecimento de cuidados nos procedimentos ou medicamentos a serem utilizados.
Manuseio de medicamentos e procedimentos urológicos em pacientes com DRChttp://g1.globo.com/concursos-e-emprego/
noticia/2014/07/marinha-abre-concurso-para-59-vagas-de-nivel-superior.html
A utilização de medicamentos em pacientes
com DRC é um problema complexo, difícil, e exige muita atenção na escolha da droga, nas doses
e no tempo de uso. Essa dificuldade é determinada
pela menor função renal, alterações metabólicas,
retenção de sal e água e por distúrbios tais como
acidemia e hipercalemia, que causam maiores riscos para o paciente. A anemia pela deficiência de
eritropoetina também está presente na maioria dos
casos mais avançados. Além disso, pacientes com
DRC são particularmente propensos a desenvolver hiponatremia aguda, às vezes severa, seja por
absorção de soluções isotônicas, reposição de soluções hipotônicas na veia e por secreção inapropriada do ADH, fenômenos possíveis em cirurgias,
especialmente nos idosos ou com DRC prévia. A
escolha de medicamentos deve ser criteriosa, devendo-se considerar a biodisponibilidade, distribuição e a via de eliminação.
Os pacientes com DRC habitualmente têm comorbidades e complicações que levam à necessidade de várias classes de medicamentos. Desta forma, é fundamental identificar a presença da DRC,
IMPLICAÇÕES DO GADOLÍNIO NO SISTEMA URINÁRIO
CARLOS MARTINS CARNEIRO DE ARAÚJO JÚNIOR
a causa e a medida da função renal, para, assim,
avaliar a melhor opção, a menos tóxica e as doses a
serem prescritas. Esses cuidados visam minimizar
os efeitos adversos sistêmicos e a nefrotoxicidade,
que causam muita dificuldade no manejo clínico
ou cirúrgico do paciente. É comum na prática médica o uso de medicamentos, de quaisquer classes,
sem essa observância, o que leva a frequentes iatrogenias, que poderiam ser evitadas.
Classes de drogas potencialmente
usadas na Urologia
Anti-inflamatórios (AINH)
Os AINH promovem inibição das prostaglandinas
e interferem com a hemodinâmica renal, podendo
causar redução da filtração glomerular. Embora sejam
bem tolerados, são comumente associados a efeitos
tóxicos, às vezes significativos. Nenhum dos AINH é
totalmente seguro para pacientes com DRC. Os principais efeitos tóxicos ocorrem no trato gastrointestinal, fígado, rins, além da redução da adesividade plaquetária, predispondo a sangramentos, importantes
TABELA 2
Nome da droga
Tramadol
Cetorolaco
Cetoprofeno
Diclofenaco
LEONARDO KAYAT BITTENCOURT
MULTIDISCIPLINARIDADE
em pacientes urológicos submetidos a procedimentos
cirúrgicos que demandam uma boa hemostasia.
Os AINH devem ser evitados quando houver déficit da função renal e, em pacientes idosos, que têm
uma autoregulação renal limitada pela idade, o risco
de toxicidade é maior. Em casos especiais, quando
a prescrição for fundamental, avalia-se o risco vs benefício, devendo-se usar pelo menor tempo possível.
Essas drogas podem levar à insuficiência renal aguda,
geralmente reversível, por interferir na hemodinâmica renal e por reação de hipersensibilidade, causando
nefrite tubulointersticial aguda, às vezes com necessidade de diálise. O uso crônico de alguns AINH pode
causar síndrome nefrótica, principalmente por lesão
mínima, nefrite tubulointersticial crônica e necrose
de papila renal.
Em pacientes submetidos à nefrectomia unilateral, os AINH podem ser usados, mas com cautela,
pois podem levar à redução da TFG e causar insuficiência renal aguda, especialmente em cursos mais
longos. Uma vez documentada a DRC, com redução
da TFG, recomenda-se evitar esta classe de drogas ou
utilizá-la com extremo cuidado (TABELA 2).
Ajuste de AINH comumente usados na prática clínica7,8
Ajuste para
função renal
Cuidados
especiais
Se TFG < 30ml/min,
50-100mg 12/12h
máx 200mg/ dia
Nunca
exceder 400mg/ dia.
Muito cuidado em idosos.
10-20mg VO cada 4-6h
30-60mg IV, cada 6h
máx 120mg/ dia
Contraindicado DRC grave.
Na DRC leve-moderada
10mg cada 6h (max 40mg) ou 15mg
IM/IV, cada 6h (max 60mg)
Usar por no máximo 5 dias.
Não usar na DRC grave ou
em casos de alto risco de
lesão renal por depleção
volêmica
50-75mg
3-4 x dia
Não usar na DRC grave
TFG < 25ml/min,
max 150mg/ dia
Alto risco de lesão renal
Quando a TFG for reduzida,
avaliar risco x beneficio
50mg
2-3x dia
Não usar na DRC pelo alto risco de
piora renal
Não recomendado em
pacientes com disfunção
renal
Dose habitual
50-100mg VO / IV / SC
cada 4-6h
V.5  N.1  JAN  JUN  2015 UROLOGIA ESSENCIAL
17
MULTIDISCIPLINARIDADE
IMPLICAÇÕES DO GADOLÍNIO NO SISTEMA URINÁRIO
CARLOS MARTINS CARNEIRO DE ARAÚJO JÚNIOR
Diuréticos
O uso de diuréticos deve ser cuidadoso, embora sejam drogas bastante úteis, particularmente
os tiazídicos, muito utilizados na litíase urinária.
Os diuréticos de alça, como a furosemida, podem
causar depleção de volume, além de hipocalemia,
hipercalciúria, hipernatremia e alcalose metabólica; os tiazídicos, como a hidroclorotiazida e a clortalidona, também podem causar hipovolemia, além
de hipocalemia, hipercalcemia e hiponatremia,
especialmente nos idosos, por estimular e potencializar a ação do ADH, com maior reabsorção de
água. Ambos, uma vez que causam maior diurese,
podem levar à acentuada depleção de volume e
provocar piora funcional renal. Em paciente com
litíase renal recorrente, por hipercalciúria, os tiazídicos são indicados e causam redução da excreção de cálcio urinário, minimizando a formação de
cálculos. Os diuréticos de alça, como a furosemida,
são contraindicados em pacientes com cálculos de
cálcio por aumentarem a calciúria.
Antibióticos
Em geral, os antibióticos são bem tolerados em
pacientes com DRC, mas alguns têm efeitos potencialmente nefrotóxicos, como os aminoglicosídeos,
que podem levar à necrose tubular aguda. Outros
antibióticos, como as penicilinas, cefalosporinas,
quinolonas, sulfas e a nitrofurantoína, são seguros,
embora haja restrições por potenciais efeitos nefrotóxicos (TABELA 3). Quando o paciente já tem
DRC estabelecida ou avançada, em programa de
diálise, a prescrição destas drogas é especialmente
difícil, devendo ser cuidadosa, com a correção de
doses, de acordo com a gravidade da doença.
Contrastes
Exames com contraste iodado são de risco para
provocar ou agudizar a DRC prévia, especialmente em pacientes idosos, diabéticos, desidratados
e aqueles com mieloma múltiplo. Esses casos devem ser avaliados individualmente e, caso seja essencial a execução do exame, deve-se preparar o
paciente e esclarecer os riscos. A hidratação oral,
com solução salina ou ringer, além do uso de N18
UROLOGIA ESSENCIAL
V.5  N.1  JAN  JUN  2015
LEONARDO KAYAT BITTENCOURT
-acetilcisteína, podem minimizar a piora da função
renal, sendo recomendados.
A ressonância nuclear magnética deve ser avaliada com cuidado nos pacientes com DRC, especialmente naqueles com doença avançada. O contraste
da RNM, gadolínio, pode levar, em alguns casos, a
uma doença denominada fibrose sistêmica nefrogênica, especialmente quando a TFG for <15ml/min e
em pacientes em diálise, devendo ser evitado. Não
há consenso no uso de gadolínio para pacientes
com TFG entre 30-60ml/min, devendo ser avaliado o
risco/benefício do exame sem contraste. Em pacientes com TFG <30ml/min o risco é alto, devendo ser
debatido com o paciente sobre os riscos8.
Hidratação venosa
A hidratação venosa em cirurgias de pacientes
com DRC deve ser feita respeitando-se a condição
cardiovascular de cada indivíduo. Em geral, se a
diurese é normal, apesar da DRC, não há restrição
de volume. Quando o paciente é dependente de diálise ou com baixa diurese, a hidratação deve ser
cuidadosa, para minimizar o risco de hipervolemia
e edema agudo de pulmão.
O uso de solução salina ou soluções balanceadas, como ringer, podem preservar a perfusão de
órgãos nobres, como os rins, evitando a agudização da DRC. O uso de solução fisiológica a 0,9%
em pacientes com DRC avançada pode piorar a
acidemia e aumentar a concentração de potássio6. Historicamente, a solução de ringer com
lactato tem sido evitada em pacientes com DRC
avançada, em diálise, por conter potássio. Em recente estudo, feito com pacientes com DRC que
realizaram transplante renal, observou-se que a
reposição de ringer com lactado foi segura e relacionada com menor risco de hipercalemia e
acidose metabólica que a solução salina6. Ambas
as soluções podem ser utilizadas em pacientes
com DRC não dialítica, devendo-se ter cuidadosa monitorização da volemia, eletrólitos e distúrbios ácido-base. A hipercalemia, frequente tanto
no pré como no pós-operatório de pacientes com
DRC, deve ser monitorizada e corrigida, visando
evitar complicações, como arritmias cardíacas.
IMPLICAÇÕES DO GADOLÍNIO NO SISTEMA URINÁRIO
CARLOS MARTINS CARNEIRO DE ARAÚJO JÚNIOR
LEONARDO KAYAT BITTENCOURT
MULTIDISCIPLINARIDADE
TABELA 3 Antibióticos comumente usados em urologia7,8
Nome
Dose habitual
Ajuste para
TFG >50 ml/min
Ajuste para
TFG
10-50 ml/min
Ajuste para
TFG
<10 ml/min
Cuidados
especiais
500-875/ 100200mg 2-3xdia
100%
100%
50-75%
Hepatotoxicidade
Aumento GGT
500-750mg
12/12h
12h
12-24h
24h
Casos raros de IRA
por hipersensibilidade
400mg
12/12h
12h
TFG
<30ml/min
24h
TFG
<30ml/min
24h
Alergias
50-100mg
6/6h
100%
Evitar
Evitar
Hepatotoxicidade,
Neurotoxicidade
Cefalotina
500-2000mg
6/6h
6h
12h
12-24h
Alergia e baixo
potencial nefrotóxico
Amicacina
5-7,5mg/Kg
Cada 8-12h
8-12h
TFG
40-60 - 12h
20-40 - 24h
48h
Ceftriaxona
1-2g
12 - 24h
24h
24h
24h
Na DRC ou hepática
dose máxima 2g/ dia
Cefuroxima
250-500mg VO
12/12h
500-750mg IV / 8h
100%
100%
15mg/Kg
24h
Alergia e baixo
potencial nefrotóxico
SMX / TMP
400-800 / 80160mg 12/12h VO
8-20 mg / Kg TMP IV 6-12 horas
12h
TFG
15-30ml/min
cada 24h
TFG
<15ml/min
Cada 48h
Alergias, IRA,
toxicidade medular
Fosfomicina
3g VO dose única
3g cada 2-3 dias,
3 doses (ITU
complicada)
3g cada 3 dias 21
dias (prostatite)
100%
100%
100%
Atenção a reações
alérgicas
Amoxicilina/
Clavulanato
Ciprofloxacino
Norfloxacino
Nitrofurantoína
Soluções alcalinizantes
O citrato de potássio é bastante utilizado
na prática nefrourológica para o tratamento de litíase renal de qualquer etiologia. Esta droga aumenta a concentração de citrato na urina, um ini-
Ototoxicidade e alto
risco nefrotoxicidade
bidor da litogênese, além de ser metabolizada em
bicarbonato, aumentando o pH urinário, desejável
em pacientes com litíase por ácido úrico, por melhorar a solubilidade do urato. Em pacientes com
DRC, a reposição de citrato de potássio deve ser
V.5  N.1  JAN  JUN  2015 UROLOGIA ESSENCIAL
19
MULTIDISCIPLINARIDADE
IMPLICAÇÕES DO GADOLÍNIO NO SISTEMA URINÁRIO
CARLOS MARTINS CARNEIRO DE ARAÚJO JÚNIOR
feita com cautela, pelo risco de hipercalemia, principalmente em casos avançados da DRC. Está contraindicada em pacientes com TFG <0,7ml/Kg/min ou na
DRC avançada ou dialítica8.
O bicarbonato de sódio tem sido utilizado para
tentar dissolver cálculos de ácido úrico e por aumentar o pH urinário, tornando a urina mais alcalina. Pode
ser utilizado por via oral, na forma de pó, ou paren-
LEONARDO KAYAT BITTENCOURT
teral, de acordo com a concentração de bicarbonato
sanguíneo. Em geral, não se dispondo da gasometria,
pode-se repor cerca de 1mEq/Kg/dia (1mEq = 1ml de
NaHCO3 a 8,4%), empiricamente. Em pacientes com
DRC, recomenda-se cautela no uso de bicarbonato de
sódio, especialmente com hipertensão não controlada, podendo causar excesso de sal e edema, com piora dos níveis pressóricos, indesejável nestes casos.
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DOR ESCROTAL CRÔNICA (ORQUIALGIA)
U R O L O G I A D E C O N S U LT Ó R I O
LAURENCE A. LEVINE
MICHAEL P. HOEH
Dor Escrotal Crônica
(Orquialgia)
Laurence A. Levine
Professor de Urologia| Depto. de Urologia | Chicago | Illinois | EUA
Michael P. Hoeh
Residência em Urologia | Depto. de Urologia | Chicago | Illinois | EUA
Introdução
D
efine-se dor testicular crônica ou orquialgia como uma dor constante ou
intermitente nos testículos por três ou
mais meses, que impede significativamente
a realização das atividades diárias, levando
o paciente a procurar atenção médica1. O
diagnóstico e tratamento desses pacientes
pode ser extremamente difícil e frustrante,
tanto para o médico quanto para o indivíduo; atualmente não se dispõe de nenhum
regime de tratamento eficaz ou protocolo
padronizado estabelecido para avaliação.
Homens com orquialgia crônica geralmente procuram ajuda em vários serviços, na
tentativa de encontrar uma causa e tratamento para suas queixas, elevando ainda mais a frustração e a tensão na relação
médico-paciente. Em geral, o diagnóstico
estabelecido é o de dor testicular crônica ou
orquialgia, mas muitas vezes os epidídimos,
canais deferentes e estruturas paratesticulares adjacentes também estão envolvidos.
Deste modo, o termo mais apropriado para
designar esta condição seria o de dor escrotal crônica (DEC).
Quase todos os urologistas se deparam
com pacientes com dores crônicas no escroto ou testículos. A incidência real da DEC
não está bem estabelecida na literatura tendo em vista os relatos esparsos; entretanto, a
dor testicular crônica após vasectomia é observada em 15 a 33% dos homens, e apenas
poucos buscam tratamento médico. Estima-se que ao redor de 2,5% de todas as consultas urológicas sejam atribuidas a dor escrotal crônica, gerando custos significativos2.
Palavras-chave: dor escrotal crônica; orquialgia; dor testicular crônica; orquialgia
crônica; microdenervação do cordão espermático
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UROLOGIA ESSENCIAL
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DOR ESCROTAL CRÔNICA (ORQUIALGIA)
LAURENCE A. LEVINE
MICHAEL P. HOEH
UROLOGIA DE CONSULTÓRIO
www.urologiaessencial.org.br
Apesar de DEC poder ser observada em qualquer
mento da inervação aferente do conteúdo escrotal
idade, a maioria dos pacientes com DEC idiopática
é mandatória.
3
estão na faixa dos 30 anos (metade ou final) . A dor
pode ser unilateral ou bilateral, constante ou interEtiologia
mitente, espontânea ou exacerbada por atividade
Em até 50% dos pacientes não se consegue
física ou por pressão. Ela pode ficar estacionada
identificar a etiologia da dor. Diversas patologias
no escroto ou irradiar para o períneo, virilha, abdopodem provocar dor escrotal, incluindo infecção,
me inferior ou flanco, ou para a parte posterior das
torsão, tumores, obstrução, varicocele, espermatopernas. O exame clínico em geral revela testículos,
cele e raramente hidrocele, podendo ocorrer após
epidídimos e/ou cordões espermáticos dolorosos,
trauma direto assim como lesão iatrogênica após
mas na maioria dos homens não
vasectomia ou correção de hérse observa nenhuma alteração
nia inguinal. Gray et al relataram
estrutural evidente e pode não
que, ao se identificar uma lesão
haver qualquer tipo de dor idenintraescrotal, por exemplo hidroA síndrome da dor póstificável à palpação.
cele, espermatocele ou varicocevasetomia
tem
uma
incidência
DEC pode impactar signifile, a cirurgia é a primeira escolha,
relatada
de
0,9%
a
54%
mas
cativamente na qualidade de
sendo altamente eficaz5.
menos de 10% dos pacientes
vida do paciente, levando a liDor referida pode ser resulmitações da vida laborial, social
tante de cálculo ureteral, hérnia
procuram tratamento.
e sexual. Frequentemente obinguinal indireta, aneurismas da
Apesar da dor poder surgir
servam-se sintomas de depresaorta ou da ilíaca comum, lomimediatamente após a
são nesses pacientes. Apenas
balgia e pinçamento de nervos
vasectomia, o período médio
alguns estudos avaliaram os
devido a fibrose perineural. São
de tempo até o início da dor
aspectos sexuais da DEC. Um
causas comuns de DEC a presengira
ao
redor
de
2
anos”
estudo observou que esses paça de dores oriundas do ureter e
cientes apresentavam menos
quadril, prolapso de disco interpensamentos sexuais e menor
vertebral e pinçamento de nervos
desejo sexual, assim como diminuição da atividailioinguinais ou genitofemurais. DEC pode surgir
de sexual (frequência), menor excitação e função
devido a neuropatia diabética e após a suspensão
orgámica, assim como maior número de episódios
da imipramina quando usada como agente anti4
de DEC durante e após a atividade sexual .
depressivo. Também foi sugerido que a dor pode
O tratamento da DEC frequentemente é difícil
ocorrer em pacientes com hiperuricemia.
e ocupa muito o tempo do urologista. O objetivo
A síndrome da dor pós-vasetomia tem uma
do tratamento é o de retornar o paciente às suas
incidência relatada de 0,9% a 54% mas menos de
atividades habituais sem o uso de analgésicos.
10% dos pacientes procuram tratamento. Apesar
Diversos tratamentos estão disponíveis, incluinda dor poder surgir imediatamente após a vasecdo tratamentos clínicos e cirúrgicos com resultatomia, o período médio de tempo até o início da
dos variados, tipicamente descritos em pequenos
dor gira ao redor de 2 anos6. Estudos animais e
estudos não controlados. A maioria dos autores
em humanos mostraram que, após a vasectomia, a
concorda que a orquiectomia é o último recurso
pressão dos túbulos epididimários e do deferente
e que o tratamento deve-se basear em princípios
proximal aumenta, podendo causar dor. Também
fisiológicos e anatômicos. Deste modo, o conhecifoi demonstrado que sinais elétricos que se proV.5  N.1  JAN  JUN  2015 UROLOGIA ESSENCIAL
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UROLOGIA DE CONSULTÓRIO
DOR ESCROTAL CRÔNICA (ORQUIALGIA)
LAURENCE A. LEVINE
MICHAEL P. HOEH
pagam caudalmente ao longo do canal deferente são interrompidos pela vasectomia e podem
causar um padrão de obstruçao funcional. Geralmente são observados granulomas espermáticos
no local da vasectomia, que podem desempenhar
algum papel na etiologia da dor. Todos os homens
que buscam vasectomia devem ser orientados
quanto a possibilidade do surgimento desta dor
após o procedimento.
A etiologia da epididimite crônica é incerta,
mas pode incluir infecções bacterianas prévias,
como prostatites, infecções transmitidas sexualmente e infecções após cirurgia, trauma, cateterização ou micção retrógrada.
É importante observar que a DEC pode ser
parte da síndrome de dor pélvica crônica/prostatite. Até 50% dos homens relatam ter também dor
nos testículos7. A disfunção do assoalho pélvico
é caracterizada por dissinergia dos músculos do
assoalho pélvico, hiperatividade e/ou hipertonicidade, que podem levar a dor perineal e do conteúdo escrotal. Os pacientes que sofrem desta doença também podem se queixar de constipação
ou dor ao evacuar, disúria e polaciúria, ejaculação
dolorosa ou dor durante a relação sexual. Deve-se
considerar no diagnóstico aspectos psiquiátricos
assim como ganhos secundários mal intencionados devido a dor (afastamento remunerado).
Avaliação
A avaliação da dor escrotal crônica deve incluir o descarte de causas médicas importantes
e reversíveis como tumores, torsão intermitente, infecção e varicocele. Deve-se ter em mente
que a dor escrotal não é sinônimo de patologia
escrotal e que outras origens também devem ser
avaliadas. A história deve focar o período de início, duração, gravidade (numa escala de 0 a 10),
localização e irradiação da dor. Outros fatores
associados incluem cirurgias prévias, trauma e
infecção. Deve-se certificar se certas atividades
exacerbam ou melhoram a dor, como evacuação,
micção, atividade física ou sexual e permanecer
muito tempo sentado, que é uma das queixas
mais comuns desta população1. Deve-se pes24
UROLOGIA ESSENCIAL
V.5  N.1  JAN  JUN  2015
quisar cirurgias anteriores envolvendo as áreas
lombar, inguinal, escrotal, pélvica ou retroperitoneal. Questões psicossociais podem determinar
se existe alguma incapacidade associada a dor,
se existe algum ganho secundário devido a dor
(dispensa do trabalho, por exemplo) ou se existem sinais de depressão. Pacientes com queixas
graves ou nos quais suspeita-se do diagnóstico
de depressão devem ser submetidos a avaliação
psicológica. O exame físico deve ser focado na
genitália. O paciente deve ser examinado em pé
e deitado, iniciando-se o exame genital pelo lado
indolor ou menos doloroso, caso a dor seja bilateral. Deve-se examinar detalhadamente os testículos, epidídimos e canais deferentes. Recomenda-se também um exame retal de 360º para avaliar
anomalias prostáticas e dor e/ou hipertonicidade
da musculatura do assoalho pélvico. Outros exames incluem exame de urina e cultura de esperma
e urina, se indicados. Todos os pacientes devem
ser submetidos a exame por ultrassom duplex,
crucial para a avaliação da dor escrotal8.
Exames como tomografia computadorizada,
urografia excretora, estudos retrógrados e miccionais (uretrocistrografia) e cistoscopia têm pouca utilidade. Entretanto, RMI ou TC da coluna ou
quadril devem ser realizados caso existam queixas de lombalgia ou dor no quadril associadas.
O bloqueio do cordão espermático é uma ferramenta importante para o diagnóstico. O mesmo é realizado pela injeção de 20 ml de bupivacaina a 0,25% sem adrenalina diretamente no
cordão espermático, a nível da tuberosidade púbica9. Masarani e Cox concluiram que se a dor
for realmente testicular e não referida, o bloqueio
do cordão ou dos ramos escrotais e espermáticos dos nervos genitofemoral e ilioinguinal deve
aliviar a dor10. O uso de uma série de bloqueios,
inclusive com um de controle utilizando soro fisiológico para o diagnóstico é razoável, mas controverso devido a questões éticas, e pode não
diagnosticar casos mal intencionados, com ganho secundário. Ainda, podem ser dificultosos,
em especial para pacientes que se deslocam de
longe para o procedimento.
DOR ESCROTAL CRÔNICA (ORQUIALGIA)
LAURENCE A. LEVINE
Tratamento não-cirúrgico
A figura 1 resume nosso algoritmo de tratamento para os pacientes com dor escrotal crônica. O
tratamento da DEC ainda é um dilema terapêutico, já que não existem orientações baseadas em
evidências e estudos controlados e randomizados
que demonstrem a superioridade de algum tipo de
tratamento. As recomendações para o diagnóstico
e tratamento são baseadas em opiniões de especialistas colhidas em estudos com baixo número
de pacientes. Granitsiotis e Kirk sugeriram a abordadem por uma equipe multidisciplinar, incluindo
um urologista, um especialista em dor e um psicó-
FIGURA 1
MICHAEL P. HOEH
UROLOGIA DE CONSULTÓRIO
logo para pacientes com falha após medidas conservadoras ou com sinais de alteração psicológica
11
. Ainda, para pacientes com sinais de disfunção
do assoalho pélvico, nós recomendamos o encaminhamento para fisioterapeuta especializado em
assoalho pélvico, utilizando técnicas de biofeedback, testes manuais musculares, massagem do
assoalho pélvico, tratamento clínico da constipação, técnicas de relaxamento, e/ou desenvolvimento de um programa domiciliar de exercícios
individualizado.
O tratamento deve ser iniciado com abordagens
simples não invasivas e não-tóxicas incluindo anti-
Algoritmo de tratamento para o paciente com dor escrotal crônica
História e exame físico (incluindo escroto
e assoalho pélvico), exame de urina,
ultrassom doppler do escroto
Tratar doenças como: tumor,
torsão, varicocele, hidrocele,
espermatocele, hérnia
inguinal, orquiepididimite, etc
Identificar localização específica da dor:
testículo, canal deferente, epidídimo
Descartar dor de
origem extra-escrotal
Dor ativa lombar ou no quadril
ou história de trauma
RMI ou TC da coluna
ou do quadril
Fisioterapia
pélvica
Considerar uma série de
bloqueios do cordão a cada
duas semanas, 5 injeções
Avaliação e apoio
psicológicos
Dor isolada no
epidídimo
Bloqueio do cordão
espermático
<50% de melhoria
da dor
Continuar o tratamento
medicamentoso versus discutir
com o paciente sobre a pouca
chance de sucesso com a cirurgia
Epididimectomia ou reversão
da vasectomia (quando se
identificam alterações estruturais)
>50% de melhoria
da dor
Tratamento cirúrgico:
microdenervação do cordão
espermático
Radiofrequência
pulsada,
acupuntura
V.5  N.1  JAN  JUN  2015 UROLOGIA ESSENCIAL
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UROLOGIA DE CONSULTÓRIO
DOR ESCROTAL CRÔNICA (ORQUIALGIA)
LAURENCE A. LEVINE
MICHAEL P. HOEH
-inflamatórios não-esteróides, elevação do escroto e/ou suporte atlético, repouso e antibióticos,
em especial se houverem evidências de infecção.
Recomenda-se o uso de doxiciclina e quinolonas
para tratamento empírico, pois têm alta penetração nessas estruturas e por poderem ser administrados por até quatro semanas se indicado. Esses
antibióticos também podem auxiliar devido a seus
efeitos anti-inflamatórios. Masarani e Cox concluiram que os antibióticos não são eficazes para
diminuir a gravidade da orquialgia crônica não infecciosa e seu uso repetido pode levar a resistência12. Quercetin é um agente fitoterápico utilizado
por homens com síndrome da dor pélvica crônica
mas somente foi estudado em um pequeno estudo
controlado com placebo, mostrando benefício em
mais de 60% dos homens12. Outros agentes orais
incluem antidepressivos, como amitriptilina 10 a
25 mg ao deitar ou nortriptilina 10 a 150 mg ao
dia, que inibem a liberação de noradrenalina em
neurônios de primeira e segunda ordem, ou anticonvulsivantes, como gabapentina e pregabalina.
Estas drogas atuam como moduladores dos canais
de cálcio no sistema nervoso central, reduzindo a
dor neuropática. Efeitos colaterais comuns incluem tontura, sonolência e boca seca.
Silclair et al propuseram uma abordagem multidisciplinar para o tratamento da orquialgia crônica,
incluindo um psicólogo, um anestesista, um fisioterapeuta e um terapeuta ocupacional, e relataram
uma melhora superior a 50% dos sintomas em 62%
dos homens com orquialgia crônica tratados com
até 1800 mg de gabapentina ao dia e 67% tratados
com até 150 mg de nortriptilina ao dia; entretanto,
homens com dor testicular pós-vasectomia apresentaram pouco benefício, com média de melhora sintomática de apenas 7,5% com qualquer uma
das medicações13. Os autores concluiram que estas
drogas neuromoduladoras devem ser consideradas
para o tratamento da orquialgia crônica idiopática
antes de se recomendar cirurgia. Não está claro se
os pacientes que melhoram apresentam recidiva da
dor quando a medicação oral é interrompida.
Bloqueios nervosos únicos ou múltiplos, com
ou sem esteróides, também foram utilizados como
26
UROLOGIA ESSENCIAL
V.5  N.1  JAN  JUN  2015
forma de tratamento, na tentativa de bloquear o
ciclo da dor. Estudos demonstraram que os bloqueios do cordão espermático com anestésico
local e corticoide podem melhorar os sintomas
a curto prazo e ocasionalmente a longo prazo, e
podem ser repetidos em intervalos variados14. Em
nossa experiência, esta abordagem não é eficaz
quando a duração da dor crônica excede 6 meses.
Outros bloqueios foram recomendados, incluindo
injeções transretais de anestésico local e esteróides na região do plexo pélvico. Pequenos estudos
não controlados utilizando estimulação elétrica
transcutânea foram propostos. O princípio é o de
que a estimulação elétrica transcutânea pode liberar endorfinas no corno dorsal da medula espinhal,
que podem ser responsáveis pelo fechamento do
espaço entre o nervo periférico e a medula espinal,
resultando na melhoria da dor.
Tratamentos a longo prazo com analgésicos (isto
é, narcóticos) limitam-se a redução dos sintomas da
dor e não no tratamento da doença de base, e deste
modo devem ser considerados apenas quando todos
os tratamentos falharem. O uso crônico de opiódes
também foi associado ao hipogonadismo15. Radiofrequência pulsada do cordão espermático foi proposta recentemente para o tratamento da orquialgia
crônica em pequenos estudos não-controlados16.
Esta abordagem parece especialmente eficaz quando há melhoria temporária local com o bloqueio do
cordão. A radiofrequência pulsada atinge seletivamente os neurônios cujos axônios são compostos de
fibras de diâmetro pequeno A delta e C envolvidas
na nocicepção.
Tratamento Cirúrgico
Não existem estudos randomizados controlados que orientem a decisão por cirurgia e a literatura disponível refere-se a relatos de casos. Deste
modo, a dificuldade inerente em se comparar estes
estudos soma-se a variabilidade dos resultados de
qualquer uma das técnicas cirúrgicas descritas e
na definição de resultado satisfatório.
Recomenda-se epididimectomia quando a dor
localiza-se apenas no epidídimo. As taxas de sucesso variam de 22 a 92% e os fatores preditivos
DOR ESCROTAL CRÔNICA (ORQUIALGIA)
LAURENCE A. LEVINE
de sucesso incluem a presença de epididimo doloroso pálpável e de lesões císticas dolorosas isoladas
no epidídimo. Os fatores preditivos de mal resultado incluem a presença de inflamação crônica do
epidídimo sem achados estruturais no exame físico
ou ultrassonográfico, e dor em estruturas adjacentes, incluindo testículos e cordões17.
Para homens com sídrome de dor pós-vasectomia, a reversão da vasectomia foi realizada
como um procedimento aberto ou com vasovasostomia. A reversão de vasecomia para o tratamento
de síndrome de dor pós-vasectomia foi associada a
alívio total de 50 a 69% da dor e de até 100% de melhora da dor. Entretanto, atualmente, apenas poucos estudos de tamanho pequeno foram publicados
que apoiam esta abordagem18. As vantagens deste
tratamento incluem o potencial de resolução da dor
e preservação de todas as estruturas intraescrotais.
Entretanto, claramente ele reverte o objetivo da vasectomia, é custoso e pode não ter cobertura pelos
seguros-saúde.
Microdenervação do cordão espermático
A microdenervação do cordão espermático
(MDCE) após bloqueio satisfatório do cordão espermático apresentou resultados promissores, como
alívio completo da dor em 71 a 100% dos pacientes19. A principal vantagem da MDCE é a preservação do testículo por motivos psicólogicos e fisiológicos. O objetivo da cirurgia é a de seccionar todas
as estruturas que podem carregar fibras neurológicas e preservar as artérias (testicular, cremastérica,
deferencial), vasos linfáticos (reduzindo a chance
de hidrocele) e os canais deferentes, prevenindo a
obstrução e preservando a fertilidade, caso já não
tenha sido seccionado. O principal critério para seleção deste procedimento é uma resposta positiva
mesmo que temporária do bloqueio do cordão espermático20. Nosso centro recentemente demonstrou uma forte correlação entre uma resposta positiva do bloqueio do cordão espermático (definida
como a redução temporária de mais de 50% da dor)
e o alívio definitivo da dor após MDCE21. A revisão
dos estudos publicados sobre MDCE indica que espera-se uma resolução completa da dor em aproxi-
MICHAEL P. HOEH
UROLOGIA DE CONSULTÓRIO
madamente 80% dos pacientes selecionados pelos
critérios especificados acima, melhora da dor em
10 a 15%, aproximadamente 5% não apresentam
melhora e raramente a dor pode piorar. As taxas de
sucesso podem variar de acordo com o cirurgião, e
o consentimento informado é essencial, já que a dor
pode persistir e raramente piorar.
Foram relatadas pequenas variações técnicas
mas em essência seguem o procedimento descrito
em detalhes na literatura22,23. Todas as estruturas do
cordão, exceto as artérias e linfáticos são seccionadas com eletrocautério ou por ligaduras de seda
4-0. Caso o deferente não tenha sido previamente
seccionado, deve-se remover aproximadamente
2 cm da fáscia perivasal, já que esta é ricamente
inervada. Caso o paciente já tenha sido submetido a vasectomia, o cordão e sua fáscia devem ser
novamente seccionados. Todas as veias do cordão
espermático devem ser ligadas. Os linfáticos são tipicamente encontrados no compartimento central
do cordão espermático, e a maioria deve ser preservada para reduzir as chances de hidrocele pós-operatória. Não se observou hipertensão venosa,
presumindo-se que a drenagem passa a ocorrer
através das veias escrotais. Entretanto, na tentativa
de reduzir o risco de inchaço escrotal prolongado
e significativo, este procedimento não deve ser realizado em ambos os lados ao mesmo tempo. Ao
final do procedimento, as estruturas remanescentes
incluem 1 a 5 artérias do cordão espermático, diversos linfáticos, e o cordão deferente, caso não tenha
sido previamente seccionado (figura 2).
O perfil de efeitos colaterais indica excelente
tolerabilidade a este procedimento, não se relatando casos de hipogonadismo de novo. Em alguns casos de atrofia testicular descrita, também
foi relatada melhora completa da dor, e a satisfação
do paciente não foi comprometida, tendo em vista a resolução completa da dor. Raramente foram
descritas hidroceles e as mesmas podem melhorar
com o tempo. Tendo em vista a secção de fibras
cremastéricas e de nervos do cordão espermático,
o reflexo cremastérico pode desaparecer e os testículos podem permanecer baixos, o que raramente
leva a queixas dos pacientes.
V.5  N.1  JAN  JUN  2015 UROLOGIA ESSENCIAL
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UROLOGIA DE CONSULTÓRIO
DOR ESCROTAL CRÔNICA (ORQUIALGIA)
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FIGURA 2 Após a dissecção ser
completada, restam apenas o canal deferente,
as artérias e os linfáticos.
A MDCE pode ser utilizada mesmo em pacientes com história de cirurgia anterior inguinal e/
ou escrotal. Em um relato, 31 homens com história de epididimectomia prévia, varicocelectomia,
vasovasostomia e herniorrafia que falharam no
tratamento da DEC apresentaram uma resposta
superior a 50% ao bloqueio do cordão espermático
e subsequentemente foram submetidos a MDCE e
50% apresentaram melhoria completa e duradoura
da dor, num seguimento médio de 11 meses24. Ainda, a técnica assistida por robô também foi proposta com resultados semelhantes.
Para aqueles homens que não se beneficiaram
da MDCE, diversas explicações foram propostas,
incluindo sensibilização central prévia, permanência de nervos sensitivos intactos, papel importante de uma fonte pudenda ou posterior para
estímulo da dor e possibilidade de ganho secundário mal intencionado.
Conforme este revisão de literature determinou, existe um número consistente de pacientes
que acabam sendo submetidos a orquiectomia
após falha de tratamento médico ou cirúrgico.
Entretanto, mesmo as taxas de sucesso relatadas
28
UROLOGIA ESSENCIAL
V.5  N.1  JAN  JUN  2015
com a orquiectomia não são encorajadoras, ao redor de 20 a 70%.
Conclusão
Conforme as pesquisas neste campo progredirem, mais opções elegantes e satisfatórios de
tratamento surgirão. Existem evidências crescentes de que fatores psicológicos desempenham
um importante papel na dor genital quando não
se detecta causa orgânica, sendo as características mais importantes a somatização, depressão
maior, ansiedade e disfunção sexual.
Estudos controlados multicêntricos em larga escala serão essenciais para a determinação de novos
tratamentos, especialmente para opções não cirúrgicas. Por enquanto, a dor crônica escrotal é frustante tanto para o paciente quanto para o médico. É
necessária uma avaliação estruturada, e para tanto
propusemos um algoritmo (figura 1). A abordagem
multidisciplinar, incluindo psicólogo e fisioterapeuta do assoalho pélvico pode ser benéfica antes de
se optar por cirurgia. Deve-se realizar uma avaliação transretal cuidadosa do assoalho pélvico para
descartar disfunção do mesmo. Caso se opte por cirurgia, deve-se realizar a epididimectomia naqueles
homens com dor isolada do epidídimo e com uma
alteração estrutural palpável ou identificável no ultrassom. Caso a dor seja mais difusa e envolva uma
ou mais estruturas do escroto, a preservação do
testículo é possível através da microdenervação do
cordão espermático. Na maioria dos casos, não se
encontra nenhuma patologia identificável e a MDCE
parece apresentar a maior taxa de sucesso cirúrgico
em relação a melhoria duradoura da dor, satisfação
do paciente e capacidade de retorno as atividades
diárias sem o uso de medicação.
Abreviações
DEC = dor escrotal crônica
SDPC = síndrome da dor pélvica crônica
MDCE = microdenervação do cordão espermático
DOR ESCROTAL CRÔNICA (ORQUIALGIA)
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V.5  N.1  JAN  JUN  2015 UROLOGIA ESSENCIAL
29
TÉCNICAS CIRÚRGICAS
Sling Pubovaginal na
Incontinência Urinária
Feminina
Júlio Resplande
Fellow Department of Urology University of California San Francisco | USA
Setor de Urologia Feminina e Uro-Neurologia Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo
TiSBU
Introdução
O
riginalmente descritos há mais 100
anos, os slings ganharam popularidade nas últimas décadas como método
de tratamento da incontinência urinária de
esforço feminina (IUE). Tal fato foi motivado por vários fatores, como o entendimento
da presença de algum grau de deficiência
esfincteriana intrínseca, independente da
presença ou não de hipermobilidade uretral,
baixo índice de sucesso, a longo prazo, da
colporrafia anterior e das suspensões com
agulha, além de uma significativa redução
de morbidade, quando comparados com as
colpossuspensões retropúbicas, principalmente depois da introdução dos slings de
uretra média1.
Ao contrário das uretropexias abdominais, o objetivo dos slings é não somente
fornecer um suporte para a junção vesicouretral, mas também, em alguns casos, criar
algum grau de coaptação e compressão ure-
30
UROLOGIA ESSENCIAL
V.5  N.1  JAN  JUN  2015
Goiânia | GO
tral. Acredita-se que, ao nível da uretra média, os slings ofereçam uma diminuição da
mobilidade uretral, produzindo um anteparo
dinâmico nos momentos de esforço2.
Tradicionalmente, um sling suburetral
era recomendado para pacientes com incontinência urinária secundária a insuficiência uretral intrínseca (incontinência tipo
III), definida como falha do esfíncter uretral em reter urina, independente da posição do colo vesical. Classicamente, essas
pacientes se apresentam com IUE severa,
uretra pouco móvel, com baixa pressão de
perda aos esforços ou baixa pressão de fechamento uretral na avaliação funcional do
mecanismo vesicoesfincteriano. Recentemente, entretanto, os slings tiveram a sua
indicação ampliada para todos os tipos de
IUE, especialmente após a introdução do
conceito de slings sintéticos sem tensão3.
O primeiro sling suburetral foi descrito
no início do século passado (1907), tendo
sido utilizado o músculo grácil. Modifica-
www.urologiaessencial.org.br
ções subsequentes da técnica foram descritas,
como a utilização de flap do músculo piramidal e
plicatura de estruturas musculares periuretrais4.
Em 1933, Price descreveu o uso da fáscia lata,
entretanto, a origem do sling pubovaginal contemporâneo foi relatada por Aldridge, em 1942.
Ele utilizava dois segmentos de fáscia do reto
abdominal, que eram dissecados e direcionados inferior e posteriormente à sínfise púbica e,
através de uma incisão vaginal, suturados na linha média suburetral. Por apresentar resultados
satisfatórios, essa técnica foi bastante utilizada
durante anos5.
Entretanto, a era de desenvolvimento dos
slings coincidiu com o surgimento e a popularização das técnicas de suspensão de colo vesical com fixação retropúbica, como as cirurgias
de Marshall e Burch, que se tornaram a primeira
escolha de tratamento de incontinência urinária
de esforço durante décadas. Embora apresentassem resultados satisfatórios em termos de continência, essas técnicas proporcionavam morbidade elevada devido à abordagem abdominal e os
consequentes longos períodos de hospitalização
e convalescença1.
Com o objetivo de aumentar a eficácia e diminuir a morbidade do tratamento cirúrgico da
IUE, McGuire e Lytton, em 1978, reavivaram o
conceito da utilização dos slings ao descreverem
uma via combinada abdominovaginal, com retirada de um segmento de 1 x 12 cm da aponeurose do reto abdominal, que era seccionado apenas
de um lado e tinha a parte livre transposta inferiormente, sob a junção vesicouretral, por meio
de um túnel criado por via vaginal e suturado ao
nível do reto abdominal contralateral. A tensão
era ajustada com medida da pressão uretral e a
bexiga drenada por meio de cistostomia. Com
essa técnica foram descritos índices de 80% de
sucesso em mulheres com IUE tipo III6.
A modificação subsequente foi a retirada
completa de uma faixa de aponeurose, sua co-
locação ao nível do colo vesical por via vaginal
e fixação direta na aponeurose do reto abdominal, com suturas colocadas nas extremidades do
sling, à semelhança do que se faz até hoje, com
pequenas variações. Com essa técnica, Blaivas e
outros autores descreveram mais de 90% de sucesso. Para diminuir a morbidade do acesso suprapúbico, foi proposta a utilização de segmento
de fáscia lata, com índice de sucesso semelhante
ao uso da aponeurose do reto abdominal7,8.
De uma maneira geral, os estudos com sling
pubovaginal relatam taxas de continência ao redor de 80% e melhora em torno de 90%, com pequena diminuição ao longo do tempo. Os índices
de cura a longo prazo, em 247 mulheres seguidas, por mais de 10 anos, se revelaram bastante satisfatórios, atingindo taxas de cura de 91%
em pacientes com IUE tipo 2 e 84% em pacientes tipo 3, com melhora significativa da urgência
miccional em 74% e índice de satisfação global
de 94%9.
O sling pubovaginal tradicional, portanto, envolve a colocação do tecido escolhido ao nível do
colo vesical, longo segmento de faixa de aponeurose e fixação no reto abdominal. Algumas modificações, entretanto, foram sendo descritas com
o tempo, como a utilização de segmentos menos
extensos (patch-like slings), que são colocados
por via vaginal ao nível da uretra proximal e os
fios de sutura, nas suas extremidades, são passados para a região suprapúbica e amarrados ao
reto abdominal ou entre si. Alguns autores acreditam que os “braços” do sling devem penetrar
no espaço retropúbico, enquanto outros acham
isso desnecessário. Os resultados relatados com
uso de segmentos menores são semelhantes aos
do sling tradicional3.
Com o intuito de reduzir as limitações de de
uso do tecido autólogo para um sling pubovaginal, como tecido de má qualidade e morbidade
do procedimento adicional para retirada, diferentes materiais sintéticos foram descritos e utilizaV.5  N.1  JAN  JUN  2015 UROLOGIA ESSENCIAL
31
TÉCNICAS CIRÚRGICAS
SLING PUBOVAGINAL NA INCONTINÊNCIA URINÁRIA FEMININA
JÚLIO RESPLANDE
dos ao longo dos anos. Apesar disso, nunca foi
provado que estes são melhores que o próprio
tecido da paciente, com índices de erosão e infecção inaceitáveis em algumas séries10.
Nos anos 90 houve uma mudança no entendimento da fisiopatologia da IUE, com o surgimento
da teoria integral de Petros e Ulmsten. Esse modelo teórico objetivava explicar, de forma integrada,
os mecanismos fisiopatológicos envolvidos não
somente na gênese da incontinência urinária aos
esforços, mas também no surgimento de sintomas
como a urgência, polaciúria, noctúria, e alterações
do esvaziamento vesical e intestinal. Segundo essa
teoria, a continência seria mantida ao nível da uretra média e não no colo vesical, e a falha dos ligamentos pubouretrais seria responsável pela perda
urinária. Desta forma, a função de um sling seria
a de reforçar a ação desses ligamentos, dando suporte para a uretra média11.
O TVT (tension free vaginal tape) foi desenvolvido a partir desse postulado teórico. Uma faixa
de polipropileno com agulhas nas extremidades
substituiu o tecido autólogo até então utilizado.
Essa técnica introduziu dois novos conceitos
para o mecanismo de cura dos slings: que o mesmo deve ser colocado no terço médio da uretra e
sem nenhuma tensão. Diversos estudos demonstraram que esse tipo de sling proporciona elevado índice de cura e melhora, baixa morbidade e
eficácia, elevando o sling pubovaginal clássico
com aponeurose a um segundo plano12,13.
Para alguns autores, após o advento dos slings de uretra média, o sling pubovaginal deve ser
reservado para casos mais complexos de IUE,
como aquelas pacientes com uretra fixa com
colo vesical aberto, incontinência mista, falha
de outros procedimentos prévios ou quando se
associa cirurgia para reconstrução uretral. Nessa
população foi demonstrado sucesso de 64% com
seguimento médio de 16 meses, com redução
significativa do uso de protetor para incontinência e apenas um caso de retenção, necessitando de cateterismo intermitente prolongado.
Foi observada, entretanto, taxa de 33% de urgência miccional14.
32
UROLOGIA ESSENCIAL
V.5  N.1  JAN  JUN  2015
Alguns estudos compararam o TVT com o
sling pubovaginal. Estudo randomizado com seguimento médio de três anos demonstrou taxas
similares de cura objetiva com o pad test de 1
hora (TVT: 76% x sling pubovaginal 72%)15. Um
estudo retrospectivo comparou o sling pubovaginal com o TVT e o transobturatório (TOT) em
pacientes com deficiência esfincteriana intrínseca. Nesse grupo específico de pacientes, após
dois anos, as taxas de cura foram de 87,2% para
o sling pubovaginal, 86,9% para o TVT e apenas
34,8% para o TOT, com índices de complicação
semelhantes. Apesar desse bom resultado precoce, as taxas cumulativas de cura em sete anos
caíram para 59,1% no pubovaginal e 55% no grupo TVT16.
Por outro lado, estudo brasileiro demonstrou
que, a curto prazo, os resultado foram semelhantes, mas após 15 a 19 meses houve decréscimo
da taxa de cura subjetiva no grupo submetido a
sling pubovaginal, comparado ao TVT (95,1% x
77,7%), com índice de retenção urinária que chegou a 42,1% nas pacientes submetidas a sling
pubovaginal, contra 9,8% no grupo TVT17.
Em termos de complicações, o sangramento é
a principal problemática intraoperatória, o qual é
na maioria das vezes, controlado com compressão local ou sutura de algum vaso. A curto prazo,
o sling pubovaginal pode apresentar índice de
retenção com necessidade de cateterismo que
varia de 6 a 47% e urgência miccional com taxas de 7 a 20%. A longo prazo, entretanto, são
descritos: dificuldade miccional, sintomas de bexiga hiperativa e falha do procedimento. Em algumas circunstâncias, quando se evidencia processo obstrutivo prolongado, há necessidade de
abordagem cirúrgica e secção do sling. Lesões
de bexiga e uretra são raras, desde que realizada
dissecção apropriada e transposição do sling no
espaço retropúbico com segurança5.
Como o sling sintético de uretra média é, hoje
em dia, considerado a técnica gold standard no
tratamento da IUE, os cirurgiões deixaram de realizar os sling pubovaginais de forma rotineira.
As novas gerações de urologistas e ginecologis-
INCONTINÊNCIA URINÁRIA PÓS-PROSTATECTOMIA RADICAL: TÉCNICA DE IMPLANTE DO ESFÍNCTER URINÁRIO ARTIFICIAL
MÁRCIO AUGUSTO AVERBECK
tas formados há menos de uma década praticamente não tiveram a oportunidade de aprender
e realizar com segurança essa técnica. Por este
motivo, julgamos conveniente demonstrar como
se realiza o procedimento, pois o mesmo pode
ser necessário para alguns casos específicos e
selecionados, conforme abordado acima, além
de ser uma opção atraente e segura para quando
não se dispõe dos kits comerciais especialmente
desenvolvidos e aprovados pelos órgãos reguladores para o tratamento da IUE.
Técnica cirúrgica
A via de acesso e a técnica de um sling pubovaginal devem ser programadas no pré-operatório. A maioria dos cirurgiões realiza o procedimento por meio de uma incisão combinada
abdominal e vaginal, com a maior parte da dissecção realizada por via vaginal. No tempo abdominal se retira um segmento de aponeurose
a ser utilizado e, no tempo vaginal, disseca-se a
região suburetral onde o sling será colocado. No
caso de preferir não realizar uma incisão abdominal, pode-se fazer a retirada de um segmento
de fáscia lata com incisão de 4 cm ao nível da
extremidade distal da coxa, cerca de 8 cm acima
da patela, lateralmente ao joelho. Raramente utilizamos esta abordagem, sendo a via abdominovaginal a de nossa preferência. A seguir, descreveremos como realizamos o procedimento:
LUIS AUGUSTO SEABRA RIOS
TÉCNICAS CIRÚRGICAS
bitualmente, durante a colocação de campos, isolamos a região anal, para que não tenha contato
com o campo operatório. Uma espátula maleável
ou válvula de Breisky é utilizada para a exposição
vaginal.
4. Hidrodissecção pode ser utilizada com injeção de água destilada abaixo do epitélio vaginal,
na parede vaginal anterior até próximo ao colo vesical, que deve ser palpado tracionando a sonda
uretral e de forma a sentir o balão da sonda. Esta
manobra permite ao cirurgião ter uma noção anatômica da extensão da uretra da paciente e avaliar
até onde deve ir sua dissecção. Raramente utilizamos, entretanto, a hidrodissecção.
5. Realiza-se uma incisão vertical na parede
vaginal anterior, suburetral, ao nível da uretra proximal. O epitélio vaginal é cuidadosamente dissecado dos tecidos periuretrais, utilizando-se tesoura (Figura 1). A dissecção deve ser lateralmente
estendida para a região inferior do ramo púbico,
bilateral. Manobra digital pode facilitar essa dissecção, com o dedo do cirurgião dissecando os
tecidos periuretrais até atingir a fáscia endopélvica, que habitualmente é perfurada, adentrando
o espaço retropúbico (Figura 2). Disseca-se o suficiente, apenas para acomodar a faixa de aponeu-
FIGURA 1
Incisão em parede anterior
vaginal, suburetral
1. A paciente é colocada em posição de litotomia, com a coxa não tão fletida, para não atrapalhar o tempo abdominal. Realiza-se antissepsia
abdominoperineal convencional, com o cuidado
de se realizar antissepsia da cavidade vaginal.
Antibiótico profilático é utilizado de acordo com
rotina de cada instituição.
2. Sonda vesical de demora (Foley nº 16) é introduzida, a bexiga esvaziada e a sonda clampeada, pois utilizamos bolsa coletora fechada apenas
ao final do procedimento.
3. Fixam-se os lábios menores com mononylon 3.0 para melhor exposição vaginal. HaV.5  N.1  JAN  JUN  2015 UROLOGIA ESSENCIAL
33
TÉCNICAS CIRÚRGICAS
SLING PUBOVAGINAL NA INCONTINÊNCIA URINÁRIA FEMININA
JÚLIO RESPLANDE
rose, evitando dissecções exageradas. Exceção
apenas quando se torna necessária a retirada de
telas previamente colocadas ou realização de uretrólise. Passa-se ao tempo abdominal.
FIGURA 2
Dissecção digital após abertura com tesoura.
essa abertura (Figura 3). Perfura-se a aponeurose
logo acima da sínfise púbica e passam-se os fios
para que, ao serem amarrados, não fiquem na linha
de sutura do fechamento da aponeurose. Neste
momento, deve-se realizar uma cistoscopia, para
averiguar eventual lesão ou presença de fios intravesicais. Repassar a sonda vesical logo após a
cistoscopia.
9. Na cavidade vaginal ajusta-se o sling na
posição correta, ao nível da uretra proximal. São
dados dois pontos de categute 4.0 simples, apenas
FOTO 1 Segmento de aponeurose já com os fios
passados, pronto para ser levado ao campo cirúrgico.
6. Realiza-se uma incisão suprapúbica transversa (mini Pfannestiel), cerca de 2 cm acima da
sínfise púbica, com extensão de 4-6 cm. O tecido
celular subcutâneo é dissecado com bisturi elétrico, até atingir a aponeurose dos retos abdominais.
Expõe-se adequadamente a aponeurose a ser incisada e demarca-se visualmente a área a ser retirada.
7. Duas incisões paralelas são feitas, retirando-se uma faixa de aproximadamente 2 x 6 cm da
aponeurose. O tecido é levado para a mesa auxiliar e qualquer excesso de gordura da aponeurose é retirado. Realiza-se uma sutura contínua de
mononylon 0 ou prolene 0 em cada extremidade
do sling e o mesmo é colocado em recipiente com
soro fisiológico (Foto 1).
8. Retorna-se ao tempo abdominal, onde
uma agulha de Stamey ou pinça longa de Kelly
é direcionada superoinferiormente, um lado de
cada vez. Aproveita-se a incisão da aponeurose,
que está aberta, e passam-se os fios do sling por
34
UROLOGIA ESSENCIAL
V.5  N.1  JAN  JUN  2015
FIGURA 3
Passagem dos fios do sling
para incisão abdominal com utilização de
pinça de Kelly longa.
INCONTINÊNCIA URINÁRIA PÓS-PROSTATECTOMIA RADICAL: TÉCNICA DE IMPLANTE DO ESFÍNCTER URINÁRIO ARTIFICIAL
MÁRCIO AUGUSTO AVERBECK
para fixar superficialmente o terço médio do sling
ao tecido suburetral (Figura 4). Importante mencionar que alguns autores, após o surgimento dos
conceitos da Teoria integral, passaram a colocar o
sling pubovaginal ao nível da uretra média.
FIGURA 4
Ajuste do sling ao nível do
colo vesical.
LUIS AUGUSTO SEABRA RIOS
TÉCNICAS CIRÚRGICAS
micção. Se a paciente urinar bem, damos alta com
sintomáticos e orientamos retorno com sete a dez
dias para reavaliação. Na eventualidade rara de
a paciente não conseguir urinar, deixamos sonda
vesical nº14 por sete dias e tentamos nova micção
após este período, sendo tal procedimento eficaz
na maioria das pacientes.
Apesar de ter um tempo cirúrgico bem maior
que os slings sintéticos de uretra média, esta técnica permite tratar a IUE de forma bastante satisfatória e segura, com índices de sucesso de 8090% e morbidade plenamente aceitável, devendo
permanecer como uma opção terapêutica para
casos selecionados deste problema.
FOTO 2
Sling já posicionado ao nível do
colo vesical, durante ajuste sem tensão.
10. Coloca-se uma tesoura entre o sling e a
uretra e, enquanto o auxiliar mantém esta posição,
o cirurgião amarra as extremidades dos fios do
sling entre si, tomando sempre o cuidado de manter uma distância de dois dedos entre o nó final e
a aponeurose dos retos abdominais (Fotos 2 e 3).
11. Retira-se a tesoura após término do nó. O
epitélio vaginal é suturado com categute simples
2.0, em pontos contínuos. Deixa-se um tampão
vaginal que deverá permanecer por 12 horas. A
sonda é conectada ao coletor fechado. Nunca se
deixa cistostomia.
12. A incisão da aponeurose é suturada com
vicryl 1.0, em pontos contínuos. O tecido celular
subcutâneo é aproximado com categute 3.0 e a
pele com mononylon 4.0, em sutura intradérmica.
No pós-operatório prescrevemos apenas analgesia e sintomáticos. No dia seguinte, retiramos
o tampão e a sonda vesical e fazemos teste de
FOTO 3
Fios do sling na incisão abdominal já amarrados entre si, com espaço suficiente para dois dedos do cirurgião.
V.5  N.1  JAN  JUN  2015 UROLOGIA ESSENCIAL
35
TÉCNICAS CIRÚRGICAS
SLING PUBOVAGINAL NA INCONTINÊNCIA URINÁRIA FEMININA
JÚLIO RESPLANDE
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URO RESUMOS
www.urologiaessencial.org.br
Brasil Silva Neto
Professor Adjunto - Depto Cirurgia | UFRGS
Chefe do Serviço de Urologia | HCPA
Tiago Elias Rosito
Serviço de Urologia e Coordenador da Unid. de Urologia Pediátrica e Cirurgia Reconstrutiva | HCPA
TiSBU
Cinco Anos de Seguimento
Longitudinal após Slings de
Uretra Média Retropubicos e
Transobturadores
Kimberly Kenton, Anne M Stoddard, Halina Zyczynski et al.
Journal of Urology , vol 193, 203-210, Jan 2015.
PROPOSTA
Poucos estudos caracterizaram desfechos em longo prazo após slings de uretra
média retropubicos e transobturadores
MATERIAIS E MÉTODOS
Mulheres completando participação em
um ensaio clínico de equivalência, com 2
anos de seguimento, que não foram submetidas a re-tratamento para incontinência urinária de esforço, foram convidadas
a participar de uma coorte de 5 anos de
observação. O desfecho primário, sucesso do tratamento, foi definido como a
ausência de re-tratamento ou de sintomas de incontinência urinária de esforço.
Desfechos secundários incluíram sintomas urinários e qualidade de vida, satisfação, função sexual e eventos adversos.
38
UROLOGIA ESSENCIAL
V.5  N.1  JAN  JUN  2015
RESULTADOS
Das 597 mulheres do ensaio clínico original, 404(68%) foram recrutadas para o estudo. Cinco anos após o tratamento cirúrgico,
desfechos favoráveis foram 7,9% maiores em
mulheres designadas para o grupo de sling
retropubico comparado ao sling transobturador (51,3% vs. 43,4%, 95%CI-1,4, 17,2), não
fechando critérios pré-estabelecidos de equivalência. Satisfação diminuiu durante 5 anos,
mas permaneceu alta e similar entre os grupos (sling retropubico 79% vs transobturador
85%, p=0,15). Sintomas urinários e qualidade
de vida pioraram com o tempo (p<0,001), e
mulheres com sling retropubico relataram
maior urgência urinária(p=0,001), maior impacto negativo na qualidade de vida(p=0,02)
e pior função sexual(p=0,001). Não houve diferença na proporção de mulheres que tiveram ao menos 1 evento adverso (p=0,17). Sete
erosões de tela foram observadas (3 em sling
retropubicos e 4 em slings transobturatorios).
CONCLUSÕES
O sucesso do tratamento diminuiui durante 5 anos para os slngs retropubico
e transobturador, não obtendo critério
de equivalência, com discreta vantagem
para o sling retropubico. Contudo, satisfação manteve-se alta nos dois braços do
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estudo. Mulheres submetidas ao sling transobturador reportaram melhora mais consistente
dos sintomas urinários e de função sexual. Erosões de tela ocorreram em ambos os grupos e
em frequências similares.
COMENTÁRIO
Cirurgias para incontinência urinária de esforço
com colocação de slings de uretra média são os
procedimentos mais comuns para correção de
incontinência urinária de esforço, com taxas de
sucesso, avaliadas em ensaios clínicos de 1 a 2
anos de duração, porém sem avaliação de sucesso em períodos mais longos, onde poderia ocorrer recidiva tardia dos sintomas. Paralelamente,
as duas técnicas mais utilizadas para colocação,
retropubico ou transobturador, também não foram avaliadas, na sua equivalência, neste quesito. O presente estudo descreve o seguimento
em longo prazo (5 anos) de pacientes oriundas
de ensaio clínico randomizado, que comparou as
duas técnicas de colocação de sling, avaliando
por dados objetivos e subjetivos, a taxa de sucesso para correção da incontinência de esforço.
Do ensaio clínico original, foi possível recrutar
para o estudo observacional, 68% das pacientes operadas e que não tiveram necessidade de
retratamento. Analisando os resultados e similarmente aos estudos prévios, com períodos menores de seguimento, a taxa de falha é consideravelmente alta (em torno de 50% nos grupos).
Existe melhora objetiva maior no grupo submetido ao Sling retropubico em números absolutos
com uma diferença de quase 8%, não atingindo
critério de equivalência, apesar do intervalo de
confiança cruzar o 0%, não podendo afirmar-se
categoricamente que há diferença entre os grupos. Outros dados semelhantes ao previamente
publicado, foram a alta taxa de satisfação das
pacientes (83%), apesar do baixo índice de su-
cesso objetivo da cirurgia, com maior freqüência
de satisfação com o procedimento e melhor qualidade de vida no grupo de mulheres submetidas
à técnica transobturatoria. Os resultados deste
estudo mostram que após 5 anos de seguimento,
os desfechos objetivos e subjetivos, bem como
a freqüência de complicações, mantém padrão
semelhante aos estudos com seguimentos menores (1-2 anos).
Desfecho Funcional Superior após
Cistectomia Radical e Neobexiga
Ortotópica Ileal com Manejo Restrititvo
Intraoperatório de Líquidos: Um Estudo
de Seguimento de um Ensaio Clínico
Randomizado
Fiona C Burkhard, Urs E Studer e Patrick Y Wuetrich
Journal of Urology , vol 193, 203-210, Jan 2015.
PROPOSTA
Infusão contínua intraoperatória de Noradrenalina combinada com hidratação restritiva melhora
a visibilidade do campo cirurgico, e significativamente diminui perda sanguínea intraoperatória e
complicações pós-operatórias em pacientes submetidos à cistectomia radical e derivação urinária. Nós determinamos se o regime de líquidos
poderia afetar o desfecho funcional (continência
e função erétil) 1 ano após a substituição ileal ortotópica.
MÉTODOS E MÉTODOS
Nós analisamos um subgrupo de 93 pacientes que
receberam neobexiga ilela ortotópica. O subgrupo
foi parte de um ensaio clínico randomizado em 167
pacientes inicialmente alocados para administração contínua de noradrenalina começando com
V.5  N.1  JAN  JUN  2013 UROLOGIA ESSENCIAL
39
URO-RESUMO
BRASIL SILVA NETO
TIAGO ELIAS ROSITO
2µg/kg/h combinado com 1ml/kg/h, inicialmente,
e 3ml/kg/h de cristalóide após a cistectomia (grupo noradrenalina/baixo volume – 51 pacientes) ou
infusão cristalóide de 6ml/kg/h através da cirurgia. Nós, prospectivamente, avaliamos continência diurna e noturna, bem como a função erétil
em 1 ano de pós operatórioneste subgrupo de 93
pacientes.
RESULTADOS
Continência diurna foi reportada em 44 de 51 pacientes (86%) no grupo noradrenalina/baixo volume e por 27 de 42 controles (64%) (p=0,016) e
continência noturna foi relatadaem 38 (75%) e 25
(60%), respectivamente (p=0,077). Recuperação da
função erétil foi descrita em 26 de 33 pacientes potentes no pré-operatório (79%) no grupo noradrenalina/baixo volume e em 11 de 29 controles (38%)
(p=0,002).
CONCLUSÕES
Pacientes submetidos à cistectomia radical e neobexiga ortotópica com infusão contínua de noradrenalina e restrição de líquidos durante a cirurgia apresentam continência diurna e função
erétil significativamente melhores em 1 ano de
pós-operatório.
COMENTÁRIO
Elegante estudo realizado, muito bem desenhado, onde os pesquisadores avaliaram primeiramente os desfechos perioperatórios, randomizando pacientes para manejo restritivo
de líquidos vs. o manejo usual com infusão de
cristaloides. Em seu estudo anterior, mostraram
que o manejo restritivo melhorou visibilidade no
campo cirúrgico, diminuiu perda sanguínea e
taxa de complicações pós-operatórias. Após um
ano de seguimento, analisaram os dados funcionais quanto à continência, diurna e noturna e
função erétil, verificando um melhor padrão de
continência em pacientes, de ambos os sexos,
40
UROLOGIA ESSENCIAL
V.5  N.1  JAN  JUN  2015
que foram submetidos ao regime de restrição hídrica no perioperatorio, bem como, nos pacientes masculinos, a manutenção da função erétil
em uma freqüência maior neste grupo. O racional desta estratégia é minimizar as perdas conseqüentes à vasodilataçao periférica resultante
de qualquer técnica anestésica, melhorando o
campo de visão do cirurgião como consequência. A técnica de “nerve-sparing surgery” não
foi um fator determinante, visto que 97% dos pacientes tiveram preservação dos nervos, parcial
ou total, independente do grupo alocado, o que
suscita algumas questões importantes, apesar
das limitações metodológicas da ánalise retrospectiva do estudo.
UROLOGIA PEDIÁTRICA
Anualmente o Journal of Urology publica um suplemento
dedicado a Urologia Pediátrica. No ano de 2014 foi
publicado no mês de maio. Estes resumos tem como
objetivo dar um parâmetro amplo do que esta ocorrendo
nesta subespecialidade nos dias de hoje, variando de
doenças muito comuns como a hidronefrose antenatal até o
tratamento de eventos raros como a agenesia vaginal.
Risk Factors for Febrile Urinary Tract Infection in Infants with Prenatal Hydronephrosis: Comprehensive Single Center Analysis
Piotr Zareba, Armando J. Lorenzo, Luis H. Braga
OBJETIVOS
Foram avaliados fatores de risco para infecção do trato urinário em crianças com hidronefrose pré-natal
MATERIAL E MÉTODOS
Foram identificadas 376 crianças com hidronefrose pré-natal em um banco de dados institucional.
BRASIL SILVA NETO
A ocorrência de infecção urinária febril nos primeiros 2 anos de vida foi avaliada por revisão de
prontuários. Infecção urinária febril foi definida
como uma cultura positiva de uma amostra de
urina sondados em um paciente com uma febre
de 38.0C ou superior. A regressão logística multivariada foi utilizada para avaliar sexo, estado
circuncisão, grau hidronefrose, grau de refluxo
vesico-ureteral e profilaxia antibiótica como preditores do risco de infecção do trato urinário.
RESULTADOS
Incluído na análise foram 277 meninos e 99 meninas. Hidronefrose era de alto grau em 128 crianças
(34,0%) e refluxo estava presente em 79 (21,0%).
Profilaxia antibiótica foi prescrita em 60,4% dos
pacientes, preferencialmente para mulheres versus homens (70,7% vs 56,7%), aqueles com alta
vs baixo grau de hidronefrose (70,3% vs 55,2%) e
aqueles com vs sem refluxo vesico-ureteral (96,2%
vs 50,8%). Na análise multivariada, houve uma associação entre hidronefrose severa e um maior risco de infecção do trato urinário (OR ajustado 2,40,
IC 95% 1,26-4,56). As meninas (OR ajustado 3,16,
IC 95% 0,98-10,19) e meninos e não circuncidados
(OR ajustado 3,63, IC 95% 1,18-11,22) também estavam em maior risco do que os homens circuncidados. A profilaxia antibiótica não foi associado a
um menor risco de infecção do trato urinário (OR
ajustado 0,93, IC 95% 0,45-1,94).
CONCLUSÕES
Hidronefrose severa, sexo feminino e não circunsisados no sexo masculino são fatores de risco
independentes para a infecção urinária febril em
crianças com hidronefrose pré-natal. A profilaxia
antibiótica não reduziu o risco de infecção do trato
urinário no grupo de estudo.
TIAGO ELIAS ROSITO
URO-RESUMO
urologia se desenvolveu, a Urologia Fetal. A
identificação de hidronefrose dos mais variados
graus no período pré natal se tornou extremamente freqüente e saber identificar os casos
com importância clínica da grande maioria irrelevante é essensial. Este estudo retrospectivo de
um grande centro de referencia demonstrou as
principais características que o urologista deve
ficar atento a fim de evitar e diagnosticar precocemente no período pós natal as complicações
urológicas infecciosas. Importante notar que
não demonstrou validade para o uso da profilaxia antibiótica na maioria dos casos.
Mitrofanoff para a Síndrome da
Bexiga Válvula: Efeito no trato urinário
e da função renal
Thomas King, Robert Coleman, Karan Parashar
Hospital de Birmingham Children, Serviço Nacional de
Saúde Foundation Trust, Birmingham, Reino Unido
OBJETIVOS
Apesar de o diagnóstico precoce e ablação válvula,
insuficiência renal progressiva se desenvolve em
uma proporção significativa de meninos nascidos
com válvula de uretra posterior. Disfunção vesical
apresenta um papel importante na etiologia desta
deterioração renal. Nós relatamos o resultado do
tratamento da disfunção da vesical com cateterismo intermitente limpo e drenagem durante a noite
através de um apendicovesicostomia pela técnica
de Mitrofanoff avaliando-se as imagens do trato
superior, achados urodinâmicos e função renal.
MATERIAL E MÉTODOS
COMENTÁRIO
Com a popularização e evolução dos métodos
diagnósticos pré natais uma nova sub área da
Todos os pacientes foram colocados em um programa de cateterismo intermitente limpo através
do estoma Mitrofanoff, incluindo 3 ou 4 cateterisV.5  N.1  JAN  JUN  2013 UROLOGIA ESSENCIAL
41
URO-RESUMO
BRASIL SILVA NETO
TIAGO ELIAS ROSITO
mos diurnos e drenagem durante a noite com um
cateter de demora. Foram analisadas as tendências da creatinina sérica, aparência ultra-som renal e dados urodinâmico.
RESULTADOS
Mitrofanoff foi realizado em 24 pacientes com síndrome da bexiga válvula. Seguimento médio foi de
6,2 anos. Hidronefrose, quantificada por medições
do diâmetro ântero-posterior combinados da pelve renal, demonstrou uma melhora significativa
com a redução do diâmetro ântero-posterior média combinada de 14,2 mm (IC de 95% 7,6-20,9, p
≤0.001). Disfunção da vesical melhorou. A capacidade vesical era diminuída em 9 dos 12 pacientes
(75%), inicialmente, em comparação com 12 de 21
(57%) após a cirurgia Mitrofanoff (p = 0,457). Complascência vesical era ruim em 75% dos pacientes
inicialmente vs 28,6% no seguimento (p = 0,014).
Apesar das melhorias na hidronefrose e parâmetros urodinâmicos a taxa média estimada de filtração glomerular deteriorou. Insuficiência renal terminal desenvolveu-se em 35% dos casos durante o
acompanhamento.
CONCLUSÕES
O tratamento da bexiga válvula com cateterismo
intermitente limpo e drenagem durante a noite
através de um estoma Mitrofanoff pode alcançar
melhorias significativas na hidronefrose e disfunção da bexiga parâmetros urodinâmicos. No entanto, ela não impede a deterioração renal.
COMENTÁRIO
A introdução do cateterismo intermitente limpo
por Lapides na década de 70 revolucionou o tratamento e evolução das bexigas neurogênicas de
alta pressão, levando a uma melhora da qualidade
de vida e preservaçnao da função renal em pacientes com mielodisplasia. A válvula de uretra posterior é a principal causa urológica de insuficiência
ranal em meninos e sabidamente leva 30% deles a
42
UROLOGIA ESSENCIAL
V.5  N.1  JAN  JUN  2015
doença terminal e transplante renal. A introdução
de um cateterismo intenso desde o inicio da vida
teria como objetivo preservar a função renal corrigindo a disfunção vesical. Este estudo demonstrou que apesar da intervenção ativa e controlada
da disfunção vesical, demonstrada principalmente
pelo achado de melhora da hidronefrose, nåo foi
suficiente para mudar o prognóstico renal. Estes
achados corroboram a teoria de que a lesão displásica renal na válvula de uretra posterior ocorre
durante o período pré natal e não pode ser resolvida posteriormente.
Sigmoid Vaginoplasty with a Modified
Single Monti Tube: A Pediatric Case Series
Michael Garcia-Roig, Miguel Castellan, Javier Gonzalez, Michael A.
Gorin, Omar Cruz-Diaz, Andrew Labbie, Rafael Gosalbez
p1537–1542
OBJETIVOS
Não existe consenso sobre o procedimento mais
eficaz para formação de neovagina. Nós descrevemos nossa experiência com um único tubo de
Monti modificado para colovaginoplastia em pacientes pediátricos com distúrbios de diferenciação sexual.
MATERIAL E MÉTODOS
Seis pacientes foram identificados retrospectivamente que realizaram vaginoplastia com sigmóide primário com um tubo de Monti único modificado entre 2009 e 2012. Os dados foram coletados
a partir dos prontuários. O procedimento é realizado através do isolamento de um segmento de 8
a 10 cm do cólon sigmóide distal ou reto proximal,
que é ao longo do mesentério destubularizado anterior, dobrado e retubularizado longitudinalmente, deixando o mesentério em posição cefálica.
Um canal é dissecado na pelve para acomodar a
neovagina.
BRASIL SILVA NETO
RESULTADOS
Idade média dos pacientes foi de 12,7 anos (variação 6-17). O diagnóstico principal foi insensibilidade androgênica em 3 casos (50%) e síndrome de
Mayer-Rokitansky, insensibilidade androgênica
parcial e cloaca persistente em cada um dos demais
(16,7%). A análise cromossômica revelou 46XY em
4 pacientes (66,7%). Seguimento médio foi de 7,9
meses (intervalo 3-41). Um paciente que se envolve
em relações sexuais vaginais relatou comprimento
vaginal satisfatório sem desconforto. Em 1 paciente uma estenose da anastomose desenvolvido, que
foi controlado por enxertia de mucosa bucal.
CONCLUSÕES
Monti modificado de sigmóide para vaginoplastia é
uma técnica segura e eficaz para formação de neovagina em pacientes pediátricos com distúrbios de
diferenciação sexual. Em comparação com outros
métodos existentes, a técnica permite o uso de
TIAGO ELIAS ROSITO
URO-RESUMO
segmentos intestinais mais curtos com diminuição
da tensão do pedículo vascular.
COMENTÁRIO
Apesar de rara, a agenesia vaginal é um evento
potencialmente devastador do ponto de vista social. As técnicas existentes para correção são muitas e variam entre o uso de enxertos, retalhos e
uso de segmentos intestinais. Uma das dificuldades associadas ao uso de segmentos intestinais de
forma clássica não detubularizado é a limitação do
comprimento do pedículo vascular e subseqüente
tensão apos a anastomose. O princípio de detubularização proposto pelo brasileiro Paulo Monti revolucionou a urologia, pois permite a confecção de
condutos cateterizaveis de bexiga, substituições
ureterais entre outros usos. Esta série de casos
demonstra uma simplificação da técnica de vaginoplastia com sigmóide com um procedimento de
domínio do urologosta em geral.
V.5  N.1  JAN  JUN  2013 UROLOGIA ESSENCIAL
43
BCG NO MANEJO DO CARCINOMA UROTELIAL NÃO MÚSCULO-INVASIVO DE BEXIGA
PONTO DE VISTA
CARLOS H. WATANABE SILVA JOSÉ PONTES JÚNIOR
BCG no Manejo do
Carcinoma Urotelial Não
Músculo-Invasivo de Bexiga
Carlos H. Watanabe Silva
Serviço de Urologia do Hospital Brigadeiro
José Pontes Júnior
Serviço de Urologia do Hospital Brigadeiro
HCFMUSP
Instituto do Câncer do Estado de São Paulo | ICESP/ Hospital das Clínicas |
Introdução
E
stima-se que 386.000 novos casos
de câncer de bexiga sejam diagnosticados por ano, constituindo a
sétima neoplasia maligna mais comum no
mundo atualmente1. Cerca de 70% dos casos de câncer de bexiga são tumores não
musculo-invasivos, o que inclui, por definição, tumores Ta, T1 (invasão submucosa) e Tis (carcinoma in situ-Cis)2,3. A taxa
de recorrência do carcinoma urotelial não
músculo-invasivo (CUNMI) é de 40-80%
em 6-12 meses após a ressecção transuretral de tumor de bexiga (RTUB isolada),
sendo a taxa de progressão de 10-25%'.
Em 1976, Morales et al. demonstraram,
pela primeira vez, redução no número de
recorrências após a utilização de Bacilo
Calmette-Guérin (BCG) intravesical para
o tratamento adjuvante do CUNMI5. Desde então, diversos trabalhos confirmaram o
benefício da terapia intravesical com BCG
44
UROLOGIA ESSENCIAL
V.5  N.1  JANL  JUN  2015
após a ressecção transuretral do tumor e,
atualmente, os consensos da Associação
Americana e Europeia de Urologia indicam
a terapia intravesical complementar com
BCG para os CUNMI com risco intermediário ou alto para recorrência ou progressão,
e também para os casos com CIS, sendo,
para este último, considerado tratamento
padrão, uma vez que o tratamento endoscópico, somente, não é curativo3,6. A utilização de terapia complementar à RTUB
envolve a estraficação dos pacientes segundo fatores prognósticos que envolvem
a avaliação do estadiamento e grau histológico, presença ou não de doença multicêntrica, recorrência, tamanho tumoral e
presença de CIS.
A presença de tumor multifocal, recorrência em curto período, presença de tumor
séssil de base larga, tumor de estádio patológico T1 ou alto grau, ressecção incompleta ou presença de CIS são indicativos de
doença com maior chance de recorrência
BCG NO MANEJO DO CARCINOMA UROTELIAL NÃO MÚSCULO-INVASIVO DE BEXIGA
CARLOS H. WATANABE SILVA JOSÉ PONTES JÚNIOR
PONTO DE VISTA
www.urologiaessencial.org.br
e necessidade de tratamento complementar. Estima-se que cerca de 80% dos pacientes de alto risco apresentarão recorrência em 12 meses. Nesses
casos, a RTUB isoladamente não será suficiente
para o tratamento e a terapia intravesical complementar está indicada, com o objetivo de reduzir
as taxas de recorrência e progressão. A terapia
intravesical permite a exposição de maiores concentrações do agente terapêutico diretamente na
bexiga, possibilitando a destruição de tumor residual e prevenindo o implante de células tumorais.
BCG – Bacillus Calmett-Guerin
agir como apresentadoras de antígeno para o BCG
e alvos para os LKA7.
Esta ativação imunológica pode persistir por
semanas a meses, havendo evidência de que o
agente pode ser detectado por até 7 dias após a
instilação, o que garantiria maior exposição ao
agente e melhor resposta imunológica7. Por outro
lado, a maior exposição leva também a maior risco de complicações sistêmicas da sua utilização.
Com relação ao tipo de cepa de BCG, em metanálise publicada recentemente, em que foram avaliados 9.482 pacientes, não
foram encontradas diferenças
estatisticamente significantes em relação aos desfechos
Em estudo randomizado com
de eficácia quando realizada
seguimento de 10 anos, 86
estratificação de acordo com
os seis tipos de cepas avaliapacientes foram selecionados
das, não sendo possível aferir
para tratamento com BCG ou
superioridade de uma delas
não após RTUB. A taxa de livre
em relação às demais2.
O BCG é uma forma viva
atenuada do Mycobacterium
bovis e constitui o agente
mais frequentemente utilizado para a terapia intravesical. O mecanismo de ação
de resposta à micobactéria
de progressão foi de 62% contra
é complexo, mas tem como
Eficácia
estrutura básica a apresen37% sem BCG (p=0,0063) e a
Em revisão sistemática
tação de antígenos pelos
sobrevida específica foi de 75%
analizando
seis trabalhos
fagócitos às células T auxicontra 55% no grupo sem
randomizandos,
incluindo
liares. Foi demonstrado que
9
585 pacientes com doença
a exposição ao BCG induz
BCG (p=0,03) ”
estádio Ta ou T1, foi consaumento do infiltrado monotatada, em 12 meses, recornuclear, constituído princirência significativamente menor nos casos que
palmente por células T e macrófagos, aumento da
receberam BCG intravesical adjuvante, quando
expressão de Interferon-gama (INF-g) e, por concomparada aos pacientes submetidos somente à
seguinte, aumento da expressão de moléculas do
RTUB8. Em estudo randomizado com seguimento
complexo maior de histocompatibilidade classe II
de 10 anos, 86 pacientes foram selecionados para
(MHCII) e ICAM-1 nas células tumorais, além de
tratamento com BCG ou não após RTUB. A taxa
ativação de linfócitos T Killer ativadas (LKA). Há
de livre de progressão foi de 62% contra 37% sem
aumento da expressão de citocinas, como as interBCG (p=0,0063) e a sobrevida específica foi de 75%
leucinas (IL)-1, IL2, IL6, IL8, IL 12, fator de necrose
contra 55% no grupo sem BCG (p=0,03)9.
tumoral alfa (FNT). Tais alterações criariam condiUma análise retrospectiva de 23.932 pacienções para que o sistema imunológico atuasse contes, com idade ≥65 anos e CUNMI registrados na
tra o tecido tumoral, diminuindo assim as chances
base SEER (Surveillanve, Epidemiology, and Endde recorrência. Existe também evidência de que
-Reults-Medicare database), observou que a utilihaja supressão do crescimento por ação direta do
zação da BCG esteve associada à maior sobrevida
BCG nas células tumorais, que podem passar a
V.5  N.1  JAN  JUN  2015 UROLOGIA ESSENCIAL
45
PONTO DE VISTA
BCG NO MANEJO DO CARCINOMA UROTELIAL NÃO MÚSCULO-INVASIVO DE BEXIGA
CARLOS H. WATANABE SILVA JOSÉ PONTES JÚNIOR
específica (HR 0,78; 95% CI 0,83-0,92) em pacientes com tumor de alto grau10. Metanálises comparando BCG com terapia intravesical e outros
agentes (exemplo: mitomicina C), mostraram superioridade da BCG na diminuição da recorrência,
especificamente em grupos de risco intermediário
e alto para recorrência e progressão 2,11.
Contudo, a despeito desses benefícios e diante
da recomendação de uso da BCG na maioria dos
consensos, estima-se que poucos pacientes tenham acesso ao tratamento adequado, sendo que,
em estudo recente, menos de ¼ dos pacientes elegíveis para o tratamento o recebem nos Estados
Unidos10. Vale lembrar que a indução com BCG
é postergada nos casos em que, antes do início
da terapia intravesical, seja necessária uma nova
ressecção endoscópcia (Re-RTUB). A Re-RTUb
melhora a sobrevida livre de recorrência e está indicada nos casos de ressecção incompleta e naqueles com estádio T1 ou alto grau3.
Dose
O BCG é administrado pela via intravesical semanalmente, durante 6 semanas. O tratamento é
iniciado 2-3 semanas após a realização da RTUB,
com o objetivo de permitir a recuperação do urotélio e diminuir a chance de efeitos colaterais sistêmicos6. A dose ideal, com menor perfil de eventos
adversos, tem sido alvo de estudos desde o início
da sua utilização para o tratamento adjuvante do
carcinoma de bexiga12–14. Estudo clínico randomizado com 152 pacientes com doença não músculo-invasiva foi conduzido comparando diferentes
regimes de administração de BCG: 40, 80 e 120mg.
Ao final de um período de seguimento de 36 meses, não houve diferença entre os grupos quanto
à recorrência (20%x25% x 20%, respectivamente),
mas foi encontrada maior taxa de toxicidade (30%
x 41,7% x 70%, respectivamente)13.
Em outro estudo, com 155 pacientes randomizados para doses de 81mg versus 27mg, por 6 semanas, mostrou que não houve diferença na recorrência ou sobrevida livre de doença. Contudo, a taxa
de eventos adversos sistêmicos no grupo de 27mg
46
UROLOGIA ESSENCIAL
V.5  N.1  JANL  JUN  2015
foi de 4% versus 16% e a taxa de eventos adversos
locais foi de 37% versus 50%, respectivamente15.
Portanto, a administração de doses menores pode permitir a obtenção dos mesmos benefícios, evitando-se, assim, efeitos colaterais. Como
possível esquema de administração, sugere-se
que uma dose de 50mg seja reconstituída em 50ml
de solução salina e injetada, através de sonda, na
bexiga, e deixada por 1 a 2 horas, sendo repetido a
cada semana, por 6 semanas.
Manutenção
A terapia de manutenção tem como objetivo
prolongar os efeitos do tratamento de indução
com BCG intravesical. Em modelos animais, o re-tratamento com BCG reduz de maneira efetiva
o crescimento de células de carcinoma urotelial,
mas somente quando tempo suficiente foi trasncorrido para que a estimulação pelo tratamento
prévio com BCG já tenha encerrado-se. A administração de terapia de manutenção tem suporte em
estudos de metanálise que mostram que existe redução do risco de recorrência e progressão quando é administrado pelo menos um ano de terapia
de manutenção2,8,11. Contudo, estudos iniciais com
amostras pequenas de paciente e com esquemas
mensais não mostraram benefício em relação ao
tratamento somente com indução, havendo, inclusive, maior taxa de eventos adversos com necessidade de redução da dose administrada16,17.
A melhor evidência do beneficio da terapia de
manutenção veio do estudo da Southwest Oncology Group(SWOG) 18. Nesse estudo, 660 pacientes
receberam terapia e indução. Após 3 semanas, 550
pacientes foram randomizados para receber ou
não manutenção com BCG por 3 semanas, aos 3, 6,
12, 18, 24, 30 e 36 meses após a terapia de indução.
A média estimada de sobrevida livre de recorrência foi de 35,7 meses para o grupo sem manutenção, contra 76,8 meses para o grupo submetido à
manutenção (log rank p<0,0001). O tempo médio
de progressão, definido como progressão para estádio T2, necessidade de cistectomia, quimioterapia ou radioterapia foi significativamente maior no
BCG NO MANEJO DO CARCINOMA UROTELIAL NÃO MÚSCULO-INVASIVO DE BEXIGA
CARLOS H. WATANABE SILVA JOSÉ PONTES JÚNIOR
grupo sem manutenção de BCG (111.5 meses versus tempo médio ainda não estimado – log rank
p = 0.04). Por apresentar alto nível de evidência e
por ter observado redução significativa nas taxas
de recorrência e progressão, este estudo oferere o
racional para a indicação da manutenção da terapia intravesical com BCG, que ficou conhecido
como esquema SWOG. Contudo, vale ressaltar que
não foi constatado aumento significativo de sobrevida global, sendo a sobrevida em 5 anos de 78%
no grupo sem manutenção contra 83% no grupo
manutenção e que nem todos os pacientes do grupo manutenção conseguiram realizar o esquema
completo de três anos.
Em metanálise publicada por Jiangang Pan et
al., foram selecionados 48 estudos randomizados,
comparando 6.547 pacientes, que receberam terapia de manutenção (seis semanas de indução seguidas de 3 semanas de manutenção no terceiro e
sexto meses por, pelo menos, um ano) contra 2.935
que receberam somente indução2. Neste estudo,
mostrou-se que a terapia com BCG após RTUB
reduz o risco de recorrência quando associada
com terapia de manutenção, particularmente em
pacientes com tumor papilar e em tumores T1G3,
considerados de alto risco.
Não há consenso quanto a um esquema ideal
de manutenção. Resultados do estudo publicado
recentemente pela European Organization for Research and Treatment of Cancer (EORTC), comparando 1 ano versus 3 anos de manutenção, mostrou não haver diferenças significativas em termos
de progressão e sobrevida entre os dois grupos.
Contudo, o tratamento por 3 anos reduziu significativamente a taxa de recorrência em relação a 1
ano em pacientes de alto risco, mas não nos casos
de risco intermediário19. Portanto, recomenda-se
a manutenção por, pelo menos, um ano (3 aplicações semais aos 3, 6 e 12 meses apos a RTUB) em
PONTO DE VISTA
pacientes de risco intermediário e por até 3 anos
em pacientes de alto risco (esquema SWOG), pesando-se riscos de eventos adversos e evidência
de benefícios na recorrência nesses grupos3, 19, 20.
Eventos Adversos Relacionados Ao BCG
A maioria dos eventos adversos a BCG relacionam-se à estimulação imunológica necessária
para a erradicação das células tumorais. Entretanto, a presença de efeitos colaterais pode reduzir a
aderência do paciente ao tratamento e prejudicar
o seguimento16, 18. Embora promova menores taxas de recorrência, o tratamento com BCG induz
maior taxa de eventos adversos em comparação
com a terapia intravesical com quimioterápico4, 21.
Aproximadamente 50% dos pacientes submetidos
ao uso de BCG apresentarão efeitos colaterais, que
variam de sintomas locais a sistêmicos. Menos de
5% dos pacientes apresentarão toxicidade grave12,
sendo reportados casos de granulomatose sistêmica, pneumonite, cistite ulcerativa, reação de hipersensibilidade, sepse.
Na maioria das vezes, complicações mais graves estão relacionadas a absorção sistêmica do
BCG. Entretanto, é possível o manejo clínico com
uso de sintomáticos, suspensão temporária da
dose ou utilização de tratamento antibioticoterápico12. O consenso europeu traz recomendações
específicas, resumidas em tabela, quanto ao manejo de efeitos colaterais da BCG, inclusive com as
recomendações sobre o uso de terapia com isoniazida, rifampicina e etambutol nos raros casos de
infecção sistêmica pelo BCG3.
A redução da dose utilizada na indução, o reconhecimento precoce de efeitos colaterais e a tomada de medidas imediatas para tratamento são
ações qu podem reduzir significativamente a morbidade do uso da BCG. Contudo, é necessário pesar os riscos de recorrência do tumor caso a caso.
V.5  N.1  JAN  JUN  2015 UROLOGIA ESSENCIAL
47
PONTO DE VISTA
BCG NO MANEJO DO CARCINOMA UROTELIAL NÃO MÚSCULO-INVASIVO DE BEXIGA
CARLOS H. WATANABE SILVA JOSÉ PONTES JÚNIOR
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UROLOGIA ESSENCIAL
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IMAGEM EM UROLOGIA
Alternativa de anastomose arterial
em transplante renal com enxerto
com múltiplas artérias
Cláudio Ferreira Borges
Profº Adjunto Departamento de Clínica Cirúrgica da Universidade Federal do Espírito Santo
Leandro Correa Leal
Urologista - Hospital Meridional – Vitória-ES
U
m dos grandes problemas do transplante renal é o número insuficiente
de órgãos para atender à crescente
demanda de pacientes em lista de espera.
Visando amenizar esta discrepância entre
candidatos e doadores, é comum, em casos selecionados, a doação com o indivíduo
vivo. Para minimizar o impacto na vida do
doador, utiliza-se a via laparoscópica. Esta
técnica oferece menor estadia hospitalar
com retorno a atividades profissionais mais
precocemente1.
No caso representado na imagem, foi realizado a nefrectomia pela via laparoscópica e
identificado a presença de três artérias renais.
Este achado estava em discordância com o
exame de arteriografia realizado previamente
que diagnosticava artéria renal única. Optou-
50
UROLOGIA ESSENCIAL
V.5  N.1  JAN  JUN  2015
-se por prosseguir com o procedimento pela
via laparoscópica. Realizou-se a ressecção
da artéria ilíaca interna do paciente receptor
com seus ramos. Através da cirurgia de banco foi realizada a anastomose dos ramos da
artéria ilíaca interna nas artérias renais, utilizando-se fio de polipropileno 6.0 (Figura 1).
Em seguida, realizamos o implante renal com
anastomose do enxerto de artéria ilíaca interna na artéria ilíaca externa com sutura término-lateral com fio polipropileno 6.0. Optamos
por esta tática cirúrgica visando minimizar o
tempo de isquemia quente que seria prolongado ao se tentar realizar três anastomoses
diretamente no paciente. Além disto, acreditamos que no caso em questão, a confecção de anastomoses dos ramos entre si (em
cano de espingarda ou término-lateral) po-
XXX
XX
IMAGEM EM UROLOGIA
www.urologiaessencial.org.br
FIGURA 1
Rim para transplante.
deria ficar anatomicamente desfavorável gerando
angulações obstrutivas.
O paciente evoluiu bem com diurese imediatamente após a cirurgia e permanece com enxerto
funcionando seis meses depois de feito o procedimento cirúrgico.
O uso de rins com alterações anatômicas vasculares é reconhecida como um desafio técnico, mas não deve ser motivo para não utilização
do órgão.2 Acreditamos que a técnica utilizada
pode ser útil em situações com três ou mais artérias renais.
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V.5  N.1  JAN  JUN  2015 UROLOGIA ESSENCIAL
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