EDITORIAL Atestado médico e suas implicações N as palavras de Souza Lima, presentes no Tratado de Medicina Legal, o Atestado Médico é a afirmação, por escrito, de um fato médico e suas consequências. O mesmo pode ser oficioso (solicitado por qualquer pessoa cujo interesse atenda), administrativo (exigido por autoridades administrativas — licenças, aposentadorias) ou judiciário (requisitado por juiz). Nos casos em que houver atendimento médico, o profissional tem o dever ético de fornecer atestado, já que o Código de Ética Médica (CEM) o considera parte integrante da consulta, devendo refletir a verdade dos fatos. É importante que, ao emitir o Atestado, se identifique com certeza, a pessoa sobre a qual se elabora este documento, bem como os dados do médico que o assina. O atestado gracioso (de favor), aquele em que a pessoa, apesar de não ter tido atendimento médico, requer ao profissional a fim de usufruir algum benefício, é uma situação grave e criminosa, já que se encontra tipificada no Código Penal — Art. 302: “Dar o médico, no exercício de sua profissão, atestado falso” — e no Código de Ética Médica (CEM) vigente — Art. 80: “É vedado ao médico: expedir documento médico sem ter praticado ato profissional que o justifique, que seja tendencioso ou que não corresponda à verdade”, devendo tal prática ser proscrita, pois só faz desprestigiar a imagem do médico e da Medicina. O médico não deve revelar o diagnóstico da doença que motivou o documento, mesmo sob forma codificada (CID), salvaguardando o sigilo profissional, havendo exceção nos casos de dever legal, justa causa ou por autorização expressa do paciente. Com a promulgação da Lei dos Juizados Especiais, o Atestado Médico assumiu a posição de substituto eventual da perícia médico-legal nos casos de lesão corporal leve, sendo essa mais uma razão para o esmero e cuidado ao se emiti-lo. Dr. Celso Lara Prof. Adjunto de Urologia da UERJ Prof. Adjunto de Medicina Legal da UFRJ Editor chefe Ronaldo Damião Editores associados Danilo S. L. da Costa Cruz Eloisio Alexsandro da Silva A T U A L I Z A Ç Ã O Sistemas de Nefrometria para predizer resultado pós-operatório e complicações na Nefrectomia Parcial – Estado Atual WILSON F S BUSATO JR Professor de Urologia, Universidade do Vale do Itajaí | UNIVALI | Itajaí | SC GILBERTO L ALMEIDA Urologista | Instituto Catarinense de Urologia | SC FELIPPE S BUSATO Doutorando da UNIVALI Introdução A mudança na abordagem do câncer renal (CR) nas últimas décadas é decorrente, fundamentalmente, do uso rotineiro de exames de imagem, em que cerca de 70% dos tumores são diagnosticados incidentalmente e também de uma maior disponibilidade das técnicas minimamente invasivas (TMI)1. Atualmente, entre 80-90% dos CR são diagnosticados como localizados (T1) e mais de 60% apresentam-se menores que 4cm2. A nefrectomia parcial (NP) é considerada o tratamento padrão para a maioria dos casos de tumores renais localizados, uma vez que as abordagens laparoscópica, aberta e robótica apresentam resultados oncológicos equivalentes à nefrectomia radical (NR)2. Estudos comparativos sugerem que a NP pode diminuir a morbimortalidade nos pacientes com 2 UROLOGIA ESSENCIAL V.4 N.1 JAN JUN 2015 tumores T1, assim como reduzir as taxas subsequentes de insuficiência renal3, 4, redução no risco de complicações cardiovasculares e morte prematura4. Mesmo com tantas opções de tratamento disponíveis (laparoscópico, aberto, robótico, percutâneo ou active surveilance), a decisão pode ser difícil e baseada em critérios subjetivos, tais como: estado geral do paciente, anatomia do tumor, opção do paciente, experiência da equipe cirúrgica e tecnologia disponível5. A avaliação radiológica pré-operatória é o recurso mais utilizado para indicar o tratamento, levando-se em consideração variáveis como diâmetro e localização do tumor, profundidade e proximidade dos vasos do hilo e da pelve renal6. Essas definições são observador-dependentes e podem não ter uniformidade; uma escolha inadequada pode aumentar o www.urologiaessencial.org.br risco de fístula, perda da unidade renal ou de recidiva local7. Só recentemente tem havido uma preocupação em padronizar o processo de decisão do tratamento em tumores T1 mediante sistemas de escore nefrométricos. São métodos estruturados e quantificáveis para descrever achados anatômicos relevantes do tumor5. Três sistemas morfométricos renais estão em uso atualmente, a saber: R.E.N.A.L., P.A.D.U.A. e C-index. Conduzimos uma pesquisa em outubro de 2012, utilizando Medline, Embase e Web of Science Databases, utilizamos para pesquisa as palavras-chave nephrometry score (70), robot-assisted partial nephrectomy (127), laparoscopic partial nephrectomy (743) e open partial nephrectomy (369) utilizando como limitador os estudos publicados nos últimos 5 anos. Muitos estudos encontrados na pesquisa se sobrepunham e somente foram levados em consideração aqueles mais recentes, com maior número de participantes ou com dados mais completos. Esta revisão discutirá as características de cada um dos sistemas e o impacto de sua aplicação na redução da morbidade e das complicações na NP, com uma comparação entre as vantagens de uso de cada um e a aplicação prática desta metodologia. Sistemas nefrométricos Sistemas nefrométricos (SN) ajudam a padronizar a abordagem dos tumores T1, melhorando os resultados clínicos e permitindo a comparação entre as séries e os métodos de abordagem2. Os sistemas R.E.N.A.L. e P.A.D.U.A. são muito semelhantes e abordam aspectos da localização anatômica do tumor que, de forma subjetiva, já eram levados em consideração pelos urologistas para escolher a abordagem. Já o sistema C-index é um valor medido que deriva diretamente do tamanho do tumor e sua distância do centro do rim6. Recentemente, um sistema que busca unir o R.E.N.A.L. com o C-index, denominado DAP (Diameter-Axial-Polar) foi descrito8. No entanto, existem críticas de que esses SN são complexos, despendem tempo e habilidade para aplicação e sua individualização é de valor limitado. Além disso, teriam pouca probabilidade de alterar a decisão cirúrgica. R.E.N.A.L. Em 2009, Kutikov e Uzzo descreveram oescore nefrométrico R.E.N.A.L.: R (raio ou diâmetro máximo do tumor), E (exofítico ou endofítico), N (proximidade ao sistema coletor), A (anterior ou posterior) e L (localização polar), conforme mostrado na figura 19.O diâmetro máximo pode ser medido em qualquer plano (axial, sagital ou coronal) e baseia-se na classificação TNM. Exceto pelo componente “A”, que indica locação anterior ou posterior, uma escala de até 3 pontos é utilizada para cada parâmetro, perfazendo uma soma total de 4 a 12. A localização longitudinal é dada por uma linha transversal que passa nos bordos mediais do parênquima renal (figura 2). A complexidade dos tumores renais pode ser dividida em 3 grupos, de acordo com a soma total: baixa complexidade (4-6), média (7-9) e alta complexidade (10-12). O sistema pode utilizar tanto a tomografia computadorizada axial quanto a RNM e apresenta elevada reprodutividade interobservador (0,92; p<0,001) (10) . Um site na internet auxilia a calcular o escore (http://www.nephrometry.com) O R.E.N.A.L. é o mais utilizado SN, com vários artigos descrevendo seu uso clínico prático. Escores elevados associam-se significativamente com maiores incidências de complicações, mesmo após ajustados para as características básicas dos pacientes nos modelos logísticos multivariáveis (11). A utilização do SN é um indicador mais sensível da possibilidade de complicações pós-operatórias após NP baseada na característica isolada do tumor. Isoladamente, apenas o “N” está associado a complicações e hemorragia. Além disso, alto escore no R.E.N.A.L. associa-se com um aumento de V.4 N.1 JAN JUN 2015 UROLOGIA ESSENCIAL 3 Atualização Sistemas de Nefrometria para predizer resultado pós-operatório e complicações na Nefrectomia Parcial – Estado Atual Wilson F S Busato Jr Gilberto L Almeida Felippe S Busato FIGURA 1 Sistema R.E.N.A.L. Plano frontal Plano transverso Plano sagital Ant Post Sistema R.E.N.A.L. CRITÉRIO (R)aio máximo (cm) (E)xofítico/endofítico (N) Proximidade do sistema coletor (mm) (A)nterior/Posterior (L)ocalização relativa as linhas polares 1 PONTO ≤4 ≥ 50% exofítico ≥7 Inteiro acima ou abaixo das linhas polares Exemplo de escore Raio (4,3cm) = 2 pontos Exofítico (>50%) =1 ponto Proximidade do seio (< 4mm) = 3 pontos complicações Clavien grau III, mas não graus I e II. Outro aspecto importante é o tempo de isquemia quente. Alguns estudos têm demonstrado uma relação entre esse tempo e o escore R.E.N.A.L., apesar de não haver uma definição clara do limite de tempo aceitável em um paciente com os dois rins e função renal normal, ou mesmo concordância de que o R.E.N.A.L. pode predizer esse tempo (12). Cha et al. correlacionaram o escore R.E.N.A.L. com o grau de 4 UROLOGIA ESSENCIAL V.4 N.1 JAN JUN 2015 2 PONTOS > 4 mas < 7 < 50% exofítico < 4 mas < 7 3 PONTOS ≥7 100% endifítico ≤4 Sem pontuação. Usa-se a, p e x <50% dentro das >50% dentro das linhas linhas polares polares Anterior = a Localização (>50%) = 3 pontos Escore final = 2 + 1 + 3 + a + 3 = 9a declínio da função renal seguindo NP após 38 meses (12) . Satasivam et al. encontraram 20,7% de patologia benigna em lesões de baixa complexidade contra 6,2% na de alta, demonstrando o potencial desse escore também em predizer taxas de malignidade de massas renais. White et al. avaliaram o papel do escore R.E.N.A.L. em tumores complexos maiores que 7 cm de diâmetro e concluíram que o sangramento, Sistemas de Nefrometria para predizer resultado pós-operatório e complicações na Nefrectomia Parcial – Estado Atual Wilson F S Busato Jr Gilberto L Almeida Felippe S Busato Atualização FIGURA 2 Caracterização da localização longitudinal. Em A. PADUA linha polar axial passa na parte superior e inferior mais externa do seio renal e B. RENAL linha polar passa nas bordas mediais do parênquima renal. tempo de isquemia quente e complicações foram estatisticamente maiores naqueles tumores com escore elevado (13). Vale salientar que nenhum componente individual ou o sistema R.E.N.A.L. tem mostrado ser capaz de predizer a perda da função renal pela taxa de filtração glomerular. P.A.D.U.A. Outro sistema, conhecido como P.A.D.U.A. (Preoperative Aspects and Dimensions Used for an Anatomical classification ), foi proposto em 2009 por Ficarra et al.14 e é muito similar ao R.E.N.A.L. mas baseia-se em sete achados: localização anterior, localização posteror, localização longitudinal, relação com seio renal, relação com sistema coletor, porcentagem de tumor exofítico e diâmetro tumoral (Figura 3). A pontuação vai de 6 a 13 e classifica a complexidade em baixa (6-7), moderada (8-9) e alta (10-13)14. De modo diferente do sistema R.E.N.A.L., o P.A.D.U.A. avalia separadamente o comprometimento do sistema coletor. O motivo disso é que a abertura da via excretora requer uma reconstrução mais extensiva e aumenta o risco de complicação de fístula urinária. Outra diferença é a definição dos limites da região interpolar (Figura 2). Enquanto o sistema R.E.N.A.L. define esses limites baseado na localização de um plano transverso, passando pelo bordo medial do parênquima renal, no sistema P.A.D.U.A. os limites polares são dados por uma linha transversal que passa nos limites superior e inferior da gordura do seio renal. Essa pequena diferença de definição pode divergir em até 2 a 4cm2. É importante acompanharmos os trabalhos futuros, comparando ambos os sistemas, uma vez que essa pequena diferença pode ter um impacto importante na definição da complexidade da ressecção. Algumas poucas séries não encontraram relação entre escore nefrométrico e complexidade da ressecção na NP. A maior parte destas séries são heterogêneas, como a relatado por Mufarrij et al., em estudo no qual, dos 92 pacientes da V.4 N.1 JAN JUN 2015 UROLOGIA ESSENCIAL 5 Atualização Sistemas de Nefrometria para predizer resultado pós-operatório e complicações na Nefrectomia Parcial – Estado Atual Wilson F S Busato Jr Gilberto L Almeida Felippe S Busato FIGURA 3 Sistema P.A.D.U.A. Plano frontal Plano transverso Plano sagital Cranial Caudal CRITÉRIO 1 PONTO Medial ou Lateral 2 PONTOS 3 PONTOS Sem pontuação. Usa-se M ou L Associação com seio renal não envolvido envolvido Associação sistema coletor não envolvido envolvido Exofítico ≥ 50% < 50% 100% endofítico Diâmetro do tumor ≤4≥7 > 4 mas < 7 ≥7 anterior ou posterior Sem pontuação. Usa-se A ou P localização axial Todo acima/abaixo da linha polar axial ≥50% entre as linhas polares axiais Exemplo de escore Médio/lateral = L Seio renal (não compromete) = 1 ponto Sistema coletor (não envolvido) = 1 ponto Exofítico (>50%) = 1 ponto série, apenas 4 foram classificados como de alta complexidade15. As validações externas que têm sido publicadas indicam, numa análise univariada, uma correlação com a taxa de complicação e tempo de isquemia quente, principalmente para tumores acima de 4cm. Isoladamente, somente o envolvimento do seio renal, do sistema coletor e o diâmetro do tumor têm relação com o risco de complicações. Tyritzis et al. realizaram a validação do escore P.A.D.U.A. em 74 NP e encontraram uma sensibi6 UROLOGIA ESSENCIAL V.4 N.1 JAN JUN 2015 Diâmetro ( 2,9cm) = 1 ponto Anterior/posterior = A Axial (todo abaixo) = 1 ponto Escore final = L + 1 + 1 + 1 + 1 + A + 1 = 5LA lidade de 91% e especificidade de 78%. Ainda, um escore ≥8 identificou um grupo de pacientes com quase 20 vezes maior risco de complicações16. CENTRALITY-INDEX O C-index foi proposto por Simmons et al. em 2010 (17) e, de modo diferente dos sistemas R.E.N.A.L. e P.A.D.U.A., é uma medida calculada e não um sistema descritivo por categoria. Para predizer a complexidade da ressecção, baseia-se no Sistemas de Nefrometria para predizer resultado pós-operatório e complicações na Nefrectomia Parcial – Estado Atual Wilson F S Busato Jr tamanho do tumor e na distância da periferia deste ao centro do rim, sendo que esses valores podem ser obtidos em imagens transversais de tomografia 2D. Apesar de parecer simples, a metodologia descrita é relativamente complexa de aplicar (figura 4). A medida do C-index começa pela identificação da imagem transversa mais superior e da mais inferior do rim. Calcula-se o número de cortes entre elas para obter a imagem média. A seguir, identifica-se o corte que mostra o maior diâmetro tumoral e, após isso, conta-se o número de cortes entre a imagem do plano médio renal e a do maior diâmetro tumoral e, enfim, multiplica-se pela espessura de cada corte. Essa distância é a medida vertical do centro renal ao plano do centro do tumor. Deixa-se, então, o mouse no centro do rim e as imagens axiais vão sendo roladas até o plano que mostre o diâmetro tumoral máximo. Do cursor do mouse até o centro do tumor será a medida horizontal. Agora, basta aplicar o teorema de Pitágoras para achar FIGURA 4 Sistema C-index Y distância vertical; X distância horizontal; R raio do tumor Exemplo de escore Centro do tumor fora do centro renal = >1 Gilberto L Almeida Felippe S Busato Atualização “c”, que é a distância real entre o centro do rim e do tumor. Por fim, a distância “c” é dividida pelo raio do tumor e se obtém, finalmente, o C-index. Se o C-index for zero, então o centro do tumor estará no centro do rim. Se CI=1, significa que a borda do tumor encosta no centro do rim. Quanto maior o índice, mais distante está o tumor do centro do rim e, quanto menor, maior a complexidade da ressecção. Apesar da complexidade do cálculo, acaba por ser um método objetivo, com a variação interobservador de apenas 7%, mas com uma curva de aprendizado relativamente longa de 14 medidas (2). Existe uma carência de trabalhos validando esse escore com metodologia correta. DIAMETER-AXIAL-POLAR Recentemente, Simmons et al. propuseram um novo sistema de escore como uma integração dos sistemas R.E.N.A.L. e C-index, denominado DAP (Diameter-Axial-Polar) (8). Esse sistema é baseado em apenas 3 variáveis: diâmetro do tumor, distância do centro renal e distância polar. A ideia foi de simplificar o cálculo do C-index e segue 4 passos: 1) passar as imagens no plano axial até encontrar o maior diâmetro do tumor; 2) no mesmo plano axial, uma linha que determina a periferia do rim exclusiva do tumor é delineada, designando-se um ponto no centro. Mede-se a distância da borda do tumor a esse ponto central; 3) identifica-se o plano renal equatorial situado no ponto médio entre os planos dos polos superior e inferior do rim, de modo semelhante ao C-index. Determina-se a distância do limite do tumor com esse plano renal equatorial, contando-se o número de cortes axiais e multiplicando-se pela distância da espessura do exame. Para a determinação correta da margem do tumor, vale o plano axial em que o limite está mais claro desde um corte anterior, algo borrado ou mal definido e 4) o escore DAP final é calculado pela soma da pontuação dos três parâmetros (figura 5). Este é um sistema muito recente e espera-se, nos próximos anos, por estudos validando essa metodologia, tanto nas NP abertas quanto nas técnicas minimamente invasivas. V.4 N.1 JAN JUN 2015 UROLOGIA ESSENCIAL 7 Atualização Sistemas de Nefrometria para predizer resultado pós-operatório e complicações na Nefrectomia Parcial – Estado Atual Wilson F S Busato Jr FIGURA 5 Gilberto L Almeida Felippe S Busato Comparação dos sistemas nefrométricos Sistema D.A.P. A B CRITÉRIO 1 PONTO 2 PONTOS 3 PONTOS Diâmetro < 2,4 cm 2,4 a 4,4 cm > 4,4 cm Distância Axial > 1,5 cm ≤ 1,5 cm Sobrepõem Distância Polar > 2 cm ≤ 2 cm Sobrepõem Exemplo de escore Caso A Caso B Diâmetro (4,6cm) = 3 pontos (2,8cm) = 2 pontos Distância axial (≤1,5cm) = 2 pontos (sobrepõem)= 3 pontos Distância polar (≤ 2 cm) = 2 pontos (sobrepõem) = 3 pontos Escore final= 3 + 2 + 2= 7 2 + 3 + 3= 8 8 UROLOGIA ESSENCIAL V.4 N.1 JAN JUN 2015 A criação de um SN tem dois objetivos básicos: a padronização das séries e dos estudos publicados, permitindo comparações e definições de diretrizes internacionais e predizer o sucesso da nefrectomia parcial pela definição do risco de complicações pós-operatórias, assim como dos resultados oncológicos e funcionais6. Para atingir o primeiro objetivo é preciso que o método seja de fácil execução, reproduzível e com baixa variabilidade interobservador. Em termos de capacidade de aferir o grau de dificuldade, é preciso que haja uma superioridade do sistema como um todo sobre cada um dos seus parâmetros isoladamente pois, caso contrário, usar-se-ia apenas o componente isolado. A concordância interobservador do escore RENAL é de 51% a 92%, sendo os parâmetros porcentagem exofítica, proximidade e localização polar aqueles com maior variação. O C-index mostra uma menor variação interobservador (84%), sendo a medida da distância central o parâmetro de maior variação. Já o sistema nefrométrico P.A.D.U.A. tem sido descrito com 81% de concordância interobservador18. Argumenta-se que uma variabilidade média de 15% pode dificultar o uso generalizado dos sistemas, uma vez que essa variabilidade permite comparações díspares entre as séries. Okhunov et al. realizaram uma análise da correlação entre os 3 sistemas. Todos apresentaram associação significativa com o tempo de isquemia quente e a porcentagem de mudança na creatinina sérica, e o C-index também foi associado ao tempo de internação (Tabela 1)18. Tanto o sistema R.E.N.A.L. quanto o P.A.D.U.A. têm importante alteração na creatinina nas lesões complexas, e podem auxiliar na decisão operatória, principalmente em pacientes com a função renal já comprometida. Os tumores rotulados como de baixa complexidade no sistema R.E.N.A.L. têm significativamente menor tempo de isquemia quente, comparados com aqueles de moderada e alta complexidade. Essa diferen- Sistemas de Nefrometria para predizer resultado pós-operatório e complicações na Nefrectomia Parcial – Estado Atual Wilson F S Busato Jr ça no tempo de isquemia não foi identificada no sistema P.AD.U.A.18. É importante salientar que nenhum dos sistemas mostrou diferença significativa entre lesões categorizadas como de complexidade moderada e alta. Existe uma grande dificuldade em comparar o sistema C-index com os outros sistemas por categoria. O C-index não indica a área geográfica do tumor no rim, tornando as comparações limitadas. Dois aspectos práticos vantajosos adicionais são: o sistema R.E.N.A.L. é um acrônimo que faz referencia à metodologia, sendo mais fácil a me- Gilberto L Almeida Felippe S Busato Atualização de início os SN puderem aferir a dificuldade da ressecção de pequenas massas renais, já estaremos dando um grande passo. A utilidade desses escores para o treinamento de novos urologistas, deixando as lesões menos complexas para treinamento de residentes e para urologistas iniciantes, em detrimento das lesões de complexidade média a alta, direcionadas para centros mais experientes, pode ser uma opção. Estamos falando de uma metodologia nova, mas alguns dados já podem ser separados e utili- TABELA 1 Correlação entre os escores C-index, PADUA e RENAL e os fatores clínicos20 C-index P.A.D.U.A. R.E.N.A.L. Rho p< Rho p< Rho p< Complicações pós-operatórias -0,06 0,526 -0,04 0,677 0,01 0,885 Tempo operatório -0,04 0,706 -0,06 0,562 0,01 0,935 Internação -0,21 0,039 -0,02 0,814 0,00 0,982 Sangramento 0,09 0,376 -0,04 0,691 -0,01 0,936 Isquemia quente -0,44 0,001 0,25 0,016 0,32 0001 % alteração creatinina -0,33 0,001 0,37 0,001 0,41 0,001 morização, e o sistema C-index, cuja referência ao ponto central renal sobreposto ao centro do tumor como C=0 ou limite tumoral junto ao centro renal em C=1, facilita a compreensão. Aplicação clínica O primeiro SN foi desenvolvido tendo como base nefrectomias parciais abertas e uma dúvida nas técnicas minimamente invasivas logo surgiu19. Atualmente, a maioria das publicações se refere à avaliação de técnicas minimamente invasivas. De todas as possibilidades de uso clínico, a correlação com achados patológicos, oncológicos e funcional são as mais procuradas. Mas, se zados na rotina diária. Por exemplo, pacientes com tumores rotulados como C-index<1,3 foram mais de nove vezes mais frequentemente submetidos à nefrectomia radical. Tumores com C-index≤1 têm um tempo de isquemia 2,3 vezes maior que 35 minutos. Na prática, tumores cujo limite encoste no centro renal têm alto risco de lesão isquêmica. Esses pacientes devem ser informados do maior risco de perda renal intraoperatório. Waldert et al. relataram uma associação do P.A.D.U.A. ≥10 com um aumento do tempo de isquemia quente numa análise multivariada (22 vs 34 minutos; p=0,006)19. Escore P.A.D.U.A. de 8-9 tem uma taxa de risco de 14,5 de complicações pós-operatórias, quando comparados com tumores de escore 6-7. Já tumores ≥10 têm risco 30,6 2. De uma V.4 N.1 JAN JUN 2015 UROLOGIA ESSENCIAL 9 Atualização Sistemas de Nefrometria para predizer resultado pós-operatório e complicações na Nefrectomia Parcial – Estado Atual Wilson F S Busato Jr Gilberto L Almeida Felippe S Busato forma prática, tumores com escore >10 têm 3 vezes maiores riscos de complicações comparados àqueles <10. Bruner et al. demonstraram uma associação entre o escore R.E.N.A.L. e fístula urinária. Cada unidade do escore R.E.N.A.L. está associada com um aumento de 35% no risco de fístula2. repercussão dessa perda pôde ser avaliada em um estudo sobre a perda funcional renal após 1 ano, no qual não se observou correlação do C-index e tempo de isquemia com perda funcional tardia20. Entretanto, é preciso um maior número de trabalhos e um período maior de seguimento. Outro benefício dos SN é a definição do resultado funcional após a NP. Samplaski et al. 20 avaliaram a função renal em 131 pacientes submetidos a NP e demonstraram que o percentual de perda da taxa de filtração glomerular se correlacionou diretamente com o C-index e o tempo de isquemia. Vale ressaltar que o C-index também prediz o maior tempo de isquemia. C-index escore <2,5 associou-se com 2 vezes mais risco de perda funcional renal >30%. A CONCLUSÃO Os escores nefrométricos associam-se com duração da isquemia quente, taxas de complicações, porcentagem de mudança da creatinina e resultados funcionais e podem ajudar a escolher a melhor técnica operatória. Nenhum escore (R.E.N.A.L., P.A.D.U.A. ou C-index) mostrou superioridade sobre os outros. REFERÊNCIAS Dulabon LM, Lowrance WT, Russo P, Huang WC. Trends in renal tumor surgery delivery within the United States. Cancer 2010; 116:2316-21. 2. Lieser G, Mn. Developments in kidney tumor nephrometry. Postgrad med 2011; 23(3):35-42. 3. 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M U LT I D I S C I P L I N A R I D A D E Uso de drogas na Doença Renal Crônica: o que é de interesse do urologista Egivaldo Fontes Ribamar Serviço de Nefrologia – Hospital Universitário Clementino Fraga Filho – UFRJ >> Serviço de Nefrologia – Hospital Federal de Bonsucesso – Ministério da Saúde Pablo Machado Borela Serviço de Nefrologia – Hospital Universitário Clementino Fraga Filho – UFRJ Introdução A doença renal crônica (DRC) é considerada, atualmente, uma verdadeira epidemia em todo o mundo e um importante problema de saúde pública no Brasil. Constitui um grande risco para pacientes com diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares, doenças mais prevalentes na população idosa. A DRC consiste na presença de lesão renal com a consequente perda crônica e progressiva da função renal1. Com o avançar da doença, os rins vão perdendo a capacidade de manter a homeostase do meio interno, até que, na fase mais avançada, o indivíduo deve ser indicado para a diálise ou o transplante, considerado o tratamento de escolha. A National Kidney Foundation (NKF), no documento Kidney Disease Outcomes Quality Initiative (K/DOQI), caracterizou a DRC com base em dois critérios principais2: 14 UROLOGIA ESSENCIAL V.5 N.1 JAN JUN 2015 Critério 1: Presença de lesão renal por um período maior ou igual a 3 meses, caracterizada por anormalidades estruturais ou funcionais, com ou sem diminuição da taxa de filtração glomerular (TFG) e manifestada por anormalidades patológicas ou marcadores de lesão, que incluem alterações sanguíneas, urinárias ou exames de imagem renal. Exemplo: um paciente com rins policísticos, observados na ultrassonografia (exame de imagem), mesmo com clearance de creatinina normal (> 90ml/min), tem DRC, pois tem marcador de dano renal (múltiplos cistos). Critério 2: Se a TFG for menor que 60 mL/min/1,73 m2, por um período maior ou igual a 3 meses, com ou sem a presença de lesão renal documentada. www.urologiaessencial.org.br Exemplo: um paciente com hipertensão arterial, com clearance de 50ml/min/1,73m2, mesmo sem hematúria ou proteinúria, tem DRC, pois a TFG está < 60ml/min/1,73m2). Para ser considerado portador de DRC, o paciente deve ter um ou ambos os critérios citados. Em pacientes idosos, esta definição deve ser vista com mais cuidado, pois o próprio envelhecimento pode causar arterioloesclerose renal e redução fisiológica dos fluxos renais e da TFG. Um paciente de 70 anos, por exemplo, com creatinina 1,0mg%, tem TFG (CKD-EPI) de 76ml/min. Essa TFG reduzida se deve à progressão própria da faixa etária e não a uma possível nefropatia crônica. Após os 40 anos, ocorre uma perda fisiológica, em média, de aproximadamente 1ml/min/ano da filtração glomerular. Tal observação é fundamental, pois esses casos estão muito presentes no meio urológico e são bastante sensíveis à agudizações da doença, a complicações clínicas e a atrasos na recuperação, ao serem submetidos a procedimentos cirúrgicos ou expostos a medicações potencialmente nefrotóxicas. Com base nesses critérios, a DRC foi classificada em 5 estágios, conforme a TFG, com objetivo de uniformizar a conduta e facilitar o entendimento e a condução dos pacientes com nefropatia crônica, nos seus vários estágios (TABELA 1). Epidemiologia da DRC A DRC tem uma enorme prevalência em pacientes com diabetes e hipertensão arterial, doenças crescentes, que comumente evoluem com alguma forma de nefropatia. As causas mais comuns de DRC em todo o mundo são o diabetes mellitus (DM), a hipertensão arterial (HAS) e as glomerulonefrites (GNC). No Brasil, dados oficiais da Sociedade Brasileira de Nefrologia revelam que hipertensão é a causa mais comum de DRC na fase dialítica. Os pacientes diabéticos, idosos e os familiares de pacientes com DRC prévia têm risco aumentado de desenvolver a DRC. Na maioria dos casos, a doença renal tem evolução progressiva, insidiosa e assintomática, até que a TFG caia a valores baixos, como 30 ml/min/1,73m2, sendo necessária especial atenção na condução desses pacientes, pelo alto risco de agudização e complicações. Esses pacientes merecem muito cuidado na prescrição de drogas, especialmente anti-inflamatórios não hormonais (AINH), contrastes radiológicos, antibióticos nefrotóxicos, entre outras, assim como na realização de procedimentos invasivos, como cirurgias, em que há grande risco de piora funcional e ocorrência de distúrbios metabólicos, dificultando enormemente o tratamento. Como avaliar a função renal na prática TABELA 1 Estágios da doença renal crônica3, 4. Estágio TFG (ml/min/1,73m2) 1 ≥ 90 (com um marcador de dano renal presente) 2 60-89 3A 45-59 3B 30-44 4 15-29 5 <15 (fase dialítica) Em qualquer paciente que será submetido a procedimento cirúrgico ou uso crônico de medicamentos, recomenda-se uma detalhada avaliação da função renal. Historicamente, a medida mais utilizada da filtração glomerular é a depuração ou clearance de creatinina na urina de 24 horas. O clearance de creatinina não é uma medida ideal, pois a creatinina, além de filtrada, sofre secreção nos túbulos renais. Apesar disso, é muito utilizado, devendo ser recomendado, especialmente nas situações em que as fórmulas de estimativa da TFG são menos precisas, tais como4: - extremos da idade e do tamanho corporal; - estado nutricional ruim; V.5 N.1 JAN JUN 2015 UROLOGIA ESSENCIAL 15 MULTIDISCIPLINARIDADE IMPLICAÇÕES DO GADOLÍNIO NO SISTEMA URINÁRIO CARLOS MARTINS CARNEIRO DE ARAÚJO JÚNIOR - pacientes obesos; - doenças musculoesqueléticas; - pacientes com paraplegia ou quadriplegia; - piora aguda da função renal; - ajuste de doses de medicamentos. Muitos pacientes urológicos, especialmente os idosos, enquadram-se bem nesse perfil, fazendo da urina de 24h um método importante e seguro para avaliar a função renal. Além da urina de 24h, várias fórmulas que estimam a TFG têm sido utilizadas com grande frequência e precisão. Essas fórmulas utilizam dados demográficos e clínicos e as mais utilizadas atualmente são: a- COCKROFT-GAULT (CG)*: Publicada em 1976, usa a creatinina, o peso e a idade como variáveis5. É a mais tradicional, fácil, rápida e pode ser obtida por cálculos manuais e em aplicativos. TFG (ml/min) = (140 – idade) x peso / (72 x creatinina sérica) * no sexo feminino, multiplicar o resultado final por 0,85 (devido à menor massa muscular da mulher) b- MDRD (Modification of Diet in Renal Disease): Publicada em 1999, é usada com maior acurácia em pacientes com TFG <60ml/min/1.73m2 5. Quando a TFG >60ml/min, a precisão é menor. Os cálculos geralmente são automáticos, gerados em calculadoras ou aplicativos, devido à complexidade da fórmula. TFG (mL/min/1,73 m2) = 186 x (creatinina sérica) - 1,154 x (Idade) - 0,203 x (0,742 se mulher) x (1,212, se de origem africana, considerado como raça negra em outras localidades) 16 UROLOGIA ESSENCIAL V.5 N.1 JAN JUN 2015 LEONARDO KAYAT BITTENCOURT c- CKD-EPI (Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration): Foi publicada em 2009, usa as mesmas variáveis da MDRD, é mais precisa, especialmente em pacientes com TFG >60ml/min/1.73m2 5. Os cálculos são feitos geralmente em calculadoras ou aplicativos, devido à complexidade da fórmula. Atualmente é uma das fórmulas mais utilizadas pelos nefrologistas. Todas essas fórmulas podem ser recomendadas para avaliação da função renal, propiciando uma excelente correlação com a verdadeira TFG, com rápida obtenção do resultado, importante para o estabelecimento de cuidados nos procedimentos ou medicamentos a serem utilizados. Manuseio de medicamentos e procedimentos urológicos em pacientes com DRChttp://g1.globo.com/concursos-e-emprego/ noticia/2014/07/marinha-abre-concurso-para-59-vagas-de-nivel-superior.html A utilização de medicamentos em pacientes com DRC é um problema complexo, difícil, e exige muita atenção na escolha da droga, nas doses e no tempo de uso. Essa dificuldade é determinada pela menor função renal, alterações metabólicas, retenção de sal e água e por distúrbios tais como acidemia e hipercalemia, que causam maiores riscos para o paciente. A anemia pela deficiência de eritropoetina também está presente na maioria dos casos mais avançados. Além disso, pacientes com DRC são particularmente propensos a desenvolver hiponatremia aguda, às vezes severa, seja por absorção de soluções isotônicas, reposição de soluções hipotônicas na veia e por secreção inapropriada do ADH, fenômenos possíveis em cirurgias, especialmente nos idosos ou com DRC prévia. A escolha de medicamentos deve ser criteriosa, devendo-se considerar a biodisponibilidade, distribuição e a via de eliminação. Os pacientes com DRC habitualmente têm comorbidades e complicações que levam à necessidade de várias classes de medicamentos. Desta forma, é fundamental identificar a presença da DRC, IMPLICAÇÕES DO GADOLÍNIO NO SISTEMA URINÁRIO CARLOS MARTINS CARNEIRO DE ARAÚJO JÚNIOR a causa e a medida da função renal, para, assim, avaliar a melhor opção, a menos tóxica e as doses a serem prescritas. Esses cuidados visam minimizar os efeitos adversos sistêmicos e a nefrotoxicidade, que causam muita dificuldade no manejo clínico ou cirúrgico do paciente. É comum na prática médica o uso de medicamentos, de quaisquer classes, sem essa observância, o que leva a frequentes iatrogenias, que poderiam ser evitadas. Classes de drogas potencialmente usadas na Urologia Anti-inflamatórios (AINH) Os AINH promovem inibição das prostaglandinas e interferem com a hemodinâmica renal, podendo causar redução da filtração glomerular. Embora sejam bem tolerados, são comumente associados a efeitos tóxicos, às vezes significativos. Nenhum dos AINH é totalmente seguro para pacientes com DRC. Os principais efeitos tóxicos ocorrem no trato gastrointestinal, fígado, rins, além da redução da adesividade plaquetária, predispondo a sangramentos, importantes TABELA 2 Nome da droga Tramadol Cetorolaco Cetoprofeno Diclofenaco LEONARDO KAYAT BITTENCOURT MULTIDISCIPLINARIDADE em pacientes urológicos submetidos a procedimentos cirúrgicos que demandam uma boa hemostasia. Os AINH devem ser evitados quando houver déficit da função renal e, em pacientes idosos, que têm uma autoregulação renal limitada pela idade, o risco de toxicidade é maior. Em casos especiais, quando a prescrição for fundamental, avalia-se o risco vs benefício, devendo-se usar pelo menor tempo possível. Essas drogas podem levar à insuficiência renal aguda, geralmente reversível, por interferir na hemodinâmica renal e por reação de hipersensibilidade, causando nefrite tubulointersticial aguda, às vezes com necessidade de diálise. O uso crônico de alguns AINH pode causar síndrome nefrótica, principalmente por lesão mínima, nefrite tubulointersticial crônica e necrose de papila renal. Em pacientes submetidos à nefrectomia unilateral, os AINH podem ser usados, mas com cautela, pois podem levar à redução da TFG e causar insuficiência renal aguda, especialmente em cursos mais longos. Uma vez documentada a DRC, com redução da TFG, recomenda-se evitar esta classe de drogas ou utilizá-la com extremo cuidado (TABELA 2). Ajuste de AINH comumente usados na prática clínica7,8 Ajuste para função renal Cuidados especiais Se TFG < 30ml/min, 50-100mg 12/12h máx 200mg/ dia Nunca exceder 400mg/ dia. Muito cuidado em idosos. 10-20mg VO cada 4-6h 30-60mg IV, cada 6h máx 120mg/ dia Contraindicado DRC grave. Na DRC leve-moderada 10mg cada 6h (max 40mg) ou 15mg IM/IV, cada 6h (max 60mg) Usar por no máximo 5 dias. Não usar na DRC grave ou em casos de alto risco de lesão renal por depleção volêmica 50-75mg 3-4 x dia Não usar na DRC grave TFG < 25ml/min, max 150mg/ dia Alto risco de lesão renal Quando a TFG for reduzida, avaliar risco x beneficio 50mg 2-3x dia Não usar na DRC pelo alto risco de piora renal Não recomendado em pacientes com disfunção renal Dose habitual 50-100mg VO / IV / SC cada 4-6h V.5 N.1 JAN JUN 2015 UROLOGIA ESSENCIAL 17 MULTIDISCIPLINARIDADE IMPLICAÇÕES DO GADOLÍNIO NO SISTEMA URINÁRIO CARLOS MARTINS CARNEIRO DE ARAÚJO JÚNIOR Diuréticos O uso de diuréticos deve ser cuidadoso, embora sejam drogas bastante úteis, particularmente os tiazídicos, muito utilizados na litíase urinária. Os diuréticos de alça, como a furosemida, podem causar depleção de volume, além de hipocalemia, hipercalciúria, hipernatremia e alcalose metabólica; os tiazídicos, como a hidroclorotiazida e a clortalidona, também podem causar hipovolemia, além de hipocalemia, hipercalcemia e hiponatremia, especialmente nos idosos, por estimular e potencializar a ação do ADH, com maior reabsorção de água. Ambos, uma vez que causam maior diurese, podem levar à acentuada depleção de volume e provocar piora funcional renal. Em paciente com litíase renal recorrente, por hipercalciúria, os tiazídicos são indicados e causam redução da excreção de cálcio urinário, minimizando a formação de cálculos. Os diuréticos de alça, como a furosemida, são contraindicados em pacientes com cálculos de cálcio por aumentarem a calciúria. Antibióticos Em geral, os antibióticos são bem tolerados em pacientes com DRC, mas alguns têm efeitos potencialmente nefrotóxicos, como os aminoglicosídeos, que podem levar à necrose tubular aguda. Outros antibióticos, como as penicilinas, cefalosporinas, quinolonas, sulfas e a nitrofurantoína, são seguros, embora haja restrições por potenciais efeitos nefrotóxicos (TABELA 3). Quando o paciente já tem DRC estabelecida ou avançada, em programa de diálise, a prescrição destas drogas é especialmente difícil, devendo ser cuidadosa, com a correção de doses, de acordo com a gravidade da doença. Contrastes Exames com contraste iodado são de risco para provocar ou agudizar a DRC prévia, especialmente em pacientes idosos, diabéticos, desidratados e aqueles com mieloma múltiplo. Esses casos devem ser avaliados individualmente e, caso seja essencial a execução do exame, deve-se preparar o paciente e esclarecer os riscos. A hidratação oral, com solução salina ou ringer, além do uso de N18 UROLOGIA ESSENCIAL V.5 N.1 JAN JUN 2015 LEONARDO KAYAT BITTENCOURT -acetilcisteína, podem minimizar a piora da função renal, sendo recomendados. A ressonância nuclear magnética deve ser avaliada com cuidado nos pacientes com DRC, especialmente naqueles com doença avançada. O contraste da RNM, gadolínio, pode levar, em alguns casos, a uma doença denominada fibrose sistêmica nefrogênica, especialmente quando a TFG for <15ml/min e em pacientes em diálise, devendo ser evitado. Não há consenso no uso de gadolínio para pacientes com TFG entre 30-60ml/min, devendo ser avaliado o risco/benefício do exame sem contraste. Em pacientes com TFG <30ml/min o risco é alto, devendo ser debatido com o paciente sobre os riscos8. Hidratação venosa A hidratação venosa em cirurgias de pacientes com DRC deve ser feita respeitando-se a condição cardiovascular de cada indivíduo. Em geral, se a diurese é normal, apesar da DRC, não há restrição de volume. Quando o paciente é dependente de diálise ou com baixa diurese, a hidratação deve ser cuidadosa, para minimizar o risco de hipervolemia e edema agudo de pulmão. O uso de solução salina ou soluções balanceadas, como ringer, podem preservar a perfusão de órgãos nobres, como os rins, evitando a agudização da DRC. O uso de solução fisiológica a 0,9% em pacientes com DRC avançada pode piorar a acidemia e aumentar a concentração de potássio6. Historicamente, a solução de ringer com lactato tem sido evitada em pacientes com DRC avançada, em diálise, por conter potássio. Em recente estudo, feito com pacientes com DRC que realizaram transplante renal, observou-se que a reposição de ringer com lactado foi segura e relacionada com menor risco de hipercalemia e acidose metabólica que a solução salina6. Ambas as soluções podem ser utilizadas em pacientes com DRC não dialítica, devendo-se ter cuidadosa monitorização da volemia, eletrólitos e distúrbios ácido-base. A hipercalemia, frequente tanto no pré como no pós-operatório de pacientes com DRC, deve ser monitorizada e corrigida, visando evitar complicações, como arritmias cardíacas. IMPLICAÇÕES DO GADOLÍNIO NO SISTEMA URINÁRIO CARLOS MARTINS CARNEIRO DE ARAÚJO JÚNIOR LEONARDO KAYAT BITTENCOURT MULTIDISCIPLINARIDADE TABELA 3 Antibióticos comumente usados em urologia7,8 Nome Dose habitual Ajuste para TFG >50 ml/min Ajuste para TFG 10-50 ml/min Ajuste para TFG <10 ml/min Cuidados especiais 500-875/ 100200mg 2-3xdia 100% 100% 50-75% Hepatotoxicidade Aumento GGT 500-750mg 12/12h 12h 12-24h 24h Casos raros de IRA por hipersensibilidade 400mg 12/12h 12h TFG <30ml/min 24h TFG <30ml/min 24h Alergias 50-100mg 6/6h 100% Evitar Evitar Hepatotoxicidade, Neurotoxicidade Cefalotina 500-2000mg 6/6h 6h 12h 12-24h Alergia e baixo potencial nefrotóxico Amicacina 5-7,5mg/Kg Cada 8-12h 8-12h TFG 40-60 - 12h 20-40 - 24h 48h Ceftriaxona 1-2g 12 - 24h 24h 24h 24h Na DRC ou hepática dose máxima 2g/ dia Cefuroxima 250-500mg VO 12/12h 500-750mg IV / 8h 100% 100% 15mg/Kg 24h Alergia e baixo potencial nefrotóxico SMX / TMP 400-800 / 80160mg 12/12h VO 8-20 mg / Kg TMP IV 6-12 horas 12h TFG 15-30ml/min cada 24h TFG <15ml/min Cada 48h Alergias, IRA, toxicidade medular Fosfomicina 3g VO dose única 3g cada 2-3 dias, 3 doses (ITU complicada) 3g cada 3 dias 21 dias (prostatite) 100% 100% 100% Atenção a reações alérgicas Amoxicilina/ Clavulanato Ciprofloxacino Norfloxacino Nitrofurantoína Soluções alcalinizantes O citrato de potássio é bastante utilizado na prática nefrourológica para o tratamento de litíase renal de qualquer etiologia. Esta droga aumenta a concentração de citrato na urina, um ini- Ototoxicidade e alto risco nefrotoxicidade bidor da litogênese, além de ser metabolizada em bicarbonato, aumentando o pH urinário, desejável em pacientes com litíase por ácido úrico, por melhorar a solubilidade do urato. Em pacientes com DRC, a reposição de citrato de potássio deve ser V.5 N.1 JAN JUN 2015 UROLOGIA ESSENCIAL 19 MULTIDISCIPLINARIDADE IMPLICAÇÕES DO GADOLÍNIO NO SISTEMA URINÁRIO CARLOS MARTINS CARNEIRO DE ARAÚJO JÚNIOR feita com cautela, pelo risco de hipercalemia, principalmente em casos avançados da DRC. Está contraindicada em pacientes com TFG <0,7ml/Kg/min ou na DRC avançada ou dialítica8. O bicarbonato de sódio tem sido utilizado para tentar dissolver cálculos de ácido úrico e por aumentar o pH urinário, tornando a urina mais alcalina. Pode ser utilizado por via oral, na forma de pó, ou paren- LEONARDO KAYAT BITTENCOURT teral, de acordo com a concentração de bicarbonato sanguíneo. Em geral, não se dispondo da gasometria, pode-se repor cerca de 1mEq/Kg/dia (1mEq = 1ml de NaHCO3 a 8,4%), empiricamente. Em pacientes com DRC, recomenda-se cautela no uso de bicarbonato de sódio, especialmente com hipertensão não controlada, podendo causar excesso de sal e edema, com piora dos níveis pressóricos, indesejável nestes casos. REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 20 Romão Jr JE. – Doença Renal Crônica: Definição, Epidemiologia e Classificação. J. Bras. Nefrol. Vol XXVI, N. 3 – Supl. 1 – Agosto 2004. K/DOQI - Clinical practice guidelines for chronic kidney disease: evaluation, classification and stratification. Am, J, Kidney Dis. 2002; 39: Supl 2: S1-S246. Bastos MG, Kirsztajn GM. Doença renal crônica: importância do diagnóstico precoce, encami¬nhamento imediato e abordagem interdisciplinar estruturada para melhora do desfecho em pacientes ainda não submetidos à diálise: J. Bras. Nefrol. 2011; 33(1):93-108. UROLOGIA ESSENCIAL V.5 N.1 JAN JUN 2015 4. 5. 6. 7. 8. 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Hoeh Residência em Urologia | Depto. de Urologia | Chicago | Illinois | EUA Introdução D efine-se dor testicular crônica ou orquialgia como uma dor constante ou intermitente nos testículos por três ou mais meses, que impede significativamente a realização das atividades diárias, levando o paciente a procurar atenção médica1. O diagnóstico e tratamento desses pacientes pode ser extremamente difícil e frustrante, tanto para o médico quanto para o indivíduo; atualmente não se dispõe de nenhum regime de tratamento eficaz ou protocolo padronizado estabelecido para avaliação. Homens com orquialgia crônica geralmente procuram ajuda em vários serviços, na tentativa de encontrar uma causa e tratamento para suas queixas, elevando ainda mais a frustração e a tensão na relação médico-paciente. Em geral, o diagnóstico estabelecido é o de dor testicular crônica ou orquialgia, mas muitas vezes os epidídimos, canais deferentes e estruturas paratesticulares adjacentes também estão envolvidos. Deste modo, o termo mais apropriado para designar esta condição seria o de dor escrotal crônica (DEC). Quase todos os urologistas se deparam com pacientes com dores crônicas no escroto ou testículos. A incidência real da DEC não está bem estabelecida na literatura tendo em vista os relatos esparsos; entretanto, a dor testicular crônica após vasectomia é observada em 15 a 33% dos homens, e apenas poucos buscam tratamento médico. Estima-se que ao redor de 2,5% de todas as consultas urológicas sejam atribuidas a dor escrotal crônica, gerando custos significativos2. Palavras-chave: dor escrotal crônica; orquialgia; dor testicular crônica; orquialgia crônica; microdenervação do cordão espermático 22 UROLOGIA ESSENCIAL V.5 N.1 JAN JUN 2015 DOR ESCROTAL CRÔNICA (ORQUIALGIA) LAURENCE A. LEVINE MICHAEL P. HOEH UROLOGIA DE CONSULTÓRIO www.urologiaessencial.org.br Apesar de DEC poder ser observada em qualquer mento da inervação aferente do conteúdo escrotal idade, a maioria dos pacientes com DEC idiopática é mandatória. 3 estão na faixa dos 30 anos (metade ou final) . A dor pode ser unilateral ou bilateral, constante ou interEtiologia mitente, espontânea ou exacerbada por atividade Em até 50% dos pacientes não se consegue física ou por pressão. Ela pode ficar estacionada identificar a etiologia da dor. Diversas patologias no escroto ou irradiar para o períneo, virilha, abdopodem provocar dor escrotal, incluindo infecção, me inferior ou flanco, ou para a parte posterior das torsão, tumores, obstrução, varicocele, espermatopernas. O exame clínico em geral revela testículos, cele e raramente hidrocele, podendo ocorrer após epidídimos e/ou cordões espermáticos dolorosos, trauma direto assim como lesão iatrogênica após mas na maioria dos homens não vasectomia ou correção de hérse observa nenhuma alteração nia inguinal. Gray et al relataram estrutural evidente e pode não que, ao se identificar uma lesão haver qualquer tipo de dor idenintraescrotal, por exemplo hidroA síndrome da dor póstificável à palpação. cele, espermatocele ou varicocevasetomia tem uma incidência DEC pode impactar signifile, a cirurgia é a primeira escolha, relatada de 0,9% a 54% mas cativamente na qualidade de sendo altamente eficaz5. menos de 10% dos pacientes vida do paciente, levando a liDor referida pode ser resulmitações da vida laborial, social tante de cálculo ureteral, hérnia procuram tratamento. e sexual. Frequentemente obinguinal indireta, aneurismas da Apesar da dor poder surgir servam-se sintomas de depresaorta ou da ilíaca comum, lomimediatamente após a são nesses pacientes. Apenas balgia e pinçamento de nervos vasectomia, o período médio alguns estudos avaliaram os devido a fibrose perineural. São de tempo até o início da dor aspectos sexuais da DEC. Um causas comuns de DEC a presengira ao redor de 2 anos” estudo observou que esses paça de dores oriundas do ureter e cientes apresentavam menos quadril, prolapso de disco interpensamentos sexuais e menor vertebral e pinçamento de nervos desejo sexual, assim como diminuição da atividailioinguinais ou genitofemurais. DEC pode surgir de sexual (frequência), menor excitação e função devido a neuropatia diabética e após a suspensão orgámica, assim como maior número de episódios da imipramina quando usada como agente anti4 de DEC durante e após a atividade sexual . depressivo. Também foi sugerido que a dor pode O tratamento da DEC frequentemente é difícil ocorrer em pacientes com hiperuricemia. e ocupa muito o tempo do urologista. O objetivo A síndrome da dor pós-vasetomia tem uma do tratamento é o de retornar o paciente às suas incidência relatada de 0,9% a 54% mas menos de atividades habituais sem o uso de analgésicos. 10% dos pacientes procuram tratamento. Apesar Diversos tratamentos estão disponíveis, incluinda dor poder surgir imediatamente após a vasecdo tratamentos clínicos e cirúrgicos com resultatomia, o período médio de tempo até o início da dos variados, tipicamente descritos em pequenos dor gira ao redor de 2 anos6. Estudos animais e estudos não controlados. A maioria dos autores em humanos mostraram que, após a vasectomia, a concorda que a orquiectomia é o último recurso pressão dos túbulos epididimários e do deferente e que o tratamento deve-se basear em princípios proximal aumenta, podendo causar dor. Também fisiológicos e anatômicos. Deste modo, o conhecifoi demonstrado que sinais elétricos que se proV.5 N.1 JAN JUN 2015 UROLOGIA ESSENCIAL 23 UROLOGIA DE CONSULTÓRIO DOR ESCROTAL CRÔNICA (ORQUIALGIA) LAURENCE A. LEVINE MICHAEL P. HOEH pagam caudalmente ao longo do canal deferente são interrompidos pela vasectomia e podem causar um padrão de obstruçao funcional. Geralmente são observados granulomas espermáticos no local da vasectomia, que podem desempenhar algum papel na etiologia da dor. Todos os homens que buscam vasectomia devem ser orientados quanto a possibilidade do surgimento desta dor após o procedimento. A etiologia da epididimite crônica é incerta, mas pode incluir infecções bacterianas prévias, como prostatites, infecções transmitidas sexualmente e infecções após cirurgia, trauma, cateterização ou micção retrógrada. É importante observar que a DEC pode ser parte da síndrome de dor pélvica crônica/prostatite. Até 50% dos homens relatam ter também dor nos testículos7. A disfunção do assoalho pélvico é caracterizada por dissinergia dos músculos do assoalho pélvico, hiperatividade e/ou hipertonicidade, que podem levar a dor perineal e do conteúdo escrotal. Os pacientes que sofrem desta doença também podem se queixar de constipação ou dor ao evacuar, disúria e polaciúria, ejaculação dolorosa ou dor durante a relação sexual. Deve-se considerar no diagnóstico aspectos psiquiátricos assim como ganhos secundários mal intencionados devido a dor (afastamento remunerado). Avaliação A avaliação da dor escrotal crônica deve incluir o descarte de causas médicas importantes e reversíveis como tumores, torsão intermitente, infecção e varicocele. Deve-se ter em mente que a dor escrotal não é sinônimo de patologia escrotal e que outras origens também devem ser avaliadas. A história deve focar o período de início, duração, gravidade (numa escala de 0 a 10), localização e irradiação da dor. Outros fatores associados incluem cirurgias prévias, trauma e infecção. Deve-se certificar se certas atividades exacerbam ou melhoram a dor, como evacuação, micção, atividade física ou sexual e permanecer muito tempo sentado, que é uma das queixas mais comuns desta população1. Deve-se pes24 UROLOGIA ESSENCIAL V.5 N.1 JAN JUN 2015 quisar cirurgias anteriores envolvendo as áreas lombar, inguinal, escrotal, pélvica ou retroperitoneal. Questões psicossociais podem determinar se existe alguma incapacidade associada a dor, se existe algum ganho secundário devido a dor (dispensa do trabalho, por exemplo) ou se existem sinais de depressão. Pacientes com queixas graves ou nos quais suspeita-se do diagnóstico de depressão devem ser submetidos a avaliação psicológica. O exame físico deve ser focado na genitália. O paciente deve ser examinado em pé e deitado, iniciando-se o exame genital pelo lado indolor ou menos doloroso, caso a dor seja bilateral. Deve-se examinar detalhadamente os testículos, epidídimos e canais deferentes. Recomenda-se também um exame retal de 360º para avaliar anomalias prostáticas e dor e/ou hipertonicidade da musculatura do assoalho pélvico. Outros exames incluem exame de urina e cultura de esperma e urina, se indicados. Todos os pacientes devem ser submetidos a exame por ultrassom duplex, crucial para a avaliação da dor escrotal8. Exames como tomografia computadorizada, urografia excretora, estudos retrógrados e miccionais (uretrocistrografia) e cistoscopia têm pouca utilidade. Entretanto, RMI ou TC da coluna ou quadril devem ser realizados caso existam queixas de lombalgia ou dor no quadril associadas. O bloqueio do cordão espermático é uma ferramenta importante para o diagnóstico. O mesmo é realizado pela injeção de 20 ml de bupivacaina a 0,25% sem adrenalina diretamente no cordão espermático, a nível da tuberosidade púbica9. Masarani e Cox concluiram que se a dor for realmente testicular e não referida, o bloqueio do cordão ou dos ramos escrotais e espermáticos dos nervos genitofemoral e ilioinguinal deve aliviar a dor10. O uso de uma série de bloqueios, inclusive com um de controle utilizando soro fisiológico para o diagnóstico é razoável, mas controverso devido a questões éticas, e pode não diagnosticar casos mal intencionados, com ganho secundário. Ainda, podem ser dificultosos, em especial para pacientes que se deslocam de longe para o procedimento. DOR ESCROTAL CRÔNICA (ORQUIALGIA) LAURENCE A. LEVINE Tratamento não-cirúrgico A figura 1 resume nosso algoritmo de tratamento para os pacientes com dor escrotal crônica. O tratamento da DEC ainda é um dilema terapêutico, já que não existem orientações baseadas em evidências e estudos controlados e randomizados que demonstrem a superioridade de algum tipo de tratamento. As recomendações para o diagnóstico e tratamento são baseadas em opiniões de especialistas colhidas em estudos com baixo número de pacientes. Granitsiotis e Kirk sugeriram a abordadem por uma equipe multidisciplinar, incluindo um urologista, um especialista em dor e um psicó- FIGURA 1 MICHAEL P. HOEH UROLOGIA DE CONSULTÓRIO logo para pacientes com falha após medidas conservadoras ou com sinais de alteração psicológica 11 . Ainda, para pacientes com sinais de disfunção do assoalho pélvico, nós recomendamos o encaminhamento para fisioterapeuta especializado em assoalho pélvico, utilizando técnicas de biofeedback, testes manuais musculares, massagem do assoalho pélvico, tratamento clínico da constipação, técnicas de relaxamento, e/ou desenvolvimento de um programa domiciliar de exercícios individualizado. O tratamento deve ser iniciado com abordagens simples não invasivas e não-tóxicas incluindo anti- Algoritmo de tratamento para o paciente com dor escrotal crônica História e exame físico (incluindo escroto e assoalho pélvico), exame de urina, ultrassom doppler do escroto Tratar doenças como: tumor, torsão, varicocele, hidrocele, espermatocele, hérnia inguinal, orquiepididimite, etc Identificar localização específica da dor: testículo, canal deferente, epidídimo Descartar dor de origem extra-escrotal Dor ativa lombar ou no quadril ou história de trauma RMI ou TC da coluna ou do quadril Fisioterapia pélvica Considerar uma série de bloqueios do cordão a cada duas semanas, 5 injeções Avaliação e apoio psicológicos Dor isolada no epidídimo Bloqueio do cordão espermático <50% de melhoria da dor Continuar o tratamento medicamentoso versus discutir com o paciente sobre a pouca chance de sucesso com a cirurgia Epididimectomia ou reversão da vasectomia (quando se identificam alterações estruturais) >50% de melhoria da dor Tratamento cirúrgico: microdenervação do cordão espermático Radiofrequência pulsada, acupuntura V.5 N.1 JAN JUN 2015 UROLOGIA ESSENCIAL 25 UROLOGIA DE CONSULTÓRIO DOR ESCROTAL CRÔNICA (ORQUIALGIA) LAURENCE A. LEVINE MICHAEL P. HOEH -inflamatórios não-esteróides, elevação do escroto e/ou suporte atlético, repouso e antibióticos, em especial se houverem evidências de infecção. Recomenda-se o uso de doxiciclina e quinolonas para tratamento empírico, pois têm alta penetração nessas estruturas e por poderem ser administrados por até quatro semanas se indicado. Esses antibióticos também podem auxiliar devido a seus efeitos anti-inflamatórios. Masarani e Cox concluiram que os antibióticos não são eficazes para diminuir a gravidade da orquialgia crônica não infecciosa e seu uso repetido pode levar a resistência12. Quercetin é um agente fitoterápico utilizado por homens com síndrome da dor pélvica crônica mas somente foi estudado em um pequeno estudo controlado com placebo, mostrando benefício em mais de 60% dos homens12. Outros agentes orais incluem antidepressivos, como amitriptilina 10 a 25 mg ao deitar ou nortriptilina 10 a 150 mg ao dia, que inibem a liberação de noradrenalina em neurônios de primeira e segunda ordem, ou anticonvulsivantes, como gabapentina e pregabalina. Estas drogas atuam como moduladores dos canais de cálcio no sistema nervoso central, reduzindo a dor neuropática. Efeitos colaterais comuns incluem tontura, sonolência e boca seca. Silclair et al propuseram uma abordagem multidisciplinar para o tratamento da orquialgia crônica, incluindo um psicólogo, um anestesista, um fisioterapeuta e um terapeuta ocupacional, e relataram uma melhora superior a 50% dos sintomas em 62% dos homens com orquialgia crônica tratados com até 1800 mg de gabapentina ao dia e 67% tratados com até 150 mg de nortriptilina ao dia; entretanto, homens com dor testicular pós-vasectomia apresentaram pouco benefício, com média de melhora sintomática de apenas 7,5% com qualquer uma das medicações13. Os autores concluiram que estas drogas neuromoduladoras devem ser consideradas para o tratamento da orquialgia crônica idiopática antes de se recomendar cirurgia. Não está claro se os pacientes que melhoram apresentam recidiva da dor quando a medicação oral é interrompida. Bloqueios nervosos únicos ou múltiplos, com ou sem esteróides, também foram utilizados como 26 UROLOGIA ESSENCIAL V.5 N.1 JAN JUN 2015 forma de tratamento, na tentativa de bloquear o ciclo da dor. Estudos demonstraram que os bloqueios do cordão espermático com anestésico local e corticoide podem melhorar os sintomas a curto prazo e ocasionalmente a longo prazo, e podem ser repetidos em intervalos variados14. Em nossa experiência, esta abordagem não é eficaz quando a duração da dor crônica excede 6 meses. Outros bloqueios foram recomendados, incluindo injeções transretais de anestésico local e esteróides na região do plexo pélvico. Pequenos estudos não controlados utilizando estimulação elétrica transcutânea foram propostos. O princípio é o de que a estimulação elétrica transcutânea pode liberar endorfinas no corno dorsal da medula espinhal, que podem ser responsáveis pelo fechamento do espaço entre o nervo periférico e a medula espinal, resultando na melhoria da dor. Tratamentos a longo prazo com analgésicos (isto é, narcóticos) limitam-se a redução dos sintomas da dor e não no tratamento da doença de base, e deste modo devem ser considerados apenas quando todos os tratamentos falharem. O uso crônico de opiódes também foi associado ao hipogonadismo15. Radiofrequência pulsada do cordão espermático foi proposta recentemente para o tratamento da orquialgia crônica em pequenos estudos não-controlados16. Esta abordagem parece especialmente eficaz quando há melhoria temporária local com o bloqueio do cordão. A radiofrequência pulsada atinge seletivamente os neurônios cujos axônios são compostos de fibras de diâmetro pequeno A delta e C envolvidas na nocicepção. Tratamento Cirúrgico Não existem estudos randomizados controlados que orientem a decisão por cirurgia e a literatura disponível refere-se a relatos de casos. Deste modo, a dificuldade inerente em se comparar estes estudos soma-se a variabilidade dos resultados de qualquer uma das técnicas cirúrgicas descritas e na definição de resultado satisfatório. Recomenda-se epididimectomia quando a dor localiza-se apenas no epidídimo. As taxas de sucesso variam de 22 a 92% e os fatores preditivos DOR ESCROTAL CRÔNICA (ORQUIALGIA) LAURENCE A. LEVINE de sucesso incluem a presença de epididimo doloroso pálpável e de lesões císticas dolorosas isoladas no epidídimo. Os fatores preditivos de mal resultado incluem a presença de inflamação crônica do epidídimo sem achados estruturais no exame físico ou ultrassonográfico, e dor em estruturas adjacentes, incluindo testículos e cordões17. Para homens com sídrome de dor pós-vasectomia, a reversão da vasectomia foi realizada como um procedimento aberto ou com vasovasostomia. A reversão de vasecomia para o tratamento de síndrome de dor pós-vasectomia foi associada a alívio total de 50 a 69% da dor e de até 100% de melhora da dor. Entretanto, atualmente, apenas poucos estudos de tamanho pequeno foram publicados que apoiam esta abordagem18. As vantagens deste tratamento incluem o potencial de resolução da dor e preservação de todas as estruturas intraescrotais. Entretanto, claramente ele reverte o objetivo da vasectomia, é custoso e pode não ter cobertura pelos seguros-saúde. Microdenervação do cordão espermático A microdenervação do cordão espermático (MDCE) após bloqueio satisfatório do cordão espermático apresentou resultados promissores, como alívio completo da dor em 71 a 100% dos pacientes19. A principal vantagem da MDCE é a preservação do testículo por motivos psicólogicos e fisiológicos. O objetivo da cirurgia é a de seccionar todas as estruturas que podem carregar fibras neurológicas e preservar as artérias (testicular, cremastérica, deferencial), vasos linfáticos (reduzindo a chance de hidrocele) e os canais deferentes, prevenindo a obstrução e preservando a fertilidade, caso já não tenha sido seccionado. O principal critério para seleção deste procedimento é uma resposta positiva mesmo que temporária do bloqueio do cordão espermático20. Nosso centro recentemente demonstrou uma forte correlação entre uma resposta positiva do bloqueio do cordão espermático (definida como a redução temporária de mais de 50% da dor) e o alívio definitivo da dor após MDCE21. A revisão dos estudos publicados sobre MDCE indica que espera-se uma resolução completa da dor em aproxi- MICHAEL P. HOEH UROLOGIA DE CONSULTÓRIO madamente 80% dos pacientes selecionados pelos critérios especificados acima, melhora da dor em 10 a 15%, aproximadamente 5% não apresentam melhora e raramente a dor pode piorar. As taxas de sucesso podem variar de acordo com o cirurgião, e o consentimento informado é essencial, já que a dor pode persistir e raramente piorar. Foram relatadas pequenas variações técnicas mas em essência seguem o procedimento descrito em detalhes na literatura22,23. Todas as estruturas do cordão, exceto as artérias e linfáticos são seccionadas com eletrocautério ou por ligaduras de seda 4-0. Caso o deferente não tenha sido previamente seccionado, deve-se remover aproximadamente 2 cm da fáscia perivasal, já que esta é ricamente inervada. Caso o paciente já tenha sido submetido a vasectomia, o cordão e sua fáscia devem ser novamente seccionados. Todas as veias do cordão espermático devem ser ligadas. Os linfáticos são tipicamente encontrados no compartimento central do cordão espermático, e a maioria deve ser preservada para reduzir as chances de hidrocele pós-operatória. Não se observou hipertensão venosa, presumindo-se que a drenagem passa a ocorrer através das veias escrotais. Entretanto, na tentativa de reduzir o risco de inchaço escrotal prolongado e significativo, este procedimento não deve ser realizado em ambos os lados ao mesmo tempo. Ao final do procedimento, as estruturas remanescentes incluem 1 a 5 artérias do cordão espermático, diversos linfáticos, e o cordão deferente, caso não tenha sido previamente seccionado (figura 2). O perfil de efeitos colaterais indica excelente tolerabilidade a este procedimento, não se relatando casos de hipogonadismo de novo. Em alguns casos de atrofia testicular descrita, também foi relatada melhora completa da dor, e a satisfação do paciente não foi comprometida, tendo em vista a resolução completa da dor. Raramente foram descritas hidroceles e as mesmas podem melhorar com o tempo. Tendo em vista a secção de fibras cremastéricas e de nervos do cordão espermático, o reflexo cremastérico pode desaparecer e os testículos podem permanecer baixos, o que raramente leva a queixas dos pacientes. V.5 N.1 JAN JUN 2015 UROLOGIA ESSENCIAL 27 UROLOGIA DE CONSULTÓRIO DOR ESCROTAL CRÔNICA (ORQUIALGIA) LAURENCE A. LEVINE MICHAEL P. HOEH FIGURA 2 Após a dissecção ser completada, restam apenas o canal deferente, as artérias e os linfáticos. A MDCE pode ser utilizada mesmo em pacientes com história de cirurgia anterior inguinal e/ ou escrotal. Em um relato, 31 homens com história de epididimectomia prévia, varicocelectomia, vasovasostomia e herniorrafia que falharam no tratamento da DEC apresentaram uma resposta superior a 50% ao bloqueio do cordão espermático e subsequentemente foram submetidos a MDCE e 50% apresentaram melhoria completa e duradoura da dor, num seguimento médio de 11 meses24. Ainda, a técnica assistida por robô também foi proposta com resultados semelhantes. Para aqueles homens que não se beneficiaram da MDCE, diversas explicações foram propostas, incluindo sensibilização central prévia, permanência de nervos sensitivos intactos, papel importante de uma fonte pudenda ou posterior para estímulo da dor e possibilidade de ganho secundário mal intencionado. Conforme este revisão de literature determinou, existe um número consistente de pacientes que acabam sendo submetidos a orquiectomia após falha de tratamento médico ou cirúrgico. Entretanto, mesmo as taxas de sucesso relatadas 28 UROLOGIA ESSENCIAL V.5 N.1 JAN JUN 2015 com a orquiectomia não são encorajadoras, ao redor de 20 a 70%. Conclusão Conforme as pesquisas neste campo progredirem, mais opções elegantes e satisfatórios de tratamento surgirão. Existem evidências crescentes de que fatores psicológicos desempenham um importante papel na dor genital quando não se detecta causa orgânica, sendo as características mais importantes a somatização, depressão maior, ansiedade e disfunção sexual. Estudos controlados multicêntricos em larga escala serão essenciais para a determinação de novos tratamentos, especialmente para opções não cirúrgicas. Por enquanto, a dor crônica escrotal é frustante tanto para o paciente quanto para o médico. É necessária uma avaliação estruturada, e para tanto propusemos um algoritmo (figura 1). A abordagem multidisciplinar, incluindo psicólogo e fisioterapeuta do assoalho pélvico pode ser benéfica antes de se optar por cirurgia. Deve-se realizar uma avaliação transretal cuidadosa do assoalho pélvico para descartar disfunção do mesmo. Caso se opte por cirurgia, deve-se realizar a epididimectomia naqueles homens com dor isolada do epidídimo e com uma alteração estrutural palpável ou identificável no ultrassom. Caso a dor seja mais difusa e envolva uma ou mais estruturas do escroto, a preservação do testículo é possível através da microdenervação do cordão espermático. Na maioria dos casos, não se encontra nenhuma patologia identificável e a MDCE parece apresentar a maior taxa de sucesso cirúrgico em relação a melhoria duradoura da dor, satisfação do paciente e capacidade de retorno as atividades diárias sem o uso de medicação. Abreviações DEC = dor escrotal crônica SDPC = síndrome da dor pélvica crônica MDCE = microdenervação do cordão espermático DOR ESCROTAL CRÔNICA (ORQUIALGIA) LAURENCE A. LEVINE MICHAEL P. HOEH UROLOGIA DE CONSULTÓRIO REFERÊNCIAS Levine LA. 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Ao contrário das uretropexias abdominais, o objetivo dos slings é não somente fornecer um suporte para a junção vesicouretral, mas também, em alguns casos, criar algum grau de coaptação e compressão ure- 30 UROLOGIA ESSENCIAL V.5 N.1 JAN JUN 2015 Goiânia | GO tral. Acredita-se que, ao nível da uretra média, os slings ofereçam uma diminuição da mobilidade uretral, produzindo um anteparo dinâmico nos momentos de esforço2. Tradicionalmente, um sling suburetral era recomendado para pacientes com incontinência urinária secundária a insuficiência uretral intrínseca (incontinência tipo III), definida como falha do esfíncter uretral em reter urina, independente da posição do colo vesical. Classicamente, essas pacientes se apresentam com IUE severa, uretra pouco móvel, com baixa pressão de perda aos esforços ou baixa pressão de fechamento uretral na avaliação funcional do mecanismo vesicoesfincteriano. Recentemente, entretanto, os slings tiveram a sua indicação ampliada para todos os tipos de IUE, especialmente após a introdução do conceito de slings sintéticos sem tensão3. O primeiro sling suburetral foi descrito no início do século passado (1907), tendo sido utilizado o músculo grácil. Modifica- www.urologiaessencial.org.br ções subsequentes da técnica foram descritas, como a utilização de flap do músculo piramidal e plicatura de estruturas musculares periuretrais4. Em 1933, Price descreveu o uso da fáscia lata, entretanto, a origem do sling pubovaginal contemporâneo foi relatada por Aldridge, em 1942. Ele utilizava dois segmentos de fáscia do reto abdominal, que eram dissecados e direcionados inferior e posteriormente à sínfise púbica e, através de uma incisão vaginal, suturados na linha média suburetral. Por apresentar resultados satisfatórios, essa técnica foi bastante utilizada durante anos5. Entretanto, a era de desenvolvimento dos slings coincidiu com o surgimento e a popularização das técnicas de suspensão de colo vesical com fixação retropúbica, como as cirurgias de Marshall e Burch, que se tornaram a primeira escolha de tratamento de incontinência urinária de esforço durante décadas. Embora apresentassem resultados satisfatórios em termos de continência, essas técnicas proporcionavam morbidade elevada devido à abordagem abdominal e os consequentes longos períodos de hospitalização e convalescença1. Com o objetivo de aumentar a eficácia e diminuir a morbidade do tratamento cirúrgico da IUE, McGuire e Lytton, em 1978, reavivaram o conceito da utilização dos slings ao descreverem uma via combinada abdominovaginal, com retirada de um segmento de 1 x 12 cm da aponeurose do reto abdominal, que era seccionado apenas de um lado e tinha a parte livre transposta inferiormente, sob a junção vesicouretral, por meio de um túnel criado por via vaginal e suturado ao nível do reto abdominal contralateral. A tensão era ajustada com medida da pressão uretral e a bexiga drenada por meio de cistostomia. Com essa técnica foram descritos índices de 80% de sucesso em mulheres com IUE tipo III6. A modificação subsequente foi a retirada completa de uma faixa de aponeurose, sua co- locação ao nível do colo vesical por via vaginal e fixação direta na aponeurose do reto abdominal, com suturas colocadas nas extremidades do sling, à semelhança do que se faz até hoje, com pequenas variações. Com essa técnica, Blaivas e outros autores descreveram mais de 90% de sucesso. Para diminuir a morbidade do acesso suprapúbico, foi proposta a utilização de segmento de fáscia lata, com índice de sucesso semelhante ao uso da aponeurose do reto abdominal7,8. De uma maneira geral, os estudos com sling pubovaginal relatam taxas de continência ao redor de 80% e melhora em torno de 90%, com pequena diminuição ao longo do tempo. Os índices de cura a longo prazo, em 247 mulheres seguidas, por mais de 10 anos, se revelaram bastante satisfatórios, atingindo taxas de cura de 91% em pacientes com IUE tipo 2 e 84% em pacientes tipo 3, com melhora significativa da urgência miccional em 74% e índice de satisfação global de 94%9. O sling pubovaginal tradicional, portanto, envolve a colocação do tecido escolhido ao nível do colo vesical, longo segmento de faixa de aponeurose e fixação no reto abdominal. Algumas modificações, entretanto, foram sendo descritas com o tempo, como a utilização de segmentos menos extensos (patch-like slings), que são colocados por via vaginal ao nível da uretra proximal e os fios de sutura, nas suas extremidades, são passados para a região suprapúbica e amarrados ao reto abdominal ou entre si. Alguns autores acreditam que os “braços” do sling devem penetrar no espaço retropúbico, enquanto outros acham isso desnecessário. Os resultados relatados com uso de segmentos menores são semelhantes aos do sling tradicional3. Com o intuito de reduzir as limitações de de uso do tecido autólogo para um sling pubovaginal, como tecido de má qualidade e morbidade do procedimento adicional para retirada, diferentes materiais sintéticos foram descritos e utilizaV.5 N.1 JAN JUN 2015 UROLOGIA ESSENCIAL 31 TÉCNICAS CIRÚRGICAS SLING PUBOVAGINAL NA INCONTINÊNCIA URINÁRIA FEMININA JÚLIO RESPLANDE dos ao longo dos anos. Apesar disso, nunca foi provado que estes são melhores que o próprio tecido da paciente, com índices de erosão e infecção inaceitáveis em algumas séries10. Nos anos 90 houve uma mudança no entendimento da fisiopatologia da IUE, com o surgimento da teoria integral de Petros e Ulmsten. Esse modelo teórico objetivava explicar, de forma integrada, os mecanismos fisiopatológicos envolvidos não somente na gênese da incontinência urinária aos esforços, mas também no surgimento de sintomas como a urgência, polaciúria, noctúria, e alterações do esvaziamento vesical e intestinal. Segundo essa teoria, a continência seria mantida ao nível da uretra média e não no colo vesical, e a falha dos ligamentos pubouretrais seria responsável pela perda urinária. Desta forma, a função de um sling seria a de reforçar a ação desses ligamentos, dando suporte para a uretra média11. O TVT (tension free vaginal tape) foi desenvolvido a partir desse postulado teórico. Uma faixa de polipropileno com agulhas nas extremidades substituiu o tecido autólogo até então utilizado. Essa técnica introduziu dois novos conceitos para o mecanismo de cura dos slings: que o mesmo deve ser colocado no terço médio da uretra e sem nenhuma tensão. Diversos estudos demonstraram que esse tipo de sling proporciona elevado índice de cura e melhora, baixa morbidade e eficácia, elevando o sling pubovaginal clássico com aponeurose a um segundo plano12,13. Para alguns autores, após o advento dos slings de uretra média, o sling pubovaginal deve ser reservado para casos mais complexos de IUE, como aquelas pacientes com uretra fixa com colo vesical aberto, incontinência mista, falha de outros procedimentos prévios ou quando se associa cirurgia para reconstrução uretral. Nessa população foi demonstrado sucesso de 64% com seguimento médio de 16 meses, com redução significativa do uso de protetor para incontinência e apenas um caso de retenção, necessitando de cateterismo intermitente prolongado. Foi observada, entretanto, taxa de 33% de urgência miccional14. 32 UROLOGIA ESSENCIAL V.5 N.1 JAN JUN 2015 Alguns estudos compararam o TVT com o sling pubovaginal. Estudo randomizado com seguimento médio de três anos demonstrou taxas similares de cura objetiva com o pad test de 1 hora (TVT: 76% x sling pubovaginal 72%)15. Um estudo retrospectivo comparou o sling pubovaginal com o TVT e o transobturatório (TOT) em pacientes com deficiência esfincteriana intrínseca. Nesse grupo específico de pacientes, após dois anos, as taxas de cura foram de 87,2% para o sling pubovaginal, 86,9% para o TVT e apenas 34,8% para o TOT, com índices de complicação semelhantes. Apesar desse bom resultado precoce, as taxas cumulativas de cura em sete anos caíram para 59,1% no pubovaginal e 55% no grupo TVT16. Por outro lado, estudo brasileiro demonstrou que, a curto prazo, os resultado foram semelhantes, mas após 15 a 19 meses houve decréscimo da taxa de cura subjetiva no grupo submetido a sling pubovaginal, comparado ao TVT (95,1% x 77,7%), com índice de retenção urinária que chegou a 42,1% nas pacientes submetidas a sling pubovaginal, contra 9,8% no grupo TVT17. Em termos de complicações, o sangramento é a principal problemática intraoperatória, o qual é na maioria das vezes, controlado com compressão local ou sutura de algum vaso. A curto prazo, o sling pubovaginal pode apresentar índice de retenção com necessidade de cateterismo que varia de 6 a 47% e urgência miccional com taxas de 7 a 20%. A longo prazo, entretanto, são descritos: dificuldade miccional, sintomas de bexiga hiperativa e falha do procedimento. Em algumas circunstâncias, quando se evidencia processo obstrutivo prolongado, há necessidade de abordagem cirúrgica e secção do sling. Lesões de bexiga e uretra são raras, desde que realizada dissecção apropriada e transposição do sling no espaço retropúbico com segurança5. Como o sling sintético de uretra média é, hoje em dia, considerado a técnica gold standard no tratamento da IUE, os cirurgiões deixaram de realizar os sling pubovaginais de forma rotineira. As novas gerações de urologistas e ginecologis- INCONTINÊNCIA URINÁRIA PÓS-PROSTATECTOMIA RADICAL: TÉCNICA DE IMPLANTE DO ESFÍNCTER URINÁRIO ARTIFICIAL MÁRCIO AUGUSTO AVERBECK tas formados há menos de uma década praticamente não tiveram a oportunidade de aprender e realizar com segurança essa técnica. Por este motivo, julgamos conveniente demonstrar como se realiza o procedimento, pois o mesmo pode ser necessário para alguns casos específicos e selecionados, conforme abordado acima, além de ser uma opção atraente e segura para quando não se dispõe dos kits comerciais especialmente desenvolvidos e aprovados pelos órgãos reguladores para o tratamento da IUE. Técnica cirúrgica A via de acesso e a técnica de um sling pubovaginal devem ser programadas no pré-operatório. A maioria dos cirurgiões realiza o procedimento por meio de uma incisão combinada abdominal e vaginal, com a maior parte da dissecção realizada por via vaginal. No tempo abdominal se retira um segmento de aponeurose a ser utilizado e, no tempo vaginal, disseca-se a região suburetral onde o sling será colocado. No caso de preferir não realizar uma incisão abdominal, pode-se fazer a retirada de um segmento de fáscia lata com incisão de 4 cm ao nível da extremidade distal da coxa, cerca de 8 cm acima da patela, lateralmente ao joelho. Raramente utilizamos esta abordagem, sendo a via abdominovaginal a de nossa preferência. A seguir, descreveremos como realizamos o procedimento: LUIS AUGUSTO SEABRA RIOS TÉCNICAS CIRÚRGICAS bitualmente, durante a colocação de campos, isolamos a região anal, para que não tenha contato com o campo operatório. Uma espátula maleável ou válvula de Breisky é utilizada para a exposição vaginal. 4. Hidrodissecção pode ser utilizada com injeção de água destilada abaixo do epitélio vaginal, na parede vaginal anterior até próximo ao colo vesical, que deve ser palpado tracionando a sonda uretral e de forma a sentir o balão da sonda. Esta manobra permite ao cirurgião ter uma noção anatômica da extensão da uretra da paciente e avaliar até onde deve ir sua dissecção. Raramente utilizamos, entretanto, a hidrodissecção. 5. Realiza-se uma incisão vertical na parede vaginal anterior, suburetral, ao nível da uretra proximal. O epitélio vaginal é cuidadosamente dissecado dos tecidos periuretrais, utilizando-se tesoura (Figura 1). A dissecção deve ser lateralmente estendida para a região inferior do ramo púbico, bilateral. Manobra digital pode facilitar essa dissecção, com o dedo do cirurgião dissecando os tecidos periuretrais até atingir a fáscia endopélvica, que habitualmente é perfurada, adentrando o espaço retropúbico (Figura 2). Disseca-se o suficiente, apenas para acomodar a faixa de aponeu- FIGURA 1 Incisão em parede anterior vaginal, suburetral 1. A paciente é colocada em posição de litotomia, com a coxa não tão fletida, para não atrapalhar o tempo abdominal. Realiza-se antissepsia abdominoperineal convencional, com o cuidado de se realizar antissepsia da cavidade vaginal. Antibiótico profilático é utilizado de acordo com rotina de cada instituição. 2. Sonda vesical de demora (Foley nº 16) é introduzida, a bexiga esvaziada e a sonda clampeada, pois utilizamos bolsa coletora fechada apenas ao final do procedimento. 3. Fixam-se os lábios menores com mononylon 3.0 para melhor exposição vaginal. HaV.5 N.1 JAN JUN 2015 UROLOGIA ESSENCIAL 33 TÉCNICAS CIRÚRGICAS SLING PUBOVAGINAL NA INCONTINÊNCIA URINÁRIA FEMININA JÚLIO RESPLANDE rose, evitando dissecções exageradas. Exceção apenas quando se torna necessária a retirada de telas previamente colocadas ou realização de uretrólise. Passa-se ao tempo abdominal. FIGURA 2 Dissecção digital após abertura com tesoura. essa abertura (Figura 3). Perfura-se a aponeurose logo acima da sínfise púbica e passam-se os fios para que, ao serem amarrados, não fiquem na linha de sutura do fechamento da aponeurose. Neste momento, deve-se realizar uma cistoscopia, para averiguar eventual lesão ou presença de fios intravesicais. Repassar a sonda vesical logo após a cistoscopia. 9. Na cavidade vaginal ajusta-se o sling na posição correta, ao nível da uretra proximal. São dados dois pontos de categute 4.0 simples, apenas FOTO 1 Segmento de aponeurose já com os fios passados, pronto para ser levado ao campo cirúrgico. 6. Realiza-se uma incisão suprapúbica transversa (mini Pfannestiel), cerca de 2 cm acima da sínfise púbica, com extensão de 4-6 cm. O tecido celular subcutâneo é dissecado com bisturi elétrico, até atingir a aponeurose dos retos abdominais. Expõe-se adequadamente a aponeurose a ser incisada e demarca-se visualmente a área a ser retirada. 7. Duas incisões paralelas são feitas, retirando-se uma faixa de aproximadamente 2 x 6 cm da aponeurose. O tecido é levado para a mesa auxiliar e qualquer excesso de gordura da aponeurose é retirado. Realiza-se uma sutura contínua de mononylon 0 ou prolene 0 em cada extremidade do sling e o mesmo é colocado em recipiente com soro fisiológico (Foto 1). 8. Retorna-se ao tempo abdominal, onde uma agulha de Stamey ou pinça longa de Kelly é direcionada superoinferiormente, um lado de cada vez. Aproveita-se a incisão da aponeurose, que está aberta, e passam-se os fios do sling por 34 UROLOGIA ESSENCIAL V.5 N.1 JAN JUN 2015 FIGURA 3 Passagem dos fios do sling para incisão abdominal com utilização de pinça de Kelly longa. INCONTINÊNCIA URINÁRIA PÓS-PROSTATECTOMIA RADICAL: TÉCNICA DE IMPLANTE DO ESFÍNCTER URINÁRIO ARTIFICIAL MÁRCIO AUGUSTO AVERBECK para fixar superficialmente o terço médio do sling ao tecido suburetral (Figura 4). Importante mencionar que alguns autores, após o surgimento dos conceitos da Teoria integral, passaram a colocar o sling pubovaginal ao nível da uretra média. FIGURA 4 Ajuste do sling ao nível do colo vesical. LUIS AUGUSTO SEABRA RIOS TÉCNICAS CIRÚRGICAS micção. Se a paciente urinar bem, damos alta com sintomáticos e orientamos retorno com sete a dez dias para reavaliação. Na eventualidade rara de a paciente não conseguir urinar, deixamos sonda vesical nº14 por sete dias e tentamos nova micção após este período, sendo tal procedimento eficaz na maioria das pacientes. Apesar de ter um tempo cirúrgico bem maior que os slings sintéticos de uretra média, esta técnica permite tratar a IUE de forma bastante satisfatória e segura, com índices de sucesso de 8090% e morbidade plenamente aceitável, devendo permanecer como uma opção terapêutica para casos selecionados deste problema. FOTO 2 Sling já posicionado ao nível do colo vesical, durante ajuste sem tensão. 10. Coloca-se uma tesoura entre o sling e a uretra e, enquanto o auxiliar mantém esta posição, o cirurgião amarra as extremidades dos fios do sling entre si, tomando sempre o cuidado de manter uma distância de dois dedos entre o nó final e a aponeurose dos retos abdominais (Fotos 2 e 3). 11. Retira-se a tesoura após término do nó. O epitélio vaginal é suturado com categute simples 2.0, em pontos contínuos. Deixa-se um tampão vaginal que deverá permanecer por 12 horas. A sonda é conectada ao coletor fechado. Nunca se deixa cistostomia. 12. A incisão da aponeurose é suturada com vicryl 1.0, em pontos contínuos. O tecido celular subcutâneo é aproximado com categute 3.0 e a pele com mononylon 4.0, em sutura intradérmica. No pós-operatório prescrevemos apenas analgesia e sintomáticos. No dia seguinte, retiramos o tampão e a sonda vesical e fazemos teste de FOTO 3 Fios do sling na incisão abdominal já amarrados entre si, com espaço suficiente para dois dedos do cirurgião. V.5 N.1 JAN JUN 2015 UROLOGIA ESSENCIAL 35 TÉCNICAS CIRÚRGICAS SLING PUBOVAGINAL NA INCONTINÊNCIA URINÁRIA FEMININA JÚLIO RESPLANDE REFERÊNCIAS Rapp DE, Kobashi KC. Nature Clinical Practice Urology. Vol 5(4):194-201, 2008. 2. Rovner ES, Lebed BD. Stress incontinence surgery: which operation when? Curr Opin Urol 19:362–367, 2009. 3. Walters MD, Karram MM: Sling procedures for stress urinary incontinence. In Urogynecology and reconstructive pelvic surgery. 3rd Ed. Chapter 16:196-212, 2007. 4. Ridley JH. The Goebell-Stoeckel sling operation. In TeLinde’s operative gynecology (Eds Mattingly RF and Thompson JP). Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins. 1985. 5. Bent AE. Sling and bulking agent placement procedures. Reviews in Urology. Vol. 6 Suppl. 5:S26-S46, 2004. 6. McGuire EJ and Lytton B. Pubovaginal sling for stress incontinence. J Urol 119: 82–84, 1978. 7. Blaivas JG, Jacobs BZ. Pubovaginal fascial sling for the treatment of complicated stress urinary incontinence. J Urol 145(6):1214–1218, 1991. 8. Beck RP, McCormick S, Nordstrom L. The fascia lata sling procedure for treating recurrent genuine stress incontinence. Obstet Gynecol. 72:699–703, 1988. 9. Morgan TO Jr, Westney OL, McGuire EJ. Pubovaginal sling: 4-year outcome analysis and quality of life assessment. J Urol. 163(6):1845-8, 2000. 10. Ordorica R, Rodriguez AR, Coste-Delvecchio F, Hoffman M, Lockhart J. Disabling complications with slings for managing female stress urinary incontinence. BJU 102(3):333-6, 2008. 1. 36 UROLOGIA ESSENCIAL V.5 N.1 JAN JUN 2015 11. Petros PE, Ulmsten U. An integral theory of female urinary incon- tinence. Acta Obstet Gynecol Scand Supll 153(69):1-79, 1990. 12. Meschia M, Pifarotti P, Bernasconi F, Guercio E, Maffiolini M, Ma- 13. 14. 15. 16. 17. gatti F, Spreafico L. Tension-Free vaginal tape: analysis of outcomes and complications in 404 stress incontinent women. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct. 12 Suppl 2:S24-27, 2001. Rezapour M, Ulmsten U. Tension-Free vaginal tape (TVT) in women with recurrent stress urinary incontinence. A long term follow up. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct. 12 Suppl 2:S9-11, 2001. Blayne KW, Herschorn S. The autologous fascia pubovaginal sling for complicated female stress incontinence. Can Urol Assoc J. 6(1):36-40, 2012. Sharifiaghdas F, Mortazavi N. Tension-Free vaginal tape and autologous rectus fascia pubovaginal sling for the treatment of urinary stress incontinence: a medium term follow-up. Med Princ Pract. 17:209-14, 2008. Jeon MJ, Jung HJ, Chung SM, et al. Comparison of the treatment outcome of pubovaginal sling, tension-free vaginal tape, and transobturator tape for stress urinary incontinence with intrinsic sphincter deficiency. Am J Obstet Gynecol 199:76.e1-e4, 2008. Sartori JP, Martins JAM, Castro RA, Sartori MGF, Girão MJBC. Rev Bras Ginecol Obstet. 30(3):127-34, 2008. URO RESUMOS www.urologiaessencial.org.br Brasil Silva Neto Professor Adjunto - Depto Cirurgia | UFRGS Chefe do Serviço de Urologia | HCPA Tiago Elias Rosito Serviço de Urologia e Coordenador da Unid. de Urologia Pediátrica e Cirurgia Reconstrutiva | HCPA TiSBU Cinco Anos de Seguimento Longitudinal após Slings de Uretra Média Retropubicos e Transobturadores Kimberly Kenton, Anne M Stoddard, Halina Zyczynski et al. Journal of Urology , vol 193, 203-210, Jan 2015. PROPOSTA Poucos estudos caracterizaram desfechos em longo prazo após slings de uretra média retropubicos e transobturadores MATERIAIS E MÉTODOS Mulheres completando participação em um ensaio clínico de equivalência, com 2 anos de seguimento, que não foram submetidas a re-tratamento para incontinência urinária de esforço, foram convidadas a participar de uma coorte de 5 anos de observação. O desfecho primário, sucesso do tratamento, foi definido como a ausência de re-tratamento ou de sintomas de incontinência urinária de esforço. Desfechos secundários incluíram sintomas urinários e qualidade de vida, satisfação, função sexual e eventos adversos. 38 UROLOGIA ESSENCIAL V.5 N.1 JAN JUN 2015 RESULTADOS Das 597 mulheres do ensaio clínico original, 404(68%) foram recrutadas para o estudo. Cinco anos após o tratamento cirúrgico, desfechos favoráveis foram 7,9% maiores em mulheres designadas para o grupo de sling retropubico comparado ao sling transobturador (51,3% vs. 43,4%, 95%CI-1,4, 17,2), não fechando critérios pré-estabelecidos de equivalência. Satisfação diminuiu durante 5 anos, mas permaneceu alta e similar entre os grupos (sling retropubico 79% vs transobturador 85%, p=0,15). Sintomas urinários e qualidade de vida pioraram com o tempo (p<0,001), e mulheres com sling retropubico relataram maior urgência urinária(p=0,001), maior impacto negativo na qualidade de vida(p=0,02) e pior função sexual(p=0,001). Não houve diferença na proporção de mulheres que tiveram ao menos 1 evento adverso (p=0,17). Sete erosões de tela foram observadas (3 em sling retropubicos e 4 em slings transobturatorios). CONCLUSÕES O sucesso do tratamento diminuiui durante 5 anos para os slngs retropubico e transobturador, não obtendo critério de equivalência, com discreta vantagem para o sling retropubico. Contudo, satisfação manteve-se alta nos dois braços do www.urologiaessencial.org.br estudo. Mulheres submetidas ao sling transobturador reportaram melhora mais consistente dos sintomas urinários e de função sexual. Erosões de tela ocorreram em ambos os grupos e em frequências similares. COMENTÁRIO Cirurgias para incontinência urinária de esforço com colocação de slings de uretra média são os procedimentos mais comuns para correção de incontinência urinária de esforço, com taxas de sucesso, avaliadas em ensaios clínicos de 1 a 2 anos de duração, porém sem avaliação de sucesso em períodos mais longos, onde poderia ocorrer recidiva tardia dos sintomas. Paralelamente, as duas técnicas mais utilizadas para colocação, retropubico ou transobturador, também não foram avaliadas, na sua equivalência, neste quesito. O presente estudo descreve o seguimento em longo prazo (5 anos) de pacientes oriundas de ensaio clínico randomizado, que comparou as duas técnicas de colocação de sling, avaliando por dados objetivos e subjetivos, a taxa de sucesso para correção da incontinência de esforço. Do ensaio clínico original, foi possível recrutar para o estudo observacional, 68% das pacientes operadas e que não tiveram necessidade de retratamento. Analisando os resultados e similarmente aos estudos prévios, com períodos menores de seguimento, a taxa de falha é consideravelmente alta (em torno de 50% nos grupos). Existe melhora objetiva maior no grupo submetido ao Sling retropubico em números absolutos com uma diferença de quase 8%, não atingindo critério de equivalência, apesar do intervalo de confiança cruzar o 0%, não podendo afirmar-se categoricamente que há diferença entre os grupos. Outros dados semelhantes ao previamente publicado, foram a alta taxa de satisfação das pacientes (83%), apesar do baixo índice de su- cesso objetivo da cirurgia, com maior freqüência de satisfação com o procedimento e melhor qualidade de vida no grupo de mulheres submetidas à técnica transobturatoria. Os resultados deste estudo mostram que após 5 anos de seguimento, os desfechos objetivos e subjetivos, bem como a freqüência de complicações, mantém padrão semelhante aos estudos com seguimentos menores (1-2 anos). Desfecho Funcional Superior após Cistectomia Radical e Neobexiga Ortotópica Ileal com Manejo Restrititvo Intraoperatório de Líquidos: Um Estudo de Seguimento de um Ensaio Clínico Randomizado Fiona C Burkhard, Urs E Studer e Patrick Y Wuetrich Journal of Urology , vol 193, 203-210, Jan 2015. PROPOSTA Infusão contínua intraoperatória de Noradrenalina combinada com hidratação restritiva melhora a visibilidade do campo cirurgico, e significativamente diminui perda sanguínea intraoperatória e complicações pós-operatórias em pacientes submetidos à cistectomia radical e derivação urinária. Nós determinamos se o regime de líquidos poderia afetar o desfecho funcional (continência e função erétil) 1 ano após a substituição ileal ortotópica. MÉTODOS E MÉTODOS Nós analisamos um subgrupo de 93 pacientes que receberam neobexiga ilela ortotópica. O subgrupo foi parte de um ensaio clínico randomizado em 167 pacientes inicialmente alocados para administração contínua de noradrenalina começando com V.5 N.1 JAN JUN 2013 UROLOGIA ESSENCIAL 39 URO-RESUMO BRASIL SILVA NETO TIAGO ELIAS ROSITO 2µg/kg/h combinado com 1ml/kg/h, inicialmente, e 3ml/kg/h de cristalóide após a cistectomia (grupo noradrenalina/baixo volume – 51 pacientes) ou infusão cristalóide de 6ml/kg/h através da cirurgia. Nós, prospectivamente, avaliamos continência diurna e noturna, bem como a função erétil em 1 ano de pós operatórioneste subgrupo de 93 pacientes. RESULTADOS Continência diurna foi reportada em 44 de 51 pacientes (86%) no grupo noradrenalina/baixo volume e por 27 de 42 controles (64%) (p=0,016) e continência noturna foi relatadaem 38 (75%) e 25 (60%), respectivamente (p=0,077). Recuperação da função erétil foi descrita em 26 de 33 pacientes potentes no pré-operatório (79%) no grupo noradrenalina/baixo volume e em 11 de 29 controles (38%) (p=0,002). CONCLUSÕES Pacientes submetidos à cistectomia radical e neobexiga ortotópica com infusão contínua de noradrenalina e restrição de líquidos durante a cirurgia apresentam continência diurna e função erétil significativamente melhores em 1 ano de pós-operatório. COMENTÁRIO Elegante estudo realizado, muito bem desenhado, onde os pesquisadores avaliaram primeiramente os desfechos perioperatórios, randomizando pacientes para manejo restritivo de líquidos vs. o manejo usual com infusão de cristaloides. Em seu estudo anterior, mostraram que o manejo restritivo melhorou visibilidade no campo cirúrgico, diminuiu perda sanguínea e taxa de complicações pós-operatórias. Após um ano de seguimento, analisaram os dados funcionais quanto à continência, diurna e noturna e função erétil, verificando um melhor padrão de continência em pacientes, de ambos os sexos, 40 UROLOGIA ESSENCIAL V.5 N.1 JAN JUN 2015 que foram submetidos ao regime de restrição hídrica no perioperatorio, bem como, nos pacientes masculinos, a manutenção da função erétil em uma freqüência maior neste grupo. O racional desta estratégia é minimizar as perdas conseqüentes à vasodilataçao periférica resultante de qualquer técnica anestésica, melhorando o campo de visão do cirurgião como consequência. A técnica de “nerve-sparing surgery” não foi um fator determinante, visto que 97% dos pacientes tiveram preservação dos nervos, parcial ou total, independente do grupo alocado, o que suscita algumas questões importantes, apesar das limitações metodológicas da ánalise retrospectiva do estudo. UROLOGIA PEDIÁTRICA Anualmente o Journal of Urology publica um suplemento dedicado a Urologia Pediátrica. No ano de 2014 foi publicado no mês de maio. Estes resumos tem como objetivo dar um parâmetro amplo do que esta ocorrendo nesta subespecialidade nos dias de hoje, variando de doenças muito comuns como a hidronefrose antenatal até o tratamento de eventos raros como a agenesia vaginal. Risk Factors for Febrile Urinary Tract Infection in Infants with Prenatal Hydronephrosis: Comprehensive Single Center Analysis Piotr Zareba, Armando J. Lorenzo, Luis H. Braga OBJETIVOS Foram avaliados fatores de risco para infecção do trato urinário em crianças com hidronefrose pré-natal MATERIAL E MÉTODOS Foram identificadas 376 crianças com hidronefrose pré-natal em um banco de dados institucional. BRASIL SILVA NETO A ocorrência de infecção urinária febril nos primeiros 2 anos de vida foi avaliada por revisão de prontuários. Infecção urinária febril foi definida como uma cultura positiva de uma amostra de urina sondados em um paciente com uma febre de 38.0C ou superior. A regressão logística multivariada foi utilizada para avaliar sexo, estado circuncisão, grau hidronefrose, grau de refluxo vesico-ureteral e profilaxia antibiótica como preditores do risco de infecção do trato urinário. RESULTADOS Incluído na análise foram 277 meninos e 99 meninas. Hidronefrose era de alto grau em 128 crianças (34,0%) e refluxo estava presente em 79 (21,0%). Profilaxia antibiótica foi prescrita em 60,4% dos pacientes, preferencialmente para mulheres versus homens (70,7% vs 56,7%), aqueles com alta vs baixo grau de hidronefrose (70,3% vs 55,2%) e aqueles com vs sem refluxo vesico-ureteral (96,2% vs 50,8%). Na análise multivariada, houve uma associação entre hidronefrose severa e um maior risco de infecção do trato urinário (OR ajustado 2,40, IC 95% 1,26-4,56). As meninas (OR ajustado 3,16, IC 95% 0,98-10,19) e meninos e não circuncidados (OR ajustado 3,63, IC 95% 1,18-11,22) também estavam em maior risco do que os homens circuncidados. A profilaxia antibiótica não foi associado a um menor risco de infecção do trato urinário (OR ajustado 0,93, IC 95% 0,45-1,94). CONCLUSÕES Hidronefrose severa, sexo feminino e não circunsisados no sexo masculino são fatores de risco independentes para a infecção urinária febril em crianças com hidronefrose pré-natal. A profilaxia antibiótica não reduziu o risco de infecção do trato urinário no grupo de estudo. TIAGO ELIAS ROSITO URO-RESUMO urologia se desenvolveu, a Urologia Fetal. A identificação de hidronefrose dos mais variados graus no período pré natal se tornou extremamente freqüente e saber identificar os casos com importância clínica da grande maioria irrelevante é essensial. Este estudo retrospectivo de um grande centro de referencia demonstrou as principais características que o urologista deve ficar atento a fim de evitar e diagnosticar precocemente no período pós natal as complicações urológicas infecciosas. Importante notar que não demonstrou validade para o uso da profilaxia antibiótica na maioria dos casos. Mitrofanoff para a Síndrome da Bexiga Válvula: Efeito no trato urinário e da função renal Thomas King, Robert Coleman, Karan Parashar Hospital de Birmingham Children, Serviço Nacional de Saúde Foundation Trust, Birmingham, Reino Unido OBJETIVOS Apesar de o diagnóstico precoce e ablação válvula, insuficiência renal progressiva se desenvolve em uma proporção significativa de meninos nascidos com válvula de uretra posterior. Disfunção vesical apresenta um papel importante na etiologia desta deterioração renal. Nós relatamos o resultado do tratamento da disfunção da vesical com cateterismo intermitente limpo e drenagem durante a noite através de um apendicovesicostomia pela técnica de Mitrofanoff avaliando-se as imagens do trato superior, achados urodinâmicos e função renal. MATERIAL E MÉTODOS COMENTÁRIO Com a popularização e evolução dos métodos diagnósticos pré natais uma nova sub área da Todos os pacientes foram colocados em um programa de cateterismo intermitente limpo através do estoma Mitrofanoff, incluindo 3 ou 4 cateterisV.5 N.1 JAN JUN 2013 UROLOGIA ESSENCIAL 41 URO-RESUMO BRASIL SILVA NETO TIAGO ELIAS ROSITO mos diurnos e drenagem durante a noite com um cateter de demora. Foram analisadas as tendências da creatinina sérica, aparência ultra-som renal e dados urodinâmico. RESULTADOS Mitrofanoff foi realizado em 24 pacientes com síndrome da bexiga válvula. Seguimento médio foi de 6,2 anos. Hidronefrose, quantificada por medições do diâmetro ântero-posterior combinados da pelve renal, demonstrou uma melhora significativa com a redução do diâmetro ântero-posterior média combinada de 14,2 mm (IC de 95% 7,6-20,9, p ≤0.001). Disfunção da vesical melhorou. A capacidade vesical era diminuída em 9 dos 12 pacientes (75%), inicialmente, em comparação com 12 de 21 (57%) após a cirurgia Mitrofanoff (p = 0,457). Complascência vesical era ruim em 75% dos pacientes inicialmente vs 28,6% no seguimento (p = 0,014). Apesar das melhorias na hidronefrose e parâmetros urodinâmicos a taxa média estimada de filtração glomerular deteriorou. Insuficiência renal terminal desenvolveu-se em 35% dos casos durante o acompanhamento. CONCLUSÕES O tratamento da bexiga válvula com cateterismo intermitente limpo e drenagem durante a noite através de um estoma Mitrofanoff pode alcançar melhorias significativas na hidronefrose e disfunção da bexiga parâmetros urodinâmicos. No entanto, ela não impede a deterioração renal. COMENTÁRIO A introdução do cateterismo intermitente limpo por Lapides na década de 70 revolucionou o tratamento e evolução das bexigas neurogênicas de alta pressão, levando a uma melhora da qualidade de vida e preservaçnao da função renal em pacientes com mielodisplasia. A válvula de uretra posterior é a principal causa urológica de insuficiência ranal em meninos e sabidamente leva 30% deles a 42 UROLOGIA ESSENCIAL V.5 N.1 JAN JUN 2015 doença terminal e transplante renal. A introdução de um cateterismo intenso desde o inicio da vida teria como objetivo preservar a função renal corrigindo a disfunção vesical. Este estudo demonstrou que apesar da intervenção ativa e controlada da disfunção vesical, demonstrada principalmente pelo achado de melhora da hidronefrose, nåo foi suficiente para mudar o prognóstico renal. Estes achados corroboram a teoria de que a lesão displásica renal na válvula de uretra posterior ocorre durante o período pré natal e não pode ser resolvida posteriormente. Sigmoid Vaginoplasty with a Modified Single Monti Tube: A Pediatric Case Series Michael Garcia-Roig, Miguel Castellan, Javier Gonzalez, Michael A. Gorin, Omar Cruz-Diaz, Andrew Labbie, Rafael Gosalbez p1537–1542 OBJETIVOS Não existe consenso sobre o procedimento mais eficaz para formação de neovagina. Nós descrevemos nossa experiência com um único tubo de Monti modificado para colovaginoplastia em pacientes pediátricos com distúrbios de diferenciação sexual. MATERIAL E MÉTODOS Seis pacientes foram identificados retrospectivamente que realizaram vaginoplastia com sigmóide primário com um tubo de Monti único modificado entre 2009 e 2012. Os dados foram coletados a partir dos prontuários. O procedimento é realizado através do isolamento de um segmento de 8 a 10 cm do cólon sigmóide distal ou reto proximal, que é ao longo do mesentério destubularizado anterior, dobrado e retubularizado longitudinalmente, deixando o mesentério em posição cefálica. Um canal é dissecado na pelve para acomodar a neovagina. BRASIL SILVA NETO RESULTADOS Idade média dos pacientes foi de 12,7 anos (variação 6-17). O diagnóstico principal foi insensibilidade androgênica em 3 casos (50%) e síndrome de Mayer-Rokitansky, insensibilidade androgênica parcial e cloaca persistente em cada um dos demais (16,7%). A análise cromossômica revelou 46XY em 4 pacientes (66,7%). Seguimento médio foi de 7,9 meses (intervalo 3-41). Um paciente que se envolve em relações sexuais vaginais relatou comprimento vaginal satisfatório sem desconforto. Em 1 paciente uma estenose da anastomose desenvolvido, que foi controlado por enxertia de mucosa bucal. CONCLUSÕES Monti modificado de sigmóide para vaginoplastia é uma técnica segura e eficaz para formação de neovagina em pacientes pediátricos com distúrbios de diferenciação sexual. Em comparação com outros métodos existentes, a técnica permite o uso de TIAGO ELIAS ROSITO URO-RESUMO segmentos intestinais mais curtos com diminuição da tensão do pedículo vascular. COMENTÁRIO Apesar de rara, a agenesia vaginal é um evento potencialmente devastador do ponto de vista social. As técnicas existentes para correção são muitas e variam entre o uso de enxertos, retalhos e uso de segmentos intestinais. Uma das dificuldades associadas ao uso de segmentos intestinais de forma clássica não detubularizado é a limitação do comprimento do pedículo vascular e subseqüente tensão apos a anastomose. O princípio de detubularização proposto pelo brasileiro Paulo Monti revolucionou a urologia, pois permite a confecção de condutos cateterizaveis de bexiga, substituições ureterais entre outros usos. Esta série de casos demonstra uma simplificação da técnica de vaginoplastia com sigmóide com um procedimento de domínio do urologosta em geral. V.5 N.1 JAN JUN 2013 UROLOGIA ESSENCIAL 43 BCG NO MANEJO DO CARCINOMA UROTELIAL NÃO MÚSCULO-INVASIVO DE BEXIGA PONTO DE VISTA CARLOS H. WATANABE SILVA JOSÉ PONTES JÚNIOR BCG no Manejo do Carcinoma Urotelial Não Músculo-Invasivo de Bexiga Carlos H. Watanabe Silva Serviço de Urologia do Hospital Brigadeiro José Pontes Júnior Serviço de Urologia do Hospital Brigadeiro HCFMUSP Instituto do Câncer do Estado de São Paulo | ICESP/ Hospital das Clínicas | Introdução E stima-se que 386.000 novos casos de câncer de bexiga sejam diagnosticados por ano, constituindo a sétima neoplasia maligna mais comum no mundo atualmente1. Cerca de 70% dos casos de câncer de bexiga são tumores não musculo-invasivos, o que inclui, por definição, tumores Ta, T1 (invasão submucosa) e Tis (carcinoma in situ-Cis)2,3. A taxa de recorrência do carcinoma urotelial não músculo-invasivo (CUNMI) é de 40-80% em 6-12 meses após a ressecção transuretral de tumor de bexiga (RTUB isolada), sendo a taxa de progressão de 10-25%'. Em 1976, Morales et al. demonstraram, pela primeira vez, redução no número de recorrências após a utilização de Bacilo Calmette-Guérin (BCG) intravesical para o tratamento adjuvante do CUNMI5. Desde então, diversos trabalhos confirmaram o benefício da terapia intravesical com BCG 44 UROLOGIA ESSENCIAL V.5 N.1 JANL JUN 2015 após a ressecção transuretral do tumor e, atualmente, os consensos da Associação Americana e Europeia de Urologia indicam a terapia intravesical complementar com BCG para os CUNMI com risco intermediário ou alto para recorrência ou progressão, e também para os casos com CIS, sendo, para este último, considerado tratamento padrão, uma vez que o tratamento endoscópico, somente, não é curativo3,6. A utilização de terapia complementar à RTUB envolve a estraficação dos pacientes segundo fatores prognósticos que envolvem a avaliação do estadiamento e grau histológico, presença ou não de doença multicêntrica, recorrência, tamanho tumoral e presença de CIS. A presença de tumor multifocal, recorrência em curto período, presença de tumor séssil de base larga, tumor de estádio patológico T1 ou alto grau, ressecção incompleta ou presença de CIS são indicativos de doença com maior chance de recorrência BCG NO MANEJO DO CARCINOMA UROTELIAL NÃO MÚSCULO-INVASIVO DE BEXIGA CARLOS H. WATANABE SILVA JOSÉ PONTES JÚNIOR PONTO DE VISTA www.urologiaessencial.org.br e necessidade de tratamento complementar. Estima-se que cerca de 80% dos pacientes de alto risco apresentarão recorrência em 12 meses. Nesses casos, a RTUB isoladamente não será suficiente para o tratamento e a terapia intravesical complementar está indicada, com o objetivo de reduzir as taxas de recorrência e progressão. A terapia intravesical permite a exposição de maiores concentrações do agente terapêutico diretamente na bexiga, possibilitando a destruição de tumor residual e prevenindo o implante de células tumorais. BCG – Bacillus Calmett-Guerin agir como apresentadoras de antígeno para o BCG e alvos para os LKA7. Esta ativação imunológica pode persistir por semanas a meses, havendo evidência de que o agente pode ser detectado por até 7 dias após a instilação, o que garantiria maior exposição ao agente e melhor resposta imunológica7. Por outro lado, a maior exposição leva também a maior risco de complicações sistêmicas da sua utilização. Com relação ao tipo de cepa de BCG, em metanálise publicada recentemente, em que foram avaliados 9.482 pacientes, não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes em relação aos desfechos Em estudo randomizado com de eficácia quando realizada seguimento de 10 anos, 86 estratificação de acordo com os seis tipos de cepas avaliapacientes foram selecionados das, não sendo possível aferir para tratamento com BCG ou superioridade de uma delas não após RTUB. A taxa de livre em relação às demais2. O BCG é uma forma viva atenuada do Mycobacterium bovis e constitui o agente mais frequentemente utilizado para a terapia intravesical. O mecanismo de ação de resposta à micobactéria de progressão foi de 62% contra é complexo, mas tem como Eficácia estrutura básica a apresen37% sem BCG (p=0,0063) e a Em revisão sistemática tação de antígenos pelos sobrevida específica foi de 75% analizando seis trabalhos fagócitos às células T auxicontra 55% no grupo sem randomizandos, incluindo liares. Foi demonstrado que 9 585 pacientes com doença a exposição ao BCG induz BCG (p=0,03) ” estádio Ta ou T1, foi consaumento do infiltrado monotatada, em 12 meses, recornuclear, constituído princirência significativamente menor nos casos que palmente por células T e macrófagos, aumento da receberam BCG intravesical adjuvante, quando expressão de Interferon-gama (INF-g) e, por concomparada aos pacientes submetidos somente à seguinte, aumento da expressão de moléculas do RTUB8. Em estudo randomizado com seguimento complexo maior de histocompatibilidade classe II de 10 anos, 86 pacientes foram selecionados para (MHCII) e ICAM-1 nas células tumorais, além de tratamento com BCG ou não após RTUB. A taxa ativação de linfócitos T Killer ativadas (LKA). Há de livre de progressão foi de 62% contra 37% sem aumento da expressão de citocinas, como as interBCG (p=0,0063) e a sobrevida específica foi de 75% leucinas (IL)-1, IL2, IL6, IL8, IL 12, fator de necrose contra 55% no grupo sem BCG (p=0,03)9. tumoral alfa (FNT). Tais alterações criariam condiUma análise retrospectiva de 23.932 pacienções para que o sistema imunológico atuasse contes, com idade ≥65 anos e CUNMI registrados na tra o tecido tumoral, diminuindo assim as chances base SEER (Surveillanve, Epidemiology, and Endde recorrência. Existe também evidência de que -Reults-Medicare database), observou que a utilihaja supressão do crescimento por ação direta do zação da BCG esteve associada à maior sobrevida BCG nas células tumorais, que podem passar a V.5 N.1 JAN JUN 2015 UROLOGIA ESSENCIAL 45 PONTO DE VISTA BCG NO MANEJO DO CARCINOMA UROTELIAL NÃO MÚSCULO-INVASIVO DE BEXIGA CARLOS H. WATANABE SILVA JOSÉ PONTES JÚNIOR específica (HR 0,78; 95% CI 0,83-0,92) em pacientes com tumor de alto grau10. Metanálises comparando BCG com terapia intravesical e outros agentes (exemplo: mitomicina C), mostraram superioridade da BCG na diminuição da recorrência, especificamente em grupos de risco intermediário e alto para recorrência e progressão 2,11. Contudo, a despeito desses benefícios e diante da recomendação de uso da BCG na maioria dos consensos, estima-se que poucos pacientes tenham acesso ao tratamento adequado, sendo que, em estudo recente, menos de ¼ dos pacientes elegíveis para o tratamento o recebem nos Estados Unidos10. Vale lembrar que a indução com BCG é postergada nos casos em que, antes do início da terapia intravesical, seja necessária uma nova ressecção endoscópcia (Re-RTUB). A Re-RTUb melhora a sobrevida livre de recorrência e está indicada nos casos de ressecção incompleta e naqueles com estádio T1 ou alto grau3. Dose O BCG é administrado pela via intravesical semanalmente, durante 6 semanas. O tratamento é iniciado 2-3 semanas após a realização da RTUB, com o objetivo de permitir a recuperação do urotélio e diminuir a chance de efeitos colaterais sistêmicos6. A dose ideal, com menor perfil de eventos adversos, tem sido alvo de estudos desde o início da sua utilização para o tratamento adjuvante do carcinoma de bexiga12–14. Estudo clínico randomizado com 152 pacientes com doença não músculo-invasiva foi conduzido comparando diferentes regimes de administração de BCG: 40, 80 e 120mg. Ao final de um período de seguimento de 36 meses, não houve diferença entre os grupos quanto à recorrência (20%x25% x 20%, respectivamente), mas foi encontrada maior taxa de toxicidade (30% x 41,7% x 70%, respectivamente)13. Em outro estudo, com 155 pacientes randomizados para doses de 81mg versus 27mg, por 6 semanas, mostrou que não houve diferença na recorrência ou sobrevida livre de doença. Contudo, a taxa de eventos adversos sistêmicos no grupo de 27mg 46 UROLOGIA ESSENCIAL V.5 N.1 JANL JUN 2015 foi de 4% versus 16% e a taxa de eventos adversos locais foi de 37% versus 50%, respectivamente15. Portanto, a administração de doses menores pode permitir a obtenção dos mesmos benefícios, evitando-se, assim, efeitos colaterais. Como possível esquema de administração, sugere-se que uma dose de 50mg seja reconstituída em 50ml de solução salina e injetada, através de sonda, na bexiga, e deixada por 1 a 2 horas, sendo repetido a cada semana, por 6 semanas. Manutenção A terapia de manutenção tem como objetivo prolongar os efeitos do tratamento de indução com BCG intravesical. Em modelos animais, o re-tratamento com BCG reduz de maneira efetiva o crescimento de células de carcinoma urotelial, mas somente quando tempo suficiente foi trasncorrido para que a estimulação pelo tratamento prévio com BCG já tenha encerrado-se. A administração de terapia de manutenção tem suporte em estudos de metanálise que mostram que existe redução do risco de recorrência e progressão quando é administrado pelo menos um ano de terapia de manutenção2,8,11. Contudo, estudos iniciais com amostras pequenas de paciente e com esquemas mensais não mostraram benefício em relação ao tratamento somente com indução, havendo, inclusive, maior taxa de eventos adversos com necessidade de redução da dose administrada16,17. A melhor evidência do beneficio da terapia de manutenção veio do estudo da Southwest Oncology Group(SWOG) 18. Nesse estudo, 660 pacientes receberam terapia e indução. Após 3 semanas, 550 pacientes foram randomizados para receber ou não manutenção com BCG por 3 semanas, aos 3, 6, 12, 18, 24, 30 e 36 meses após a terapia de indução. A média estimada de sobrevida livre de recorrência foi de 35,7 meses para o grupo sem manutenção, contra 76,8 meses para o grupo submetido à manutenção (log rank p<0,0001). O tempo médio de progressão, definido como progressão para estádio T2, necessidade de cistectomia, quimioterapia ou radioterapia foi significativamente maior no BCG NO MANEJO DO CARCINOMA UROTELIAL NÃO MÚSCULO-INVASIVO DE BEXIGA CARLOS H. WATANABE SILVA JOSÉ PONTES JÚNIOR grupo sem manutenção de BCG (111.5 meses versus tempo médio ainda não estimado – log rank p = 0.04). Por apresentar alto nível de evidência e por ter observado redução significativa nas taxas de recorrência e progressão, este estudo oferere o racional para a indicação da manutenção da terapia intravesical com BCG, que ficou conhecido como esquema SWOG. Contudo, vale ressaltar que não foi constatado aumento significativo de sobrevida global, sendo a sobrevida em 5 anos de 78% no grupo sem manutenção contra 83% no grupo manutenção e que nem todos os pacientes do grupo manutenção conseguiram realizar o esquema completo de três anos. Em metanálise publicada por Jiangang Pan et al., foram selecionados 48 estudos randomizados, comparando 6.547 pacientes, que receberam terapia de manutenção (seis semanas de indução seguidas de 3 semanas de manutenção no terceiro e sexto meses por, pelo menos, um ano) contra 2.935 que receberam somente indução2. Neste estudo, mostrou-se que a terapia com BCG após RTUB reduz o risco de recorrência quando associada com terapia de manutenção, particularmente em pacientes com tumor papilar e em tumores T1G3, considerados de alto risco. Não há consenso quanto a um esquema ideal de manutenção. Resultados do estudo publicado recentemente pela European Organization for Research and Treatment of Cancer (EORTC), comparando 1 ano versus 3 anos de manutenção, mostrou não haver diferenças significativas em termos de progressão e sobrevida entre os dois grupos. Contudo, o tratamento por 3 anos reduziu significativamente a taxa de recorrência em relação a 1 ano em pacientes de alto risco, mas não nos casos de risco intermediário19. Portanto, recomenda-se a manutenção por, pelo menos, um ano (3 aplicações semais aos 3, 6 e 12 meses apos a RTUB) em PONTO DE VISTA pacientes de risco intermediário e por até 3 anos em pacientes de alto risco (esquema SWOG), pesando-se riscos de eventos adversos e evidência de benefícios na recorrência nesses grupos3, 19, 20. Eventos Adversos Relacionados Ao BCG A maioria dos eventos adversos a BCG relacionam-se à estimulação imunológica necessária para a erradicação das células tumorais. Entretanto, a presença de efeitos colaterais pode reduzir a aderência do paciente ao tratamento e prejudicar o seguimento16, 18. Embora promova menores taxas de recorrência, o tratamento com BCG induz maior taxa de eventos adversos em comparação com a terapia intravesical com quimioterápico4, 21. Aproximadamente 50% dos pacientes submetidos ao uso de BCG apresentarão efeitos colaterais, que variam de sintomas locais a sistêmicos. Menos de 5% dos pacientes apresentarão toxicidade grave12, sendo reportados casos de granulomatose sistêmica, pneumonite, cistite ulcerativa, reação de hipersensibilidade, sepse. Na maioria das vezes, complicações mais graves estão relacionadas a absorção sistêmica do BCG. Entretanto, é possível o manejo clínico com uso de sintomáticos, suspensão temporária da dose ou utilização de tratamento antibioticoterápico12. O consenso europeu traz recomendações específicas, resumidas em tabela, quanto ao manejo de efeitos colaterais da BCG, inclusive com as recomendações sobre o uso de terapia com isoniazida, rifampicina e etambutol nos raros casos de infecção sistêmica pelo BCG3. A redução da dose utilizada na indução, o reconhecimento precoce de efeitos colaterais e a tomada de medidas imediatas para tratamento são ações qu podem reduzir significativamente a morbidade do uso da BCG. Contudo, é necessário pesar os riscos de recorrência do tumor caso a caso. V.5 N.1 JAN JUN 2015 UROLOGIA ESSENCIAL 47 PONTO DE VISTA BCG NO MANEJO DO CARCINOMA UROTELIAL NÃO MÚSCULO-INVASIVO DE BEXIGA CARLOS H. WATANABE SILVA JOSÉ PONTES JÚNIOR REFERÊNCIAS Jemal A, Bray F, Center M. Global cancer statistics. CA a cancer J…. 2011;61(2):69-90. doi:10.3322/caac.20107. 2. Pan J, Liu M, Zhou X. Can intravesical bacillus Calmette-Guérin reduce recurrence in patients with non-muscle invasive bladder cancer? An update and cumulative meta-analysis. Front Med. 2014. doi:10.1007/s11684-014-0328-0. 3. Babjuk M, Burger M, Zigeuner R, et al. EAU guidelines on non-muscle-invasive urothelial carcinoma of the bladder: update 2013. Eur Urol. 2013;64(4):639-53. doi:10.1016/j.eururo.2013.06.003. 4. 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Esta técnica oferece menor estadia hospitalar com retorno a atividades profissionais mais precocemente1. No caso representado na imagem, foi realizado a nefrectomia pela via laparoscópica e identificado a presença de três artérias renais. Este achado estava em discordância com o exame de arteriografia realizado previamente que diagnosticava artéria renal única. Optou- 50 UROLOGIA ESSENCIAL V.5 N.1 JAN JUN 2015 -se por prosseguir com o procedimento pela via laparoscópica. Realizou-se a ressecção da artéria ilíaca interna do paciente receptor com seus ramos. Através da cirurgia de banco foi realizada a anastomose dos ramos da artéria ilíaca interna nas artérias renais, utilizando-se fio de polipropileno 6.0 (Figura 1). Em seguida, realizamos o implante renal com anastomose do enxerto de artéria ilíaca interna na artéria ilíaca externa com sutura término-lateral com fio polipropileno 6.0. Optamos por esta tática cirúrgica visando minimizar o tempo de isquemia quente que seria prolongado ao se tentar realizar três anastomoses diretamente no paciente. Além disto, acreditamos que no caso em questão, a confecção de anastomoses dos ramos entre si (em cano de espingarda ou término-lateral) po- XXX XX IMAGEM EM UROLOGIA www.urologiaessencial.org.br FIGURA 1 Rim para transplante. deria ficar anatomicamente desfavorável gerando angulações obstrutivas. O paciente evoluiu bem com diurese imediatamente após a cirurgia e permanece com enxerto funcionando seis meses depois de feito o procedimento cirúrgico. O uso de rins com alterações anatômicas vasculares é reconhecida como um desafio técnico, mas não deve ser motivo para não utilização do órgão.2 Acreditamos que a técnica utilizada pode ser útil em situações com três ou mais artérias renais. REFERÊNCIAS 1. Chandak P, Kessaris N, Challacombe B, Olsburgh J, Calder F, Mamode N. How safe is hand-assisted laparoscopic donor nephrectomy? — results of 200 live donor nephrectomies by two different techniques. Nephrology, dialysis, transplantation: official publication of the European Dialysis and Transplant Association European Renal Association. 2009;24(1):293-7. 2. Chedid MF, Muthu C, Nyberg SL, Lesnick TG, Kremers WK, Prieto M, et al. Living donor kidney transplantation using laparoscopically procured multiple renal artery kidneys and right kidneys. Journal of the American College of Surgeons. 2013;217(1):14452; discussion 52. V.5 N.1 JAN JUN 2015 UROLOGIA ESSENCIAL 51